Quinta, 22 Abril 2021 14:41

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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José Domingues de Godoi Filho*

“Faz algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar” …

(Antonio Machado, em Cantares)

 
 

Desde 1972, após a realização da Conferência de Estocolmo/0NU, se engalfinham os interessados num mundo mais igualitário, habitável pelas atuais e futuras gerações e os interesses dos impérios preocupados em garantir acumulação crescente e ilimitada de riquezas, num planeta finito.


A mesma ONU realizou, na cidade do Rio de Janeiro, outras duas conferências mundiais para tratar das questões socioambientais, em 1992 (ECO-92) E 2012 (Rio +20). Os resultados e recomendações pouco acrescentaram à disposição dos impérios, no sentido de alterar os rumos das mudanças climáticas e dos acordos envolvendo a biodiversidade e a propriedade intelectual; inclusive, o representante de um império, durante a ECO-92, defendeu que “a biodiversidade é patrimônio da humanidade e as patentes patrimônio das empresas”–daí, oatual mercantilismopelas vacinas e demais suprimentos contra o Covid-19.


Durante esse tempo, no que se refere às mudanças climáticas, foi praticamente atropelado o Protocolo de Quioto e realizadas 25 Conferências das Partes (COP). A primeira ocorreu em Berlim (março-abril de 1995), com a presença de 117 países, que estabeleceu o “Mandato de Berlim”, cujo ponto central consensuado foi que todos os países deveriam adotar medidas enérgicas, para mitigação do efeito estufa. No momento, está previsto, para ocorrer em Glasgow (Escócia), em novembro-2021, uma nova reunião da Cúpula da ONU, a COP-26.


Em dezembro-2015, aconteceu a COP-21, em Paris, considerada histórica pelo resultado atingido. O documento final consensuado pelos participantes, conhecido como o “Acordo de Paris”, teve como objetivo principal a redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEE), para limitar o aumento médio da temperatura global a 2º C, tendo como referência os níveis pré-industriais. Resumidamente incluiu: - “esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5ºC;recomendações quanto à adaptação dos países signatários às mudanças climáticas, em especial para os países menos desenvolvidos, de modo a reduzir a vulnerabilidade a eventos climáticos extremos;estimular o suporte financeiro e tecnológico por parte dos países desenvolvidos para ampliar as ações que levam ao cumprimento das metas para 2020 dos países menos desenvolvidos;promover o desenvolvimento tecnológico e transferência de tecnologia e capacitação para adaptação às mudanças climáticas;proporcionar a cooperação entre a sociedade civil, o setor privado, instituições financeiras, cidades, comunidades e povos indígenas para ampliar e fortalecer ações de mitigação do aquecimento global”.


Os países participantes, mais de 190, apresentaram suas propostas para a redução de emissões domésticas de GEE, denominadas de “Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada” (NDC, sigla em inglês).


O Brasil, com o documento intitulado “Compromisso do Brasil no Combate às Mudanças Climáticas: Produção e Uso de Energia”, se comprometeu, dentre outras, com as seguintes ações: - “reduzir suas emissões de GEE em 37% até 2025, atingindo 43% em 2030, tendo como referência os níveis emitidos em 2005; aumentar o uso de fontes alternativas de energia; aumentar  a participação de energias renováveis na matriz energética brasileira para 18% até 2030; utilizar tecnologias limpas nas indústrias; melhorar a infraestrutura dos transportes; diminuir o desmatamento e restaurar e reflorestar até 12 milhões de hectares”.


Em 2017, um ano depois de assinado o Acordo de Paris, o Presidente Donald Trump anunciou que deixaria a participação, para buscar um “melhor acordo”, afirmando que “o tratado penalizava de forma injusta empresas americanas” e que não atendia a sua política de “América Primeiro”. A formalização da saída, junto à ONU, do pacto global no combate às mudanças climáticas, se deu em novembro de 2020.


Não é demais lembrar que os Estados Unidos, ao lado da China, são os maiores emissores de GEE do mundo. A China, em 2020, foi responsável por 28% das emissões de GEE e os EUA, segundo colocado, por 15%. A China e os Estados Unidos juntos, por outro lado, consomem 40% de toda a energia elétrica disponibilizada no mundo, enquanto mais de 1 bilhão de pessoas não tem acesso a esse tipo de energia. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês), as principais fontes de energia desses países são: carvão (40,8%), gás natural (21,6%),hídrica (16,4%), nuclear (10,6%) óleo (4,3%).


O desgoverno negacionista brasileiro, sem preocupação alguma com as questões socioambientais e com os povos indígenas e quilombolas, se associou às posições do governo Trump, afirmando sua disposição, com a conivência dos entreguistas de sua equipe, civis e militares, da reserva ou não, de explorar os recursos naturais da Amazônia com as empresas dos EUA; além de recusarsediara, então prevista, realização da COP-25. Assumiu o lema de “passar a boiada”, sugerido pelo Ministro do Meio Ambiente e, está desregulamentando a legislação de licenciamento ambiental e desmontando o IBAMA e o ICMBIO; transformando o Brasil de um dos principais protagonistas do mundo, num pária da questão socioambiental.
 
O retorno do EUA
 
O atual presidente dos EUA, Joe Biden, cumprindo promessa de campanha, convidou 40 líderes mundiais para o que está denominando de Cúpula dos Líderes sobre o Clima, dentre os quais, representantes de outros impérios e o presidente negacionista e entreguista do Brasil, Jair Bolsonaro, para uma reunião virtual sobre o clima, a ser realizada nos dias 22 (Dia da Terra) e 23 de abril. Pretende, com isso, marcar o retorno de Washington ao combate às mudanças climáticas, antes da COP-26, prevista para novembro próximo, em Glasgow, Escócia.


Os principais temas anunciados, para a Cúpula dos Líderes sobre o Clima, “enfatiza a urgência e os benefícios econômico de uma ação climática mais enérgica” e espera resultados que auxiliem para as discussões na COP-26, ou seja: - “esforços para sensibilizar e mobilizar as principais economias do mundo a reduzirem as emissões de GEE nesta década, para manter o limite de aquecimento de 1,5ºC; mobilizar o financiamento de setores público e privado para impulsionar a transição para a emissão líquida zero e ajudar os países vulneráveis a lidar com os impactos climáticos; os benefícios econômicos da ação climática, com forte ênfase na criação de empregos, e a importância de garantir que todas as comunidades e trabalhadores se beneficiem da transição para uma nova economia de energia limpa; impulsionar tecnologias de transformação que podem ajudar a reduzir as emissões e na adaptação às mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que criam novas oportunidades econômicas e constroem as indústrias do futuro; apresentar atores subnacionais e não estatais comprometidos com a recuperação verde e uma visão equitativa para limitar o aquecimento a 1.5ºC e que estão trabalhando em estreita colaboração com os governos nacionais para promover a ambição e a resiliência; discutir oportunidades para fortalecer a capacidade de proteger vidas e meios de subsistência dos impactos da mudança climática e o papel das soluções baseadas na natureza para atingir as metas de emissões líquidas zero até 2050”.
 
No processo de apropriação dos recursos naturais e energéticos, com um discurso genérico de desenvolvimento sustentável, a reprodução do capital, com verniz verde, tem ultrapassado suas formas primitivas e selvagens; ampliando os mecanismos econômicos de trocas desiguais de recursos naturais dos países emergentes, por produtos tecnológicos do primeiro mundo, ao mesmo tempo que assume uma estratégia de discurso que legitime a apropriação dos recursos naturais e energéticos.


A questão ambiental, como observado por vários pensadores, se converteu num instrumento para ampliar os limites de crescimento, isto é, o ambiente e o aparato tecnológico passam a funcionar como tecnologia de reciclagem; a biotecnologia como um fator para reduzir a vida a uma mera produção de mercadoria e o ordenamento ambiental como um instrumento viabilizador da localização de atividades produtivas, dispersando as forças sociais, aumentando o espaço de produção, circulação e consumo, além de ampliar o território como suporte do crescimento econômico.


O discurso da sustentabilidade foi incorporado às políticas ambientais com os mesmos pressupostos e ditames da economia neoliberal, para solucionar os processos de degradação ambiental e de uso racional dos recursos naturais, ao mesmo tempo, que legitima a economia de mercado, justificando a capitalização da natureza. São convidados para participar todos os sujeitos sociais (governos, empresários, professores, povos indígenas, movimentos sociais) para uma operação de arrumação e participação na qual se integram e não se respeitam diferentes visões, além de mascarar os interesses contrapostos, com uma fantástica engenharia política para privilegiar o acúmulo de capital. Não se permite a discussão e formulação de um projeto futuro comum, debilitando-se as resistências da cultura e da natureza para reconvertê-las na lógica do capital.


Como parte dessa engenharia política, busca-se fazer com que as populações dos mercados emergente, particularmente, os povos indígenas e as populações tradicionais se reconheçam como capital humano e ressignifiquem seu patrimônio de recursos naturais e culturais como um capital cultural; que aceitem uma compensação econômica negociada pela cessão deste patrimônio às empresas, principalmente às multinacionais farmacêuticas e às geradoras de produtos agronômicos, que se tornarão as encarregadas de administrar bens comuns em benefício do equilíbrio ecológico e do bem estar da humanidade atual e futura. Significa uma operação simbólica que funciona como um amálgama nos marcos ideológicos do capital transnacional para legitimar as novas formas de apropriação da natureza. Faz crer que não há alternativas e impõe um pensamento único, ao qual não se pode mais opor os direitos tradicionais pela terra, pelo trabalho e pela cultura. (Godoi Filho(1))
 
Os EUA estão realmente preocupados com a questão socioambiental?
 
As declarações de autoridades americanas colocam em dúvida as reais intenções do império. Afinal, a disputa pelo domínio e controle do que o Fórum Econômico Mundial denominou de Quarta Revolução Industrial é o que tem norteado a guerra comercial China-Estados Unidos, muito mais
que a questão socioambiental. E, numa reunião, como a convocada pelos EUA, são poucas as possibilidades de grandes resultados que se viabilizem na prática;mesmo depois da missão do assessor especial para o clima do governo Biden,John Kerry, na China e de afirmações do tipo “é muito importante tentarmos nos manter distantes de outras pendências, porque o clima é uma questão de vida ou morte em tantas partes diferentes do mundo”.


Não há como esconder, que os EUA e a China disputam o protagonismo nas ações contra as mudanças climáticas e a posição de império mais poderoso do planeta. A China acusa os americanos de “serem responsáveis por atrasar o cumprimento do Acordo de Paris. Deveriam ter vergonha de tê-lo abandonado e não deixar claro como farão para recuperar o tempo perdido”.


O vice-ministro das Relações Exteriores da China, Le Yucheng, alertou que “a questão climática não deveria ser moeda de troca para a geopolítica ou para barreiras comerciais”. Afirmou, ainda, que “para um grande país com 1,4 bilhão de habitantes, algumas das metas não são facilmente alcançadas. Alguns países estão pedindo à China que faça mais em relação à mudança climática. Talvez isso não seja muito realista”. O governo da China, por seu lado, prometeu em seu plano econômico “continuar aprovando novas usinas de carvão, priorizando a estabilidade social e o desenvolvimento de importantes indústrias nacionais”.


O secretário de Estado Antony Blinken (2) deixou claro, essa semana, que os EUA, por sua vez, decidiram fazer do debate das mudanças climáticas a oportunidade de reorientar a geopolítica mundial, buscando ultrapassar a China e consolidar sua posição de império mais poderoso do planeta. Nesse sentido, admitiu que “os EUA estão atrás na agenda verde e, se não alcançarem os chineses, perderão a chance de moldar o futuro climático do mundo”. Afirmou, que “neste momento, estamos ficando para trás. A China é o maior produtor e exportador de painéis solares, turbinas eólicas, baterias e veículos elétricos. Detém quase um terço das patentes mundiais de energia renovável”. Mesmo com o “objetivo número um da política climática americana ser o de prevenir catástrofes”, os EUA “não deixarão de lado a competitividade e a ânsia de voltar a ditar os rumos do planeta”.
Ressaltou, o secretário Blinken, que “é difícil imaginar os EUA ganhando uma competição estratégica de longo prazo com a China se não liderarem a revolução das energias renováveis”. As mudanças climáticas não devem ser vistas apenas como “uma ameaça”, mas também como “uma oportunidade” para os americanos recuperarem seu protagonismo. “Estamos torcendo para que cada país, empresa e comunidade melhore a redução de emissões e a construção de um sistema de resiliência. Mas isso não significa que não tenhamos interesse em que os EUA desenvolvam essas inovações e as exportem para o mundo.”
Como chefe da chancelaria dos EUA, afirmou que seu trabalho é garantir que a política externa atenda aos interesses dos americanos e que a abordagem da crise climática como forma de transformar a matriz energética do país e criar empregos é a melhor forma de fazer isso. Para convencer o público americano da importância do tema, Blinken argumentou que o mercado de energia renovável global deve chegar a US$ 2,15 trilhões até 2025, 35 vezes o tamanho atual do setor nos EUA. Ele também afirmou que as políticas que serão adotadas por Biden representam novos empregos para os americanos. Vamos acompanhar a reunião e tirar conclusões.
 
