Sexta, 17 Abril 2020 14:06

 

Crises são também momentos de agudização das contradições que atormentam a vida social sob o capitalismo. A pandemia do novo coronavírus – ao que sabemos até aqui – nasceu na China, país superpopuloso que, diante do temor de expansão da doença em proporções gigantescas e descontroladas, tomou rigorosas medidas de isolamento social. Tais medidas envolveram a interrupção total das atividades num dos maiores centros industriais do país, Hubei, com mais de 60 milhões de habitantes, e de sua capital Wuhan. Essa decisão, em pleno período de tensões crescentes com os Estados Unidos, com seguidas provocações de Trump, impactou o mundo por um viés inesperado: a defesa da vida antes do lucro.

Os governos dos países centrais – com raras e honrosas exceções – consideraram inadmissível tal disjuntiva - defender a vida em vez do lucro - e tentaram por todos os meios evitar interrupções ou reduções no processo de extração de mais-valor. Isso ocorreu na França, na Itália, na Inglaterra e nos Estados Unidos e agora está acontecendo no Brasil. Até que a violência da pandemia expusesse a fragilidade dos sistemas de saúde, desfinanciados, sem os insumos necessários para realizar testes nas populações, sem equipamentos de proteção individual (EPI), com escassez de leitos, de respiradores e de equipes de saúde treinadas. Em meio à catástrofe sanitária, voltaram atrás tardiamente, e promoveram maior isolamento físico, mas todos, sem exceção, despreocupam-se com os trabalhadores de inúmeros setores – e não apenas os essenciais - que prosseguem em atividade sob ameaça de demissão. E, durante todo esse tempo, as populações gritam dos balcões e janelas em defesa da vida contra o lucro.

Para falar sobre a crise que o capital enfrenta de forma evidenciada durante a pandemia da Covid-19, conversamos com Vírginia Fontes, historiadora e doutora em Filosofia pela Université de Paris X, Nanterre (1992). Atualmente a docente integra o NIEP-MARX (Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o marxismo) e integra diversos conselhos editoriais no país e no exterior.

 

ANDES-SN: Professora, qual a relação entre a crise do capital e a forma como a pandemia da Covid-19 está se desenvolvendo e atingindo o mundo todo?

VF: Gostaria de separar dois movimentos: um, o da crise regular do capital, mais uma vez por superprodução, isto é, por excesso de extração de mais valor e de lucratividade do próprio capital. Há enormes massas de capital que encontram dificuldades para se valorizar na proporção faraônica que pretendem. Essas crises são recorrentes e vêm sendo a cada dia mais devastadoras para as populações e os trabalhadores, e resultam desgraçadamente da própria expansão do capitalismo. Entre 2008 e 2009 nos Estados Unidos, em 2012 na Europa, e ao longo desse período em muitos países (como no Brasil), os governos doaram bilhões para os capitalistas, mas sacrificaram pesadamente suas classes trabalhadoras. Salvaram os capitais para que eles avançassem com ainda maior ferocidade sobre os trabalhadores no mundo inteiro, extraindo mais-valor de maneira brutal pela generalização da uberização, continuando a expropriar direitos, apoderando-se dos fundos públicos.

Antes de falar da crise sanitária, é preciso lembrar que já estávamos ingressando numa nova crise capitalista, de novo por superprodução de capitais, pois o enorme volume de capitais, sob forma de títulos ou de dinheiro, que precisam se valorizar, já estavam implodindo a vida social. Longe da falaciosa versão de que “vínhamos crescendo e o vírus pode atrapalhar”, apresentada por Trump e por Bolsonaro, a crise já estava em curso, e era anunciada pelos próprios economistas burgueses. Ora, se o capital promove crises quase permanentes, uma verdadeira “crise do capital” ocorre quando as massas irrompem na história e bloqueiam sua capacidade de recompor-se. Revolucionam a existência. Dão um basta a essa forma de economia e a esse modo de ser bárbaro e truculento.

 

ANDES-SN: Nos últimos anos a extrema direita se consolidou no Brasil e no mundo. Como o avanço desse movimento se conecta a expansão desordenada do capital?

VF: No mundo contemporâneo, diversos arranjos protofascistas vinham se constituindo, inclusive no pólo central do capitalismo contemporâneo, os Estados Unidos. Desde a eleição de Ronald Reagan, cresceram as manifestações de uma extrema direita (alt-right) supremacista branca e racista, antifeminista, anti-trabalhadores, encarceradora e colonizadora. Esse endurecimento chega a seu ponto máximo com a eleição de Donald Trump, uma caricatura supremacista, de um nacionalismo exibicionista e belicoso e, finalmente, com a eleição do protofascista Jair Bolsonaro, no Brasil. Não obstante as demonstrações de truculência de ambos, a economia dos dois países estava dando sinais de dificuldades. No caso do Brasil, a crise iniciada em 2015 jamais foi superada, apesar de seus promotores – grande burguesia, seus acólitos políticos, pastores venais, militares e paramilitares, juízes a soldo -  usarem de enorme violência, retirando direitos de maneira brutal e lançando na precarização quase a metade dos trabalhadores, totalmente desprotegidos. Não podemos esquecer da brutalidade policial francesa contra os coletes amarelos, da truculência da polícia chilena cegando manifestantes populares que enfrentaram o medo e foram às ruas contra a permanência da política econômica ditatorial, da criminosa atitude policial e miliciana contra o governo de Evo Morales…

Essas são as condições antes da pandemia. A própria expansão do capital em sua desordenada e devastadora relação com a natureza vem agudizando permanentemente a possibilidade de pandemias, e já há uma enorme quantidade de estudos a esse respeito – confinamento de animais, tratados com doses massivas de medicamentos; alteração do uso do solo e do ambiente por monoculturas gigantescas, massivamente impregnadas de agrotóxicos etc. Todos os dias as mídias proprietárias relembram das últimas grandes epidemias – Ebola, SARS, MERS, H1N1 etc, mas “esquecem” de dizer que foram gestadas pelo próprio capitalismo. Ainda a destacar, o avanço das expropriações de direitos sociais incidiu diretamente na saúde, privatizando parcelas expressivas das políticas universais, precarizando trabalhadores, transferindo boa parte da saúde pública para mãos empresariais ávidas de lucro, além da destinação crescente de recursos públicos para o setor privado.  Esta é portanto uma pandemia totalmente acoplada à crise da vida social provocada pela expansão do capital e do capitalismo, sem falar da profunda internacionalização das relações sociais de produção.

O capital precisa se opor à disjuntiva verdadeira, à exigência que se generalizou, e que prega que a vida está acima do lucro. Por isso, cria a falsa disjuntiva da defesa da saúde contra a “economia”. Essa é a expressão mais direta da luta de classes em tempos de pandemia.

ANDES-SN: Essa pode ser uma oportunidade para escancarar a falência do modelo neoliberal e do Estado mínimo para o social?

VF: Mais uma vez, como fizeram em 2008 e em 2012, os governos capitalistas despejam trilhões de dólares para os proprietários de capital, numa negação óbvia e repetida (posto fazerem isso regularmente fora dos olhares do público) da pregação dogmática que repetiram todos os dias, do ‘ajuste fiscal’ e do controle da dívida pública. A hipocrisia agora dispensa véus.  Não destinam tais recursos para os trabalhadores e nem para as políticas de cunho social. A discussão sobre o Estado é complexa e longa, e vou tentar abreviar.

A expansão do que denominei capital-imperialismo envolveu uma interconexão desigual entre burguesias diversas na propriedade do capital, altamente internacionalizada. Mas envolveu também, como precocemente assinalou Antonio Gramsci, alterações nas formas de organização da dominação capitalista, pelo crescente papel de lutas pelo convencimento, levadas a efeito tanto pelas organizações dos trabalhadores, como do empresariado, através de partidos, sindicatos, jornais (mídia em geral), igrejas, associações diversas (sem fins lucrativos) etc. Para Gramsci, Estado e sociedade civil (e seus aparelhos de hegemonia), como em Marx, constituem uma unidade. A cultura e a sociabilidade se converteram em terreno ainda mais acirrado de antagonismo social. Essas formas organizativas, não obrigatórias, intensificaram disputas no próprio interior dos Estados capitalistas, para onde dirigem suas reivindicações. Mas também é do Estado que emanam, sob a forma de uma ‘universalidade truncada’, as modalidades de convencimento construídas desde a sociedade civil, que podem assumir uma dimensão mais popular quando avançam as lutas dos trabalhadores (ampliação de direitos, reconhecimento de reivindicações históricas populares) ou, ao contrário, assumir uma dimensão manipulatória e regressiva.

 

ANDES-SN: Como a dominação de classe se organizou para enfrentar a sistematização de luta da classe trabalhadora?

VF: A dominação de classes se organizou diretamente para enfrentar as formas organizativas dos trabalhadores. Ele entrelaça os interesses patronais e empresariais numa rede que vai além do estreito limite das próprias empresas e que se apresenta como apartidário, assumindo feições nacionais e, na grande maioria dos casos, apoiadas e integrando associações congêneres internacionais. Assumem diferentes formatos, desde a defesa de interesses patronais setoriais (gerais, como bancos, comércio, serviços; ou específicos, como a indústria farmacêutica ou de máquinas), passando por agrupamentos de grandes blocos de interesses (como por exemplo a ABAG, no caso brasileiro que reúne desde a rede Globo até bancos, grandes empresas proprietárias de terras e empresas brasileiras e estrangeiras de insumos e agrotóxicos; ou o Fórum de Davos, no cenário internacional). Mas além disso, constituíram também outras duas formas, uma intelectual e outra ‘social’. Na primeira, a tentativa de bloquear o conhecimento crítico produzido de maneira universal, através de entidades de ensino e educação com base unicamente empresarial, visível nos Master Business of Administration (MBAs), passando por think tanks que se arvoram a ‘fala autorizada’; e na segunda, a difusão de um suposto capitalismo filantrópico, voltado diretamente para os setores populares. Todos visam impedir conquistas efetivamente universais e para tanto contam com grandes escritórios de advocacia, que formulam, incessantemente, legislações privatizantes, que atuam para contornar a lei e as exigências constitucionais. Sua atuação conjunta foi agressiva, mas sob uma novilíngua que os apresentava como arautos de uma atuação para os pobres que visava… mantê-los pobres e silentes. Não por acaso, essa era também a política conduzida pelo Banco Mundial.

Essa estratégia assegurou um crescimento de burguesias periféricas, mas mantendo-as estreitamente atadas ao capital-imperialismo tanto pelos elos de co-participação em diversas formas de propriedade (pelos investimentos externos e pela exportação de capitais de burguesias secundárias) quanto pela permanente instigação originada dos aparelhos de hegemonia de alto vôo internacional.

