Quarta, 20 Junho 2018 10:52

HOMENAGEM PÓSTUMA PARA LYLIA DA SILVA GUEDES GALETTI - Luiz Carlos Galetti

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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HOMENAGEM PÓSTUMA PARA LYLIA DA SILVA GUEDES GALETTI (texto ligeiramente modificado e que eu pensei em ler na homenagem feita para Lylia na sede da Adufmat em 08/06/2018).
 

 
MÚSICA “ROENDO UNHA” DO GONZAGÃO, MÚSICA QUE EU CHAMO DE “VIMVIM”; É A CARA DE LYLIA.
Roendo Unha
Luiz Gonzaga
 
Quando VinVin cantou
Corri pra ver você
Atrás da serra, o sol
Estava pra se esconder
Quando você partiu
Eu não esqueço mais
Meu coração, amor,
Partiu atrás
 
Vivo com os olhos na ladeira
Quando vejo uma poeira
Penso logo que é você
 
Vivo de orelha levantada
Para o lado da estrada
Que atravessa o muçambê
Olha, já estou roendo unha
A saudade é testemunha
Do que agora vou dizer
 
Quando na janela
Eu me debruço
O meu cantar é um soluço
A galopar no massapê
 
 

Vou falar um pouco da história política institucional, tradicional e partidária  de Lylia, no período quando ela era ainda muito jovem, com 17, 18 e 19 anos.
 
Volto no tempo, lá pelos idos de 1960, em 1967, 1968. Lylia nasceu em 08/07/1952. Era então uma jovem de 15, 16 anos em Fortaleza, Ceará. Uma jovem nordestina aguerrida e valente.  Lylia viveu intensamente aqueles processos fortes e marcantes da revolução mundial de 1968. Era estudante secundarista na escola pública.
 
Alguns de vocês aqui presentes talvez se recordem bem como foram fortes e decisivos em nossas vidas aqueles momentos, aquelas lutas, nossas atitudes ousadas e corajosas enfrentando a ditadura empresarial e militar brasileira, que havia usurpado o poder político no Brasil através de um golpe militar em março de 1964. Foi, como sabemos uma ditadura militar e da burguesia brasileira e mundial contrária aos interesses populares. De forma direta, brutal e truculenta os governos ditatoriais daquele período atacaram duramente os movimentos populares e sindicais brasileiros, perseguindo, prendendo, torturando e matando as principais lideranças desses movimentos.
 
Pois bem, naquela conjuntura, Lylia se atira e entra com força na luta contra a ditadura, como é próprio da juventude e também como era característica dela. Entra com tudo na luta em defesa dos mais pobres, dos jovens, em defesa da liberdade roubada e usurpada pela ditadura, em defesa da vida e da dignidade humanas, em defesa da democracia, valores atacados duramente e destroçados pela ditadura empresarial capitalista e militar no Brasil.
 
Depois de participar de manifestações de rua contundentes e de fazer discursos inflamados contra a ditadura, Lylia, como líder estudantil no Liceu Secundarista de Fortaleza, se aproxima do PCBR – o Partido Comunista Revolucionário Brasileiro – e passa  a ser uma simpatizante dessa organização revolucionária. Talvez vocês se lembrem de alguns nomes mais conhecidos de dirigentes do PCBR: o Mário Alves (brutalmente empalado e morto pelos carrascos da ditadura), o Jacob Gorender e outras (os).
 
Em 1970 (salvo engano) os dirigentes do PCBR planejaram uma ação de panfletagem com pichamento no centro de Fortaleza. Era um pichamento à noite, num muro branco em rua do centro da cidade. Para surpresa de Lylia e demais militantes que participavam dessa ação, integrantes de um carro do jornal “O Povo” do Ceará, ao notar as atitudes “suspeitas” desses jovens militantes passaram imediatamente a denunciá-los à polícia. O que eles faziam: tinham arremessado um saco plástico cheio de piche preto contra um muro grande e branco. Em seguida, escreveram, em letras bem grandes: DIGA NÃO. Depois voltariam, passados uns quatro ou cinco dias pra completar a frase, escrevendo: LUTA ARMADA É A SOLUÇÃO.
 