E o Brasil?
 
Chegará à guerra dos impérios na condição de “paria” e, certamente, não serão os poucos minutos previstos para o pronunciamento de cada liderança, que recolocarão o Brasil como um dos principais protagonista mundiais na questão socioambiental. A credibilidade do governo Bolsonaro tende a zero, a carta encaminhada ao governo Biden é vista com ceticismo e desconfiança. O governo brasileiro terá que explicar a excessiva e absurda desregulamentação das normas ambientais; o desmonte dos órgãos ambientais e o esvaziamento das instituições oficiais de pesquisas que produzem dados e conhecimento sobre o território como INPE, IBAMA, IBGE, universidades; a intimidação que tem sido feita aos que criticam a política ambiental do atual governo; a militarização esdrúxula da política ambiental; a atual paralisação da fiscalização pelos órgãos responsáveis em função de portarias do Ministério do Meio Ambiente, dentre outras. A favor apenas a postura entreguista para tentar seduzir interesses empresariais.


Temos os direitos sobre os recursos naturais existentes em nosso território e de qualidade de vida em um ambiente saudável; bem como a obrigação de lutar contra a posição subjacente nessa guerra dos impérios e explícita nas posições do governo brasileiro de, como bem questionadopor Forrester (3) – “é preciso merecer viver para ter esse direito? Será útil viver quando não se é lucrativo ao lucro?”

Há saídas, depende de nós. Vamos construir um novo caminho.
 
(!) Godoi Filho, J.D. Desenvolvimento sustentável e a capitalização da natureza. Cuiabá: CEGAM, mimeografado,1994.
(2) Blinken, A. Blinken warns US is falling behind China in race to capitalize on climate opportunities –CNN Politics. Disponível em:https://edition.cnn.com/2021/04/19/politics/blinken-climate-speech/index.html - Acessado em 20/04/2021.

(3) Forrester, V. L’horreur économique. Paris: Fayard, 1996.
 

*José Domingues de Godoi Filho – Professor da UFMT/Faculdade de Geociências.
 

Quinta, 22 Abril 2021 11:27

 

 

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JUACY DA SILVA*


Enquanto a humanidade imaginar que precisa dominar, destruir e degradar a natureza, em nome de um progresso, cujos frutos acabam sempre se acumulando em poucas mãos, gerando  pobreza, miséria e exclusão socioeconômica e política;  enquanto o consumismo e o desperdício continuarem presentes ao lado de um crescimento populacional, urbano, industrial ou pós industrial, ainda acelerado em diversos países; enquanto, em nome do desenvolvimento ou da soberania nacional, os países e seus governantes se acharem no direito de devastarem suas florestas e poluírem o ar, os rios, oceanos e demais cursos d’água e a estimularem a degradação dos solos, com certeza as mudanças climáticas, o aquecimento global e a saúde do planeta e de seus habitantes estarão em risco permanente.

É fundamental que a consciência e a responsabilidade ambientalistas sejam despertadas para que as nossas relações com a natureza, com a ecologia, com o meio ambiente sejam pautadas pelo sentido do bem comum e o compromisso em relação `as gerações futuras, que também tem o direito de desfrutarem de um meio ambiente saudável, sem os graves problemas que estão sendo gerados/causados pela miopia, omissão e insensibilidade das atuais gerações, inclusive de seus governantes.

Desde 1970, quando do primeiro DIA DA TERRA, há mais de meio século diversos setores, pesquisadores, cientistas e lideranças tanto públicas quanto da sociedade civil organizada, em nível mundial, vem alertando e clamando para o fato de que não podemos continuar nesta saga destruidora, os custos desta insanidade serão altíssimos e recairão tanto sobre a atual geração quanto e principalmente das futuras gerações.

O planeta terra, a MÃE TERRA  está doente, está sofrendo com as dores da irresponsabilidade geral, da ganância dos poderosos e daqueles que imaginam que defender o meio ambiente, a terra e combater o desmatamento, a mineração que tem deixado um rastro de destruição e morte, a poluição, a degradação dos solos e dos cursos d’água, o uso abusivo dos agrotóxicos sejam questões de ordem ideológica ou pauta politica de partidos e movimentos de esquerda. Neste particular é fundamental o despertar da consciência e da responsabilidade coletiva, ou restauramos a terra rapidamente ou estaremos avançando para um caminho sem volta, onde até mesmo a sobrevivência humana no planeta estará ameaçada.

Há 51 anos que no dia 22 de Abril comemora-se o DIA DA TERRA, desde as grandes manifestações que ocorreram em várias cidades americanas em 1970, ano após ano esta data vem se revestindo de um significado mais profundo  da luta ambiental em todos os países.

Inúmeras conferências internacionais, diversas acordos e tratados celebrados por todos os países, sob os auspícios da ONU tem apontado para a gravidade das questões  ecológicas/ambientais e o que esses desafios representam para o planeta terra, para a biodiversidade (flora e fauna) e, principalmente, para o ser humano.

Recentemente, o Secretário Geral da ONU, António Guterrez, dirigindo-se a inúmeros Chefes de Estado e de Governos que integram a ONU, fez mais um alerta quanto `a gravidade e urgência que são necessários quanto se trata das questões ambientais, assim dizendo: “ Nós devemos envidar todos os esforços e agirmos decisivamente para proteger nosso planeta tanto do coronavírus quanto das ameaças existenciais representadas pelas mudanças climáticas”.

É importante ressaltar que enquanto o coronavírus, a COVID-19 é um enorme problema, desafios conjuntural, as questões ambientais são de natureza estrutural e de longa duração. Cabe também destacar que anualmente entre 6,3 e 7,0 milhões de pessoas, das quais mais de 500 mil crianças, morrem em decorrência da poluição do ar, dentro de for a dos ambientes residenciais ou comerciais, mas que pouca atenção ou quase nenhuma preocupação tem despertado em governantes e gestores dos sistemas de saúde públicos ou privados.

O fulcro dessas e de tantas outras declarações do Secretário Geral da ONU quanto de cientistas que tem se dedicado aos estudos sobre o clima, as mudanças climáticas, o aquecimento global, o aumento de desastres naturais e as diferentes formas de degradação ambiental tem sido na ênfase quanto ao comportamento totalmente irracional e imediatista, principalmente de amplos setores governamentais e empresariais, além da passividade e alienação popular em relação à destruição da natureza, de forma rápida, continua e impiedosa.

A ideia subjacente a tantos alertas é como se a humanidade estivesse travando uma guerra contra a natureza, imaginando que a mesma é  um inimigo a ser dominado, explorado de forma predatória, sem considerar as consequências nefastas para as atuais e, pior, para as próximas gerações. Confunde-se desenvolvimento com destruição da natureza, com degradação ambiental, pouco se importando com o passivo ambiental que os atuais modelos econômicos estão provocando, cuja conta, imensa e impagável recairá sobre os ombros das próximas gerações em termos de danos ambientais, como os decorrentes de  crimes ambientais, como mineradoras, empresas petrolíferas, desmatadores e grileiros de terras publicas, de indígenas e florestas, madeireiros ilegais  e governantes omissos e coniventes com toda esta sanha ambiental destruidora, onde o Brasil tem se destacado de forma negativa nos últimos tempos. A visão holística, de longo prazo cede lugar ao imediatismo, a busca desenfreada por acumulação do capital e concentração de renda e riqueza.

A ideia que se tem é que estamos em Guerra declarada contra a natureza, contra a MÃE TERRA, uma guerra estúpida e inconsequente que acabará por destruir a biodiversidade do planeta  provocando a degradação ambiental, contribuindo para a impossibilidade de todos os tipos de vida, inclusive da vida humana, na terra.

Por essas razões e pelos efeitos danosos que esta guerra estúpida e impiedosa estão provocando, é mais do que urgente parar com a mesma, precisamos de um Tratado de Paz entre a ganância, a irracionalidade humana e a natureza, enquanto é tempo. Quando mais duradoura e irracional for esta guerra, como todas as demais guerras, piores e mais devastadoras serão suas consequências.

Diante disto tudo, na Assembleia Geral da ONU em 01 de Março de 2019, foi aprovado uma Resolução estabelecendo que entre os anos de 2021 e 2030 será a DÉCADA DA RESTAURA,CÃO DOS ECOSSISTEMAS DEGRADADOS, objetivando o combate `as mudanças climáticas; proteger a biodiversidade (vegetal e animal), a segurança alimentar, garantindo a vida para mais de 7,8 bilhões de habitantes do mundo em 2020 e mais alguns bilhões dentro de 10; 20 ou 30 anos e a consecução plena dos Objetivos do Desenvolvimento sustentável e suas metas (Agenda 2030).

Na Assembleia Geral da ONU em Abril de 2009, por iniciativa do então Presidente da Bolívia, Evo Morales, com apoio de mais 50 outros chefes de Estado e de Governo foi aprovado a proposta de que  22 de Abril fosse declarado o DIA INTERNACIONAL DA MÃE TERRA, ao invés de simplesmente DIA DA TERRA.

No mesmo diapasão para comemorar o DIA DA MÃE TERRA, a cada ano é escolhido um Tema e para  2021, em coerência com Resolução mais recente que estabeleceu a DÉCADA DA RESTAURAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS DEGRADADOS, o tema escolhido foi “RESTAURAÇÃO DA TERRA”, do Planeta.

Mesmo que o mundo todo esteja sendo afetado pela pandemia do CORONAVÍRUS, com niveis maiores ou menores de restrições quanto `as atividades presenciais, diversas eventos, alguns presenciais e a maioria virtuais estarão sendo realizado não apenas nesta quinta feira, 22 de Abril, mas também ao longo deste mes, incluindo uma Reunião Virtual nos dias 22 e 23 deste mes, aberta  ao público em geral, por iniciativa do Presidente dos EUA Joe Biden, para a qual foram convidados 40 Chefes de Estado e de Governo, que representam mais de 80% do PIB mundial e tambem mais de 80% das emissões de gases de efeitos estufa, para discutirem as questões do Clima e suas consequências, incluindo o aquecimento global.

Este evento, por iniciativa do Presidente Biden, marca uma mudança radical da politica ambiental, tanto interna quanto internacional dos EUA, após o desastre que foi a administração Trump, principalmente em relação ao meio ambiente e ao combate a COVID-19, quando o mesmo retirou a maior economia do mundo, maior PIB e segundo maior poluidor do planeta do Acordo de Paris, afrouxou as regras e normas ambientais internas, sucateou os organismos de fiscalização Ambiental, trazendo sérias consequências para aquele país e para o resto do mundo, modelo este seguido “ipsis litteris” (semelhante) pelo Governo Bolsonaro, o que representa um desastre ambiental de consequências de longo prazo.

Segundo analistas internacionais, de vários países e meios de comunicação, esta iniciativa e compromisso do Governo Biden, marcam também um reposicionamento e a volta dos EUA ao cenário internacional com uma liderança forte por parte dos EUA para encaminhar os desafios e cumprimento do Acordo de Paris, principalmente em relação à próxima Reunião do Clima, a COP-16, sob a coordenação da ONU a ter lugar em novembro próximo em Glasgow, na Inglaterra.

Tanto as ações, eventos a serem realizados no DIA INTERNACIONAL DA MÃE TERRA, quanto o Encontro virtual de chefes de Estado e Governo, convocados por Biden para discutir a questão do Clima, estão e estarão inseridas tanto no contexto dos termos do Acordo de Paris quanto no espirito, conteúdo e compromissos assumidos por ampla maioria dos países membros da ONU, incluindo o Brasil,  quando a Assembleia Geral daquela organização internacional aprovou a criação da DÉCADA DE RESTAURAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS DEGRADADOS e, ao mesmo tempo, complementares aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e suas metas, enfim, o que se percebe é que, com a eleição e inicio do Governo Biden, a pauta ECOLÓGICA/AMBIENTAL ganha mais espaço e pressionará todos os países a respeitarem tanto os termos dos acordos e tratados internacionais relativos ao meio ambiente e as resoluções das Assembleias Gerais da ONU, quanto, realmente, passarem dos compromissos e discussões nos fóruns internacionais e inúmeras “cartas de intenções”, como tem feito o Brasil, para ações concretas, políticas públicas de defesa do meio ambiente de curto, médio e longo prazos. Blá-Blá-Blá e discursos demagógicos não salvam o planeta e nem restauram a terra, apenas estimulam os criminosos ambientais a seguirem IMPUNEMENTE em sua sanha destruidora, como vem ocorrendo e se agravando no atual governo no Brasil.

O pano de fundo nessas discussões  é a questão dos limites da soberania nacional em temas, problemas e desafios ambientais que afetam diversos países, continentes ou o mundo/planeta todo. Por exemplo, a questão dos rios e bacias hidrográficas internacionais, o uso de combustíveis fósseis que tantos males tem causado ao planeta e aos seus habitantes, o desmatamento acelerado das florestas tropicais, as queimadas de biomas importantes, como as que aconteceram no ano passado no Pantanal, na Amazônia e no Cerrado, a degradação das savanas que abrangem diversas países, a poluição dos oceanos, o aquecimento da terra  e outras mazelas mais.

