Quinta, 21 Junho 2018 16:54

 

 

 *Texto publicado a pedido do professor Roberto Boaventura da Silva Sá.

 

 

 

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Professor do Departamento de Letras/IL/Cuiabá

 

 

Magnífica Reitora

 

Como é do conhecimento público, exposto no Espaço Aberto n. 73/ADUFMAT, de 21/06/2018, no qual publiquei “Paradoxos de uma greve”, reflexionando sobre este tenso momento vivenciado por todos nós na UFMT, passei a defender publicamente a despersonalização de nossos representantes institucionais. Os motivos, penso, estão ali suficientemente desenvolvidos.

No lugar das personalizações, reafirmando o crédito na vivência dos espaços da democracia representativa, chamei à responsabilidade pelas políticas da Instituição, incluindo sua política de alimentação, os órgãos colegiados superiores. Por muito tempo, tais órgãos não passaram de meros espaços de chancelar interesses personificados por dirigentes, ainda que democraticamente eleitos.

Todavia, nessa defesa que faço dos órgãos colegiados não há espaço para nenhum tipo de manobras e/ou atropelamento de suas reuniões. O exercício pleno da democracia deve ser o fio condutor em cada segundo em que tais órgãos estiverem reunidos. Nada que fuja disso terá minha conivência.

Digo isso porque, em documento assinado pelas conselheiras do CONSEPE Sophia Leitão Pastorello de Paiva e Alair Suzeti da Silveira, e amplamente divulgado na Instituição (20/06/2018), foram expostas denúncias gravíssimas de condução por parte da “Mesa” da Reunião Extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), realizada no dia 18/06/2018.

Infelizmente, cada um dos nove itens registrados no documento em questão pode ser comprovado pelas imagens geradas pela própria UFMT. Todos são absolutamente graves e inadmissíveis.

Sem desconsiderar a importância de nenhum dos elementos expostos na totalidade do irrefutável documento-denúncia, destaco o tópico 1 do item 7. Por si, ele não resolveria a complexa questão, mas também não pioraria a situação:

“7. A única proposta substitutiva ao ponto de pauta original foi apresentada verbalmente e, também, por escrito, por uma conselheira. E, mais uma vez, a Mesa ignorou a apresentação da proposta, recusando-se a submetê-la à apreciação do Pleno. A proposta substitutiva apresentada consistia em: (1) Reunião do CONSEPE no dia 02 de julho para a avaliação de revogação do calendário...”

Com base no senso comum e na esteira dos clichês, não poucas vezes na vida temos exemplos de que a pressa é inimiga (aliás, podendo ser mortal) da perfeição, sempre inatingível. Eis um lamentável exemplo acima.

Não ter encaminhado democraticamente à apreciação do Pleno o que solicitavam os acadêmicos, por meio de sua representante, pode ter induzido o CONSEPE a um erro e a um atropelamento desnecessário do curso das negociações com os acadêmicos legitimamente em greve. Atropelamento que pode estar nos jogando no espaço profundo do caos institucional. Se não vejamos.

Como resultado prático do atropelamento da Mesa, o CONSEPE deliberou por revogar a suspensão do calendário acadêmico, decisão anteriormente tomada, e indicar às unidades da Instituição o reinício das atividades a partir do dia 25/06/2018.

Com a deliberação acima, entra em choque frontal outra decisão: a continuidade da greve dos acadêmicos do campus de Cuiabá. Reunidos em Assembleia Geral (20/06/2018), por ampla maioria dos presentes, foi deliberado que o Movimento Discente continuará a greve iniciada em abril, fortalecendo-a, inclusive.

Eis o cenário do caos: de um lado, os docentes, que não estão em greve e nem podem, democraticamente, desrespeitar decisões de órgãos superiores; de outro, nossos acadêmicos que continuam em greve por tempo indeterminado.

Diante desse cenário absolutamente inconcebível, e que pode nos colocar em situações inimagináveis dentro da UFMT, faço coro às respeitáveis vozes que já estão apelando à Vossa Magnificência pela “...anulação da Reunião realizada no dia 18 de junho de 2018, às 08h30, no auditório do SETEC, no prédio do STI do Campus de Cuiabá da Universidade Federal de Mato Grosso, e, até a decisão deste pedido, a suspensão de todos os seus efeitos”.

 Saudações Acadêmicas

 

 

Atenciosamente

Roberto Boaventura da Silva Sá

 

Quinta, 21 Junho 2018 10:36

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP; prof. de Literatura/UFMT

 

A Universidade Federal de Mato Grosso, desde o dia 20/04, convive com uma greve estudantil, depois que a Administração Superior (AS) anunciou o aumento de 550% dos preços do Restaurante Universitário (RU). Para o almoço, de 1 real, pagar-se-ia 5,50.

Mercadologicamente, os preços são baixos. Contudo, isso é exorbitante a uma instituição pública que deve manter seus acadêmicos com dignidade.

Esse erro da AS foi responsável pela paralisação, apoiada por todos. Hoje, não muito mais do que 20% dos acadêmicos podem dispensar todo e qualquer tipo de auxílio. Cerca de 60% dos estudantes têm renda familiar que não ultrapassa 1,5 salário.

Diante da força e justeza da greve, a AS recuou. Até dezembro, nada muda.

O tempo é curto?

Sim, mas é um recuo que poderia abrir diálogo, até por conta de explicações orçamentárias demandadas e denúncias feitas em torno de contratos existentes com as terceirizadas.

Contudo, a liderança da greve não avaliou assim, pois não tem sintonia política com o Diretório Central dos Estudantes, e qualquer diálogo, fora da greve, pressupunha ocorrer também com representações estudantis. Por isso, manteve-se a paralisação, passando-se a exigir novos diálogos diretos com a reitoria, que, por sua vez, não recuava.

Diante de métodos e ações antagônicas das partes envolvidas, alguns docentes – dentre eles, me incluo – tentaram viabilizar a realização de diálogos. Em vão. A reitoria aceitava dialogar com as lideranças da greve, mas com mediadores dos conselhos e representantes sindicais. O ME recusa mediações.

A insistência no diálogo direto com a reitoria, desconsiderando os conselhos e outros, ainda que se pudessem ter todas as razões para desconfianças, querendo ou não, exalta a personalidade de alguém em detrimento dos coletivos, lembrando os tempos dos monarcas apeados do poder.

Compreensível. Fizemos história nesse percurso do culto à personalidade na Instituição.