 A meu juízo, somente é possível compreender o que muitos denominam como ‘neoliberalismo’ se analisamos a intensa atuação dessas classes dominantes nos cenários nacional e internacional por meio dos organismos semi-públicos voltados para a reprodução do capital (BM, FMI, OMC, dentre outros) e pela ampliação dessa malha de aparelhos de hegemonia que, ao passo em que coordenavam as ações empresariais, agiam para desbaratar e desorganizar internacionalmente as classes trabalhadoras. O empresariado duplicou sua rede de relações no interior dos Estados, além de lançar teias expressivas para os setores populares, ao mesmo tempo em que capturava os recursos públicos sociais para geri-los privadamente. Nesse processo, partidos originados das classes trabalhadoras foram engolidos, transformados em ‘esquerdas para o capital’, convencidos da filantropia empresarial através de gordas retribuições.

Não há espaço para apresentar como essa forma de organização de classes foi devastadora para os setores populares. No entanto, as massas trabalhadoras não vivem de convencimento, mas de vida concreta e, nela, as condições pioravam. Agora, sem direitos e sem sequer contratos de trabalho. E o que é pior, com suas organizações, criadas com tanto sacrifício, oferecendo-se a serviço do capital.

 

ANDES-SN: Para a senhora, as contradições do capital-imperialismo estão expostas e, em parte resultam do seu próprio sucesso, que fragilizou as instituições representativas burguesas?

VF: De maneira similar às crises resultantes da excessiva extração de mais-valor e do excesso de lucro, com sua acumulação especulativa, a malha empresarial ao devastar as conquistas sociais promove crises políticas recorrentes, o que resultou em gigantescas manifestações populares que crescem desde o início do Século XXI – as ‘primaveras’ árabes, as revoltas na França ou no Chile, dentre outras.

As contradições têm ainda outro viés: burguesias subalternas criadas sob o guarda-chuva imperial dos Estados Unidos pretendiam ingressar no clube dos dominantes, sem alterar as regras do jogo, o que foi expresso pelo BRICS, composto por países subalternos cujas classes dominantes começavam a se expandir seguindo o modelo construído e imposto pelos preponderantes. Não pretendiam alterar as regras do jogo, queriam participar mais plenamente.  No entanto, apenas essa perspectiva abriu tensões insuportáveis para os grupos dominantes, especialmente para os Estados Unidos, abrindo-se novas fricções inter-imperialistas, direcionadas contra a China.

A ampliação do Estado que Gramsci analisou, e que alguns supuseram ser capaz de avançar na direção de um aumento da participação popular em condições democráticas, revelou-se uma verdadeira coagulação da democracia em quase todos os quadrantes do planeta. A manutenção do capitalismo vem exigindo doses múltiplas de violência, ao lado da potencialização de formas de convencimento direcionadas para os processos eleitorais que são, na verdade, verdadeiras milícias virtuais protofascistas.

O Estado continua a ser o refúgio do capital. Nas atuais condições de múltiplas crises – econômica, política, social, sanitária – as falas do governo brasileiro através de Paulo Guedes são esclarecedoras: justificam se afastar de sua política padrão de ajuste fiscal para derramar bilhões de reais para o grande capital, seja para jogar o dinheiro pela janela ao tentar manter o valor do real; seja para que enormes massas de dinheiro público coagulem, ficando empoçadas nos bancos que avidamente as controlam; seja para facilitar a vida dos mega e grandes empresários, acenando também para os médios e, até mesmo, alguns pequenos capitalistas. Implodem mais uma vez seus dogmas, mas com a intenção explícita de retomá-los adiante e prometem mais retirada de direitos, maior rebaixamento das condições salariais e da vida dos trabalhadores. Longas reuniões feitas pelo ministro por meios digitais com os empresários mostram a subordinação dos governantes às classes dominantes e sua ojeriza às populações que eles próprios contribuem para fragilizar e tornar vulnerável. Enquanto os recursos bilionários já chegaram a muitos bancos e empresários, estão longe de ter algum encaminhamento consistente para os setores populares.

Algo tão brutal somente pode ser garantido pelo crescimento da violência, real e simbólica. Ao mesmo tempo, os trabalhadores sabem que estão abandonados, exigem saúde e recursos para cuidar da vida durante a pandemia. Ao contrário de assegurar a vida, o governo Bolsonaro joga para aumentar ainda mais o grau de exploração das grandes massas trabalhadoras. Para isso, vem contando com o apoio de suas clássicas milícias, assim como das Forças Armadas, que parecem dispostas a sair de seu papel de militares, para se converterem em policiais contra o próprio povo.

 

ANDES-SN: O governo brasileiro, assim como outros países, está injetando dinheiro para salvar empresas e bancos. Qual o impacto dessa medida? É possível dizer que há um oportunismo nessa ação, uma vez que a crise antecede a pandemia?

VF: Não só oportunismo, mas desfaçatez absoluta. Aliás, essa desfaçatez começa com a deferência do super-ministro da economia, Paulo Guedes, frente às entidades associativas empresariais e frente ao setores que lhe são caros, como o dos investidores, exemplificados pela XP Investimentos. Essa empresa lançou recentemente ações na Bolsa de Nova Yorque e acaba de ser denunciada nos Estados Unidos por comportamento não regular.  Longas ‘lives’ (transmissões diretas abertas pela internet) permitem assistir ao ministro cercado de seus amigos empresários, a quem presta contas pessoalmente. Nenhum encontro público ou privado com sindicatos e associações de trabalhadores, com movimentos sociais ou suas organizações. Um absoluto desprezo pelas grandes maiorias, para as quais destinou – segundo sua fala na live da XP – 88 bilhões, enquanto liberou 400 ou 500 bilhões para o empresariado e, segundo ele, alguns bilhões para a saúde pública.

A exigência e o clamor popular eram pela liberação urgente e imediata de recursos para assegurar a permanência dos empregos, a não redução salarial e a garantia da sobrevivência dos trabalhadores informais sob condições de pandemia. Era e ainda é a reivindicação da vida antes do lucro. A opção deste governo foi a de distribuir a rodo recursos para o empresariado, e de embarreirar com firulas burocráticas a urgente distribuição de verba pública para o setores sociais mais vulneráveis. Frente às reivindicações crescentes, inclusive de setores médios, para que o governo Bolsonaro libere “já” os recursos para os setores populares, ele retruca com o lucro contra a vida. Exige o retorno ao trabalho, custe o que custar aos trabalhadores. Estes deverão trabalhar sem equipamentos de proteção, levando e trazendo a contaminação pelas cidades afora, adoecendo e lotando os hospitais desequipados depois de décadas de subfinanciamento do Sistema Único de Saúde, de privatização da saúde e de precarização das relações de trabalho também no âmbito dos trabalhadores da saúde.

 Este é um governo que promove a catástrofe. Joga com o que há de pior – ele próprio ameaça com a fome e o abandono para que os trabalhadores e trabalhadoras enfrentem o medo da doença e da morte e se joguem na produção do lucro para o empresariado, engordado com os recursos públicos e ávido para retirar ainda mais direitos e salários de seus empregados.   

ANDES-SN: Qual Estado precisamos para enfrentar esse momento de crise?

VF: De maneira imediata, precisamos de um Estado capaz de recompor plenamente o sistema de saúde, de destinar recursos públicos para a saúde pública, universal e gratuita, garantidora da equidade e igualdade sociais. O SUS precisa ser, finalmente, implantado, o que jamais ocorreu plenamente. Para tanto, é necessário recompor e reconverter a estrutura produtiva, que deve dirigir-se para a produção dos bens urgentes para a saúde pública e, na sequência, para assegurar a qualidade de vida da população. Para que isso ocorra, é também urgente a destinação única de recursos públicos para a educação pública, que vem sendo sangrada em grande escala não apenas pelas empresas de vendas de pacotes educativos, mas por aparelhos privados de hegemonia empresariais que capturam as verbas públicas, formulam os programas educacionais em todos os níveis (municipal, estadual e federal) e procuram transformar a própria noção de público, para rebaixá-lo a uma gestão privada.

É urgente acabar com a Emenda Constitucional 95, a emenda da morte, e reverter todos os recursos para os direitos sociais. É preciso suspender o pagamento da dívida criminosa e especulativa, anulando tal dívida. Jamais soubemos no que foram aplicados tais recursos. Com isso, destinar os recursos para garantir saneamento básico – e chega a ser vergonhoso mais uma vez exigir saneamento básico, algo que reivindicamos há um século! Garantir água corrente e energia elétrica a todos os rincões do país.

Isso nos leva a enfrentar e reconverter a estrutura produtiva atual, pois está voltada para a devastação da natureza e da vida, nos campos e nas cidades. Vale lembrar os crimes cometidos pela mineração, a monocultura transgênica e encharcada de agrotóxicos, o genocídio que vem sendo cometido contra os indígenas, os quilombolas e os camponeses que resistem a essa barbárie. Vale não esquecer dos trabalhadores uberizados nas grandes capitais, dos entregadores de bicicleta, dos trabalhadores de telemarketing, das vendedoras e trabalhadoras sem reconhecimento ou direitos. É preciso uma nova forma de sociometabolismo, reconstruindo uma relação entre seres sociais e natureza capaz de assegurar os bens necessários à vida sem a exaustão do planeta, de suas águas, vegetação e fauna. E sem a exaustão dos trabalhadores. Um Estado que assegure o controle dos processos produtivos aos que efetivamente produzem, sabedores que os laços que unem os trabalhadores na atualidade não se limitam mais ao espaço fabril, e conectam todos aqueles que vivem do seu próprio trabalho. É preciso tornar públicas todas as águas, desfazendo as iniciativas privatizantes levadas a efeito pelo Estado-para-o-capital. Precisamos de um Estado diretamente controlado pelas grandes massas.

Começaríamos então a poder pensar numa verdadeira democracia, onde a liberdade é a possibilidade de ir além da vida destinada ao trabalho e à necessidade. No mundo do capital, só são livres os poderosos e os seus herdeiros bilionários. A grande massa da população está escravizada pela necessidade mais imperiosa, que a impele a vender sua força de trabalho mesmo se arriscando à morte. A liberdade começa exatamente ali onde a necessidade se reduz. As contradições geradas pelas múltiplas crises que estamos atravessando são poderosas. A resposta do grande empresariado brasileiro tem sido avançar nos recursos públicos e distribuir menos que migalhas. Mas, embora tenham eleito um protofascista e embora as milícias reais e virtuais sigam agindo, a vida real é mais poderosa e as contradições agora ficarão expostas, visíveis e dolorosas.

A vida acima do lucro diz o que precisa ser dito.

 

*As opiniões contidas nesta entrevista são de inteira responsabilidade dos entrevistados e não necessariamente correspondem ao posicionamento político deste Sindicato

 

Fonte: ANDES-SN

Quinta, 16 Abril 2020 11:50

 

****

Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

  

Wescley Pinheiro

Professor do Departamento de Serviço Social - UFMT

Doutorando em Política Social - UnB

O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  Com as incertezas e impossibilidades impostas pela pandemia da Covid-19, da necessidade de isolamento social e de todas as questões da política que potencializam o sofrimento, o debate sobre saúde mental  tem aparecido como algo essencial. 