No caso da Amazônia, é mister que o Brasil entenda que por mais que tenha a soberania territorial e politica sobre a maior parte daquela região (bioma), a Amazônia não é exclusivamente brasileira, a mesma é compartilhado por mais 8 países sul americanos e, em decorrência, o desmatamento, as queimadas, a degradação dos solos, a poluição, principalmente decorrente de garimpos e atividades mineradoras, agropecuárias e madeireira, boa parte de forma clandestina, ilegal e criminosa, enfim, tudo o que acontece por lá e também no bioma cerrado afetam o clima e o regime de chuvas e, desta forma, provocam degradação e danos ambientais não apenas no Brasil mas também em  todo o planeta, razão pela qual não podemos imaginar que a Amazônia seja apenas um tema, um assunto ou uma questão de interesse exclusivo do Brasil.

Algumas pessoas podem estar se perguntando, porque instituir o tema “RESTAURAÇÃO DA TERRA” no dia internacional em que se comemora o DIA DA TERRA ou o estabelecimento de uma DÉCADA DE RECUPERAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS DEGRADADOS, esta última a ser observada entre 2021 e 2030? Afinal o que isto representa para a população mundial, para a economia internacional ou a economia de cada país e a vida em escala global?

Dentre os vários aspectos que justificam esta preocupação, podemos mencionar que, em 2019, dados estatísticos demonstraram que o custo da degradação Ambiental por ano nos diversos biomas mundiais eram de US$ 6,3 trilhões de dólares ou R$ 35,2 trilhões de reais, isto representa 7,2% do PIB mundial naquele ano e afetava 3,2 bilhões de pessoas ou 41,6% da população mundial.

Os objetivos do DIA INTERNACIONAL DA MÃE TERA  e da Década de restauração/recuperação dos sistemas degradados, serão,  senão a única, pelo menos uma das mais importantes formas para se combater as mudanças climáticas e suas metas são: restaurar/recuperar até 2030 em torno de 350 milhões de ha de solos degradados, reduzir drasticamente o desmatamento mundial, principalmente das florestas tropicais, com destaque para a Amazônia, maior Floresta tropical do Planeta e atingir a meta de um aquecimento de no máximo 1,5 graus centigrados a mais do que em relação ao início do período industrial, combater a poluição dos oceanos, defender e proteger a biodiversidades, principalmente as espécies vegetais e animais em processo de extinção, controlar e combater as queimadas, que geram poluição do ar e destroem a biodiversidade, dentre outros.

No entanto, mesmo que aparente um objetivo pouco expressivo, a recuperação das áreas degradadas ou seja,  a recuperação desses 350 milhões de ha, pode gerar US$ 9 trilhões de dólares para a economia mundial e também remover entre 13 e 26 gigatons de gases tóxicos que estão “presos” na atmosfera e contribuindo para o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Além de lutar pela restauração dos biomas degradados mundo afora, é fundamental que consigamos acabar ou reduzir drasticamente os fatores e causas que estão provocando esta degradação, dentre as quais podemos destacar o desmatamento, a destruição das florestas que, segundo a FAO atinge 7,3 milhões de ha por ano, que entre os anos de 2000 e 2021 atingirá 153,3 milhões de ha, boa parte dos quais se transformam  dentro de pouco tempo em áreas degradadas.

No mundo existem mais de 2,0 bilhões de ha de áreas degradadas, das quais mais de 100 milhões no Brasil, sendo que já identificadas mais de 50 milhões de pastagens degradadas, além do fato de que na Amazônia caminham ,lado a lado o desmatamento, as queimadas, a extração ilegal de madeiras, o garimpo e mineração também ilegais, a invasão impune de terras indígenas e de reservas ambientais, a grilagem de terras públicas e privadas e a especulação imobiliária que acabam contribuindo para a formação de mais de 33,7 milhões de ha de áreas degradadas.

Segundo estudo realizado sobre os custos de recuperação de áreas degradadas em Rondônia, o valor médio, em 2018, era de R$30 mil por ha, assim, o custo para recuperar 12 milhões de ha de áreas degradadas assumido pelo Brasil no Acordo de Paris seria de de R$360 bilhões de reais até 2030 ou R$3,6 bilhões de investimentos só neste projeto, compromisso anualmente, o que não esta acontecendo e a manter-se o sucateamento das politicas e órgãos ambientais tanto do Governo Federal quanto de governos estaduais e municipais, não acontecerá mesmo.

Se considerarmos o total das áreas degradadas, que aumentam na proporção direta do desmatamento da Amazônia, do Cerrado e dos demais biomas, que atualmente é de 100 milhões de ha de terras degradadas, este custo (atual) é de R$3,0 trilhões de reais e dentro de mais esta década, se nada for feito, além de discursos e cartas de intenção pelos governos federal e estaduais, até 2030 teremos mais de 150 milhões de áreas degradadas e os custos e prejuízos serão incalculáveis.

Isto, além de um sério prejuízo econômico, financeiro, ambiental e também afeta negativamente a imagem do Brasil no contexto internacional. Devemos ter em conta que cada ha de Floresta consegue sugar/sequestrar 26 toneladas de gases de efeito estufa, ou seja, as áreas desmatadas, ao lado das áreas degradadas no Brasil geram um impacto imenso no aquecimento do planeta, pois ao serem derrubadas as árvores liberam carbono estocado em suas raízes na atmosfera, além da poluição decorrente das queimadas e, ao mesmo tempo, deixam de exercer o papel de sugarem/sequestrarem carbono e outros gases de efeito estufa que estão “presos” na atmosfera, causando as mudanças climáticas e seus efeitos nefastos.

Além do desmatamento, das queimadas e das áreas degradadas existem diversas outras causas ou fatores que contribuem para a deterioração da saúde do planeta que serão abordadas em outras ocasiões, para não tornar este artigo extenso demais.

Dentre esses podemos destacar a poluição dos oceanos e demais cursos d’água, onde a questão da poluição por plásticos demanda uma ação urgente; o desperdício de água, de diversas materiais e, pior, de alimentos que chegam a mais de 60 milhões de toneladas por ano, enquanto quase um bilhão de pessoas passam fome; a falta de saneamento básico na maioria das cidades principalmente nos países do terceiro mundo (com renda baixa e média) afetando a qualidade de vida de mais de 50% da humanidade, quase quatro bilhões de pessoas, que vivem ou sobrevivem em condiçoes sub-humanas de vida, sobre quem recaem as consequências da degradação ambiental

Dentro de pouco mais de seis semanas, em 05 de Junho próximo, estará sendo comemorado o DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE quando estará será oficialmente lançada pela ONU a DÉCADA DE RESTAURAÇÃO DOS SISTEMAS/BIOMAS DEGRADADOS e ao longo deste ano e dos demais até 2030, diversos eventos e datas “comemorativas” de aspectos ambientais estarão sendo relembradas, ocasiões que devem ser usadas para discutirmos a gravidade das questões ambientais nas localidades, nos estados, países e planeta.

Enfim, a pauta ambiental/ecológica devera estar muito mais presente nas discussões publicas e na definição de politicas publicas de estado, de longo prazo e na alocação de recursos orçamentários federais, estaduais e municipais. Se assim não acontecer estaremos condenados a ser um país e não pária nas relaçoes internacionais, estaremos caminhando na contramão da história.

Podemos dizer que o tema central das discussões e da luta ambientalista a partir de agora, de forma mais enfática e efetiva , terão dois focos principais e interligados: as mudanças do clima e como podemos e devemos fazer para combater este perigo iminente e como podemos evitar a degradação ambiental em geral. A resposta é apenas uma JUNTOS PODEMOS RESTAURAR A TERRA, curar, sarar, cuidar melhor do planeta, da MÃE TERRA, reduzir as mudanças climáticas e melhorar a qualidade de vida para a grande maioria dos excluídos em todos os países, regiões e continentes.

Existem diversas maneiras de agirmos, tanto no plano individual, local quanto nas dimensões regionais, sub-regionais, nacionais e internacionais, desde ações simples como plantar uma árvores, reciclar nosso lixo, reduzirmos o desperdício, promover a educação ambiental, passarmos a usar fontes alternativas de energia, como a solar, eólica e outras formas, enfim, basta despertar a nossa consciência ecológica, nossa responsabillidade quanto ao future do planeta e passarmos das intenções para a prática, de preferência de forma coletiva e organizada, cujos resultados são mais visíveis, efetivos e duradouros.

Kathleen Rogers, Presidente da “Earth Day Org”, recentemente disse de forma clara “ Estamos a beira de um precipício, se não agirmos agora, de forma efetiva, para reduzir as emissões de carbono e de outros gases que provocam o efeito estufa, a poluição em geral, principalmente do ar, e a degradação ambiental em geral, não haverá caminho de volta”. Isto demonstra uma verdade e um sentimento que de  há muito vem sendo enfatizados pela comunidade científica e pelos ambientalistas em diversos países, inclusive no Brasil. Pena que a grande maioria dos governantes não ouvem essas vozes ou apenas fingem que as ouvem.

Esses são os principais recados neste DIA INTERNACIONAL DA MÃE TERRA, em 2021!

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Terça, 09 Março 2021 08:45

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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José Domingues de Godoi Filho*

Os projetos do Estado para o desenvolvimento da Amazônia, desde o golpe civil-militar de 1964 até os dias de hoje, quando são escondidos atrás das queimadas, produziram: destruição das formas de organização produtiva e social das populações nativas; aumento da degradação ambiental; indução de migrações atraídas pela propaganda enganosa dos grandes projetos; desfiguração da identidade cultural; aumento de doenças; expropriação das populações rurais;   invasão e destruição de territórios indígenas, por estradas, hidrelétricas, mineração e garimpos; aumento nas tensões sobre os núcleos urbanos; geração de  latifúndios; conflitos pela posse da terra;  utilização depredatória dos recursos florestais; destruição de grandes áreas por projetos hidrelétricos;  assoreamento de rios e poluição hídrica. Como agravante, as políticas públicas, projetos e incentivos fiscais foram e continuam sendo definidos fora da região, à revelia da população local, e conivência das oligarquias regionais. Resultaram na exploração dos recursos naturais de forma imediatista, para atender os interesses do capital. Como alguns exemplos temos a SUFRAMA - Superintendência da Zona Franca de Manaus, o Programa de Pólos Agrominerais, a UHE de Tucuruí e os planos do setor energético, o Programa Grande Carajás, o Calha Norte.

No caso do Calha Norte, nem mesmo a defesa dos recursos naturais do solo e do subsolo, motivo alegado pelos militares para justificá-lo, foi conseguida. Antes da nova fase de entreguismo, iniciada após a promulgação da Constituição Federal de 1988, as empresas multinacionais de mineração, associadas ou não com grupos nacionais, como, por exemplo, os Grupos Roberto Marinho e Monteiro Aranha, detinham cerca de 35% dos alvarás de pesquisa mineral e, em alguns casos, controlavam mais de 50% da área do subsolo de vários estados da Amazônia Legal.

A partir do governo Collor o entreguismo aumentou com as emendas constitucionais que modificaram o conceito de empresa nacional e a quebra do monopólio do petróleo. Nos governos seguintes, o processo continuou e se ampliou com outras emendas constitucionais e as privatizações espúrias das empresas estatais. Novo golpe civil, em 2016, com apoio dos militares, como é possível verificar no livro, recém-publicado, do ex-Comandante do Exército General Villas Boas.

Em 2018, é eleito o Presidente Bolsonaro. Embora enalteça à sua formação militar e use um discurso patriótico, o governo Bolsonaro não tem um projeto nacionalista de desenvolvimento para o país, nem para a Amazônia; tendo deixado claro que pretende “explorar a floresta em parceria com os norte-americanos”; incentivar “as madeireiras, a mineração e o agronegócio” e não demarcar “nenhum centímetro de terras indígenas”. Após o seu negacionismo e bravatas internacionais, transferiu para a Vice-presidência da República a direção do Conselho Nacional da Amazônia Legal – CNAL, nomeando como Presidente, Hamilton Mourão (Vice-presidente da República). Frente às críticas existentes, Mourão respondeu “afirmando que a Amazônia só será preservada se forem encontradas ‘soluções capitalistas’ que garantam dinamismo econômico e renda para os cerca de 20 milhões de habitantes da região”. Nada de novo, apenas retórica; como ficou claro na polêmica reunião ministerial de abril-2020.O governo Bolsonaro acatou implicitamente a sugestão do Ministro do Meio Ambiente de “passar a boiada” e, durante a pandemia, acelerou a publicação de atos que destroçaram a legislação ambiental.