No tocante à política de alimentação, a gestora anterior, por conta própria, bateu o martelo e manteve inalterados os preços do RU durante seus dois mandatos. Falou e cumpriu. Todos, silenciosamente, aplaudiram-na. Os conselhos não foram consultados para nada; aliás, o CONSUNI, raramente, sequer era convocado. Aquele coletivo lhe foi subserviente o tempo inteiro. A lógica da barganha da política externa à Instituição foi a mesma impregnada dentro da Instituição. Pergunto: foi positiva a “força” daquela gestora?

Pelo sim, pelo não, parece que, pelo menos naquele caso, à lá Padre Vieira, os meios justificavam o fim. Logo, aquela atitude “forte” tinha o consentimento geral. Ninguém (estou me incluindo nisso, não sem dar a mão à palmatória agora) fez relação daquela “força do bem” com outras forças nada benéficas, como a aprovação do ReUni, na sede OAB, e a imposição do Enem; tudo à revelia dos debates promovidos.

Estou trazendo à tona essa história recente da UFMT, pois, diante dos embates deste tenso momento, ponderar se devemos empoderar alguém em detrimento das construções e deliberações dos coletivos é o melhor caminho para todos na construção de universidade pública, laica, de qualidade e socialmente referenciada.

Em minha opinião, vivemos um paradoxo. Em meio a ele, na justíssima luta, o ME promove ações contundentes, fechando guaritas e ocupando prédios. A reação tem sido imediata, com ordens judiciais de desocupações, além de incriminações individuais e coletivas contra essas ações.

Perante visível dificuldade de se efetivar diálogos, fui percebendo o quanto a democracia representativa, base de nossa estruturação social e institucional, encontra-se abalada, pelo menos dentre o segmento estudantil.

O descrédito dos estudantes em relação a seus representantes (administradores, professores, sindicalistas e os próprios estudantes) é tão visível quanto chocante. Mais: o fundo de tal descrédito é complexo e plural, pois muitos dos líderes – além da luta pela política de alimentação, que a todos une – carregam bandeiras de grupos sociais diversos (negros, feministas, LGBTT et alii).

Sinais das lutas em tempos pós-modernos. Isso, inclusive, redundou em uma pauta de quase 40 itens, todos justos, além da centralidade da greve: “RU universal e a 1 real”, entregue nas mãos do vice-reitor, momentos antes de uma oficial da justiça chegar para ver se Reitoria ainda estava ocupada, posto ter havido ordem de desocupação.

Diante desse quadro, em recente reunião do Conselho Superior Universitário, foi aprovada a proposta da formação de uma comissão paritária para tratar à exaustão de tudo o que envolvesse a política de alimentação na UFMT. Por sua vez, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão revogou a suspensão do calendário acadêmico, a partir do dia 25 próximo.

Com essas duas deliberações, por meio da tentativa de se resgatar as funções dos conselhos representativos, a greve tendia a ser diluída, sem que um ponto final tivesse sido posto. Aliás, os estudantes, em Assembleia Geral, na noite de 20/06, por maioria, deliberaram por continuar a greve.

A partir de agora, o que virá por diante, é uma imensa incógnita. Até aqui, em minha opinião, a luta dos estudantes já é bem vitoriosa.

Todavia, penso que se conseguíssemos fortalecer os conselhos superiores, resguardando os marcos de como a Instituição encontra-se estruturada, ou seja, pela democracia representativa, mesmo que cheia de problemas, mas ainda não superada, todos ganharíamos. Retiraríamos de cena todo tipo de personificação na Instituição para o fortalecimento e crescimento democrático dos coletivos, todos eleitos por nós.

Quarta, 20 Junho 2018 10:52

 

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HOMENAGEM PÓSTUMA PARA LYLIA DA SILVA GUEDES GALETTI (texto ligeiramente modificado e que eu pensei em ler na homenagem feita para Lylia na sede da Adufmat em 08/06/2018).
 

 
MÚSICA “ROENDO UNHA” DO GONZAGÃO, MÚSICA QUE EU CHAMO DE “VIMVIM”; É A CARA DE LYLIA.
Roendo Unha
Luiz Gonzaga
 
Quando VinVin cantou
Corri pra ver você
Atrás da serra, o sol
Estava pra se esconder
Quando você partiu
Eu não esqueço mais
Meu coração, amor,
Partiu atrás
 
Vivo com os olhos na ladeira
Quando vejo uma poeira
Penso logo que é você
 
Vivo de orelha levantada
Para o lado da estrada
Que atravessa o muçambê
Olha, já estou roendo unha
A saudade é testemunha
Do que agora vou dizer
 
Quando na janela
Eu me debruço
O meu cantar é um soluço
A galopar no massapê
 
 

Vou falar um pouco da história política institucional, tradicional e partidária  de Lylia, no período quando ela era ainda muito jovem, com 17, 18 e 19 anos.
 
Volto no tempo, lá pelos idos de 1960, em 1967, 1968. Lylia nasceu em 08/07/1952. Era então uma jovem de 15, 16 anos em Fortaleza, Ceará. Uma jovem nordestina aguerrida e valente.  Lylia viveu intensamente aqueles processos fortes e marcantes da revolução mundial de 1968. Era estudante secundarista na escola pública.
 
Alguns de vocês aqui presentes talvez se recordem bem como foram fortes e decisivos em nossas vidas aqueles momentos, aquelas lutas, nossas atitudes ousadas e corajosas enfrentando a ditadura empresarial e militar brasileira, que havia usurpado o poder político no Brasil através de um golpe militar em março de 1964. Foi, como sabemos uma ditadura militar e da burguesia brasileira e mundial contrária aos interesses populares. De forma direta, brutal e truculenta os governos ditatoriais daquele período atacaram duramente os movimentos populares e sindicais brasileiros, perseguindo, prendendo, torturando e matando as principais lideranças desses movimentos.
 
Pois bem, naquela conjuntura, Lylia se atira e entra com força na luta contra a ditadura, como é próprio da juventude e também como era característica dela. Entra com tudo na luta em defesa dos mais pobres, dos jovens, em defesa da liberdade roubada e usurpada pela ditadura, em defesa da vida e da dignidade humanas, em defesa da democracia, valores atacados duramente e destroçados pela ditadura empresarial capitalista e militar no Brasil.
 