       Essa discussão, no entanto, não pode se limitar em formulações simplistas quando boa parte da população brasileira não tem condições materiais de desenvolvê-las. Sem tergiversar: o seu yoga, as lives musicais, os filmes no streaming, a manutenção de uma rotina, a alimentação saudável, a terapia por skype e os exercícios mentais para ser positivo... tudo isso é importante, mas saúde mental é outra coisa.

Afinal, há morte lá fora. Aqui dentro de nós, angústia. Em casas apertadas e espíritos suprimidos assistimos a falta de assistência encurralando quem precisa sobreviver. Vamos intercalando entre o ímpeto dos escapes e a vontade de acompanhar tudo-ao-mesmo-tempo-agora, esperando os piores noticiários, numa luta constante para subviver. 

“Quase democrático” em seu contágio, mas muito seletivo na forma e meios de tratamentos, o Corona Vírus é um adversário invisível que joga em nossa cara todos os outros tão mais antigos e concretos. A doença que causa prejuízo econômico pode ser também a cura para as tarefas do “quase democrático” liberalismo. Se viver é meritocrático chegou a hora de aprofundar a necropolítica e com ela, além de não morrer, é muito difícil não enlouquecer.

    É tempo de golpes. De horizonte rebaixado, de profunda confusão. De um governo apostando no caos como combustível para a barbárie, de viver o desespero. Parece não haver alternativas fora do sofrimento quando não estamos presos somente em nossas casas, mas sim nunca sociedade que sequer permite o isolamento social para sobrevivermos numa pandemia. 

Compreender o tamanho do problema é fundamental. Nesse sentido, sofrer por isso também é saudável. No entanto, se a percepção desse fenômeno supera as condições individuais e subjetivas, o cuidado com a saúde mental toma contornos mais potentes, afinal, se manter são ou, ao menos, desenvolver formas de se fortalecer emocionalmente é, cada dia mais, uma questão política, afinal, será preciso não sucimbir, será necessário está bem, tanto por nossa dimensão individual, quanto para resistir ao genocídio em curso.

Além disso, quando transcendemosl, percebemos que autocuidado não é auto-ajuda, muito menos que saúde mental se limita ao seu próprio bem estar e, portanto, esse debate precisa superar as questões clínicas ou circunscritas nas escolhas cotidianas. É preciso sim pensar as estratégias subjetivas diante do isolamento, mas temos que anotar algo ainda mais grave: assim como toda a saúde pública, a política de saúde mental vem sofrendo ataques históricos e chega no quadro da pandemia profundamente debilitada. 

Não é pouca coisa ou um tema secundário. É preciso pensar no autocuidado, mas é fundante ir além. É imperativo pensar que saúde mental é mais que uma opção, um conjunto de alternativas, fórmulas, dicas ou tratamentos que o sujeito pode  ou não escolher. Saúde mental é um direito, mais ainda, enquanto política, a saúde mental é um dever coletivo. 

Nessa direção, o binômio desresponsabilização do Estado e privatização/refilantropização da saúde sustenta uma contínua contrarreforma na saúde mental ampliando desafios. Esta dualidade aparece nos retrocessos legais, no desmonte da política de saúde, na privatização do SUS, nos cortes de verbas e precarização dos espaços e condições de trabalho.

Pensar a saúde mental enquanto uma política social é elementar para superar caracterizações voluntaristas ou fatalistas diante da totalidade histórica. Perceber as disputas diante das mediações entre cotidiano, política e economia e o processo de produção e reprodução da vida são pontos cruciais para a reflexão diante da constituição da política de saúde, as particularidades brasileiras, as conquistas firmadas desde as lutas dos anos 1980 e os atuais retrocessos.

A construção de relações subjetivas numa sociedade repleta de cisões é elemento chave para a compreensão do adoecimento mental e daquilo que esta mesma sociedade compreende sobre que é saúde e suas formas de tratamento. As diversas expressões da questão social atravessam os sujeitos, demarcam seus limites e possibilidades, apresentam alternativas a partir de sua classe, cor, etnia, gênero, orientação sexual, origem e geração. Mais que questões somente físico-químicas, elementos genéticos e fisiológicos o aprofundamento de relações coisificadas e de uma lógica desumanizada mergulha a formação subjetiva nas intempéries do seu tempo histórico.

Esses elementos estabelecem condições peculiares para a saúde mental da classe trabalhadora, com o aumento da pauperização e da degradação cotidiana dos espaços de vida e trabalho, ampliando as condições de adoecimento. O crescimento de uma lógica conservadora e moralista patologiza sujeitos, culturas e grupos, além de fortalecer a lógica manicomial e de tratamento centrado na medicalização e na repressão.

No campo ideológico temos o avanço das novas roupagens conservadoras explicitando velhas práticas, fortalecendo valores comprometidos com a manutenção de estereótipos e exercendo parte da função punitiva historicamente construída como substrato cultural imputado à loucura. Essa lógica tanto individualiza os elementos fundamentais da saúde mental e, portanto, de sua política, estruturando intervenções com esse caráter, fortalece o conteúdo reacionário e todo o ranço manicomial e, por fim, aprofunda o abismo de classe para o direito ao tratamento.

Aos pobres o manicômio, a internação compulsória, os fármacos, a suposta caridade das comunidades terapêuticas ou simplesmente o nada. Para as camadas médias, a clínica particular, os consultórios fetichizados, tabelados por diferentes preços, com seus profissionais e diferentes abordagens. Para essa parcela também temos os fármacos, tabelados pela moda do momento, aliados às terapias alternativas, palestras, livros de auto-ajuda, além dos coach´s, “os treinadores da vida”. Aos ricos, tudo, absolutamente tudo, inclusive a espetacularização da saúde e da doença.

Remediada para dormir e para acordar, a sociedade naturaliza as substâncias lícitas, vendidas nas farmácias, tolera outras tantas, vendidas nos supermercados, convive com a ilicitude de drogas sintéticas próximas das elites, enquanto aprofunda a ideologia de “guerra às drogas” com a lógica proibicionista, bélica e de aprisionamento em relação às camadas populares e se centrando em substâncias específicas.

O autocuidado no capitalismo é um privilégio, seja em tempos de pandemia ou não. O encarceramento penal imputado ao povo negro, historicamente escravizado e também aprisionado nos manicômios, junto de mulheres e outras parcelas oprimidas e marginalizadas se revitaliza no tradicional metamorfoseado. O moralismo e o bom mocismo, seja fundamentalista religioso, seja da segurança pública ou ainda das terapias alternativas, vai esfarelando a política pública estruturada em rede, com controle social da população, buscando alternativas reais para tratamento e enfrentamento por vias estruturadas em resultados efetivos e humanizados.

As perdas são incontáveis. Da Emenda Constitucional 55, que congela o financiamento das políticas sociais por vinte anos, da contrarreforma trabalhista de 2016 ou, ainda, nas publicações específicas da saúde mental como as GM Nº 3.588 de 21 de dezembro de 2017 do Ministério da Saúde, a Portaria nº 679 de 20 de março de 2018 do Conselho Nacional de Álcool e Drogas (CONAD), a Portaria GM nº 2434 do Ministério da Saúde e, por último, da Nota Técnica Nº 11/2019 intitulada “Nova Saúde Mental”, publicada pela Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde temos um conjunto de ações que impactam diretamente na pressão, enxugamento e deteriorização da saúde mental. 

Essas ações atingem seus profissionais e os usuários, impactando as condições de trabalho, mas também aprofundando uma lógica que volta a ter o hospital psiquiátrico como referência da política de saúde mental. O processo contínuo de regressividade vai se naturalizando dentro do cotidiano profissional e, por vezes, consolidando o minimalismo como única possibilidade de atuação.

O desprezo do governo brasileiro não é apenas com a vida dos idosos e outras parcelas do grupo de risco de mortalidade sob a pandemia do corona vírus. A forma de tratamento no campo da saúde mental atravessa a história de modo a invisibilizar sujeitos sobrantes na lógica da economia. Nesse genocídio quem restará?

Em tempos de isolamento precisamos pensar na clausura de quem já sofria intensamente, estando diagnosticado ou não com psicopatologias. Em tempos de ampliação do sofrimento precisamos pensar qual estrutura temos para realizar acompanhamento psicológico das profissionais da rede de saúde, dos familiares dos enfermos, de todos nós.

Em tempos de barbárie precisamos pensar em que direção estão indo os equipamentos e políticas da saúde mental. Sob a desculpa do cuidado, com essa população e com toda a sociedade, para milhares de pessoas, a covid-19 será a porta de entrada para suas internações compulsórias, para o extermínio das pessoas que vivem em situação de rua, para o aprisionamento em comunidades terapêuticas. O aperto no peito que todos sentimos no isolamento social é apenas uma das características de como o Estado Brasileiro trata as pessoas em sofrimento mental intenso.

E não para por aí. Para milhões de pessoas a terapia é algo distante, desconhecido, impossível. Para quase todos nós da classe que vive do próprio trabalho, qualidade de vida é um fetiche, um não-lugar. Manter-se são é resistência, talvez sorte. 

Quando a crise do capital degrada a condição de vida das pessoas, o Estado busca tomar as rédeas para administrar a possibilidade das taxas de lucro, a moral aparece como instrumento mistificador da realidade, engabelando possíveis resistências frente às questões essenciais e dirigindo olhares para a superfície. 

Por isso, as relações subjetivas, os espaços cotidianos de trabalho, a família, os lugares coletivos onde buscamos fortalecer o espírito, as relações de amizade, entre outros afetos surgem com toda a violência possível, materializando em nossas vidas aquilo que se projeta, se propaga e se consolida na lógica do protofascismo contemporâneo.

Nesse tempo histórico, o autocuidado individual passa por reinventar coletivos com sentido. Na exacerbação da forma mais grave da sociabilidade capitalista a reprodução do protofascismo e o aprofundamento do sofrimento mental exigirá de nós respostas contundentes. Entre as estratégias e as táticas, entre sofrimentos, desapontamentos e desafetos, entre a necessária resistência e a vida cotidiana haverão ainda mais desafios. O exercício de diálogo, de enxergar as pessoas, de construir relações para visibilizar nossa humanidade nos outros será também rebeldia em tempos de cólera.

O desafio, mais que terapêutico, é o de compreender essa angústia individual dentro de um conjunto de contradições desenvolvidas coletivamente. Nesse difícil momento de isolamento social a dificuldade também passa por perceber que essa frustração impenitente pelo aprisionamento de nossos planos e suspensão de nosso cotidiano precisa se conectar à consciência de algo mais amplo que nunca tem se efetivado, a nossa emancipação enquanto humanidade. 

É fundamental se indignar, se desesperar, não. É fundamental que essa raiva persistente se transforme em ódio de classe. Falo aqui de sentimento, não de ressentimento, não de uma raiva requentada, mas de potencializar nossas experiências para destruir o que nos faz sofrer e, assim, construirmos o novo. 

