Quarta, 15 Abril 2020 17:02

A CURVA DO VÍRUS PODE ENGANAR? - José Domingues de Godoi Filho

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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 José Domingues de Godoi Filho¹

 

O volume de dados e informações sobre um inimigo invisível, disponibilizados diariamente, torna imprescindível não esquecermos das incertezas e indeterminações do saber científico. Só assim será possível melhor utilizá-los e, entendermos a importância dos cuidados e precauções indicadas pela Organização Mundial da Saúde, médicos, pesquisadores e, no caso brasileiro, também pelo resultado da “balbúrdia” realizada nas universidades públicas.

A utilização, sem criticidade, de modelagem matemática, que é uma importante metodologia de trabalho, porém com limitações e premissas, pode gerar, não raramente, interpretações e conclusões equivocadas, que, muitas vezes, refletem ou levam a imposições de interesses pouco defensáveis.

É uma das dificuldades, por exemplo, que tem se enfrentado na análise das avaliações ambientais. Para ilustrar, recentemente, em Mato Grosso, a EDF – Électricité de France, associada à um tipo de cérebro de aluguel, impuseram, com base em modelagem matemática, que distorcia a realidade pra “caber” em seu modelo e interesses que pagavam a conta, o fechamento da Usina Hidrelétrica Sinop, sem que o lago fosse limpo, contrariando a legislação. Desconsideraram o parecer contrário, que indicava o óbvio. Resultado, quinze dias após o fechamento das comportas e, desde então, já se acumularam, em mais de um evento, algumas toneladas de peixes mortos no rio Teles Pires. A endeusada modelagem matemática e seus infográficos e outros malabarismos computacionais empolgaram os medonhos tomadores de decisão. E foi por aí afora.

A situação atual, que estamos vivendo, demonstra, com clareza ímpar, os limites dessa metodologia, especialmente, quando envolve a vida de todos os animais, incluindo os humanos. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o modelo de apropriação dos recursos naturais, adotado pelo animal humano, primou por construir um aparato bélico capaz de destruir a vida e até mesmo partes do planeta várias vezes. Um modelo que se radicalizou a partir da Guerra dos Seis Dias (1967, entre árabes e israelenses); e, se impôs como pensamento único a partir dos governos Reagan-Thatcher. Para além das imposições socioeconômicas, o Governo Ronald Reagan, em 1983, elaborou o programa militar SDI (Strategic Defense Initiative), também conhecido como Star Wars, que incluía satélites antimísseis equipados com laser e muita modelagem.

Nos anos 2000, o programa foi reativado pelo Governo Bush com a denominação de “Escudos antimísseis”, para criar um escudo espacial de defesa do território americano. Com isso, os falcões americanos buscavam o monopólio do poder espacial, desrespeitando até mesmo o frágil equilíbrio nuclear do período da Guerra Fria. Reações e decisões aconteceram por parte de vários países como a Rússia, China, Índia, Paquistão, dentre outros. O animal humano conseguiu, com os armamentos construídos, se tornar a única espécie com capacidade de autodestruição. Novamente muita modelagem.

Paralelamente, no mesmo período, os “lost profhets”, uma verdadeira tropa de ocupação, formados na Universidade de Chicago e assemelhadas, invadiram o mundo com a imposição de um pensamento único e muita modelagem matemática, para justificar e atender os interesses do capital. Transformaram a espécie humana num agente geológico com alta capacidade de destruição. Construíram o cassino global e chegamos, com Trump, ao nacionalismo do America First e seu negacionismo climático e científico.

Com toda essa força, armamentos, pós-mentiras, dominação econômica, desigualdade social e muita modelagem matemática, o sistema e o modelo adotado estão colocados de quatro e o animal humano perplexo frente a um inimigo invisível. Tomara que os animais humanos aprendam e partam para a construção de uma sociedade diferente, utilizando os seus saberes, inclusive o científico e suas modelagens, a favor de um mundo mais igualitário e humanista.

A conjuntura atual obrigou, ainda que com atraso, o questionamento dos dados, modelagens, infográficos e outros malabarismos gráficos. Oxalá os questionamentos não sejam de má fé, muito menos para utilizar a mesma lógica do Leopardo – “mudar para continuar do mesmo jeito”. Ao contrário, a curva do vírus poderá enganar.

¹ Professor da UFMT/Faculdade de Geociências – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
 

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