Depois de participar de manifestações de rua contundentes e de fazer discursos inflamados contra a ditadura, Lylia, como líder estudantil no Liceu Secundarista de Fortaleza, se aproxima do PCBR – o Partido Comunista Revolucionário Brasileiro – e passa  a ser uma simpatizante dessa organização revolucionária. Talvez vocês se lembrem de alguns nomes mais conhecidos de dirigentes do PCBR: o Mário Alves (brutalmente empalado e morto pelos carrascos da ditadura), o Jacob Gorender e outras (os).
 
Em 1970 (salvo engano) os dirigentes do PCBR planejaram uma ação de panfletagem com pichamento no centro de Fortaleza. Era um pichamento à noite, num muro branco em rua do centro da cidade. Para surpresa de Lylia e demais militantes que participavam dessa ação, integrantes de um carro do jornal “O Povo” do Ceará, ao notar as atitudes “suspeitas” desses jovens militantes passaram imediatamente a denunciá-los à polícia. O que eles faziam: tinham arremessado um saco plástico cheio de piche preto contra um muro grande e branco. Em seguida, escreveram, em letras bem grandes: DIGA NÃO. Depois voltariam, passados uns quatro ou cinco dias pra completar a frase, escrevendo: LUTA ARMADA É A SOLUÇÃO.
 
Porque o PCBR defendia a estratégia de luta armada contra a ditadura e contra o capitalismo para a construção do socialismo. Também assim pensavam e agiam, numa linha e com orientação política semelhante a ALN – Ação de Libertação Nacional de Carlos Marighela, Alexandre Vanuchi Leme, o velho Toledo, o Bacuri e vários outro militantes; e o MR – 8 – o Movimento Revolucionário 8 de Outubro ( 8 de outubro em homenagem a Ernesto Che Guevara, dirigente revolucionário argentino cubano e líder destacado da conhecida, respeitada e vitoriosa Revolução Cubana, de 1956 a 1961).
 
Relembrando: o PCBR, a ALN e o MR8, surgiram como rachas, dissidências do PCB, o Partido Comunista Brasileiro (o partidão). O partidão defendia a luta institucional, legal e pacífica contra a ditadura. Essas organizações guerrilheiras consideravam inadequada, incapaz e inofensiva essa estratégia política e passaram a adotar a estratégia da luta armada, inspiradas no exemplo vitorioso da Revolução Cubana, da Revolução Chinesa e da Revolução Vietnamita.
 
Como foi muito discutido tempos depois, passou a predominar na esquerda brasileira a avaliação de que a estratégia da luta armada não foi acertada, naquele período e da forma como foi implementada. Era uma estratégia foquista, em que pequenos e destacados grupos de militantes revolucionários socialistas partiam para a ação direta de enfrentamento contra o capital. Esses grupos heróicos não conseguiram ligação com os movimentos de massas. Atuaram descolados dos sindicatos e organizações populares. Enfim, realizaram ações espetaculares, mas não tinham capilaridade, enraizamento nas organizações da sociedade civil. Diferente da Revolução Vietnamita. Nessa luta revolucionária vitoriosa os guerrilheiros trabalhavam ou estudavam e militavam de dia e de noite. Sempre que possível dentro e junto com o povo. Como os peixes. Pra viver, tem que estar dentro d’água. Enfim, em minha opinião esse debate ainda permanece em aberto.
 
Voltemos a 1970. Período mais duro da ditadura no Brasil. Eram os anos de chumbo. Depois dessa ação repressiva da ditadura, na ação de pichamento do muro, Lylia teve que entrar para a clandestinidade. É deslocada pelo PCBR para um “aparelho” (uma casa) na Praia de Maria Farinha. Acaba sendo presa junto com Odijas Carvalho, o neguinho, ao tentar fugir da casa que fora cercada por forças armadas da ditadura. Neguinho, destacado líder estudantil pernambucano, foi brutalmente torturado por dois dias e duas noites. Morreu na cadeia. Lylia e companheiras (os) ouviram (testemunharam) sua agonia de morte.
 
E Lylia passa a cumprir pena de prisão, tendo ficada presa no Presídio do Bom Pastor em Pernambuco, por mais de dois anos, no período de 1970 a 1971. 
 
Depois de sair da prisão Lylia continuou a lutar com alguma dificuldade e com cautela nos anos 1970. No entanto, jamais renunciou a seus ideais revolucionários em defesa dos mais pobres, das negras, das índias, das oprimidas, dos LGBTs, da livre opção sexual, por liberdade, por formas inovadoras e criativas de construção do socialismo com democracia e ampla participação popular. A partir dos anos 1980 e até o fim de sua vida, em 18/04/2018, suas ações e atitudes cresceram em intensidade e valor social e político. Sua vida e seu trabalho foram e continuam sendo uma inspiração constante nas vidas de todas (os) que com ela conviveram.   Tenho certeza de que novas Lylias virão. Que o plantio dessa muda de ipê amarelo adubado com as cinzas de Lylia incentive e traga novas Lylias guerreiras. Tenho essa esperança. E digo
 
LYLIA GUERREIRA PRESENTE!!! SEMPRE!!!
 
Luiz Carlos Galetti
Professor aposentado do Departamento de Sociologia e Ciência Política – ICHS - UFMT
 
BRASÍLIA, 14 DE JUNHO DE 2018.

 

Terça, 19 Junho 2018 09:52

 

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Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não para

(O tempo não para, Cazuza)

Maelison Silva Neves - Departamento de Psicologia/UFMT Cuiabá

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          Nos últimos dias, iniciou-se um produtivo debate em torno da questão do empreendedorismo no âmbito da UFMT. Acerca desse tema, já havia me posicionado no espaço aberto, conforme esse link. Lendo os comentários de facebook, falas e alguns textos que se posicionaram a favor do empreendedorismo, chamou atenção um núcleo argumentativo que caracterizava os críticos dessa perspectiva como retrógrados, como se fossem filiados a um pensamento já ultrapassado, referindo-se ao marxismo. Acerca da alegação de obsolescência do marxismo nos debates sobre temas sociais e políticos relevantes é que me posiciono nesse texto.

          Parece existir alguns pressupostos sobre história e ciência por trás de tal alegação. Do ponto de vista histórico, esse argumento concebe a história de forma linear e progressista: amanhã será melhor que hoje tal qual hoje é melhor que ontem. Tal concepção parece inspirar-se na evolução da tecnologia[i]: se olharmos os progressos da técnica, temos sempre esperança de que ela melhore, pois ao compararmos o aparato tecnológico que temos hoje (smart fone, por exemplo), constatamos que são bem mais desenvolvidos que as versões anteriores. Aplicando tal raciocínio à história da ciência, o senso comum tende a reconhecer as teorias científicas contemporâneas como sempre mais avançadas que as do passado, como se a história humana (incluindo a da ciência) fosse uma espiral de progresso contínuo.