Cerca de um ano após sua posse, Mourão, em artigo de sua autoria, desconsiderou as políticas ambiental e de desenvolvimento impostas pelo Estado à Amazônia, desde o golpe civil-militar de 1964, afirmando que a Amazônia sofria com ausência do Estado, projetos inconsistentes e crenças ambientais equivocadas que, por anos, foram deliberadamente plantadas e cultivadas na mente dos brasileiros como verdadeiras. Por ser uma região distante e de difícil acesso que poucas pessoas de fato conheciam, muitas acabaram aceitando essas verdades criadas por especialistas de suas vontades, plantadas como ‘boas sementes’ e cuidadosamente regadas até criarem raízes”.  Serão “boas as sementes” que semeia Mourão, Presidente do CNAL?

Depois de muitas queimadas e tentativas de esconder os reais interesses sobre os recursos naturais existentes na Amazônia; de mentiras sobre a situação ambiental do país, pronunciadas pelo presidente Bolsonaro, no discurso de abertura da 75ª Assembleia Geral da ONU, o CNAL anunciou, em 10 de fevereiro de 2021, o Plano Amazônia 21/22, que terá ações conduzidas de forma simultânea, em quatro áreas de atuação: -  priorização de áreas onde a ocorrência da ilicitude pode impactar de maneira mais decisiva os resultados da gestão ambiental; aumento da efetividade da fiscalização e o fortalecimento dos órgãos; contenção dos ilícitos em conformidade com a lei; e, busca de alternativas socioeconômicas à população dentro do princípio do desenvolvimento sustentável.

O CNAL é composto pelo Vice-presidente da República e quinze Ministérios distribuídos em 5 Comissões e 4 Subcomissões e tem trabalhado em três eixos principais: preservação, proteção e desenvolvimento sustentável. Se consideradas as políticas públicas e as ações desses ministérios, bem como as emendas constitucionais e os projetos de lei, do executivo e de parlamentares, em tramitação no Congresso Nacional sobre meio-ambiente, povos indígenas, mineração, garimpos, energia, agronegócios e obras de infraestrutura, não há dúvidas de que não se aplique, mais uma vez, a frase famosa de Lampedusa, em seu romance O Leopardo: “se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”, para o regozijo das grandes empresas e bancos.

*José Domingues de Godoi Filho – Professor da UFMT/Faculdade de Geociências

 

 

Terça, 20 Outubro 2020 20:12

Aumenta o número de ricos, e com isso a desigualdade social e os problemas ambientais

 

A temperatura da Terra está aumentando por causa da intervenção humana. Parece clichê afirmar isso, já que pesquisadores de todo o mundo alertam, há décadas, sobre os efeitos das degradações que provocamos no planeta. Mais do que isso, quando conseguimos perceber esses efeitos no cotidiano. No entanto, ainda há quem diga que o aumento de temperatura é um processo natural. Não é.  

 

Os chamados negacionistas se prendem ao fato de que variações climáticas são históricas e, de tempos em tempos, o planeta apresenta picos de temperatura. Fingem ignorar, entretanto, que a partir das ações humanas, especialmente do advento do capitalismo, com o processo de industrialização e produção em massa de produtos, esses picos passaram a ocorrer cada vez mais fortes e menos espaçados.

 

A organização estadunidense de cientistas e jornalistas independentes, Climate Central, criou uma imagem visual para mostrar as variações de temperatura da atmosfera ao longo dos períodos. Recorrendo a  listas, do azul ao vermelho, o site Show Your Stripes permite visualizar essa evolução desde 1850, e verificar o aumento da temperatura em qualquer local do Globo nos últimos anos (clique aqui para acessar o site).

 

 

Variação climática no globo de 1850-2019.

Fonte: #ShowYourStripes (https://showyourstripes.info/)

 

 

Variação climática no Brasil de 1901-2019.

Fonte: #ShowYourStripes (https://showyourstripes.info/)

 

 

Variação Climática em Mato Grosso de 1901 - 2019.

Fonte: #ShowYourStripes (https://showyourstripes.info/)

  

 

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), os últimos cinco anos foram os mais quentes da história do planeta. Os recordes estão sendo batidos ano após ano. Em 2015, a onda de calor matou mais de 2 mil pessoas na Índia. Em 2016, Kuwait e Iraque foram alguns dos países que mais sofreram, registrando temperaturas de até 54°C. Em 2017, novos recordes foram registrados na Ásia, e também no Chile e na Europa, onde os termômetros ultrapassaram 40°C, o que se repetiu em 2018. Nesse mesmo ano, a região de Svalbard, no extremo norte da Noruega, registrou a cobertura de gelo do Ártico mais baixa da época do ano desde 1981: 40%.

 

Em 2019, o mundo viveu o mês de junho mais quente da história. A Amazônia brasileira teve 145% de aumento nas queimadas – com ajuda do chamado “dia do fogo”. Em 2020, os Estados Unidos da América e o Pantanal brasileiro viveram verdadeiras catástrofes em meio às chamas. A fumaça dos incêndios na América do Norte ganharam dimensão continental, com partículas que chegaram até a Europa. No Brasil, toneladas de peixes foram sufocados pelas cinzas das queimadas que chegaram aos rios após três meses de muito fogo e nenhuma chuva, e os moradores da região enfrentaram tempestades de areia e cinzas; 15 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo no Pantanal.   

 

Esse aumento da temperatura, provocado pela atividade humana, e responsável pelas alterações climáticas que sentimos na pele, é também responsável por diversos efeitos ainda mais trágicos sobre todas as formas de vida na Terra. Em artigo publicado recentemente, o biólogo e professor da Universidade Federal de Pelotas, Althen Teixeira Filho, e o geólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso, José Domingues de Godoi Filho –membros do Grupo de Trabalho Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPAUA) de suas associações docentes, ligadas ao ANDES – Sindicato Nacional, Adufpel-Ssind e Adufmat-Ssind, lembraram que, em 2017, cerca de 15 mil cientistas, de 184 países, publicaram mais um documento advertindo a humanidade sobre o destino “irremediavelmente mutilado” do planeta. Nos últimos 25 anos, desde a publicação de um primeiro alerta, “ocorrera uma diminuição de 25% de água potável por pessoa; aumento do número de ‘áreas mortas’ por poluição nos oceanos em 75%; aumento do desmatamento em mais de 120 milhões de hectares de florestas; decrescimento do número de mamíferos, répteis, anfíbios, pássaros e peixes em 29%”.

 

Além dos gases altamente prejudiciais à camada de ozônio e ao efeito estufa, lançados pelo uso excessivo de combustíveis fósseis e pelas fábricas a partir do processo de industrialização - e cujos principais emissores hoje são as duas maiores potências econômicas mundiais, Estados Unidos e China -, também são causadores de toda essa destruição outras atividades típicas do sistema capitalista. Nas palavras de Teixeira e Godoi, “péssima utilização dos solos; destruição e queimadas de florestas; uso de venenos agrícolas associados com transgenia; minerações; consumismo; opções alimentares que geram obesidades; destruição de nichos ecológicos; plantios de lavouras de árvores e de grãos para alimentação de animais; contaminação e destruição de fontes hídricas; produção e destinação desastrosa de lixo, principalmente o plástico”.

 

Diante das queimadas no Pantanal, a tese dos ministros do Meio Ambiente e da Agricultura, de que o “boi funciona como um bombeiro”, serve apenas como mais um argumento explicito do interesse do Agronegócio e do Governo Federal em desmatar sem limites, ou passar a boiada sobre legislação ambiental. Um levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) indica que a realidade é o oposto: as cidades do Pantanal com maior rebanho tiveram mais queimadas.

 

Enquanto cada grau a mais na temperatura pode significar aumento do nível dos mares, o derretimento das geleiras, ou a extinção da vida na Terra num futuro mais próximo do que imaginamos, a concentração da riqueza nas mãos do 1% mais rico - equivalente à riqueza somada das 6,9 bilhões de pessoas mais pobres, segundo a Oxfam - garante o mal estar desde já. O número de bilionários do mundo duplicou nos últimos dez anos, somando mais recursos que 60% da população mundial. Mas a fome, a violência, as condições precárias de existência já não são os únicos desafios da população empobrecida pelo modo de produção capitalista.

 

“A própria pandemia vivida é uma lembrança potente, diária e com um custo de vidas altíssimo de como a natureza e a espécie humana são interdependentes. Não é só a integridade do planeta que corre riscos, mas sim o que estamos fazendo com a vida. Ao tratar da questão ambiental é importante ter claro que não é só o planeta que tem que ser salvo. Por conta do vandalismo que provocamos na sua integridade, há muito tempo ficou óbvio e comprovado que a própria vida biológica está intensamente compromissada na sua sobrevivência. O tempo de ‘validade’ para a existência da espécie humana dependerá de como vamos cuidar das condições de vida no planeta”, concluem os membros do GTPAUA.

 

Clique aqui para ler a íntegra do artigo de Althen Teixeira Filho e José Domingues de Godoi Filho.

 

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Foto: Mauro Pimentel/ AFP

 

Quarta, 07 Outubro 2020 09:58

 

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Althen Teixeira Filho e José Domingues de Godoi Filho*

           

            Em 1992, aproximadamente 1700 cientistas(1), muitos ganhadores de prêmio Nobel em ciências, alertavam num “primeiro aviso” que a humanidade estava em colisão com o mundo natural, por causar danos irreversíveis ao meio ambiente e a recursos críticos (água, solo, ar), levando a uma situação de impossibilitar o sustento da vida.
            Em 2017, 15 mil cientistas (2) de 184 países publicaram um “segundo aviso”, advertindo a humanidade sobre o destino “irremediavelmente mutilado” do nosso planeta. Notificavam que, passados 25 anos desde aquela primeira nota, ocorrera uma diminuição de 25% de água potável por pessoa; aumento do número de “áreas mortas” por poluição nos oceanos em 75%; aumento do desmatamento em mais de 120 milhões de hectares de florestas; decrescimento do número de mamíferos, répteis, anfíbios, pássaros e peixes em 29%.
            Ainda em 2017, a revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences” (3) publicou artigo informando que o mundo já vivia uma "aniquilação biológica" de suas espécies animais, fato considerado uma sexta extinção em massa. Cita o artigo: "Nas últimas décadas, a perda de habitat, a superexploração de recursos, os organismos invasivos, a poluição, o uso de toxinas e, mais recentemente, as mudanças climáticas, bem como as interações entre esses fatores, levaram ao declínio catastrófico nos números e nos tamanhos das populações de espécies de vertebrados tanto comuns como raros".
               Em 8 de agosto passado, alcançamos o “Dia de sobrecarga da Terra”, ou seja, de 1º de janeiro até esse dia, já havíamos consumido tudo o que seria permitido para o presente ano. Depois disso, ou seja, até 31 de dezembro, desfrutamos de bens que “pertenceriam” aos nossos filhos, aos nossos netos.
            Em 13 de agosto, a revista “Nature (4) publicou artigo informando que, devido ao intenso derretimento provocado pelo aquecimento global, a camada de gelo da Groenlândia muito possivelmente não poderá ser mais recuperada, provocando uma elevação dos mares em seis metros ao longo desse século.
            Em 10 de setembro, a “BBC” (5) repassou informe de cientistas que, devido a atividade humana, ocorreu um “declínio catastrófico” da população de vida silvestre em aproximadamente dois terços nos últimos 50 anos. O Dr. Andrew Terry, da “Zoological Society of London”, afirmou: “se nada mudar, a população inquestionavelmente continuará a diminuir, levando a vida silvestre à extinção e ameaçando a integridade dos sistemas dos quais dependemos”!
            A própria pandemia vivida é uma lembrança potente, diária e com um custo de vidas altíssimo de como a natureza e a espécie humana são interdependentes!
            A péssima utilização dos solos; destruição e queimadas de florestas; uso de venenos agrícolas associados com transgenia; minerações; consumismo; opções alimentares que geram obesidades; destruição de nichos ecológicos; plantios de lavouras de árvores e de grãos para alimentação de animais; contaminação e destruição de fontes hídricas; produção e destinação desastrosa de lixo, principalmente o plástico; planejamento familiar, são assuntos de debate de primeira ordem, visando a sobrevivência da humanidade.
            Na contramão de soluções tem-se políticos incompetentes, néscios e corruptos que desconsideram e fragilizam legislações ambientais; o discurso fácil e mentiroso da geração de emprego, renda e “progresso”; o silêncio de instituições científicas e falta de cultura de muitos cientistas; o medo e a insegurança sobre o hoje que temos e o que o amanhã nos reserva!
            Todos esses impactos estão presentes e afetam, em maior ou menor grau, todo e qualquer país, todas as cidades e todos os cidadãos em qualquer região do planeta. Contudo, não é só a integridade do planeta que corre riscos, mas sim o que estamos fazendo com a vida.
Ao tratar da questão ambiental é importante ter claro que não é só o planeta que tem que ser salvo. Por conta do vandalismo que provocamos na sua integridade, há muito tempo ficou óbvio e comprovado que a própria vida biológica está intensamente compromissada na sua sobrevivência.
O tempo de “validade” para a existência da espécie humana dependerá de como vamos cuidar das condições de vida no planeta.
Referências:

  1. World Scientists’ Warning to Humanity (1992) – Disponível em:  https://www.ucsusa.org/resources/1992-world-scientists-warning-humanity - Acesso em 01/10/20.
  2. Mundo vive sexta extinção em massa – e é pior do que parece. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/mundo-vive-sexta-extincao-em-massa-e-e-pior-do-que-parece.ghtml – Acesso em 01/10/2020.
  3. Ceballos,G, G, G, G., Erlich, P.R. and Dirzo, R. Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled by vertebrate population losses and declines. Disponível em: https://doi.org/10.1073/pnas.1704949114 – Acesso em: 01/10/2020.
  4. King, M.D., Howat, I.M., Candela, S.G. et al. Dynamic ice loss from the Greenland Ice Sheet driven by sustained glacier retreta. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s43247-020-0001-2 - Acesso em: 01/10/2020.
  5. WWF (2020) – Living Planet Report 2020 - Bending the curve of biodiversity loss. Almond, R.E.A., Grooten M. and Petersen, T. (Eds). WWF, Gland, Switzerland

 
*Althen Teixeira Filho—Professor da Universidade Federal de Pelotas/Instituto Biologia – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  
  José Domingues de Godoi Filho—Professor da Universidade Federal de Mato Grosso/ Faculdade de Geociências – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.