Se é salutar não se deixar corroer por pensamentos e atitudes destrutivas, é tão urgente não deixar amortecer a necessidade de reação, a potencialidade de nossa insatisfação para nos fazer forte diante das tarefas que virão. Que cada lágrima impossível de não ser derramada não vire romantismo, mas  fermente a força coletiva. Que cada sorriso no meio do caos não seja escapismo vazio, mas exercício de rebeldia e esperança.

A partir do momento em que evidenciamos os limites e as possibilidades, que descortinando  os fundamentos de nossos sofrimentos para além da lógica em-si-mesmada, podemos exercitar individualmente meios para sobreviver à desumanização presente. E podemos mais. Podemos encontrar humanidade, esperança na prática e não nas esquivas, experienciar, ainda que isolados fisicamente, a construção do novo pela luta coletiva.

É muito saudável ter perspectiva e é possível tê-la! Quando sairmos de nossas cercas, se juntarmos os nossos medos e as nossas coragens e direcionarmos para o que nos estrutura. Não há tempo para se enganar. Nesse momento histórico há um inapelável chamado para enxergar a dureza das coisas, mas podemos fazer sem perder toda a ternura.

Quarta, 15 Abril 2020 17:23

 

Em sessão virtual, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira (14) a Medida Provisória 905 do governo Bolsonaro que cria a “Carteira de Trabalho Verde e Amarela”. A MP, aprovada por 322 votos a favor e 153 contrários, flexibiliza ainda mais a legislação trabalhista no país, impondo mais reduções de direitos e condições precárias aos trabalhadores.

 

O texto seguirá agora para o Senado como PLV 04/2020 (Projeto de Lei de Conversão) onde terá de ser votado até o próximo dia 20 para não perder a validade. Se aprovado, irá à sanção presidencial.

 

A MP 905 é a Reforma Trabalhista de Bolsonaro, ainda mais dura e nefasta que a aprovada por Temer. Isso porque a “Carteira Verde e Amarela” é uma nova modalidade de contrato de trabalho, que cria uma segunda categoria de trabalhadores muito mais precarizados e com menos direitos.

 

Leia também:  Centrais Sindicais repudiam aprovação da MP 905 e denunciam retirada de direitos e desemprego

 

O texto garante a redução de vários encargos para as empresas que contratarem jovens de 18 a 29 anos no primeiro emprego e trabalhadores com mais de 55 anos de idade. A proposta inicial previa que as empresas poderiam contratar até 20% de seus trabalhadores nessa modalidade, mas ontem os deputados ampliaram esse percentual para 25%.

 

As empresas que contratarem por essa modalidade ficarão isentas de pagar a contribuição patronal ao INSS (20%), ao Sistema S (de 0,2% a 2%), entre outras. A “economia” para os empresários será de cerca de 70% dos encargos trabalhistas.

 

Já para os trabalhadores, a Carteira Verde e Amarela será sinônimo de menos direitos. Neste tipo de contrato, o salário a ser pago aos trabalhadores só poderá ser de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.567,50).

 

São revogados mais 42 artigos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e graves ataques, como a redução da multa rescisória sobre o saldo do FGTS de 40% para 20%, a possibilidade da diluição do 13°, do 1/3 das férias e da multa do FGTS nos salários mensalmente, o não pagamento das horas extras e sua substituição por banco de horas desde que a compensação ocorra dentro do prazo de seis meses, afrouxamento das regras de fiscalização sobre as empresas, entre outros (veja mais ao final do texto).

 

Apesar de recuar na taxação obrigatória dos trabalhadores desempregados, que na proposta inicial de Bolsonaro previa um desconto entre 7,5% e 9% para o INSS, o texto manteve a taxação, tornando-a facultativa num valor fixo de 7,5%.

 

MP vai agravar precarização e desemprego

 

Bolsonaro, Paulo Guedes, Mourão, Rodrigo Maia e os 322 deputados picaretas que aprovaram a MP 905 têm a cara de pau de usar novamente o falso discurso de que a medida irá gerar empregos, como Temer fez ao aprovar a Reforma Trabalhista, em 2017.

 

“Uma mentira deslavada. Pesquisas comprovam a Reforma Trabalhista de Temer aumentou o desemprego, a informalidade e o trabalho precário. Inclusive, é esse exército de trabalhadores informais que hoje sofrem com os efeitos da pandemia e estão sem sua fonte de renda tendo de se aglomerar em filas para receber R$ 600”, denuncia o integrante da Secretaria Executiva da CSP-Conlutas Luiz Carlos Prates, o Mancha.

 

“Ao permitir que até 25% dos funcionários de uma empresa sejam contratados dessa forma, o que vai acontecer é a troca por aqueles que tinham salários mais altos. Além disso, os empresários estão demitindo agora em meio à pandemia e quando eventualmente recontratarem será pela carteira verde amarela. Ou seja, quem for demitido não volta mais ao mercado de trabalho com a carteira azul pela CLT. Ou seja, o resultado será mais desemprego e aumento da precarização”, avaliou.

 

“Bolsonaro e os empresários estão aproveitando da pandemia para avançar na flexibilização dos direitos e neste grave momento os trabalhadores já estão sendo alvo de demissões em massa e da chantagem das empresas. Se depender do governo e deste Congresso de picaretas, os ataques continuarão. Por isso, os trabalhadores precisam se organizar para defender suas vidas, empregos e direitos. E, acima de tudo, a luta pelo Fora Bolsonaro e Mourão é uma das principais tarefas neste sentido”, afirmou.

 

Confira os principais ataques da MP 905:

 

  • Poderá ser contratados com um salário de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.567,50) jovens de 18 a 29 anos no primeiro emprego e trabalhadores com mais de 55 anos fora do mercado de trabalho há 12 meses. Regras valem inclusive para os trabalhadores rurais

 

  • Isenção de impostos previdenciários e trabalhistas para empresas de cerca de 70% sobre os encargos da folha de pagamento

 

  • Redução da multa do FGTS dos trabalhadores de 40% para 20%

 

  • Os valores do 13°, 1/3 de férias e multa do FGTS poderão ser pagos mensalmente de forma parcelada junto ao salário

 

  • Cobrança facultativa para os desempregados de 7,5% sobre o seguro-desemprego ao INSS

 

  • As empresas podem deixar de pagar 50% de hora extra e aplicar banco de horas, desde que a compensação ocorra em seis meses

 

  • O trabalho aos sábados, domingos e feriados foram liberados para atividades de teleatendimento, telemarketing, serviço de atendimento ao consumidor; ouvidoria; áreas de tecnologia, segurança e administração patrimonial; atividades bancárias de caráter excepcional ou eventual e em feiras, exposições ou shopping centers e terminais de ônibus, trem e metrô

 

  • Aumento da jornada de trabalho dos bancários de 6h para 8h

 

  • Alteração do entendimento sobre acidente de trabalho (na ida e volta de casa ao trabalho). Só haverá reconhecimento se houver dolo ou culpa e ocorrer em veículo fornecido pelo empregador

 

  • A MP remete ao regulamento do INSS a definição de situações em que o pagamento do auxílio-acidente ocorrerá em razão de sequelas que impliquem a redução da capacidade de trabalho. Somente se essas condições persistirem é que o trabalhador receberá o auxílio até sua transformação em aposentadoria por invalidez ou até o óbito. A lista de sequelas será atualizada a cada três anos pelo Ministério da Economia

 

  • Afrouxamento da fiscalização em questões de saúde e segurança do trabalho e aplicação de penalidades

 

  • Acordos e convenções de trabalho prevalecerão sobre a legislação ordinária, sobre súmulas e jurisprudências do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e de tribunais regionais do trabalho, exceto se contrariarem a Constituição federal

 

Fonte: CSP-Conlutas (com informações Agência Câmara e Diap)

 

Quarta, 15 Abril 2020 17:21

 

Enquanto a pandemia do coronavírus avança no país, várias medidas provisórias, projetos de lei e propostas de emenda constitucional estão em tramitação no Congresso Nacional. Mas, ao invés de propor medidas que garantam estabilidade no emprego e a renda neste difícil período, os textos representam graves ataques aos trabalhadores.

 

Enviadas pelo governo Bolsonaro e o ministro da Economia Paulo Guedes, ou de autoria de deputados ou senadores, são MPs, PLs e PECs que propõem redução de salários e direitos, mais precarização do mercado de trabalho, ou então, desvio de dinheiro público para o setor financeiro.

 

Fique por dentro de alguns dos principais ataques e como está a tramitação das medidas.

 

MP 905: objetivo é votar estar semana

Um dos mais graves ataques e prestes a ter votação na Câmara é a MP 905. Desde a semana passada, o presidente da Casa Rodrigo Maia (DEM) tenta colocar em votação e aprovar esta MP, que cria a chamada Carteira Verde e Amarela. Maia e Bolsonaro têm pressa, pois o texto precisa ser aprovado até o dia 20 para não perder validade.

 

A MP é um brutal ataque, pois significa uma reforma trabalhista ainda mais profunda que a realizada pelo governo de Michel Temer. Com o falso argumento de gerar empregos para jovens e trabalhadores acima de 55 anos de idade, a MP na prática, cria uma categoria de trabalhadores precarizados, com menores salários e menos direitos.

 

O texto prevê a redução do FGTS (de 8% para 2%), da multa rescisória (de 40% para 20%), cobrança de desempregados (sobre o seguro-desemprego), limitação de salário até 1,5 salário mínimo por mês, entre vários outros ataques (saiba mais aqui).

 

Ao invés de “gerar empregos”, esta MP será uma forma das empresas demitirem trabalhadores contratados pela CLT, para colocar no lugar, mão de obra mais barata. Ou seja, vai resultar em desemprego e mais trabalhadores precarizados.

 

Veja outras medidas e projetos:

 

MP 927 – A primeira MP editada por Bolsonaro para regular as relações de trabalho no país durante a vigência do estado de calamidade pública, tem diversos ataques aos direitos dos trabalhadores: permite a redução de salários, utilização do banco de horas, cria novas regras para as férias, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, afastamento do sindicato das negociações sobre os termos do acordo individual, entre outros. O senador Irajá (PSD-TO) foi indicado como relator e os planos do governo é que seja votada ainda nessa semana nas duas casas do Congresso nacional.

 

MP 936– Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares à MP 927. É ainda mais cruel, permitindo diversos ataques aos direitos dos trabalhadores que poderão ter redução significativa de seus salários, através de medidas para reduzir a jornada de trabalho e até mesmo a suspensão dos contratos de trabalho, mediante pagamento de indenização do Governo. Contudo, a medida não impede demissões e possibilita apenas estabilidade provisória durante o contrato. A MP teve o prazo para emendas encerrado no dia 3/4 e agora vai ter um relatório elaborado por um congressista (que ainda será indicado), que apresentará relatório diretamente no plenário para votação.

 

PL 985/20 – projeto que suspende por até três meses o pagamento da contribuição previdenciária patronal e também proíbe a aplicação de multa pela falta de entrega de declarações e documentos fiscais. Espera votação no Senado antes de ir à sanção presidencial.