          Em vez disso, parece ser mais rico para o pensamento científico sobre os fenômenos humanos e sociais adotar “uma interpretação dialética e não evolucionista da história, levando em conta ao mesmo tempo os progressos e as regressões” (LOWY, 2002, p.205).

          Ao aplicar a argumentação de história linear ao pensamento Marxista, a crítica do senso comum tende a refutá-lo alegando simplesmente que se trata de um pensador do século XIX. Como, obviamente, estamos no século XXI, ele nada mais teria a nos dizer, pois que o que foi dito depois dele, contrapondo-o, é a última novidade da verdade sobre nosso tempo. Quando me refiro ao senso comum, quero dizer que tal argumento não tem embasamento científico nem filosófico seja do ponto de vista do conceito de História, da História da Ciência, seja do ponto de vista das Ciências Sociais.

          Duas considerações são importantes para se desfazer a incoerência de tal alegação: Muitos autores do século XIX continuam sendo muito influentes no pensamento contemporâneo, principalmente porque os fenômenos descritos por eles continuam presentes e relevantes em pleno século XXI. Seria absurdo negar explicações sobre fenômenos biológicos baseadas na evolução porque Darwin a formulou no século XIX, posto que os princípios gerais dessa teoria continuam fundamentando as ciências naturais. Do mesmo modo, considerando que o Capital foi o grande objeto de crítica e reflexão teórica de Marx e que ainda vivemos sob o modo de produção capitalista (apesar de suas reconfigurações), ainda é possível analisar e criticar a dinâmica desse modo de produção a partir do pensamento marxista.

          Outra consideração a ser feita é que a propriedade privada, um conceito-valor caro para os críticos de Marx e defensores do Capital, tem origem bastante remota e suas fundamentações mais brilhantes são de filósofos políticos liberais do século XVIII e XIX. Além disso, nenhum pensador liberal contemporâneo, se for honesto, ousará ignorar o legado de Adam Smith. Entre ele e Marx há profundas diferenças, mas ambos refletiram sobre os mesmos processos sociais, colocando-se em posições filosóficas, epistemológicas e valorativas opostas. Ambos continuam importantes, quando se analisa os fundamentos das disputas de rumo da sociedade sob o prisma econômico, social e ético.

          Do ponto de vista da História e Filosofia da ciência, torna-se nonsense aplicar ao pensamento marxista a ideia de obsolescência: não houve uma revolução paradigmática nas ciências sociais e não sei se seria possível aplicar as teses de Kuhn ao conhecimento direcionado para a ciência dos processos humanos/sociais. Em vez de pensar esse campo de pensamento na perspectiva Kuhniana (fase pré-paradigmática→ ciência normal → crise → revolução →nova ciência normal, e assim sucessivamente), parece ser mais plausível pensar na perspectiva de um campo pluriparadigmático, no qual a diversidade teórica e interpretativa dos fenômenos sociais, que por sua vez implica em diferentes tecnologias, não se descola das pressuposições de sujeito, sociedade e valores.

          Desse modo, baseando-se na sociologia da ciência de Bourdieu, pode-se considerar que a dinâmica da produção científica, longe de uma progressão em espiral de contínuo aperfeiçoamento, constitui-se em um campo de lutas:

Dizer que o campo é um lugar de lutas não é simplesmente romper com a imagem irenista da "comunidade científica" tal como a hagiografia científica a descreve − e, muitas vezes, depois dela, a própria sociologia da ciência. Não é simplesmente romper com a ideia de uma espécie de "reino dos fins" que não conheceria senão as leis da concorrência pura e perfeita das ideias, infalivelmente recortada pela força intrínseca da ideia verdadeira. É também recordar que o próprio funcionamento do campo científico produz e supõe uma forma específica de interesse (as práticas científicas não aparecendo como "desinteressadas" senão quando referidas a interesses diferentes, produzidos e exigidos por outros campos) (BOURDIEU, 1983, p.123).

          As ideias acima precisariam ser melhor desenvolvidas para evitar imprecisões e por entrarem em debates acalorados no âmbito da História e Filosofia da Ciência, mas o que pretendo argumentar centralmente é: o pensamento de Marx continua vivo e atual. Obviamente ele não é unanimidade na sociedade nem na universidade (diferente do que pensa o senso comum das redes sociais), mas nada nesse mundo é unânime e isso não invalida o potencial analítico e crítico do pensamento marxista. Desse modo, as respostas nos debates sobre os rumos da sociedade de quem pensa diferente de Marx precisam ser dadas com o mesmo rigor teórico-metodológico desse autor, atendendo às exigências para um debate acadêmico enriquecedor para a universidade e para a sociedade.

 

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P. O Campo Científico. In: ORTIZ, Renato (org.). 1983. Bourdieu – Sociologia. São Paulo: Ática. Coleção Grandes Cientistas Sociais, vol. 39. p. 122-15

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 1997.

LÖWY, Michael. A filosofia da história de Walter Benjamin . Estudos Avançados, São Paulo, v. 16, n. 45, p. 199-206 , aug. 2002. ISSN 1806-9592. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9877>. Acesso em: 17 june 2018. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142002000200013.

MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial. Zahar: Rio de Janeiro, 1973.

Žižek, Slavoj. A atualidade de Marx. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2018/05/04/zizek-a-atualidade-de-marx/ . Publicado em 04/05/2018. Acessado em 17/06/2018.

 

 



[i] A ideia de uma evolução linear e progressista da tecnologia pode ser objeto de crítica, não sendo essa perspectiva defendida nesse texto, mas não será possível detalhar aqui por fugir do foco. Autores como Walter Benjamin, Herbert Marcuse e Martin Heidegger se dedicaram a refletir sobre o tema.

 

Segunda, 18 Junho 2018 13:23

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

Mais um capítulo da violência no Brasil, uma realidade macabra que amedronta,  ao mesmo tempo envergonha e mancha a imagem de nosso país ao redor do mundo, esta realidade pode ser constatada com a divulgação de mais um Atlas da Violência, referente ao ano de 2016 , uma visão retrospectiva e comparativa, neste estudo produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado há poucos dias.


Os dados, principalmente em sua dimensão evolutiva e também ao caracterizar a violência que está dizimando, exterminando grandes contingentes demográficos, além de representar o descaso como nossos governantes vem tratando esta questão, também revelam a incompetência, insensibilidade perante um drama que afeta, em maior grau, a população pobre, os negros, pardos ou afrodescendentes, os jovens e as mulheres.