Segunda, 28 Setembro 2020 12:32

 

 

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JUACY DA SILVA*

Todas as pessoas, com raríssimas exceções, gostariam de viver em cidades limpas, sem esgoto correndo a céu aberto, com ruas, avenidas, praças, parques e quintais totalmente arborizados; com inúmeros parques, áreas verdes, margens de córregos e rios cobertos de vegetação e com águas limpas; cidades sem poluição oriunda das chaminés das fábricas ou de imensas frotas de veículos que lançam diariamente milhões de toneladas de gases tóxicos na atmosfera; sem favelas e habitações que não atendem aos requisitos da dignidade humana, com sistema público de transporte, eficiente, seguro, movidos por fontes de energia limpa e renovável; com calçadas que permitam que idosos, crianças, pessoas com deficiência ou mulheres empurrando os carrinhos de seus filhos possam se locomover com segurança; sem lixões onde amontoam dezenas ou centenas de milhares de pessoas buscando no lixo seu sustento e sua comida do dia-a-dia, misturando-se com urubus, ratos, cobras e outros animais peçonhentos ou rejeitos tóxicos, onde a educação ambiental seja parte dos currículos escolares em todos os níveis, para que as crianças, adolescentes, jovens e adultos possam despertar para a consciência ecológica/ambiental e melhor cuidarem do planeta.

Enfim, isto e muitos outros aspectos é o que fazem das cidades lugares aprazíveis para se viver, com qualidade de vida, com segurança e com saúde ou o que podemos denominar do BEM VIVER. Cidades assim são denominadas de CIDADES VERDES ou então CIDADES SUSTENTÁVEIS. Este deve ser o sonho de consumo de milhões e bilhões de pessoas que jazem `a margem da sociedade, excluídas econômica, social, ambiental e politicamente.

A grande maioria das cidades mundo afora, inclusive no Brasil, mais se parecem com áreas segregadas, verdadeiros apartheids sociais e econômicos,  onde convivem, as vezes lado a lado, uns poucos bairros ou residenciais de alto luxo, com características de uma cidade verde ou sustentável, e a maior parte do espaço urbano com as características que bem conhecemos e, as vezes, principalmente os governantes, fingem não perceberem que mais de 80% da população de algumas cidades vivem na mais precária e degradante situação e condição de vida.

Diante de tantos desastres e degradação ambiental que vem ocorrendo em diversas países, em todos os continentes, inclusive no Brasil, em todos os Estados e municípios, diante da constatação de que as mudanças climáticas estão se tornando uma ameaça `a vida no planeta e a própria sobrevivência da humanidade, parece que, a duras penas o nível de consciência ambiental vem ganhando espaço paulatinamente, mas, em minha opinião, ainda de forma muito vagarosa. Parece que ainda não acordamos deste sono letárgico, desta alienação que, de forma passiva nos impõe um olhar desvirtuado desta triste e cruel realidade.

Todavia, além desses aspectos, outro fator que também tem contribuído para este despertar vagaroso da consciência quanto à gravidade da situação ambiental é que a população mundial, em praticamente todos os países está cada vez mais concentrada no meio urbano, onde é gerada a maior fatia do PIB mundial e também onde são produzidos os maiores volumes de gases de efeito estufa, oriundos, basicamente, dos diversas tipos de poluição, principalmente da poluição do ar e que são os maiores causadores do aquecimento do planeta e a maior causa das mudanças climáticas.

Diante do avanço da urbanização que tem ocorrido, principalmente nos países do chamado terceiro mundo e também dos países emergentes, que, por ironia são os mais populosos, a preocupação com o desenvolvimento sustentável e com a presença do verde, tem se tornado um elemento crucial no que concerne ao planejamento estratégico e sustentável das cidades. Daí, o surgimento do conceito de cidades sustentáveis e de cidades verdes.

No contexto da sustentabilidade e, principalmente, das cidades sustentáveis, o verde é condição necessária, mas não suficiente, para que as cidades possam, de fato, serem consideradas sustentáveis. No entanto, podemos afirmar, sem sombra de dúvida , de que sem o verde, abundante, sem arborização dos espaços públicos e privados, sem áreas verdes, sem áreas de proteção ambiental, sem quintais verdes, sem florestas urbanas, uma cidade, mesmo que tente atender `as demais dimensões da sustentabilidade, jamais poderá ser considerada uma cidade sustentável.

O verde é essencial para proteger as nascentes, as margens de córregos, dos rios e lagos, para sequestrar carbono e outros  gases tóxicos que são lançados diariamente e se acumulam na atmosfera, para embelezar a cidade, para dar sombra e frutos, para propiciar a existência da biodiversidade, para manter o regime das chuvas, para a valorização dos imóveis, para garantir saúde para todos e para melhorar ou garantir uma boa qualidade de vida.

O conceito de sustentabilidade como é conhecido e utilizado atualmente, surgiu em 1987, quando da apresentação do Relatório “NOSSO FUTURO COMUM”, produzido, a pedido da ONU, pela Comissão Brundtland, quando a ideia de desenvolvimento sustentável passou a ser uma preocupação e um dos mais importantes pressupostos do planejamento urbano e, também de cientistas e líderes mundiais.

Por decisão da Asssemblaia Geral da ONU aquela Comissão tinha como mis são e objetivo analisar os impactos que as atividades humanas tem ou tinham sobre os recursos naturais do planeta, ou seja, sobre o meio ambiente.

No entanto, mesmo antes do Relatório da Comissão Brundtland, nos EUA, em 1969, quando da aprovação da primeira legislação nacional de proteção ao meio ambiente, o conceito de desenvolvimento sustentável foi formulado/definido como sendo o desenvolvimento econômico que beneficie a atual geração (daquela época ou de cada época considerada) e também  sem prejudicar as futuras gerações e, ao mesmo tempo, sem causar danos (degradação ambiental) aos recursos do planeta, incluindo seus recursos biológicos/biodiversidade, as águas, o solo e o ar.

Daí surge a certeza, baseada em estudos, pesquisas e constatações científicas, de que os recursos naturais não são infinitos, mas sim limitados e não podem ser explorados de forma predatória, mas com parcimônia e no contexto do bem comum e da justiça ambiental.

Desde meados da década de 1960, com ênfase nos anos seguintes e com mais vigor na atualidade, em todos os centros de estudos, pesquisas e universidades a questão da sustentabilidade passou a ser objeto de análise em diversas disciplinas acadêmicas e, aos poucos surgiu a certeza de que apenas na interdisciplinaridade, em uma perspectiva holística, podemos pensar, planejar e gerir as cidades, tendo como foco central o que hoje conhecemos como CIDADES SUSTENTÁVEIS, CIDADES VERDES ou sustentabilidade urbana. Isto está muito próximo do que o Papa Francisco tem enfatizado na Encíclica “Laudato SI”, quando fala de ECOLOGIA INTEGRAL.

O ano de 2015 é um marco significativo para as relações da humanidade e a natureza. Naquele ano o Papa Francisco apresentou ao mundo a Encíclica LAUDATO SI (a chamada Encíclica Verde), enfatizando as ideias e conceitos de que tudo neste planeta terra, que é a nossa CASA COMUM, está interligado nesta teia de relações, de que os recursos naturais devem ser usados para o bem comum e a melhoria da qualidade de vida da população inteira e não apenas como um bem privado ou de apenas alguns países ou grupos dominantes, que visam única e exclusivamente a exploração irracional dos recursos naturais e o lucro, que é o motor de uma economia insana e desumana, razão pela qual o Santo Padre tem também insistido quando fala da NOVA ECONOMIA ou a ECONOMIA DE FRANCISCO.

Foi também em 2015 que a ONU, ao se encerrar o período do que eram considerados os OBJETIVOS DO MILÊNIO, foram substituídos pelos 17 OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENÁVEL e suas 161 metas, como forma de balizar o desenvolvimento dos países até o ano de 2030, a chamada AGENDA 2030.

Mais de 190 países firmaram o compromisso de atingir tais objetivos e metas até o ano 2030 em diversas áreas, a quase totalidade delas que tem uma estreita relação com o meio urbano, com as cidades, onde a cada ano uma maior proporção de pessoas fazem seu local de residência/moradia e trabalho.

Apesar de já terem se passado cinco anos desses marcos internacionais, muitos países ainda ignoram, inclusive o Brasil, os Estados e municípios a importância desses objetivos e suas metas como bússolas para planejarem, definirem politicas, estratégias e ações para que os mesmos sejam conquistados.

De forma semelhante, apesar da ênfase contida na Encíclica Laudato Si e das constantes exortações do Papa Francisco, a grande maioria dos católicos, incluindo fiéis, sacerdotes ou mesmo membros da alta hierarquia da Igreja em diversas países, inclusive no Brasil, simplesmente continuam ignorando o conteúdo da Encíclica Verde, as exortações e apelos do PAPA e pouco ou quase nada existe em termos de atuação nas paróquias, dioceses e arquidioceses que demonstram que existe um empenho real da Igreja na defesa e cuidado com o meio ambiente.

Mesmo que praticamente todos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável direta ou indiretamente estejam relacionados com o meio ambiente e com as cidades, onde vivem os maiores contingentes populacionais, alguns tem um significado maior para a sustentabilidade urbana.

Alguns estudiosos, tentam classificar ou agrupar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em quatro grupos, a saber: Dimensão social: 1) erradicação da pobreza; 2) fome zero e agricultura sustentável; 3) saúde e bem estar; 4) educação de qualidade; 5) igualdade de gênero e 10) redução das desigualdades; Dimensão ambiental: 6) água potável e saneamento básico; 7) energia limpa e acessível; 12) consumo e produção responsável; 13) ação contra as mudança global do clima; 14) vida na água; 15) vida Terrestre; Dimensão econômica: 8) trabalho decente e crescimento econômico; 9) indústria, inovação e infraestrutura e 11) cidades e comunidades sustentáveis e, finalmente, Dimensão institucional: 16) paz, justiça e instituições eficazes e, 17) parcerias e meios de implementação.

Como em todas as classificações, não existem limites rígidos entre os grupos de objetivos, muitos ou todos estão inter-relacionados e os efeitos das ações ou omissões em relação aos mesmos também tem caráter holístico.

Por exemplo o Objetivo número 11 estabelece: “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”,  está intimamente relacionado com os seguintes objetivos:15 “Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade”, bem como o Objetivo 13. “Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos” e também os demais objetivos inseridos no contexto da dimensão ambiental e, intimamente interligados com o de numero 2. “fome zero e agricultura sustentável”, principalmente com a agricultura urbana e periurbana e também com o objetivo 12. “consumo e produção responsável”, que se assim não acontecer estaremos produzindo a cada dia e a cada ano um volume muito maior de resíduos sólidos/lixo, principalmente plásticos, que irão aumentar a poluição das águas (córregos, rios, lagos/lagoas e os oceanos).

Também é importante destacar que na elaboração e aprovação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável é feita uma referência explícita ao Acordo de Paris, que estabeleceu uma série de compromissos de todos os países com medidas e ações que consigam reduzir as emissões de gases de efeito estufa de tal maneira que a temperatura média do planeta fique entre 1,5 e 2,0 graus centigrados a mais, considerando o marco temporal dos níveis pré-industriais.

Com certeza, o terceiro marco importante na questão ambiental foi, sem dúvida, a aprovação do ACORDO DE PARIS, também em 2015, estabelecendo que “Reconhecemos que a UNFCCC [Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima] é o principal fórum internacional e intergovernamental para negociar a resposta global à mudança climática. Estamos determinados a enfrentar decisivamente a ameaça representada pela mudança climática e pela degradação ambiental.”

Apesar deste compromisso solene, alguns países, como os EUA deixaram o Acordo e outros, como o Brasil, pouco fazem para de fato, cumprirem integralmente os compromissos assumidos naquele Fórum Ambiental Internacional.