 

PEC 10/2020 – Conhecida como a “PEC do Orçamento de guerra”, institui o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações. Essa PEC, uma exigência de Paulo Guedes para fazer o pagamento do auxílio-emergencial de R$ 600, na prática, é uma armadilha que visa legalizar práticas financeiras do Banco Central para garantir repasse de verbas públicas aos bancos. Permite, por exemplo, que o BC compre títulos podres do mercado financeiro, sem qualquer contrapartida por parte dos bancos e das empresas de crédito. Aprovada na semana passada na Câmara, esta semana está na pauta no Senado e pode ser votada na quarta-feira (15/04).

 

Saiba mais: Orçamento de Guerra: uma PEC para favorecer os bancos

 

Os trabalhadores não podem pagar pela crise!

Diante da grave crise social que se aprofunda no país, para os bancos governo e Congresso deram R$ 1,2 trilhão, para os trabalhadores querem impor a redução de salários, direitos e mais reformas trabalhistas, usando a pandemia como justificativa para jogar a crise sobre os trabalhadores.

 

Por tudo isso, a CSP-Conlutas defende que os trabalhadores brasileiros têm duas tarefas: enfrentar os efeitos da pandemia e cobrar dos governos medidas de proteção as nossas vidas e empregos e fortalecer a nossa organização e luta para botar para fora Bolsonaro e Mourão, antes que eles destruam todos nossos direitos e o país.

 

 Fonte: CSP-Conlutas

Quarta, 15 Abril 2020 17:02

 

****

Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

 
 
 José Domingues de Godoi Filho¹

 

O volume de dados e informações sobre um inimigo invisível, disponibilizados diariamente, torna imprescindível não esquecermos das incertezas e indeterminações do saber científico. Só assim será possível melhor utilizá-los e, entendermos a importância dos cuidados e precauções indicadas pela Organização Mundial da Saúde, médicos, pesquisadores e, no caso brasileiro, também pelo resultado da “balbúrdia” realizada nas universidades públicas.

A utilização, sem criticidade, de modelagem matemática, que é uma importante metodologia de trabalho, porém com limitações e premissas, pode gerar, não raramente, interpretações e conclusões equivocadas, que, muitas vezes, refletem ou levam a imposições de interesses pouco defensáveis.

É uma das dificuldades, por exemplo, que tem se enfrentado na análise das avaliações ambientais. Para ilustrar, recentemente, em Mato Grosso, a EDF – Électricité de France, associada à um tipo de cérebro de aluguel, impuseram, com base em modelagem matemática, que distorcia a realidade pra “caber” em seu modelo e interesses que pagavam a conta, o fechamento da Usina Hidrelétrica Sinop, sem que o lago fosse limpo, contrariando a legislação. Desconsideraram o parecer contrário, que indicava o óbvio. Resultado, quinze dias após o fechamento das comportas e, desde então, já se acumularam, em mais de um evento, algumas toneladas de peixes mortos no rio Teles Pires. A endeusada modelagem matemática e seus infográficos e outros malabarismos computacionais empolgaram os medonhos tomadores de decisão. E foi por aí afora.

A situação atual, que estamos vivendo, demonstra, com clareza ímpar, os limites dessa metodologia, especialmente, quando envolve a vida de todos os animais, incluindo os humanos. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o modelo de apropriação dos recursos naturais, adotado pelo animal humano, primou por construir um aparato bélico capaz de destruir a vida e até mesmo partes do planeta várias vezes. Um modelo que se radicalizou a partir da Guerra dos Seis Dias (1967, entre árabes e israelenses); e, se impôs como pensamento único a partir dos governos Reagan-Thatcher. Para além das imposições socioeconômicas, o Governo Ronald Reagan, em 1983, elaborou o programa militar SDI (Strategic Defense Initiative), também conhecido como Star Wars, que incluía satélites antimísseis equipados com laser e muita modelagem.

Nos anos 2000, o programa foi reativado pelo Governo Bush com a denominação de “Escudos antimísseis”, para criar um escudo espacial de defesa do território americano. Com isso, os falcões americanos buscavam o monopólio do poder espacial, desrespeitando até mesmo o frágil equilíbrio nuclear do período da Guerra Fria. Reações e decisões aconteceram por parte de vários países como a Rússia, China, Índia, Paquistão, dentre outros. O animal humano conseguiu, com os armamentos construídos, se tornar a única espécie com capacidade de autodestruição. Novamente muita modelagem.

Paralelamente, no mesmo período, os “lost profhets”, uma verdadeira tropa de ocupação, formados na Universidade de Chicago e assemelhadas, invadiram o mundo com a imposição de um pensamento único e muita modelagem matemática, para justificar e atender os interesses do capital. Transformaram a espécie humana num agente geológico com alta capacidade de destruição. Construíram o cassino global e chegamos, com Trump, ao nacionalismo do America First e seu negacionismo climático e científico.

Com toda essa força, armamentos, pós-mentiras, dominação econômica, desigualdade social e muita modelagem matemática, o sistema e o modelo adotado estão colocados de quatro e o animal humano perplexo frente a um inimigo invisível. Tomara que os animais humanos aprendam e partam para a construção de uma sociedade diferente, utilizando os seus saberes, inclusive o científico e suas modelagens, a favor de um mundo mais igualitário e humanista.

A conjuntura atual obrigou, ainda que com atraso, o questionamento dos dados, modelagens, infográficos e outros malabarismos gráficos. Oxalá os questionamentos não sejam de má fé, muito menos para utilizar a mesma lógica do Leopardo – “mudar para continuar do mesmo jeito”. Ao contrário, a curva do vírus poderá enganar.

¹ Professor da UFMT/Faculdade de Geociências – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
 

Quarta, 15 Abril 2020 12:51

 

Entre os tantos desafios que a pandemia do novo coronavírus impõe, cuidar da saúde mental e emocional pode ser um dos mais delicados. Isso porque esse é um processo que depende de uma série de ferramentas, conhecimento e flexibilidade que nem todas as pessoas dispõem. 

É importante, inicialmente, reconhecer que estamos vivendo algo absolutamente novo na história da humanidade. A observação é do professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Maelison Silva Neves. 

O docente, que é pesquisador do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador do Instituto de Saúde Coletiva e doutorando em saúde coletiva pelo mesmo Instituto, ressalta que o ineditismo não está na pandemia em si, mas no contexto sócio-histórico em que ocorre.

No caso do Brasil, a situação ainda é agravada pelo comportamento negacionista do presidente da República, pelo estado avançado de desmonte do SUS e dos demais serviços públicos, pelo alto índice de desemprego e total desproteção dos trabalhadores assalariados.

“O clima geral é de confusão e incerteza, além de pavor para quem sabe aonde estamos indo”, afirma Neves. Para ele, “quem não estiver se sentindo ansioso, preocupado, com medo, está num estado psicológico que requer cuidado”. 

O docente pontua que respostas emocionais são esperadas, dada à gravidade do momento, somente sendo preocupantes se envolverem uma interrupção da capacidade do sujeito de acionar mecanismos individuais e coletivos para avaliação realista dos problemas e seu enfrentamento visando à proteção individual e coletiva. 

“Em poucas palavras, é normal sentir medo, tristeza, ansiedade e até olharmos para o futuro com ares de incerteza, mas esses afetos deverão servir para nos instrumentalizar no acionamento dos recursos que temos na busca da solução”, complementa.

Por outro lado, acrescenta Maelison, podem surgir quadros de adoecimento psicológico ou agravamento dos pré-existentes.  O docente cita dois exemplos. O primeiro é a ansiedade, que geralmente surge diante de respostas do organismo às situações de ameaça, sendo acompanhadas de aceleração dos batimentos cardíacos, suor nas mãos, sensação de dor ou aperto no peito e sensação de falta de ar episódica, respiração curta e pesada, entre outros sintomas. 

“Vale destacar a probabilidade de uma pessoa confundir a sensação de falta de ar e respiração pesada com sintomas da Covid-19, e isso é bastante complexo. Por isso, a primeira atitude deve ser buscar orientação médica, jamais se autodiagnosticar, para que o profissional de saúde faça uma avaliação adequada”, ressalta.

Outra é a depressão. Uma exposição crônica a estressores, mesmo que causem pouco incômodo, o impedimento do contato social e trocas afetivas com pessoas que gostamos, a exposição às situações incontroláveis, sem que possamos acionar mecanismos de controle parcial ou atenuantes do desconforto, acompanhados da incerteza, pessimismo em relação ao futuro, alimentados pelo bombardeio de informações negativas e preocupantes, podem nos levar a um estado de desamparo e rebaixamento de humor característico da depressão. 

“Reitero que tais estados psicológicos são determinados socialmente, apesar de sua expressão nos indivíduos levar muitos a pensar que seja uma problemática individual e subjetiva. O caso da Covid-19 mostra essas conexões de eventos macro e microssociais produtores de adoecimento psicológico de forma mais dramática, mas seguem a legalidade da determinação social do sofrimento e adoecimento psicológico na sociabilidade capitalista. Assim, repito, a calma e despreocupação puras não são esperados para esses tempos”, afirma.

Como atividades terapêuticas, Maelison sugere o resgate de coisas que, eventualmente, deixamos de lado por conta da luta árdua pela sobrevivência no piloto-automático, como ler poesia, literatura, escrever verso e/ou prosa, desenhar, pintar, assistir filmes com a família, ou mesmo tirar uma cesta após o almoço, entre outros. 

“Sei que a situação não é de normalidade e é difícil concentrar-se na satisfação com essas tarefas diante da inquietude. Porém, é fundamental que você se permita pequenas alegrias, pequenos gozos, conectar-se com coisas que, para você, são prazerosas. Mesmo com a justificada angústia, temos o direito de sentir alguma alegria. Nossa luta é para que isso seja regra, não exceção e seja conscientizado e acessível a toda a humanidade: por uma vida que esteja em função de sua potencialidade e não da acumulação capitalista. Temos o direito à distração, e é isso que nos ajudará nos momentos em que precisaremos estar atentos e fortes”, reforça.

Saúde mental da categoria docente
No caso específico das e dos docentes, Neves ressalta que há tensões particulares. A pressão para retorno das aulas via EAD, sem levar em conta o debate sobre os limites e possibilidades dessa modalidade, desrespeitando os próprios profissionais que nela atuam pode provocar angústias, assim como a incerteza quanto ao futuro na carreira.

Por diversas vezes, tanto representantes do Executivo Federal quanto do Legislativo mencionaram a intenção de cortes salariais dos servidores públicos. Além disso, há o debate contraditório de valorização e “demonização” das categorias que atuam nos serviços públicos, tidos ora como salvadores ora como “parasitas”.

“Tais contradições, além de nos jogarem na incerteza em relação ao futuro, levando muitos inclusive a repensarem seus sonhos de carreira, atingem, em cheio, um aspecto caro à saúde mental de qualquer trabalhador: o reconhecimento”, aponta.