Em 2016 foram assassinadas 62.517 pessoas no Brasil, numero maior do que a soma dos homicídios ocorridos na Europa, Estados Unidos e China. Basta lembrar que esses países reunidos representam pouco mais de 2,4 bilhões de pessoas, enquanto o Brasil, em 2016 tinha apenas 206 milhões de habitantes ou seja, apenas 9,8% da população daqueles países em conjunto.


A taxa de homicídios por 100 mil habitantes vem crescendo desde os anos 1980, passando de 11,7 no inicio daquela década para atingir 30,3 no ano de 2016  e, com certeza muito mais em 2017 e 2018, com o destaque que nos últimos dez anos a taxa de homicídios para a população branca caiu 6,8%, enquanto esta mesma taxa para a população afrodescendente (negros e pardos) aumentou em 23,1%. Esta população, cujos antepassados foram violentados pela escravidão, aos poucos esta sendo dizimada pela violência que cresce a cada dia em nosso país.


Segundo o jornal O Dia de 07/12/2017, o número de homicídios em 2017, quando divulgado oficialmente, deverá ser de 70,2 mil e a tendência de que o ano de 2018 terá um número ainda maior. Isto demonstra que estamos vivendo uma verdadeira Guerra civil ou um genocídio.


Outro dado importante deste estudo, para entender a dinâmica deste extermínio de jovens, principalmente negros e pardos, é que a taxa  de homicídios nesta faixa etária para a população branca é de 16 por cem mil habitantes enquanto para negros e pardos é de 40,2, ou seja,  151,2% maior do que entre jovens brancos. A conclusão que se pode extrair desses dados é que 71,5% das vitimas de homicídios no Brasil em 2016 (44.700 pessoas) eram negros e pardos, enquanto 29,5% eram brancos (17.817 vítimas), que perderam a vida em decorrência da violência que ao longo de quase quarenta anos não para de crescer em nosso pais, aterrorizando cada vez mais a população.


A taxa de homicídios no Brasil é 140 vezes maior do que na Europa, na China ou em diversas países asiáticos. Entre 1980 até o final de 2018, estima-se que mais de 1,1 milhões de pessoas tiverem ou terão suas vidas ceifadas precocemente de forma violenta. Um absurdo, uma vergonha, muito descaso e incompetência dos nossos governantes.


Para a OMS, se um país apresenta taxa de homicídio acima de 10 mortes por cem mil habitantes está diante de uma epidemia.  A taxa média de homicídios no mundo em 2016, segundo a OMS foi de 8 assassinatos por cem mil habitantes e no Brasil foi de 30,3; ou seja; 279,1% maior do que a media mundial, algo que reflete uma realidade que todo mundo vê, sente, tem medo e está ceifando milhares de vidas a cada ano e milhões em poucas décadas, ante o descaso, incompetência, insensibilidade, demagogia de nossos governantes, os quais, por não definirem e implementarem planos, programas e ações efetivas para combater e colocar um paradeiro nesta Guerra, também são cumplices da bandidagem, do crime organizado que agem com desassombro.


O relatório do IPEA/FBSP, da mesma forma que tantas outras pesquisas de outras instituições que se dedicam a estudar a dinâmica da violência, devem ser lidos, debatidos e que esses dados sirvam de subsídios para que a população e as organizações da sociedade civil cobrem mais de nossas autoridades e governantes para agirem com inteligência, planejamento estratégico e alocarem recursos suficientes para que, de fato, esta carnificina tenha um fim.


O país e a população estão fartos de discursos, principalmente em períodos eleitorais ou ações espetaculosas ou demagógicas que acabam não dando em nada, a não ser muita pirotecnia e belas mentiras dourados  dos governos.


Enquanto esta incompetência e insensibilidade correm soltas, a população brasileira, todos os dias enterra seus mortos, deixando para traz um rastro de dor, indignação e descrença em relação às nossas instituições, inclusive a Justiça, nossos governantes e nossas autoridades.


*JUACY DA SILVA,  professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de diversas veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy Blog www.professorjuacy.blogspot.com
 

 

Sexta, 15 Junho 2018 10:48

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP; prof. de Literatura/UFMT

 

A interrogação do título acima foi inspirada em “Paranoia ou mistificação?”, artigo escrito por Monteiro Lobato contra a exposição que Anita Malfatti realizou, em 1917, após ter voltado da Alemanha, berço do Expressionismo.
 
Impiedoso, Lobato desconsiderou a arte de Malfatti, embora reconhecesse seu “formoso talento”; inconformado com as inovações da exposição, disse:
 
Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente as coisas... A outra dos que veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes...
 
Para Lobato, a segunda espécie cairia nas “trevas do esquecimento”.
 
Anita não caiu.
 
Mesmo ciente do erro lobatiano, correndo, pois, o mesmo risco seu, digo: grande parte da produção musical do que – hoje – se propõe a cantar a vez e “a voz do morro” não passa de relatos de vida.
 
Para reforçar a contundência dessa afirmação, tomo um “relato poético” de Drummond, que, no “Poema de Sete Faces”, enuncia sua trajetória existencial:
 
Quando nasci, um anjo torto// desses que vivem na sombra// disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida” (...)// Meu Deus, porque me abandonaste...// se sabia que eu era fraco (...)// Mundo mundo vasto mundo// se eu me chamasse Raimundo// seria uma rima, não seria uma solução...”
 
Mesmo na art engajé, há de se fugir da panfletagem. Até para denunciar a vida de miséria e violência das favelas, ou tratar do racismo, ou explicitar a condição social feminina e/ou do gay etc, há de se ter (e)labor(ação) poética(o), como nos versos drummondianos acima.
 
Ao artista, relatar não basta. Se – no plano da linguagem – não houver elaboração para a expressão artística, aquilo que se pretende/vende como arte não passa de denúncia de uma conjuntura social, econômica e política de exclusão e desigualdades.
 
O fato de relatos virem acompanhados por batidas envolventes, geralmente eletrônicas e repetitivas, por si, não é suficiente para elevar qualquer texto/discurso à condição de arte, por mais dorida e verdadeira que seja sua essência. Arte é suprarrealidade; não é a realidade em si.
 
Portanto, como relatos, respeito os discursos vendidos com registros musicais de inúmeros rapfunk... Como arte, não. Ao dizer isso, estou me afastando da hipocrisia e da visão populista de arte, mesmo quando me circunscrevo ao universo da arte popular.
 