Em 2018, o IPEA publicou um documento bem extenso (546 página) intitulado “AGENDA 2030 ODS – Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”,  detalhando cada objetivo, suas metas e indicadores e quais são os compromissos firmados pelo Brasil para que em 2030, passamos dar a nossa contribuição para um mundo melhor, com melhor qualidade de vida, economicamente menos injusto, socialmente mais solidário,  ambientalmente mais sustentável e democraticamente mais transparente e participativo. Estamos muito longe de atingirmos aqueles objetivos e metas, apesar dos discursos falaciosos de nossas autoridades.

O que seria razoável é que tanto o Governo Federal quanto os governos estaduais e municipais incluíssem, de forma explícita, tais objetivos, metas e indicadores em seus respectivos planos, politicas, estratégias e ações de governo, visando, de fato, um desenvolvimento sustentável, integrado, articulado, enfim, uma agenda cujo horizonte deve ser o ano de 2030, de acordo com a ONU e todos os países, inclusive o Brasil, que se comprometeram com a AGENDA 2030.

No entanto, todas essas instâncias governamentais não conseguem sequer planejar os períodos de seus mandatos/gestões e nunca, ou praticamente quase nunca, uma administração/gestão governamental consegue dar continuidade `as ações de seus antecessores, acarretando paralização de obras e serviços públicos, desperdício de recursos humanos, materiais, financeiros e tecnológicos escassos, o que significa um verdadeiro crime contra a administração pública, a população e o país.

Quando falamos em cidades e comunidades sustentáveis, não podemos perder de vista que a primazia das ações deve ser dos poderes/organismos públicos, afinal, a população está a cada dia mais sujeita, no caso do Brasil, a uma das maiores cargas tributárias do mundo e pouco ou quase nada recebe em retorno na forma de obras e serviços públicos essenciais e de qualidade, incluindo serviços ambientais.

Todavia, existe um grande espaço para a ação voluntária, em todas as áreas relacionados com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) onde participam cada vez mais as pessoas, as organização não governamentais (ONGs), os clubes de serviços e entidades sindicais representativas dos trabalhadores e do empresariado e, também, algumas Igrejas de diferentes credos e denominações.

Se houver conjugação de ações, tendo os ODS como referenciais, com certeza, poderemos contribuir sobremaneira para que as CIDADES VERDES E SUSTENTÁVEIS, sejam, de fato, uma nova face da sustentabilidade urbana. Sem isso, continuaremos vivendo em cidades que representam um verdadeiro caos, onde a violência, a exclusão social e econômica, a corrupção, a marginalização social e a degradação ambiental estão presentes no dia-a-dia de milhões de brasileiros.

Na tentativa de identificar as características de uma CIDADE SUSTENTÁVEL OU CIDADE VERDE, mencionadas em diversas estudos e pesquisas disponíveis ao grande público e também aos gestores públicos e empresários, podemos mencionar alguns desses requisitos, a saber: 1) promover a agricultura orgânica urbana e periurbana (agroecologia, hortas domésticas, escolares e comunitárias); 2) encorajar dietas alimentares saudáveis, através da educação alimentar, com preferência para consumir alimentos orgânicos produzidos localmente; 3) reduzir o consumo e o desperdício de água, de energia e de alimentos, contribuindo para a redução da geração de lixo; 4) promover o reuso, a RECICLAGEM e a economia circular; 5) estimular o VERDE, através de amplos programas de arborização dos espaços públicos e privados, estimular a criação de QUINTAIS e moradias VERDES; 6) recuperar e preservar nascentes e cursos d’água (córregos, rios etc.) arborizando essas áreas; 7) estimular o cultivo de plantas medicinais e árvores frutíferas e pomares  principalmente em áreas urbanas e periurbanas desocupadas (incluindo verdadeiros latifúndios urbanos); 8) reconectar a cidade (área urbana) com seu entorno (áreas rurais), estimular os cinturões verdes; 9) criar corredores ecológicos dentro das cidades e entre cidades de uma mesma região fortalecendo a biodiversidade; 10) criar, ampliar e manter ciclovias, estimulando a substituição do transporte motorizado individual e coletivo, uma das maiores fontes de poluição urbana; 11) estimular e incentivar o uso de fontes alternativas de energia limpa, como a energia solar e eólica abundantes no Brasil; 12) construir e manter calçadas verdes e ecológicas, que favorecem o escoamento das águas de chuva e o deslocamento seguro de pedestres, pessoas com deficiência e mulheres com crianças de colo; 13) universalizar o abastecimento de água potável e esgotamento sanitário para todos os moradores, contribuindo sobremaneira para a melhoria da saúde pública e a qualidade de vida urbana; 14) promover a universalização da coleta e tratamento adequado dos resíduos sólidos/lixo; 15) promover a reciclagem de forma ampla, reduzindo significativamente o volume de lixo que não tem destinação correta e contribui para aumentar os níveis de poluição urbana; 16) reduzir e controlar os níveis de poluição urbana (poluição do ar, das águas e do solo); 17) estimular a redução do consumo de energia e estimular a eficiência energética em todos os setores e atividades urbanas; 18) estimular práticas sustentáveis na indústria, no comércio, nos serviços públicos e privados, na agropecuária e silvicultura, que conduzam a uma economia verde, uma economia circular de baixo carbono; 19) estimular e promover sistemas de transportes urbanos sustentáveis, facilitando a mobilidade urbana, reduzindo os níveis de poluição urbana e as mudanças climáticas; 20) universalizar e garantir moradia digna para todos os moradores das cidades, reduzindo drasticamente as habitações sub-humanas (favelas, casas de cômodo, palafitas e congêneres).

Com certeza, todos esses aspectos devem estar presentes no que poderíamos denominar de uma NOVA URBANIZAÇAO e em uma AGENDA URBANA SUSTENTÁVEL, sem o que se falar em cidades verdes e sustentáveis pode soar como apenas um reforço de discursos demagógico por parte das autoridades e gestores públicos.

Estamos em pleno período eleitoral, quando pouco mais de 147,9 milhões de eleitores, mesmo em meio `a pandemia do coronavírus, deverão escolher os futuros prefeitos e vereadores nos 5.570 municípios existentes no Brasil. A partir de 01 de Janeiro de 2021 esses eleitos estarão iniciando mais uma gestão municipal, momento, mais do que oportuno, para que a população pressione tais gestores a colocarem o meio ambiente no centro das ações municipais.

Oxalá todos os municípios possam construir uma AGENDA URBANA SUSTENTÁVEL, para que até o ano de 2030 possamos ter milhares de CIDADES VERDES E SUSTENTÁVEIS em nosso país.

Este desafio é de cada pessoa e de todos os brasileiros, é uma verdadeira cruzada da cidadania em prol da SUSTENTABILIDADE URBANA, ninguém pode se omitir, nem durante as eleições e muito menos após a posse dos novos eleitos. A cidade pertence, não aos seus governantes, que são transitórios, mas sim a todas as pessoas que nela vivem, lutam, trabalham, reclamam de suas mazelas e sonham com dias melhores!

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, articulista e colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

 

 
 
 
Sexta, 25 Setembro 2020 16:05

 

Nessa sexta-feira, 25/09, às 19h (horário de Cuiabá) a Adufmat-Ssind realizará a Live “Canto Pela Chuva”, evento cultural online em apoio à Greve Pelo Clima, que tem o objetivo de denunciar os crimes ambientais e reforçar o isolamento social através das apresentações de canto e poesia de artistas mato-grossenses .
 
O evento será transmitido pelas páginas da Adufmat-Ssind no Facebook e Youtube. Acompanhe!
 
Link direto para a página da Adufmat-Ssind no Facebook: https://www.facebook.com/ADUFMAT-SSIND-211669182221828 
Segunda, 21 Setembro 2020 15:19

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*
 

“Seu eu soubesse que o mundo iria acabar amanhã, hoje eu plantaria uma arvore”, Martinho Lutero, líder a Reforma Protestante, que viveu entre 1483 e 1546, poucos anos depois do descobrimento do Brasil, demonstra que a preocupação com as árvores, com a arborização, com o reflorestamento e com o meio ambiente vem de longe, há mais de cinco séculos e meio.

O DIA DA ÁRVORE surgiu com a indignação de Julius Sterling Morton, ao perceber que seu Estado, Nebraska, nos EUA estava sendo devastado e resolveu por sua conta e risco iniciar um grande plantio de árvores, estabelecendo o “ARBOR DAY”, que passou a ser comemorado todos os anos, logo no inicio da primavera naquele país e em outros do hemisfério norte.

No Brasil, o DIA DA ÁRVORE foi estabelecido pelo Decreto-Lei 55.795, assinado pelo Presidente Castelo Branco, no inicio do período militar, em 24 de fevereiro de 1965, estabelecendo que o mesmo seria comemorando anualmente no dia 21 de setembro, um dia antes do inicio da primavera, tendo como objetivos conscientizar a população, os governantes e empresários e outras lideranças quanto `a importância das árvores e, quem sabe, das FLORESTAS, em relação ao meio ambiente, desde então, considerado, pelo menos no papel, como costuma-se dizer, um bem coletivo de todos, tanto das atuais quanto das futuras gerações.

Existe um provérbio de autoria desconhecida, que se diz de origem indígena, povos que sabem, mais do que ninguém, da importância das árvores, das florestas, dos rios, enfim, da biodiversidade, que em sua simplicidade demonstra uma grande sabedoria.

Este proverbio diz assim: “Somente quando  for cortada/ destruída/queimada a última árvore, pescado o último peixe e poluído o último rio/córrego e o mar de águas limpas, as pessoas vão se dar conta de que não comermos dinheiro”, e , eu ousaria dizer que não comemos dinheiro, nem ações negociadas nas bolsas de valores e que os crimes ambientais, que também são crimes hediondos, que ficam impunes devido `a omissão, conivência de autoridades que deveriam zelar para que as árvores e florestas não sejam destruídas, como tem acontecido ano após, cada em vez em escala maior.

Neste DIA DA ÁRVORE em 2020, em Cuiabá, em Mato Grosso, no Centro-Oeste, na Amazônia e em parte dos demais biomas pouco ou nada temos a comemorar. Todos os anos, tanto no Brasil quanto em diversas outros países, ao se aproximar a primavera, considerada a estação da esperança, quando tudo na natureza troca de cores com predominância do verde e de diversas flores, ultimamente o Pantanal, o Cerrado, a Amazônia e mesmo a Mata Atlântica ardem em chamas.

O Brasil está literalmente, a cada ano, pegando fogo, mesmo que o Presidente Bolsonaro diga que nosso país é o que melhor preserva o meio ambiente no mundo e que queimadas devem ser consideradas normais, como disse em sua visita de hoje (18/09/2020) a Sinop e Sorriso, em Mato Grosso “existem algumas queimadas”, não são algumas, mas dezenas de milhares por este Brasil afora, a maioria totalmente fora de controle. A imagem do Brasil, em decorrência da degradação ambiental, do desmatamento, queimadas e o desrespeito aos direitos humanos, principalmente na Amazônia, a cada dia esta ficando pior e poderá trazer sérios prejuízos ao nosso comércio internacional, afetando de maneira mais direta o agronegócio.

No DIA DA ÁRVORE neste ano, diversas ações deverão ser realizadas, bem menos do que em anos anteriores, devido `as restrições impostas pelo CORONAVIRUS. São ações principalmente de grupos voluntários, ONGs e outras entidades representativas da sociedade civil organizada.

Aqui mesmo em Cuiabá, fruto de certo inconformismo e indignação de algumas pessoas que não se conformam com a falta de árvores e de arborização, com as temperaturas acima de 40 graus centigrados, humidade do ar pior do que em desertos e nuvens de fumaça que ameaça a saúde das pessoas, repito, aqui em Cuiabá, na que foi outrora considerada a CIDADE VERDE, um grupo de voluntários, coordenado pela jovem advogada Silvia Mara Arruda, está articulando o PROJETO CUIABÁ MAIS VERDE, e como ação simbólica, 50 voluntários deste grupo, no DIA DA ÁRVORE, estarão plantando 50 mudas de árvores, no inicio da Avenida Helder Cândia, também conhecida como Estrada da Guia, onde deverá ser implantado o projeto piloto, em uma extensão de pouco mais de 3,2 km no perímetro urbano, contando com a colaboração da Prefeitura de Cuiabá e diversas outras entidades. Este será um trabalho hercúleo como do beija-flor tentando combater as queimadas nas florestas, mas tem seu valor.

Quando falamos em árvores não podemos deixar de mencionar o papel e a importância das mesmas e, por extensão, das florestas em geral e das florestas urbanas, das áreas verdes, das áreas de proteção ambiental como base e fundamento da sustentabilidade.