Porque o PCBR defendia a estratégia de luta armada contra a ditadura e contra o capitalismo para a construção do socialismo. Também assim pensavam e agiam, numa linha e com orientação política semelhante a ALN – Ação de Libertação Nacional de Carlos Marighela, Alexandre Vanuchi Leme, o velho Toledo, o Bacuri e vários outro militantes; e o MR – 8 – o Movimento Revolucionário 8 de Outubro ( 8 de outubro em homenagem a Ernesto Che Guevara, dirigente revolucionário argentino cubano e líder destacado da conhecida, respeitada e vitoriosa Revolução Cubana, de 1956 a 1961).
 
Relembrando: o PCBR, a ALN e o MR8, surgiram como rachas, dissidências do PCB, o Partido Comunista Brasileiro (o partidão). O partidão defendia a luta institucional, legal e pacífica contra a ditadura. Essas organizações guerrilheiras consideravam inadequada, incapaz e inofensiva essa estratégia política e passaram a adotar a estratégia da luta armada, inspiradas no exemplo vitorioso da Revolução Cubana, da Revolução Chinesa e da Revolução Vietnamita.
 
Como foi muito discutido tempos depois, passou a predominar na esquerda brasileira a avaliação de que a estratégia da luta armada não foi acertada, naquele período e da forma como foi implementada. Era uma estratégia foquista, em que pequenos e destacados grupos de militantes revolucionários socialistas partiam para a ação direta de enfrentamento contra o capital. Esses grupos heróicos não conseguiram ligação com os movimentos de massas. Atuaram descolados dos sindicatos e organizações populares. Enfim, realizaram ações espetaculares, mas não tinham capilaridade, enraizamento nas organizações da sociedade civil. Diferente da Revolução Vietnamita. Nessa luta revolucionária vitoriosa os guerrilheiros trabalhavam ou estudavam e militavam de dia e de noite. Sempre que possível dentro e junto com o povo. Como os peixes. Pra viver, tem que estar dentro d’água. Enfim, em minha opinião esse debate ainda permanece em aberto.
 
Voltemos a 1970. Período mais duro da ditadura no Brasil. Eram os anos de chumbo. Depois dessa ação repressiva da ditadura, na ação de pichamento do muro, Lylia teve que entrar para a clandestinidade. É deslocada pelo PCBR para um “aparelho” (uma casa) na Praia de Maria Farinha. Acaba sendo presa junto com Odijas Carvalho, o neguinho, ao tentar fugir da casa que fora cercada por forças armadas da ditadura. Neguinho, destacado líder estudantil pernambucano, foi brutalmente torturado por dois dias e duas noites. Morreu na cadeia. Lylia e companheiras (os) ouviram (testemunharam) sua agonia de morte.
 
E Lylia passa a cumprir pena de prisão, tendo ficada presa no Presídio do Bom Pastor em Pernambuco, por mais de dois anos, no período de 1970 a 1971. 
 
Depois de sair da prisão Lylia continuou a lutar com alguma dificuldade e com cautela nos anos 1970. No entanto, jamais renunciou a seus ideais revolucionários em defesa dos mais pobres, das negras, das índias, das oprimidas, dos LGBTs, da livre opção sexual, por liberdade, por formas inovadoras e criativas de construção do socialismo com democracia e ampla participação popular. A partir dos anos 1980 e até o fim de sua vida, em 18/04/2018, suas ações e atitudes cresceram em intensidade e valor social e político. Sua vida e seu trabalho foram e continuam sendo uma inspiração constante nas vidas de todas (os) que com ela conviveram.   Tenho certeza de que novas Lylias virão. Que o plantio dessa muda de ipê amarelo adubado com as cinzas de Lylia incentive e traga novas Lylias guerreiras. Tenho essa esperança. E digo
 
LYLIA GUERREIRA PRESENTE!!! SEMPRE!!!
 
Luiz Carlos Galetti
Professor aposentado do Departamento de Sociologia e Ciência Política – ICHS - UFMT
 
BRASÍLIA, 14 DE JUNHO DE 2018.

 

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