O docente alerta que essas situações podem levar à frustração e perda de prazer em atividades que antes eram realizadoras, e também empurrar muitos a uma busca desenfreada pelo produtivismo.

“Falando em produtivismo, esse momento de isolamento social pode ser uma ocasião de reflexão sobre o significado e o sentido de nossas atividades. Além das determinações sociais que impõem o produtivismo, temos um processo psicossocial que pode ser agravante: a luta desesperada para manter a rotina, via teletrabalho, em busca de uma normalidade que não mais existe - e que nem é desejável, se paramos para pensar. É enganoso achar que, pelo fato de estarmos em casa, teremos mais tempo e poderemos ser mais produtivos, escrever mais artigos e nos dedicar totalmente à pesquisa, à produção científica e até mesmo dar aulas em ambientes virtuais”, alerta.

O professor da UFMT destaca que, de modo geral, é possível que a manutenção de atividades docentes em casa - sejam orientação, leitura, preparação de aulas, escrita acadêmica, planejamento de pesquisa, entre outras -, possam ser até mesmo um elemento protetor da saúde mental, dada a necessidade de manter uma rotina mínima para orientar o cotidiano.

Todavia, ressalta que essas mesmas atividades podem ser prejudiciais à saúde mental se feitas com intuito de produzir uma normalidade não mais existente, um mecanismo de negação da grave situação em que vivemos. Para Maelison, não se pode ignorar o próprio estado psicológico, muito menos as condições das pessoas de quem se pedirá cooperação via online, sejam orientandos ou colegas de trabalho.

“Pode ser que, depois de uma reflexão, se avalie que há condições de trabalhar em casa, dando orientações e aulas online. Porém, essas atividades não são solitárias e exigem, mais do que nunca, o respeito às condições materiais e psicológicas dos estudantes, pesquisadores e colegas de se engajarem conjuntamente. A pressão por produtividade acadêmica perde o sentido quando a própria Capes suspendeu seus prazos por 60 dias. Isso deve nos levar a refletir sobre o ritmo de vida, de trabalho e a necessidade de equilíbrio entre o tempo dedicado a si, à família, aos amigos e ao trabalho, sobretudo porque o contexto da pandemia exigirá mais atenção às relações afetivas e ao cuidado de si, demandando repensar o trabalho nos limites em que ele possa ser favorável à realização pessoal nossa e de nossos companheiros - o trabalho acadêmico é essencialmente relacional e coletivo, mesmo na solidão da escrita”, comenta.

O docente lembra ainda que o mesmo se aplica à militância política, e que o cuidado, de si e do outro, não é incompatível com a luta social. Para Neves, são polos dialéticos que formam uma totalidade complexa, que se reestrutura a depender da conjuntura. “Os tempos que vivemos são de exceção, exigem coragem, engajamento, entrega, cuidado, compaixão, conexão com valores de solidariedade de classe que dependem também do autocuidado, pois se adoecermos faremos falta às companheiras e aos companheiros”, conclui.

 

Fonte: ANDES-SN

Terça, 14 Abril 2020 18:28

 

****

Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****
 

 

Por Valfredo da Mota Menezes*
 

Há vários anos, vimos ouvindo afirmações categóricas de variados setores da sociedade, principalmente dos concentradores de riqueza (rentistas, alguns líderes da indústria e do agronegócio), contrárias às ações do Estado no gerenciamento da economia ou no gerenciamento do dinheiro arrecadado com os impostos. As principais falas são que “o Estado está inchado”, que “o Estado é perdulário”, que os servidores públicos são uma corporação que “mama nas tetas” estatais..., que isso “é coisa de socialista”.

A saída para as recorrentes crises deveria ser a redução do tamanho do Estado. A saída seria o “Estado Mínimo”, com demissões, cortes salariais e suspensão de concursos e de novas contratações, além da venda das empresas estatais. Esses mesmos setores da sociedade, ávidos pelo poder, mas sem voto popular, já advogavam que bastaria tirar a Dilma, pois a “confiança voltaria e com ela os investimentos”; que a saída para a crise do déficit fiscal dependeria de reformar o Estado. Que a reforma trabalhista traria “imediata diminuição do desemprego”.

Embora nada disso tivesse dado certo, nas últimas eleições presidenciais a população, por ter optado pelo voto plebiscitário, acabou escolhendo uma liderança que preconizava que essa seria a saída. Uma liderança que nos levaria para uma política desestatizante, que nos levaria ao “Estado Mínimo”. Todo o “mercado” aplaudiu. “Agora os gastos públicos serão reduzidos e a iniciativa privada assumirá a condução do desenvolvimento do país!!!!”

Até há alguns dias, a frase que vinha sendo repetida era que, “com essa reforma acabaremos com a crise.....”. Como nem o desemprego diminuiu e nem o PIB aumentou, aproveitavam e diziam que “com a próxima reforma a coisa vai”. Assim, vêm, durante todo o tempo, utilizando da crise econômica para privatizar patrimônios públicos e aprovar todas as medidas possíveis contra os trabalhadores ou contra as ações do estado de bem-estar social. “O país está quebrado”. “Se não aprovar não teremos dinheiro para pagar nem as aposentadorias”. Se de um lado havia denúncia de chantagem, a chantagem do outro lado era explicita. 

A política econômica do atual governo foi, desde o início, baseada apenas na “economia”, ou seja, na redução de gastos. Não há intenção de “afrontar” as elites com aumento da arrecadação. A principal reforma, a tributária, até hoje não foi apresentada. Assim, todo o gasto foi reduzido: suspenderam qualquer investimento estatal; suspenderam todas as admissões de servidores públicos e, com isso, os benefícios do INSS; cortaram bolsas de estudo; acabaram com o programa Ciências sem Fronteiras; suspenderam bolsas de pós-graduação; suspenderam milhares de beneficiários do Bolsa Família; acabaram com o programa Mais Médicos e, com orgulho, o Presidente declarou: “numa canetada vou mandar de volta 14 mil médicos cubanos”. Como sem investimento não há crescimento, os resultados das reformas e da diminuição de gastos já começaram a aparecer: PIBinho e aumento da taxa de desemprego em fevereiro.

Aí surgiu o imponderável! Do mesmo modo que o outro disse que era só “uma marolinha”, o atual disse que era só “uma gripezinha inventada pelos chineses”. Minimizou, mas, no início, tentou dela aproveitar para fazer mais restrições e para vender a Eletrobrás.

Entretanto, a gripezinha virou o mundo de cabeça pra baixo. Agora todos descobrem a importância de um Estado organizado e voltado para o bem-estar de todos. Todos passaram a ter a consciência da importância do SUS e dos seus trabalhadores da saúde. Agora todos vêem a importância da assistência médica e o vácuo que a “canetada” deixou. Agora, todos entenderam que um “Estado Mínimo” é o total abandono das ações de proteção à população mais pobre. Agora já ninguém quer o tal do “Estado Mínimo”. Os mesmos que pediam cortes rogam desesperados pelos benefícios do Estado. Agora todos se dizem solidários. Agora todos querem socializar as ações do Estado. Aí apareceu o dinheiro que não existia. A máscara caiu. Se tinha dinheiro, por que os diversos contingenciamentos? Por que o abandono com a educação e com a ciência e tecnologia? Por que os cortes do programa bolsa família? 

 Sabemos, entretanto, que esse sentimento atual de solidariedade e de preocupação com a população não vai perdurar depois que o vírus for derrotado. Toda a fome neoliberal vai voltar e, com mais apetite, vão querer vender tudo para cobrir os “gastos” atuais, para cobrir as despesas com a saúde, para cobrir o “rombo” e o “prejuízo”.

Caberá à sociedade manter viva a percepção e a conscientização que a “gripezinha” nos devolveu.

 

*Médico; Doutor em medicina interna e terapêutica; Professor Associado da Faculdade de Medicina da UFMT

Segunda, 13 Abril 2020 14:28

 

 


O Brasil, a Índia e a Nigéria integram a lista dos países mais afetados pela pandemia do Covid-19, e também o rol dos que têm grande número de trabalhadores na informalidade. De acordo com o relatório divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), na última semana, "Monitor da OIT: O COVID-19 e o mundo do trabalho", o Brasil tem uma taxa de economia informal de 46%. 
 
Segundo o documento, o termo "economia informal" refere-se à todas as atividades econômicas de trabalhadores que não são - na lei ou na prática - cobertos, ou são insuficientemente cobertos, por acordos formais. Isso inclui assalariados sem proteção social ou outros acordos formais nos setores informal e formal de empresas e trabalhadores autônomos, como vendedores ambulantes e trabalhadores domésticos. 
 
"Quanto mais desprotegido o trabalhador, menor é o acesso dele a bens, serviços e políticas públicas. O Covid-19 tem evidenciado isso, os trabalhadores que têm uma condição de proteção social dada pela sua relação de trabalho formal – com leis que os protegem em momentos como esse - podem ficar em casa, fazer home office ou outras modalidades, com a sua condição salarial asseguradas. Já os trabalhadores que não têm essa condição formal instituída acabam desprotegidos. É uma forma funcional para o capitalismo, a desregulamentação das leis de proteção ao trabalho", explicou Qelli Rocha, 1º vice-presidente do ANDES-SN.
 
O documento da OIT classifica a pandemia como a pior crise desde a Segunda Guerra Mundial, a qual, ao final, poderá deixar um rastro de desemprego e precariedade no trabalho. Existe um alto risco de que a previsão inicial da organização, de 25 milhões de pessoas desempregadas até o final do ano, seja significativamente maior. De acordo com o relatório, 1,25 bilhão de pessoas estão empregadas em setores considerados de alto risco de aumentos "drásticos e devastadores" de demissões, reduções de salários e de horas de trabalho. Muitas dessas pessoas trabalham em empregos mal remunerados e de baixa qualificação, para as quais uma perda imprevista de renda acarreta consequências devastadoras. Os setores de maior risco incluem hotelaria, serviços alimentares, indústria transformadora, comércio, atividades empresariais e administrativas. No mundo todo, cerca de quatro em cada cinco pessoas, das 3,3 bilhões que compõem a força de trabalho global, estão sendo afetadas pelo fechamento total ou parcial do local de trabalho.
 
Para minimizar os efeitos dessa crise mundial, a OIT recomenda que os governos garantam a renda das famílias. A instituição indica medidas políticas integradas e de larga escala, como o apoio às empresas, ao emprego e à renda; estímulo à economia e ao emprego; proteção de trabalhadores no local de trabalho; diálogo social entre governos, trabalhadores e empregadores a fim de encontrar soluções.
 