Segundo estudo recente da Sociedade zoológica de Londres, desde 1970 até 2019, nada menos do que 60% da fauna terrestre já foi destruída e a cada ano, com as queimadas que aumentam em todos os países tropicais, incluindo o Brasil como destaque esta destruição, como esta atualmente acontecendo com as queimadas no Pantanal, as piores em mais de 50 anos de registros, quando até o momento mais de 3,0 milhões de ha já foram devastados pelo fogo, isto significa a morte de dezenas de milhares de animais e de quase um bilhão de árvores.

Somente no mês de Agosto dos anos de 2010 até 2019, o desmatamento, legal e ilegal, e as queimadas destruíram 16,8 milhões de ha na Amazônia, podendo chegar a 18,5 milhões quando incluirmos o mês de Agosto de 2020. Calcula-se, segundo estudos de diversas organismos de pesquisa, que em um ha de Floresta amazônica existam entre 400 a 600 árvores, ou seja, a soma desta destruição pode chegar a 9,0 bilhões de árvores. Outra observação, em apenas uma semana as queimadas destruíram mais de 500 mil ha no Pantanal e aproximadamente 100 milhões de árvores.

Estima-se que a cada ano são destruídos mais de 20,5 milhões de ha no Brasil, fruto do desmatamento e das queimadas. A vegetação, ou seja, a biodiversidade da flora consegue se regenerar em parte alguns anos após esses desastres, mas se em um período inferior a cinco ou dez anos a mesma área for novamente destruída pelas queimadas, uma  ou mais vezes, com alta probabilidade que essas áreas não consigam se regenerar e o que antes era Floresta, cerrado ou pantanal acaba se transformando em savana ou áreas degradadas.

Pior do que as perdas para a flora são as perdas dos animais que jamais irão renascer das cinzas e ano após ano dezenas de milhares de animais, de diversas espécies, como está acontecendo há mais de 3 meses no PANTANAL, simplesmente desaparecerão, várias espécies, algumas ameaçadas de extinção, com certeza serão extintas por completo, ante o olhar passivo e omisso de quem deveriam bem cuidar do meio ambiente.

Quando surgem esses “desastres”/crimes ambientais é comum essas áreas receberem visitar em voos aéreos por parte de inúmeras autoridades, apenas, como se diz “chorar sobre o leite derramado”, já que se omitiram quando das ações de prevenção, conforme pode-se perceber analisando os cronogramas de desembolsos, por exemplo, do Ministério do Meio Ambiente, em seus varios programas, incluindo de prevenção, combate e controle de incêndios florestais.

Além dos impactos na biodiversidade, o desmatamento e as queimadas interferem tanto no regime de chuvas, com secas mais prolongadas ou volume cada vez menor de chuva, e com isto  córregos e rios que formam bacias, como a do Rio Paraguai, fruto do desmatamento e ocupação ilegal de suas cabeceiras, simplesmente também morrem, afetando todas as atividades humanas ao longo de seu curso e também afetando o equilíbrio dos biomas.

Estamos vivendo em um momento em que as mudanças climáticas representam uma ameaça real à sobrevivência humana no planeta, os níveis de emissão de gases de efeito estufa, apesar do Acordo de Paris e do compromisso firmado por 195 países, inclusive o Brasil, tem aumentado consideravelmente nos últimos cinco anos.

Segundo estudos da ONU e de diversos cientistas a média mundial de emissão de gases de efeito estufa per capita ano é de 5 toneladas, sendo que a esta média nos países industrializados, desenvolvidos, é entre 20 a 24 toneladas per capita ano. Em 2018 foram emitidos 6.677 milhões de toneladas métricas de CO2 (dióxido de carbono) equivalente e esses gases permanecem “presos” na atmosfera por muito tempo, alguns mais de 500 anos.

De acordo com a organização World Resources Institute, em estudo recente, as emissões de gases que provocam o efeito estufa, o aquecimento global e as mudanças climáticas aumentaram em 40% entre 1960 e 2016.

O Brasil é o sétimo país que mais provoca emissão de gases de efeito estufa e a participação das florestas, o uso da terra e as mudanças do uso da terra contribuíram com 59% dessas emissões e as atividades da agropecuária com 21%, da geração e uso de energia com 14,8% e os demais setores com 5,8%.

Só existem duas maneiras deste problema ser resolvido, a primeira é reduzindo drasticamente essas emissões, promovendo alterações profundas no modelo de desenvolvimento, principalmente na matriz energética, como consta do ACORDO DE PARIS e a outra é através de sequestro desses gases, onde o papel das árvores e das florestas é fundamental, além dos oceanos e do solo.

A ONU, em recente discussão sobre mudanças climáticas, enfatizou este aspecto ao afirmar que “plantar árvores é a coisa mais importante que nós  podemos fazer, para contribuirmos para a saúde do planeta, combater as mudanças climáticas e o aquecimento global e, também, proporcionar melhores condições de vida, de saúde e de bem estar para a população atual e as  futuras gerações”.

A NASA também tem enfatizado a importância de se plantar árvores, reflorestar, arborizar todos os espaços possíveis é a forma mais racional, mais efetiva e mais barata para o sequestro de carbono da atmosfera terrestre, este é o único caminho para salvar o planeta terra.

Uma árvore adulta, em sua vida, consegue remover/sugar, dependendo de seu tamanho, entre 100 a 150 kg de CO2 (dióxido de carbono) equivalente. Se em um ano no Brasil são destruídos mais de 20 milhões de ha, ou, quase dez bilhões de árvores, podemos imaginar quanto de gases de efeito estufa que essas árvores poderiam ter sequestrado/sugado da atmosfera.

Neste DIA DA ÁRVORE, em 2020, é importante que cada pessoa esteja mais consciente quanto a importância de melhor cuidarmos de “nossa casa comum”, como sempre diz e enfatiza o Papa Francisco. Precisamos plantar milhares, milhões, bilhões de árvores, cuidarmos de nossas florestas e não permitirmos que a ganância humana, a busca desenfreada pelo lucro imediato, o desrespeito à natureza continuem destruído um patrimônio que é de todos e não de apenas alguns da geração atual.

Um último aspecto a ser considerado é quanto ao papel do Estado, vale dizer, dos organismos públicos federais, estaduais e municipais. É fundamental que todos os níveis de governo assumam mais suas responsabilidades relativas ao meio ambiente, principalmente, em atividades de prevenção e não apenas “agirem” após os desastres estarem instalados, em caráter emergencial, como atualmente está acontecendo no Pantanal em que cuja área atingida é de quase um terço de todo o bioma.

Estamos às vésperas das eleições municipais e em janeiro próximo (2021) terão inicio novas gestões/administrações municipais, é fundamental que a população exija que os futuros prefeitos, nos municípios que ainda não tem Planos Municipais de Arborização Urbana (os famosos PDAUs), que coloquem a elaboração e implementação de tais planos em suas agendas e planos de governo.

Lutar por planos de arborização urbana também é cidadania, é lutar por cidades verdes, sustentáveis e mais humanas, com melhor qualidade de vida para toda a população.

A ação voluntária por parte dos cidadãos, contribuintes, empresários e ONGs é importante e fundamental neste processo, mas a quem cabe ter a primazia para conduzir o processo são as prefeituras e as Câmaras Municipais, afinal pagamos impostos e precisamos de retorno na forma de obras e serviços públicos de qualidade, incluindo a área ambiental, tão esquecida e negligenciado por parte de nossos governantes.

Além de plantarmos algumas mudas de árvores, é também o dia de despertarmos a consciência do desastre ambiental que estamos vivenciando e  ter a a certeza de que se nada for feito de fato, agora, o futuro será muito pior.

O DIA DA ÁRVORE só tem sentido se estiver inserido no contexto ambiental, da ECOLOGIA INTEGRAL, incluindo nas apenas as atividades econômicas, mas também as florestas, o desmatamento, as queimadas e a degradação ambiental em sentido mais amplo.



*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Segunda, 21 Setembro 2020 15:07

 
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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
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Por Elton Corbanezi*

 

É notório o mar de crises em que nos chafurdamos nos últimos meses. Saúde, economia, política, cultura, educação e, agora, novamente, a emergência ambiental, desta vez em torno da devastação sem precedentes provocada pelo descontrole das queimadas. Tudo de uma só vez implicando diretamente nossas vidas.

Na sórdida reunião ministerial do governo Bolsonaro em 22 de abril de 2020, enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, tratava os servidores públicos como inimigos em cujos bolsos já teriam sido introduzidas granadas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, enunciou seu propósito, considerando-o, no mínimo, um índice de esperteza: com a atenção pública toda voltada para a pandemia de Covid-19, seria preciso “aproveitar a oportunidade” e ir “passando a boiada”, disse o ministro. Bastante conhecidos, os dois fatos mencionados e a linguagem vil e bélica denotam a perfídia e a destruição que motivam o atual governo. Em um caso, servidores públicos são tratados não como aliados, mas como inimigos – um alvo, entre tantos outros fantasmas que assombram os palacianos da vez. No segundo, a “boiada” a que se referia Salles não dizia respeito, em um primeiro momento, à circulação do rebanho bovino propriamente dito. Sua manifestação, ao contrário, evidencia a máquina de morte a que está envolto: enquanto corpos se empilham aos milhares em razão de uma infecção viral menosprezada irresponsavelmente pelo chefe de governo, o subordinado responsável pela pasta ambiental insinuava o desejo de desregulamentar e de simplificar controles regulatórios em torno da proteção ambiental. Pretendia-se fazer publicar desapercebidamente atos administrativos enquanto o público, a imprensa e órgãos de justiça e de controle concentravam sua atenção na urgência sanitária e em suas vítimas. O descaso com a proteção ambiental em favor de um determinado modo de produção agropecuário, do garimpo e da extração ilegal de madeiras anunciava a repetição e a intensificação da catástrofe que presenciamos.

Vimos acumulando crises. Não obstante a gravidade da questão sanitária e econômica, continua em curso uma crise política cujo resultado patente é o fracasso absoluto na gestão da pandemia. Em termos biopolíticos, o insucesso na administração da vida da população. Em plena emergência sanitária, um general da ativa manteve-se por quatro meses como ministro interino da Saúde, sendo agora efetivado como titular da pasta com uma equipe constituída essencialmente de militares, como se a metáfora da guerra contra o vírus fosse levada ao pé da letra e a gestão, o cuidado e a prescrição médica da saúde prescindissem da própria medicina. Mas não bastassem a subversão da lógica e as crises acumuladas, e o que elas significam para as populações que vivem no território nacional, a estratégia de governo a que se referia Salles é a base a partir da qual se pode compreender a intensificação e o descontrole da atual crise ambiental. É verdade que ela já não é nova em relação ao modelo predatório de desenvolvimento econômico adotado mundialmente, mas, nos dias correntes, a crise ambiental adquire, no Brasil, a coloração vermelha que remete à urgência de socorrer a vida, pois coloca em risco, a partir dos incêndios e do desmatamento, três biomas do país, a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado. Junto à produção da crise, especialidade do governo, evidencia-se, uma vez mais, a máquina mortífera a que estão submetidas também a fauna e a flora. O Brasil todo vê estarrecido o noticiário sobre as queimadas incinerando animais os mais diversos e em extinção, abrasando a vegetação e sufocando as pessoas. Um caminho que pode não mais ter volta, pois mesmo a vegetação, alertam os especialistas, quando submetida à reincidência das queimadas, tende a não se restituir, “savanizando-se”.

Enquanto vivenciamos o drama, fazendo valer o adágio da passagem da boiada em plena pandemia, órgãos de proteção e de controle ambientais, como ICMBio e Ibama, são, assim como nós, sistematicamente sufocados. Continua-se a estratégia de “dar de baciada a simplificação regulatória em todos os aspectos”, como disse Salles naquela ocasião. Depois de desorganizar tais instituições destituindo chefias dotadas de competência técnica e tornando cargos se não ociosos ocupados com militares, o governo apresenta, com o país em chamas, uma significativa redução orçamentária para 2021, comprometendo ainda mais o funcionamento das entidades federais e acirrando a crise ambiental. No interior desta, desdobram-se outras sempre novas crises: sanitária, cultural, econômica, política... Povos indígenas já em condições precárias são forçados a se deslocar para outras regiões, expondo-se, assim, ao risco ainda mais elevado de contaminação pelo novo coronavírus; problemas respiratórios agudizam-se mesmo em regiões urbanas; populações ribeirinhas e o próprio turismo têm suas atividades comprometidas; estende-se a disputa política em torno de causas e de dados, os quais são incansavelmente negados. A lista de crises no interior da crise ambiental multiplica-se, como se não estivéssemos já imersos em uma crise de escala planetária. A não abertura de concursos públicos exacerba o drama. A própria imprensa argumenta que é preciso “aproveitar a oportunidade” da apresentação da reforma administrativa ao Congresso, como se fosse o momento de “fazer passar a boiada”, isto é, de desregulamentar e desmontar ao máximo os princípios que regem o funcionalismo público, o mesmo que serviria, conforme a argumentação da própria grande mídia, para combater o descalabro ambiental. De todo modo, já não temos a ilusão de que a ciência e a informação apurada sejam elementos a serem considerados pelo governo: a guerra cultural que move o populismo também por aqui, no sul da América, não dá sinais de arrefecimento. Com a situação de emergência decretada no estado de Mato Grosso, em razão, agora, dos incêndios florestais, enquanto se quer fazer a “boiada passar”, a sociedade civil se organiza com inúmeras campanhas para salvar os biomas – a fauna, a vegetação e os povos que neles habitam.

