Quinta, 21 Junho 2018 10:36

PARADOXOS DE UMA GREVE - Roberto Boaventura

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP; prof. de Literatura/UFMT

 

A Universidade Federal de Mato Grosso, desde o dia 20/04, convive com uma greve estudantil, depois que a Administração Superior (AS) anunciou o aumento de 550% dos preços do Restaurante Universitário (RU). Para o almoço, de 1 real, pagar-se-ia 5,50.

Mercadologicamente, os preços são baixos. Contudo, isso é exorbitante a uma instituição pública que deve manter seus acadêmicos com dignidade.

Esse erro da AS foi responsável pela paralisação, apoiada por todos. Hoje, não muito mais do que 20% dos acadêmicos podem dispensar todo e qualquer tipo de auxílio. Cerca de 60% dos estudantes têm renda familiar que não ultrapassa 1,5 salário.

Diante da força e justeza da greve, a AS recuou. Até dezembro, nada muda.

O tempo é curto?

Sim, mas é um recuo que poderia abrir diálogo, até por conta de explicações orçamentárias demandadas e denúncias feitas em torno de contratos existentes com as terceirizadas.

Contudo, a liderança da greve não avaliou assim, pois não tem sintonia política com o Diretório Central dos Estudantes, e qualquer diálogo, fora da greve, pressupunha ocorrer também com representações estudantis. Por isso, manteve-se a paralisação, passando-se a exigir novos diálogos diretos com a reitoria, que, por sua vez, não recuava.

Diante de métodos e ações antagônicas das partes envolvidas, alguns docentes – dentre eles, me incluo – tentaram viabilizar a realização de diálogos. Em vão. A reitoria aceitava dialogar com as lideranças da greve, mas com mediadores dos conselhos e representantes sindicais. O ME recusa mediações.

A insistência no diálogo direto com a reitoria, desconsiderando os conselhos e outros, ainda que se pudessem ter todas as razões para desconfianças, querendo ou não, exalta a personalidade de alguém em detrimento dos coletivos, lembrando os tempos dos monarcas apeados do poder.

Compreensível. Fizemos história nesse percurso do culto à personalidade na Instituição.

No tocante à política de alimentação, a gestora anterior, por conta própria, bateu o martelo e manteve inalterados os preços do RU durante seus dois mandatos. Falou e cumpriu. Todos, silenciosamente, aplaudiram-na. Os conselhos não foram consultados para nada; aliás, o CONSUNI, raramente, sequer era convocado. Aquele coletivo lhe foi subserviente o tempo inteiro. A lógica da barganha da política externa à Instituição foi a mesma impregnada dentro da Instituição. Pergunto: foi positiva a “força” daquela gestora?

Pelo sim, pelo não, parece que, pelo menos naquele caso, à lá Padre Vieira, os meios justificavam o fim. Logo, aquela atitude “forte” tinha o consentimento geral. Ninguém (estou me incluindo nisso, não sem dar a mão à palmatória agora) fez relação daquela “força do bem” com outras forças nada benéficas, como a aprovação do ReUni, na sede OAB, e a imposição do Enem; tudo à revelia dos debates promovidos.

Estou trazendo à tona essa história recente da UFMT, pois, diante dos embates deste tenso momento, ponderar se devemos empoderar alguém em detrimento das construções e deliberações dos coletivos é o melhor caminho para todos na construção de universidade pública, laica, de qualidade e socialmente referenciada.

Em minha opinião, vivemos um paradoxo. Em meio a ele, na justíssima luta, o ME promove ações contundentes, fechando guaritas e ocupando prédios. A reação tem sido imediata, com ordens judiciais de desocupações, além de incriminações individuais e coletivas contra essas ações.

Perante visível dificuldade de se efetivar diálogos, fui percebendo o quanto a democracia representativa, base de nossa estruturação social e institucional, encontra-se abalada, pelo menos dentre o segmento estudantil.

O descrédito dos estudantes em relação a seus representantes (administradores, professores, sindicalistas e os próprios estudantes) é tão visível quanto chocante. Mais: o fundo de tal descrédito é complexo e plural, pois muitos dos líderes – além da luta pela política de alimentação, que a todos une – carregam bandeiras de grupos sociais diversos (negros, feministas, LGBTT et alii).

Sinais das lutas em tempos pós-modernos. Isso, inclusive, redundou em uma pauta de quase 40 itens, todos justos, além da centralidade da greve: “RU universal e a 1 real”, entregue nas mãos do vice-reitor, momentos antes de uma oficial da justiça chegar para ver se Reitoria ainda estava ocupada, posto ter havido ordem de desocupação.

Diante desse quadro, em recente reunião do Conselho Superior Universitário, foi aprovada a proposta da formação de uma comissão paritária para tratar à exaustão de tudo o que envolvesse a política de alimentação na UFMT. Por sua vez, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão revogou a suspensão do calendário acadêmico, a partir do dia 25 próximo.

Com essas duas deliberações, por meio da tentativa de se resgatar as funções dos conselhos representativos, a greve tendia a ser diluída, sem que um ponto final tivesse sido posto. Aliás, os estudantes, em Assembleia Geral, na noite de 20/06, por maioria, deliberaram por continuar a greve.

A partir de agora, o que virá por diante, é uma imensa incógnita. Até aqui, em minha opinião, a luta dos estudantes já é bem vitoriosa.

Todavia, penso que se conseguíssemos fortalecer os conselhos superiores, resguardando os marcos de como a Instituição encontra-se estruturada, ou seja, pela democracia representativa, mesmo que cheia de problemas, mas ainda não superada, todos ganharíamos. Retiraríamos de cena todo tipo de personificação na Instituição para o fortalecimento e crescimento democrático dos coletivos, todos eleitos por nós.

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