Nessa perspectiva, exemplifico o que considero arte que pode dar voz a brasileiros das periferias, aos negros, a pobres, a mulheres, gays et alii.
 
No séc. 19, o romance que tem o olhar voltado aos da periferia é Memórias de um Sargento de Milícias de Manuel Antônio de Almeida. Já pelo processo de nominação das personagens, vê-se arte em suas páginas. Genial.
 
Muitos outros da arte-denúncia poderiam ser listados. Para este artigo, elejo Chico César: um negro, pobre, que nasceu em Catolé do Rocha (PB), driblou dificuldades para estudar em Caicó (RN) e depois em João Pessoa (PB). Um gênio. Na música autobiográfica “A prosa impúrpura do Caicó”, esbanja talento:
 
Ah! Caicó arcaico// Em meu peito catolaico// Tudo é descrença e fé// Meu cashcouer mallarmaico// Tudo rejeita e quer”.
 
Isso é relato, mas tão genialmente trabalhado que poucos chegam a compreendê-lo no cerne. Esses versos acionam referências repertoriais, tanto do universo cultural nordestino, quanto de Mallarmé, o poeta francês de Un coup de dés, que divide as águas da literatura ocidental.
 
Quando há talento, um relato vira arte maior. Do contrário, engana-se e viraliza enganos.
 
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PS.: por falar em arte, reforço meu convite já feito: domingo (17/06), às 20h, no Espaço Mosaico (Rua Floriano Peixoto, 512), realizarei uma experiência artística denominada “Só de Pérolas”, no qual cantarei, ao lado da cantora japonesa Akane Iizuka, um conjunto de músicas brasileiras poeticamente bem elaboradas. As músicas serão entremeadas por textos literários. Estão todos convidados. 

Quinta, 14 Junho 2018 19:05

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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A despeito do equívoco e da repercussão negativa que teve o banner colocado em um dos postes da UFMT com os dizeres “Universidade pública não é empresa! Não à implementação de disciplinas de empreendedorismo [...] Professores da UFMT em defesa da universidade pública” me senti na obrigação de escrever, ao menos, sobre os pontos que conheço a respeito deste tema.

Há anos a disciplina de empreendedorismo existe como componente curricular, obrigatório ou optativo, em diversos cursos da UFMT além do tema ser trabalhado também em projetos de extensão e de pesquisa. Para comprovar o que estou falando, encaminho um artigo meu escrito em 2015 e publicado no Boletim dos Bacharelados - UFMT, Ano I, No 3. Nov/Dez 2015, página 7. Se alguém se interessar por ler o Boletim na íntegra, verá que esse número foi todo dedicado às ações de empreendedorismo e a inovação tecnológica existentes à época na UFMT.

A educação empreendedora não é uma corrente ou um modismo que vai contra a educação pública de qualidade e esse não é o único equívoco deste banner. Acredito que nós professores da UFMT, sempre estaremos em defesa da universidade pública de qualidade, mas isso não quer dizer que precisamos ir contra o ensino de empreendedorismo. Por fim, espero que um tema tão importante como esse, não seja mais usado como se fosse um posicionamento de toda a classe de professores que a Adufmat deveria representar e que seja trazido à discussão em plenária do sindicato.

 

O Ensino de Empreendedorismo nos Cursos de Computação[1]

O Instituto de Computação, campus Cuiabá, possui dois cursos de graduação: Ciência da Computação e Sistemas de Informação. Em ambos é ofertada a disciplina de empreendedorismo em informática com carga horária de 60h.

Esta disciplina tem como objetivos: fornecer ao aluno mecanismos para desenvolver habilidades do perfil de um empreendedor de TI; promover a implantação da cultura do jovem-empreendedor apoiando a integração com a classe empresarial e governamental como estímulo à criação de empresas de base tecnológica e estimular por meio da participação no Desafio Universitário Empreendedor do Sebrae a percepção e atitudes empreendedoras.

A dinâmica que tenho adotado à frente das disciplinas de empreendedorismo é trabalhar os conceitos técnicos e buscar desenvolver com mais afinco as atitudes comportamentais visando transformar o estudante num profissional com capacidade para aplicar seus conhecimentos de forma independente, inovadora e articulada com o mundo dos negócios por meio de uma visão organizacional dinâmica.

Para tanto, tenho utilizado um método desenvolvido por Fernando Dolabela chamado de “Os oito caminhos do empreendedor”. Este método considera que o empreendedor em potencial precisa percorrer oito caminhos que os levará a sua formação empreendedora. Em cada caminho ele vai se deparar com material de estudo, desafios e atividades que o fazem refletir e a buscar aprimorar suas habilidades tendo como foco desenvolver o perfil empreendedor e, por fim, a elaboração e a "venda" do seu plano de negócios.

Junto a este método também participamos do Programa Desafio Universitário Empreendedor do Sebrae, que a partir de uma competição por meio de jogos online visa estimular o desenvolvimento de habilidades empreendedoras. A competição inicia de forma individual e os melhores classificados em cada estado, formam grupos para competir em nível nacional. Prêmios são distribuídos aos melhores colocados inclusive uma viagem técnica ao exterior para conhecer algum tipo de empreendimento.

Por tudo isto, esta disciplina se desenvolve de forma bastante dinâmica, com leitura; estudo; muitas discussões; atividades diversas como entrevista, pesquisa de mercado, visita técnica e ainda bate-papo com empreendedores que são convidados a vir à sala de aula contar sua experiência no mercado local. E é com muito entusiasmo que planejo e organizo esta disciplina, que tem despertado o interesse e o desenvolvimento das habilidades empreendedoras em meus alunos.

 

Profa Dra Patricia Cristiane de Souza

Instituto de Computação, UFMT, Campus Cuiabá

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Nota de Rodapé

[1] Artigo originalmente publicado no Boletim dos Bacharelados - UFMT, Ano I, No 3. Nov/Dez 2015, página 7.

 

 

Quarta, 13 Junho 2018 14:26

 

 

               Nos últimos dias viralizou pelas redes sociais a foto de um cartaz atribuído à ADUFMAT onde se lê “NÃO À IMPLEMENTAÇÃO DE DISCIPLINAS DE EMPREENDEDORISMO!”. As postagens são seguidas por comentários irônicos, jocosos e ácidos sobre a postura do sindicato e dos professores da UFMT, comentários de deixar qualquer um envergonhado e que não valem a pena ser reproduzidos aqui.