Para a diretora do Sindicato Nacional, neste momento de crise a criação de instrumentos e mecanismos que dialoguem com a classe trabalhadora se fazem necessários. "É importante que esses trabalhadores saibam que a reposta não está em si, mas para além de si, como na sua organização em termos de direitos. Os direitos não são benesses concedidas pelo Estado. O Estado tem obrigação de devolver aquilo que a população contribui em termos de impostos. Precisamos defender a gratuidade e universalidade do Sistema Único de Saúde, lutar pela revogação da EC 95, que congela os investimentos públicos, lutar pela Educação Pública. O trabalhador já pagou a conta disso, quando ele produz, circula e vende a mercadoria ou a sua própria força de trabalho, e grande parte fica com o Estado. Então é importante que o Estado proteja o trabalhador."
 
Segundo Qelli, o capitalismo é um sistema injusto, desigual, baseado no desequilíbrio, na exploração e na extração da força de trabalho. E, mesmo em situação de crises extremas, o modelo econômico responsabiliza o trabalhador fazendo com que ele mesmo tenha que encontrar a situação para sair dessa condição. "Por exemplo, a MP da renda básica emergencial sancionada, que despende 600 reais para as famílias, é um direito do trabalhador. Como o trabalhador não pode vender a sua força de trabalho, o Estado 'concede' para que as pessoas não morram de fome. É um direito. Entretanto, esse valor corresponde, em média, ao preço da cesta básica. Então, o trabalhador não vai conseguir pagar o aluguel, água, energia elétrica, gás, a conta de telefone", criticou.

 

Fonte: ANDES-SN

Segunda, 13 Abril 2020 14:20

 

 

 

Se a Covid-19 impôs imensos desafios a todas as pessoas, para brasileiras e brasileiros que já viviam em situação de precariedade social, a doença é ainda mais calamitosa. Com o objetivo de exercitar, em tempos de pandemia, a solidariedade de classe, a direção nacional e as seções sindicais do ANDES-SN vêm desenvolvendo formas de auxiliar a grande parcela pauperizada da população, através de campanhas de apoio e distribuição de bens de primeira necessidade para a manutenção da sobrevivência imediata.

Além de ações voltadas para os segmentos da classe trabalhadora mais pauperizados, também estão sendo desenvolvidas inúmeras ações virtuais junto à categoria docente, como vem sendo mostrado nas redes sociais do ANDES-SN e das seções sindicais.

Conheça as iniciativas de algumas das seções sindicais do ANDES-SN

Adufrj:

- Doou cestas básicas para funcionários terceirizados de limpeza do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, que estavam com salário e auxílios de transporte e alimentação atrasados, antes mesmo da pandemia. Agora, a situação se agravou, pois há informação inicial, a ser apurada, de que a empresa se desvinculou da UFRJ;

- No último Conselho de Representantes virtual, a diretoria resolveu apoiar com cestas básicas também as famílias mais pauperizadas de alunos do Colégio de Aplicação;

- Está divulgando as campanhas de doação aos hospitais da Universidade e para a Associação dos Trabalhadores Terceirizados da UFRJ (ATTUFRJ), nas redes sociais e no site;

Sedufsm:

- Promoveu uma ampla campanha de apoio à abertura do Hospital Regional de Santa Maria, com disponibilização de leitos, para atender pacientes de coronavírus pelo SUS;

- Doação de cestas básicas para as famílias da Ocupação Vila Resistência, no Parque Pinheiro Machado, em Santa Maria. Além dos alimentos, também foram doados materiais de higiene;

- A Sedufsm também promoveu campanha para estimular engajamento dos professores com o objetivo de aumentar as doações ao banco de alimentos para toda a cidade.

Aprofurg:

- Doação de Equipamentos de Proteção IndividuaL (EPIs) para a secretaria da saúde do município de Santo Antônio da Patrulha. Foram doadas luvas de látex, óculos incolores e capas de chuva amarelas. Já para o Hospital Universitário da FURG (HU), que é referência na região, doou óculos cirúrgicos de proteção, toucas grandes e luvas de nitrilo azuis, o que acabou ajudando os profissionais que estão na linha de frente no combate ao coronavírus;

- Para a Escola de Química e Alimentos da FURG (EQA/FURG), o Sindicato fez a compra de alguns litros de peróxido de hidrogênio 35% e diversos quilos de glicerina bi-destilada branca, para ajudar na produção de álcool glicerinado. Uma segunda doação também foi realizada de 500 litros de álcool 92%, que vão ser transformados em álcool 70%;

- Apoio à Paróquia de São Lourenço do Sul, que está arrecadando alimentos, materiais e higiene e recursos financeiros para ajudar as famílias que mais precisam;

- Em Rio Grande, a Aprofurg comprou e doou uma grande quantidade de carne de frango para o projeto Esperança Viva, que tem como objetivo principal preparar e distribuir refeições para a população mais necessitada

- A Aprofurg também faz parte da “Rede Acolher”, uma iniciativa que congrega diversos parceiros e voluntários com objetivo de coleta de donativos, entrega de alimentos às famílias em vulnerabilidade, monitoramento e orientações de prevenção nas instituições de acolhimentos, entre outras frentes de trabalho. A ação foi proposta e é organizada pela Prefeitura Municipal do Rio Grande.

A direção nacional do ANDES-SN, via secretarias regionais, está realizando levantamentos de rádios de alcance estadual e local para iniciar a divulgação de programas em defesa da vida, do isolamento social e da ciência, tecnologia e educação públicas. Estão sendo realizadas parcerias em vários municípios para o financiamento de carros de sons que divulguem informações sobre a Covid-19 e estimule o isolamento social, assim como a adesão a campanhas de solidariedade através de compra de mantimentos e equipamentos de proteção para os voluntários que estão distribuindo cestas básicas e materiais de higiene nas periferias do Rio de Janeiro. Em alguns estados, estão sendo estabelecidas parcerias com os movimentos sociais do campo e da cidade para o financiamento de alimentos de primeira necessidade, como forma de contribuir para o isolamento social.

E você, o que está fazendo?

Incentive sua seção sindical a aderir às campanhas de solidariedade.

Existem muitas formas de contribuir, como:

- Organização de campanha de doação de sangue em sua rua ou condomínio. Os bancos de sangue estão com estoque baixo em várias cidades e podem ir até o local para a doação;

- Doação de alimentos e material de higiene para os moradores de periferia;

- Doação de equipamentos de proteção para voluntários que estão na linha de frente nos processos de auto-organização das periferias;

- Financiamento de carros de som nos bairros de periferia;

- Spot de rádio em defesa da vida, da educação, ciência e tecnologia públicas.

Mande informações e fotos (se possível) das ações que sua seção sindical está realizando. Agora, mais do que nunca, é hora de mostrarmos nossa solidariedade de classe. A vida acima dos lucros! Fique em casa!

 

Fonte: ANDES-SN

Quinta, 09 Abril 2020 18:28

 

Desde a chegada da Covid-19 ao Brasil, muito se discute sobre os riscos de disseminação e dificuldade de prevenção quando a doença chegar às favelas e periferias brasileiras. Embora tenha entrado no país pela classe média alta, que regressou de viagens ao exterior, a população das camadas mais pobres é que tendem a sofre maior impacto da pandemia do novo coronavírus.
 

Isso, porque, historicamente o país se estrutura, urbano-espacialmente, privilegiando em termos de infraestrutura e condições de moradia os bairros ondem habitam os mais ricos, relegando ao esquecimento e total ausência de políticas públicas as áreas mais pobres, onde há uma grande concentração de habitantes e enorme precariedade como falta de fornecimento de água, assistência básica de saúde, por exemplo.

Para falar das consequências que essa organização de cidade pode ter para a população nesse momento de pandemia e quais medidas precisam ser adotadas tanto pelo poder público quanto pelos movimentos de esquerda, entrevistamos Cláudio Rezende Ribeiro, docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no departamento Urbanismo e Meio Ambiente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e da Pós-graduação em Urbanismo da mesma faculdade. Cláudio também é membro pesquisador do Laboratório Direito e Urbanismo do PROURB/FAU/UFRJ e integrante do grupo PERIFAU - Urbanismo e Periferia.

ANDES-SN: Cláudio, como a desigualdade socioespacial no Brasil se expressa nessa pandemia?

Cláudio Rezende Ribeiro: De várias formas. O que eu vou destacar é uma distribuição desigual espacial da contaminação, que me parece problemática em médio prazo. É um pouco explícito que a contaminação começa, principalmente, pela classe média que viajava para o exterior, , apesar de a primeira morte no país ter sido uma empregada doméstica contaminada por sua patroa. Mas existe uma questão de médio prazo mais abrangente que é muito problemática. Ou seja, a visibilidade da contaminação agora está muito forte. Quando a gente pega espacialmente as divisões de contaminação, elas estão nos bairros da cidade melhor estruturados. No caso do Rio de Janeiro, tem um painel que a prefeitura criou que mostra de forma muito explícita: a Zona Sul e a Barra da Tijuca são os lugares onde predominam a contaminação em disparado.

Um dos riscos que temos que pensar em relação à distribuição desigual do espaço da contaminação, é que a visibilidade do contágio e das mortes nas áreas pobres, que vai acontecer a partir de agora no espraiamento do contágio pode ter uma visibilidade diminuída. Pode ser que a curva e o tratamento nas áreas nobres e ricas sejam devidamente controlados e o descontrole maior aconteça, pelo óbvio, nas áreas mais periféricas, e isso seja invisibilizado exatamente porque, primeiro, o pico está nessas áreas mais valorizadas e a circulação de informação se dá também, desigualmente, a partir da distribuição espacial e econômica.

Isso me parece um problema muito grave: a diferença na distribuição do contágio pode fazer com que ações mais fortes nessas áreas mais pobres sejam subestimadas ou não sejam realizadas, com uma autorização de uma invisibilidade social. Isso é algo que a gente tem que prestar atenção. É importante chamar atenção para a forma como a transmissão está ocorrendo nessas áreas mais pobres. Acompanhar, ver os números e não deixar isso sair de pauta, quando essas curvas talvez tiverem um desencontro, de estabilização nas áreas mais ricas e aumento dos casos nas áreas mais pobres.

ANDES-SN: Como a questão da moradia precária interfere na prevenção à doença, deixando a população mais pobre ainda mais vulnerável?

CRR: É importante entender que moradia contempla várias coisas, inclusive localização, acesso a serviços, etc. Primeiro, internamente à residência, existem vários problemas, devido ao tamanho das residências muitas vezes pequeno e muito denso, logo, é difícil fazer o isolamento. Também, em muitos lugares, a falta de condições de conforto ambiental faz com que as casas não tenham circulação de ar suficiente e isso potencializa doenças alérgicas, por exemplo, e doenças respiratórias, o que pode agravar tanto o contágio como também a probabilidade de uma doença mais grave.

Mas, na escala dos bairros, é importante entender, também, que o acesso a serviços de saúde é mais difícil. As pessoas estão mais isoladas. Além disso, existe um problema de distribuição de água, que é muito grave. Áreas que já não tinham água e vão continuar não tendo, nesse momento, se não houver uma ação imediata.


E, ainda, o transporte. As pessoas estão em lugares que elas têm que se deslocar por transporte coletivo, que não tem um controle do contágio, por mais que as prefeituras estejam tomando as medidas formais, jurídicas. Efetivamente, o transporte coletivo na maioria das cidades do Brasil é privado e feito da pior forma possível, e como essas pessoas também estão vivenciando sob pressão, dos seus patrões, para trabalhar, elas têm que se transportar.

É a soma de duas coisas: o acesso a um transporte muito ruim que não favorece o distanciamento social, levando e trazendo pessoas de várias áreas que acabam se encontrando nesses transportes, potencialmente disseminando a pandemia para áreas onde há esse viés propriamente problemático das residências.

É uma série de questões em cascata, que problematizam bastante espacialmente o lugar de contágio e de controle dessas comunidades, desses bairros e dessas favelas.

Outra coisa importante é que as comunidades já lidam com um acúmulo de doenças que em outros lugares não existem. Por exemplo, existem comunidades mais pobres onde a Hanseníase é um problema. Um tipo de doença que é controlada em vários lugares, mas em algumas favelas não, isso é um caso específico, mas têm vários outros. Ou seja, as pessoas já estão lidando com condições sanitárias muito frágeis e a chegada dessa pandemia só piora essa situação. Então, é um potencializador: já se encontram numa área muito fragilizada sanitariamente e urbanisticamente pensando e a pandemia vai atingir de uma maneira mais problemática, mais forte, certamente.

ANDES-SN: Qual a possibilidade de isolamento doméstico e cuidados de prevenção nesses lugares?

CRR: Como já sinalizei antes, é muito mais difícil fazer o isolamento pela distribuição espacial das residências e, sobretudo, pela densidade das ocupações, mas também é importante pensar que existe uma ausência muito grande de espaços públicos. Ou seja, qualquer tarefa que você precise fazer, se a pessoa precisa manter sua saúde mental, e mesmo saúde do corpo, de vez em quando fazer uma caminhada rápida - o que não está proibido nesse momento de isolamento - se você tem um espaço público generoso perto da sua casa, com isolamento social, em alguns horários você consegue manter o distanciamento e fazer uma caminhada, por exemplo. E algumas pessoas vão precisar fazer isso para manter a saúde. Numa área em que você não tem espaço público garantido, isso é praticamente inviável, a própria circulação para ir ao mercado, por exemplo, você passa por lugares que são mais estreitos, a ausência de espaço público, que não é exclusivo de favelas, vamos deixar claro, mas que ali se potencializa, é um problema coletivo muito forte e que potencializará a pandemia nesses espaços.

ANDES-SN: Como você vê a organização dos movimentos sociais e das comunidades nas favelas e periferias para garantir informação sobre a doença e sua prevenção, além de subsistência dos moradores?

CRR: As comunidades estão se organizando e é importante perceber que não é um fator diferencial na pandemia. Como o Estado só chega nesses espaços com aparato policial para fazer violência, em relação a todos os outros serviços a comunidade sempre tem que se organizar. Sem romantizar o espaço da pobreza, já existe uma rede de proteção social. É muito importante perceber que, apesar de todas as precariedades que estão sofrendo, estão dando essa resposta. É importante acompanhar e reforçar isso, tanto dando visibilidade, ajudando e se organizando para fazer redes de solidariedade. Isso é algo que aos poucos vai se construindo, mas pensando também como isso pode gerar políticas sociais futuras para manter essa condição de manutenção dos direitos mais presentes, porque com o fim da pandemia vai ser necessário manter essas redes funcionando. Só para dar um exemplo, para a coleta de água, quem mora em bairros periféricos já não conta com serviço de água pleno, geralmente existe uma rede de utilização de várias formas de captação de água. Ou seja, as pessoas têm a própria caixa d'água, que vai receber a água "formal", mas eles captam água da chuva, ás vezes de nascente. Ou seja, tem que fazer uma combinação de captação de água para dar conta. Já não contam com o serviço do Estado, então se encontram politicamente mais preparados para dar conta dessa rede, mas é um duplo sentido. Estão politicamente mais preparados, mas estão mais precarizados. É importante observar como isso vai se disseminar e, sem romantizar, entender que essas redes serão necessárias para uma resistência posterior.

ANDES-SN: Quais medidas imediatas e de médio prazo você acredita que os governos devam adotar em relação às comunidades mais pobres?

CRR: Acho que uma das ações imediatas, como já disse, é levar água e sabão. Isso é muito importante porque as pessoas não têm dinheiro para comprar sabão ou sabonete, e não têm abastecimento de água. Aqui no Rio de Janeiro estamos com um caso gravíssimo da contaminação da água da Cedae, que não foi resolvido, para vermos como é uma dificuldade muito grande que vamos enfrentar.

Obviamente, criar redes de cuidado de saúde voltadas para esses lugares. É necessário que haja uma rede tanto de informação quanto de cuidado e observação extrema. Não só paras favelas, mas para todos os bairros. Sobretudo para esses lugares onde as pessoas estão sendo obrigadas a ir trabalhar e estão em condições piores de permanência. Isso é muito importante.


Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, a gente vive um momento em que as redes básicas de saúde estão sucateadas faz muito tempo e pioraram muito com a  adoção das organizações sociais. Desde 2015, foi autorizado pelo STF, com voto do [Ministro Luiz] Fux, o gasto indireto em relação à saúde, educação e cultura. e então, estamos vivenciando aqui o caos das OS. As notícias do Rio de Janeiro antes da pandemia eram a crise da água no estado, com a contaminação por Geosmina, e a crise da saúde no município, dos trabalhadores que não estavam recebendo salário. São exatamente as duas questões que precisamos: água e saúde numa crise aguda em que as comunidades são as pontas que mais sofrem com isso.

A saída é reverter esse processo, fazendo equipes de saúde robustas com concurso público, pagando os salários, dando condições de trabalho adequadas para elas e distribuindo espacialmente esses grupos para informar, não apenas tratar na ponta, mas ajudar a preparar esses lugares. Trabalhadores de saúde para poder levar informação e cuidado para essas áreas é fundamental.

A desigualdade de informação faz com que as áreas mais ricas, tenham mais conhecimento. e então, eu diria que água, produto de limpeza e equipes de saúde são ações fundamentais e imediatas. E, ao mesmo tempo, garantir a alimentação. A produção e distribuição de alimentos devem ser feitas, seja através de programas de renda mínima, seja a partir da distribuição direta de alimentação, para garantir que as pessoas possam ficar em casa.

ANDES-SN: A questão da moradia e organização da vida urbana se coloca com um grande aspecto que pode determinar a dificuldade de proteção da saúde das comunidades pobres. Como os movimentos sociais (a esquerda) vêm abordando essa pauta ao longo dos anos e, em especial, nesse momento?


CRR: É importante entender que a forma como se pensa a cidade, por um viés crítico, é entender o direito à cidade. A cidade não pode ser encarada como mercadoria, a terra não pode ser encarada como um ativo de valorização. É exatamente porque a terra é vista assim que gera essa desigualdade. Onde áreas mais valorizadas recebem mais investimentos e vão ficar ainda mais valorizadas. Ou seja, entender a cidade como um valor de uso, é algo que a esquerda tem buscado [disseminar] e tem construído um campo crítico no Brasil muito forte, de urbanismo crítico que encara o direito à cidade a partir do viés do direito à habitação e do direito ao trabalho.  Infelizmente, a temos sido minoritários. As prefeituras em geral tem adotado, nas últimas décadas, uma visão ultra-mercantil da cidade, global e não se preocuparam em construir infraestrutura, habitação de qualidade e distribuir infraestrutura de forma mais igualitária na cidade. É muito importante que a esquerda continue nessa movimentação de denunciar como é essa forma ultraliberal de organização, que faz com que a cidade não esteja pronta pra enfrentar, não só essa pandemia, mas o cotidiano. Pois, antes da pandemia, já era uma barbárie.  A pandemia realça vários problemas que nós teremos que enfrentar agora de forma coletiva e que vai ser muito duro.

ANDES-SN: Você acredita que após a pandemia, há alguma possibilidade de um olhar mais atento e maior investimento do poder público para as comunidades de favela e das periferias?

CRR: Só terá um investimento melhor do poder público nessas áreas, se houver movimentação. Até agora não tenho visto nenhuma movimentação política mais sólida no sentido de reverter o que era feito antes. O que tem sido feito, a meu ver, são respostas à crise, porque [os governantes] têm que dar uma resposta pública efetiva a essa crise, com exceção obviamente do chefe do executivo, o capitão ex-atleta, que de fato entra num delírio além da imaginação, mas os outros governantes têm feito ações, que são ações com um discurso do imediatismo. Existe uma utilização do discurso da crise para aprofundar posteriormente o desinvestimento em serviços públicos. Não podemos achar que o momento imediato de valorização do SUS, das universidades públicas, da estrutura pública, de garantia da renda mínima será permanente, que isso tudo não vai ser desmantelado depois, com o discurso de que, como voltamos ao normal, agora podemos sair daquele estado de exceção, que tinha que garantir as coisas de forma pública, e vamos, daqui para frente, retomar o crescimento da economia, do empreendedorismo, e tudo mais. Aquela cantilena que conhecemos, ou seja, que principalmente agora teremos que fazer sacrifícios para que a sociedade volte ao normal e precisaremos cortar o investimento público como, por exemplo, o salário dos servidores. O [Rodrigo] Maia continua dizendo que tem que cortar o salário dos servidores, que temos que cooperar, para a crise.

Não existe nada apontando para uma melhoria contínua desse tipo de investimento público. Para que isso aconteça, os movimentos de esquerda têm que se colocar desde já, fortalecendo a sua política e mostrando como que o despreparo para a pandemia também é um despreparo para a vida cotidiana. Isso é fundamental, porque se reforçar esse discurso de que é um momento de exceção, quando acabar a pandemia, vão vir com o discurso de acabar com a política de investimento em serviços públicos. Foi o estado de Calamidade Pública que permitiu sair da Lei de Responsabilidade Fiscal. E, quando acabar esse estado volta a LRF.


Ou seja, nada garante que essa crise pandêmica vai reforçar o caráter público, eu diria inclusive que o espaço público está em profunda ameaça. As pessoas podem começar a ter fobia de espaço público, dependendo do tempo que tivermos que ficar em quarentena. As pessoas acham que o povo vai querer voltar às praças, ocupar tudo, mas pode gerar um movimento contrário, de uma repulsa. Esse vírus é muito neoliberal nesse aspecto, ninguém pode se encontrar com ninguém, se tocar, é um comportamento individual, a luta contra ele obviamente é uma luta socialista. Agora, para que essa luta se torne uma força, tem que ter uma intervenção forte dos movimentos de esquerda, porque, senão, eu diria que a tendência normal do que está sendo conduzido vai ser um contragolpe muito forte a essa linha pública de investimento.

 

*As opiniões contidas nesta entrevista são de inteira responsabilidade dos entrevistados e não necessariamente correspondem ao posicionamento político deste Sindicato

 

Fonte: ANDES-SN