A frase do cartaz, embora pareça ter sido redigida na melhor das intenções, foi um tiro pela culatra dado pela ADUFMAT. A julgar pela repercussão negativa nas redes sociais, foi um prato cheio para os inimigos da universidade pública, do movimento sindical e do serviço público, que se aproveitaram do ocorrido para dizer dentre outras coisas, que a universidade desperdiça dinheiro público com “doutrinação ideológica” (aspas minhas) e deve ser privatizada, esse o maior pesadelo de pessoas ligadas ao movimento de defesa da universidade pública.

Dizer “não” a uma disciplina aprovada em órgão colegiado, seja ela qual for, não me parece ser coerente com a autonomia didática, diversidade e liberdade de pensamento que deve existir na universidade, salvo em casos de infração legal ou falta de bases teóricas, práticas ou científicas para a disciplina proposta. Enquanto colégios de criança possuem empreendedorismo em seu currículo complementar como uma forma de ensinar liderança, respeito, cooperação e fomentar a formação de pensamento crítico e independente, setores da universidade demonizam uma proposta de disciplina em nível superior e, ao que parece, preferem ficar presos em doutrinas já superadas. Tais setores normalmente alegam que ao oferecer uma disciplina de empreendedorismo, a universidade se rende a uma “lógica de mercado”, seja lá o que isso signifique.  Então, tenho a ousadia de perguntar como um exercício retórico: então me digam onde os alunos vão trabalhar depois de formados? A universidade e o setor público não podem ser um fim em si mesmos.

Disciplinas sobre empreendedorismo, quando bem conduzidas, podem ser uma oportunidade de se encontrar e treinar futuros líderes que ajudarão na inovação tecnológica e desenvolvimento do país. Empreendedorismo não se resume a montar um negócio “ganancioso” para ficar rico e explorar o trabalhador através da “mais-valia”. Uma visão mais ampla de empreendedorismo envolve reconhecer pessoas inovadoras, criativas, artesões, artistas, “start-ups” e assentados do MST, dentre outros exemplos, como empreendedores. E o que dizer sobre o tão falado empreendedorismo social, onde empresas buscam crescer, mas ao mesmo tempo buscam soluções para problemas sociais.

Inovação, melhora da condição de vida das pessoas e solução de problemas, incluindo problemas sociais, esse é o papel do empreendedorismo. Um dos papéis da universidade tão repetido até pelo pessoal que diz não à implementação de disciplinas de empreendedorismo, é o da inovação e busca de soluções para problemas sociais. E isso é empreendedorismo puro! A universidade é empreendedora por natureza, por que não ensinar isso aos alunos?

 

Prof. Dr. Ricardo Stefani

Professor Associado

Bacharel em Química Industrial pela Universidade de Franca e Doutor em Química pela Universidade de São Paulo

ICET/CUA/UFMT

 

Terça, 12 Junho 2018 10:26

 

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Qualquer cidadão tem o direito de estar assustado com o que se está vendo. Não há governo, não há congresso, nem ninguém com cabeça esclarecida no comando do país, nem mesmo uma oposição de fato e verdadeira, a querer mudanças ou lutar pelas mesmas: todos querem apenas o poder para si. Não se vê propostas, nem pessoas capazes de enunciá-las; nenhum candidato diz o que precisa ser feito. O país caminha conforme as forças sociais impõem aos governantes e políticos suas premissas e suas vontades, sem organização e sem visar o bem comum, apenas o bem próprio de cada categoria.


Seria o momento apropriado em que um “dirigente” aparecesse e revelasse uma saída para a pasmaceira geral, de ver um país rico viver de forma empobrecida, de ver uma grande nação apequenada por seus dirigentes e por uma população tão perdida como seus dirigentes. Quais dos candidatos se apresentaram ao público para propor uma saída desde já, e não apenas após as eleições? Os candidatos a governantes não sabem governar, não sabem quais são os nossos problemas, não sabem o que fazer e com que forças contar para colocar o país no trilho; se soubessem, fariam desde já! Nenhum dos políticos ou candidatos tem conhecimento de causa para sanar nossos graves problemas; se têm, por que não o enuncia? Só vemos uma triste ladainha do mesmo, candidatos fazendo graves acusações contra outros políticos, falando coisas agradáveis de ser ouvidas, mas sem dizer como as promoverá, enfim, falando que são a favor da educação, da saúde e da segurança, mas sem nada falar de como deve se fazer para promover essas coisas num país quebrado, endividado, sem recursos monetários, e, pior ainda, sem recursos humanos para melhorar seu povo. Mesmo os educadores precisam ser educados.


Ficar assustado e preocupado é até pouco, deveríamos ficar temerosos. Não se avistam nos candidatos posições políticas razoáveis, responsáveis ou mesmo honestas ou justas, apenas palavras de ordem genéricas e vazias, acusações sérias contra os demais, ou bravata. Não estamos precisando de acusadores, de pessoas bravas e briguentas, de armas e leis rígidas, mas de atitudes políticas dignas, que visem antes de tudo à constituição do bem comum e a emancipação de todos. Não é por falta de leis e de armas que as coisas são violentas nesse país, é porque somos mal educados, e poucos cumprem as leis e muitas são as armas mal empregadas. Só uma população bem educada entende e respeita as leis, e não precisa de armas.


Cada um dos candidatos que se apresentaram até o momento, me parece não apenas mal preparados para os cargos que pleiteiam, mas até mesmo impróprios para os mesmos, ou mesmo nefastos para todos nós. Ainda que não tenha visto a todos, pois que são muitos, os que pude observar, nenhum tem méritos para serem legisladores ou executivos, nenhum se mostrou capaz de perceber o mais óbvio, que só a educação é capaz de sanar os problemas nacionais, que se resumem numa população impropriamente formada e que necessita uma educação integral, que dê formação na língua portuguesa, em matemática, em história, em ciências, na cultura, dê formação humanística e política, formação técnica e científica, para que saibamos fazer boas leis e aprender a respeitá-las.


Por fim, mas não por último, é preciso que se diga como vamos pagar a dívida pública e investir no povo, pois que não se tem um bônus a ser gerido, como os candidatos parecem nos fazer pensar, mas um ônus árido a ser pago e a construção de uma direção inexistente num país que nunca se aplicou na educação do seu povo, mas tão somente nos produtos que extrai da bondosa natureza.


 
Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Segunda, 11 Junho 2018 10:34

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
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Adriana Queiroz do Nascimento Pinhorati

Profa. Dra. Curso de Licenciatura em Geografia/CUA

Warley Carlos de Souza

Prof. Dr. Curso de Educação Física/CUA

 

 

 

 

Algo que tem chamado atenção nas mudanças políticas que vem sendo aplicadas na universidade brasileira está diretamente relacionada à agilidade com que algumas medidas estão sendo viabilizadas por diferentes gestores. Uma delas passa pelo rol que vem se desencadeando nas escolas públicas e impactam diretamente na formação do licenciando. Em prol da construção de um projeto sem autonomia, e na ideia burocratizada de formação cidadã, o estruturalismo se mantém no projeto de educação pública brasileira que vem sendo posto em prática, projetos de fundo neoliberais, que pretende formar massa de mão de obra barata e que não consiga desenvolver expressões sociais ou novas leituras de mundo, vem se destacando no cenário da educação brasileira.

 

Objetivamente cabe questionar o papel social da universidade, como consequência de seus professores, que de maneira geral aponta na direção de realizar análises profundas da realidade que o cerca. Tal realidade se manifesta de forma alienada, contraditória e fragmentada, o que nos objetiva a entender que somente será possível compreender a realidade por meio de uma reflexão pautada no rigor epistemológico.

 

Partindo dessa premissa, que nos auxilia a compreender o momento atual da universidade, em que o modelo neoliberal apregoa que o mundo deve perder suas fronteiras econômicas e culturais. A título da necessidade da internacionalização das universidades brasileira, tal processo pode ser visualizado pelos diferentes acordos e convenções internacionais que nosso país aderiu e, em função das mesmas, diversas mudanças no campo do ensino pesquisa e extensão passaram a ser implementadas nas universidades brasileiras, mudanças essas que tem por objetivo a unificação de currículos das universidades pertencentes ao acordo.

 

Diante disso, diversas reformulações curriculares foram implementadas, dentre essas a necessidade de aderir a currículos internacionais como critério de seleção a programas e projetos do governo federal.  

 

Apresentando como objetivo de melhoria da qualidade do ensino, em função da mobilidade de pesquisadores, promover a empregabilidade, tornar os sistemas universitários mais inclusivos, além de objetivar reformas estruturais, as convenções e tratados acabam colonizando as universidades mais pobres dos países já pobres, pois, a necessidade de entrar no processo de internacionalização acaba por obrigar os professores a aderir sumariamente a programas e projetos para que isso ocorra necessário se faz, toda uma mudança curricular, bem como, dos projetos de pesquisa e extensão, para adequação internacional.

 

Assim, a realidade local da universidade fica distante da mesma, o que modifica significativamente a função social da universidade, que deveria ser que o conhecimento por ela produzido se volte para a comunidade que é parceira das pesquisas.

 

Em função da adesão as convenções e tratados desencadearam grandes reformas em todas as etapas da educação brasileira, sem se preocupar sumariamente com os aspectos culturais, bem como, a qualidade mencionada, não se aplica a qualidade socialmente referenciada, mas sim, os aspectos econômicos.  

 

Temos dessa forma a inserção de mudanças curriculares tais como as propostas a partir da Base Nacional Comum Curricular que retira a categoria de análise geográfica: local, das discussões em sala de aula, ao mesmo tempo que promove uma retirada das discussões políticas das disciplinas de ciências humanas e sociais. No mesmo rumo, a escola sem partido, adotada enquanto projeto de lei por diferentes cidades brasileiras, criminaliza a atuação docente, e atinge em cheio, a autonomia do professor, em sua liberdade de expressão. Ainda se não bastasse, temos a retirada de disciplinas tais como: a Sociologia e Filosofia do ensino médio, e a tecnificação das áreas de Ciências Humanas que devem ser vistas a partir de sua “aplicação” nos conteúdos trabalhados. Essas políticas aplicadas no ensino fundamental e médio atingem diretamente as licenciaturas nas universidades e a formação dos licenciados, passam a ser norteadas por algumas dessas novas políticas de formação no ensino superior, que também adota essas mudanças, uma delas vem no ato convidativo de ofertas de “bolsas” para docente e estudante que ao “receberem” passam a serem enamorados “apaixonados” e  colocam em prática mudanças no estágio supervisionado.

 

Atualmente, os cursos de licenciaturas tem autonomia para o desenvolvimento de projetos que pensem na formação docente e como será desenvolvido as 400 horas de estágio supervisionado, pensando na formação integral e articulada dos licenciandos, docentes acrescentando à essas horas práticas, possibilidades de reflexão sobre o ato de lecionar, inseridos num processo de ensino aprendizagem que em cada curso é posto em prática de acordo com o projeto criado em parceria com as escolas/os acadêmicos/demais docentes  e estudantes dos cursos.

 

Com a proposta de residência pedagógica, que seria um projeto de extensão, há possibilidade dos estudantes participantes aproveitarem a disciplina de estágio supervisionado, esses são acompanhados por um professor bolsista na escola e outro na universidade, o projeto deve atender a cerca de 20 alunos por curso. Os demais estudantes sem bolsa, passam a serem diluídos entre os professores para que esses cumpram com a carga horária devida e o estágio passa a ser visto como é atualmente o processo de orientação de monografias de graduação, onde cada professor que nem sempre está inserido no debate intenso do processo de formação, atende um número de estudantes. Dessa forma, na residência pedagógica, o estudante ficará em sala de aula por 100 horas por semestre, tendo que colocar em prática, exatamente essas mudanças curriculares propostas em nível nacional, como se fosse num “treino de futebol”, um ensaio para colocar em prática as mudanças propostas pelo Banco Mundial.

 

Ledo engano pensar que a residência pedagógica é um projeto novo, desafiador, que mostra a intenção do governo em melhorar a formação nas licenciaturas. De fato, não há intenção de criação de um novo projeto que contraponha esse processo de educação que não prioriza a autonomia e a criticidade da formação docente, pelo contrário, há sim o fortalecimento da implementação das políticas de ataques sociais, e que atingem o cerne da construção da autonomia das licenciaturas. Essas mudanças de fato se integram num plano de desmonte da educação pública, quando não temos aprovadas as condições mínimas de funcionamento da educação no Brasil, as licenciaturas seguem minguando e as vezes “nadando contra a corrente” que vem se fortalecendo a cada dia.

 

Precisamos lutar juntos, criar projetos que contraponham essas políticas juntos, pois enquanto essa união não for de fato consolidada, paixões que buscam seduzir docentes e estudantes podem ganhar status de amor, e essas são as mais perigosas de serem contrapostas.