Há dias o típico céu azul e claro não se abre aos que moramos em regiões em torno das queimadas. O ofuscamento do horizonte em meio à nuvem densa e contínua de fumaça dá a dimensão do sofrimento dos que estão entranhados onde grassam os focos de incêndio. A privação de ar ameaça nossas existências. Sabe-se que a fatalidade por Covid-19 provém sobretudo do comprometimento pulmonar e da insuficiência respiratória. A asfixia brutal que levou George Floyd à morte despertou uma multidão para as lutas contra o racismo. Ressalvadas as proporções, com o avanço descontrolado e destrutivo das queimadas, é também do ar que vamos sendo privados, não bastassem tantas outras privações a que as populações brasileiras estão diariamente submetidas. Para além do sentido metafórico, a expressão do ministro do Meio Ambiente sobre a “passagem da boiada” tem também significado literal, concreto: é com o propósito de aumentar a pastagem que fazendeiros do Mato Grosso do Sul são investigados pela Polícia Federal por terem supostamente iniciado focos criminosos de incêndios.

De casa, na capital mato-grossense, sempre avistamos o morro de Santo Antônio de Leverger, a partir do qual vislumbra-se o Pantanal. Há dias o morro desapareceu novamente do horizonte cotidiano. A imagem do desaparecimento no mapa visual lembra Bacurau. Na distopia, a insurgência era inevitável. Como reagiremos a mais uma violência real? Do interior do Brasil, vemos o fogo se alastrando à semelhança das crises, em velocidade acelerada e sem resolução. Em nosso país, a biopolítica transformou-se mesmo em necropolítica.

 

*Elton Corbanezi, professor de sociologia da Universidade Federal de Mato Grosso

**Texto publicado em 19 de setembro de 2020 no site www.aterraeredonda.com.br

 

Quarta, 09 Setembro 2020 11:37

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*

O Papa Francisco, em sua Encíclica “Laudato Si”, a chamada Encíclica Verde, dada a público no dia 24 de Maio de 2015, um pouco antes de a ONU apresentar sua Agenda 2030, que são os OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, uma espécie de bússola com vistas a novos patamares que deveriam balizar as ações globais rumo a países e sociedades econômica e socialmente mais justas e ambientalmente mais sustentáveis, aprovado e referendada por mais de 190 países e territórios, repito, o Santo Padre tem insistido na ideia da Ecologia Integral e também de que “estamos todos interligados”, pois vivemos em “uma casa comum”, que é o planeta terra.


Tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, por menores ou maiores que sejam essas ações e omissões, causam repercussão no planeta como um todo, razão pela qual precisamos cuidar bem desta Casa Comum ou desta Aldeia Global. Neste mesmo diapasão o Papa Francisco, da mesma forma que a ONU através de resoluções de suas Assembleias Gerais e também pela ação direta de suas diversas Agências especializadas tem chamado a atenção de governantes, líderes mundiais e também das diversas instituições públicas ou privadas, principalmente do empresariado sobre a importância e a responsabilidade de estabelecermos limites ao que e como produzimos, o que consumimos, a necessidade de reduzir o consumismo e o desperdício, o imediatismo e a destruição dos recursos naturais como a água, as florestas , o solo e subsolo, o aumento da poluição da terra, do ar e das águas, enfim, reduzirmos drasticamente a degradação ambiental generalizada como estamos assistindo em todos os países, inclusive no Brasil.


Caso isto não aconteça, caminhamos aceleradamente para o caos, para a degradação ambiental total, para as mudanças climáticas, para o aquecimento do planeta, incluindo o aquecimento dos mares e oceanos, tornando a vida no planeta insuportável com mudanças bruscas no clima, aumento de furacões, maremotos, tsunamis, o derretimento das calotas polares, das geleiras em diversas cadeias de montanhas e a desertificação em diversas países.


Estamos vivendo um verdadeiro inferno com as queimadas no Pantanal, na Amazônia e no Cerrado e nos demais biomas brasileiros. Além de ondas insuportáveis de calor, da baixa humidade do ar que em alguns dias em Cuiabá e outras regiões de Mato Grosso e de outros estados do Centro-Oeste, chegam a menos de 12%, situação pior do que em alguns desertos como há poucos dias imagens de satélites demonstraram que a fumaça do Pantanal havia chegada a algumas cidades do Estado do Paraná, distantes mais de 800 km.


O mesmo acontece com as queimadas na Amazônia e no Cerrado, que surgem na esteira de imensas áreas desmatadas, legal e principalmente ilegalmente, que acabam afetando a qualidade do ar em cidades também distante mais de 500, 600 ou 800 km.


O que essas situações transmitem em termos de mensagens é algo mais do que claro, ou cuidamos do meio ambiente ou esta destruição, esta degradação criminosa nos trará sérios prejuízos econômicos, sociais e humanos, tanto em termos de destruição da rica biodiversidade desses biomas, quanto danos para a saúde humana e enormes prejuízos econômicos e financeiros, a começar pela degradação dos solos e poluição das águas, além da alteração do regime de chuvas tão importante para o equilíbrio e sustentabilidade tanto da Amazônia quanto do Cerrado e do Pantanal e de outras regiões.


Esses fatos representam apenas uma parcela da gravidade dos problemas ambientais em escala global, que, para efeito de análise e de ação comportam segmentação, como pretendida nesta reflexão, ou seja, precisamos nos debruçar sobre os diversas aspectos da realidade ambiental e a partir desses aspectos elaborarmos as politicas, os planos, programas, as estratégias e ações, para, pelo menos mitigar os efeitos, as consequências desta degradação.

Há aproximadamente sete décadas, o processo de urbanização tem se acelerado ou seja, a cada década e a cada ano o perfil demográfico mundial, com destaque para alguns países, tem se alterado radicalmente. De sociedades agrárias, onde a maioria da população vivia e em alguns países ainda vive no meio rural, o mundo está se transformando em sociedades urbanas, aumentando o nível de renda e de consumo em escala nunca vista antes.


Se antes, até os anos cinquenta ou inicio da década de sessenta apenas a Europa, Estados Unidos, Rússia e Japão tinham um perfil populacional mais urbano, a partir daquelas décadas (meados do século passado) diversas outros países, principalmente os mais populosos do Planeta, a maioria do chamada terceiro mundo, subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como China, Índia, Indonésia e Brasil, que estão entre os seis países com as maiores populações do planeta estão se tornando países com maioria urbana.


Só para se ter uma ideia, em 1955, a população total do mundo era de 2,5 bilhões de pessoas e apenas 732 milhões, ou seja, apenas 29,3%  residiam no meio urbano; já em 2020, a população total do planeta é de 7,8 bilhões de pessoas e os residentes no meio urbano chegam a 4,1 bilhões de pessoas ou 52,6% do total mundial. Esses dados demonstram que o crescimento total da população mundial entre 1955 e 2020 foi de 212%, enquanto o crescimento da população urbana foi de 460%.


O continente mais urbanizado do mundo é a Europa; em 1960 no meio urbano europeu estavam concentrados 59% de sua população, atingindo 75,9% em 2020. Todavia, é interessante notar que praticamente a maioria dos dez países mais populosos do mundo , com exceção de Bangladesh, Paquistão e Nigéria, todos os demais apresentam índices superior a 50%, conforme podemos notar.


Esses dez países tem uma população total de 4,5 bilhões de habitantes, ou 5,25 bilhões quando se inclui a Europa, dos quais 3,05 bilhões vivem no meio urbano. As maiores populações urbanas estão na China com 804 milhões de habitantes; Índia 660 milhões; Europa com 557 milhões; Estados Unidos 267 milhões; Brasil 181 milhões (quinta maior população urbana do mundo);Indonésia 144 milhões; Rússia 107 milhões; México 103 milhões, Nigéria 95 milhões;  Paquistão 72 milhões e Bangladesh 59 milhões.


Nesses países e em outros como Japão, Coréia do Sul e alguns do Oriente Médio e Norte da África existem mais de 200 cidades, verdadeiras megalópoles, incluindo áreas metropolitanas com mais de 20 milhões de habitantes, cuja realidade social, econômica, politica e cultural representam os grandes problemas e desafios da contemporaneidade, com destaque para pobreza, miséria, violência, desemprego, subemprego, habitações sub-humanas, poluição, caos no trânsito e precariedade no que concerne a mobilidade urbana, falta de saneamento básico, falta de arborização urbana e baixa qualidade de vida e diversas outros desafios que requerem uma agenda especial para a superação dos mesmos e atingir uma melhor qualidade de vida para todos. Afinal, não tem sentido que nas cidades existam algumas ilhas de progresso, bem estar e qualidade de vida e a imensa maioria da população viva excluída e marginalizada, isto é injusto e desumano.


O caso brasileiro é típico de um processo de desenvolvimento/crescimento urbano desordenado, caótico, que muito bem representa a questão urbana de países do terceiro mundo. Nossas cidades simplesmente “incharam” e na paisagem urbana podemos destacar áreas de ocupações precárias, oriundas de invasões/ocupações, loteamentos clandestinos, sem nenhuma infra estrutura, incluindo a ocupação de áreas impróprias para a habitação humana, como favelas, encostas de morros, alagados, beira de córregos, palafitas e também cortiços, casas de cômodo em que se transformaram boa parte das áreas centrais das grandes cidades.


O Brasil em 1955 tinha uma população total de 62,5 milhões de habitantes, dos quais 25,7 milhões (41,1%) residiam no meio urbano e em 2020 a população total de nosso país passou para 212,5 milhões de habitantes, um crescimento de 240%, enquanto a população urbana atingiu 186,2 milhões de habitantes ou 87,6% da população total vivendo nas cidades, o crescimento urbano foi de 624,5%.


Em 1964, o Brasil passou a ter a maioria da população (50,06%) um total de 40,58 milhões de habitantes vivendo no meio urbano, enquanto a população mundial atingiu este limite apenas em maio de 2007, ou seja, o Brasil se tornou um país urbano pelo menos 43 anos antes que a média mundial, mas bem depois da maioria dos países europeus, Estados Unidos, Japão e Rússia.


Esta forma acelerada do crescimento demográfico urbano se deve principalmente por uma grande massa de migração interna de origem rural e destino urbano, além de outra grande corrente migratória tendo como origem os estados nordestinos e destino o centro sul do pais, cujos polos urbanos que mais se destacaram neste processo foi São Paulo e Rio de Janeiro.


A expansão das fronteiras agrícolas rumo ao Centro-Oeste e Amazônia, incluindo a construção de Brasília e a mudança da capital federal, com as rodovias federais em direção ao Centro-Oeste e Norte do País, contribuíram sobremaneira para este deslocamento populacional.


No entanto, diferente do que ocorreu com a expansão das fronteiras agrícolas ocorrida nas décadas de 1940; 1950 e inicio dos anos de 1960, quando a população primeiro se fixava na área rural e só algumas décadas depois migravam para as cidades, a expansão das fronteiras agrícolas das décadas de 1970 até o ano 2000, baseou-se muito mais em médias e grandes propriedades rurais e a população urbana cresceu mais rapidamente do que nas décadas anteriores.


Para se ter uma ideia deste rápido processo de urbanização, podemos destacar o Estado de Mato Grosso que é uma das mais recentes fronteiras agrícolas situado parte na Amazônia Legal, parte no Pantanal e parte no Cerrado, o maior produtor de grãos do pais.


Apesar desta característica de estado símbolo do agronegócio, já em 2011 nada menos do que 84,4%  da população do Estado era urbana e, tudo leva a crer, pelos índices de crescimento médio de urbanização da região Centro-Oeste e do Brasil nos últimos anos, que em 2020 em torno de 88% da população de Mato Grosso seja urbana e até 2030 mais de 90% da população seja urbana, com tendência de uma maior concentração na Área Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá, com destaque para o Aglomerado Urbano Cuiabá/Várzea Grande e também nas 10 principais cidades polos do Estado, o que indica que a questão urbana deva merecer uma maior atenção por parte de nossos governantes e , nesta, a necessidade de uma Agenda Ambiental Urbana, como eixo estratégico do desenvolvimento urbano e da sustentabilidade.


O mesmo acontece na grande maioria dos Estados, com algumas exceções de estados situados nas regiões Norte e Nordeste, isto significa que é nas cidades em que se gerou mais de 82% do PIB mundial em 2014 e a previsão é que em 2030 seja de 88%, mais de 90% dos bens e serviços sejam produzidos e consumidos pela população e, também, onde são gerados mais de 92% das receitas públicas, incluindo União, Estados e municípios. Da mesma forma as cidades produzem 74% de todos os gases de efeitos estufa que estão provocando a destruição da camada de ozônio e que estão produzindo as mudanças climáticas. Esta mesma tendência pode ser observada também no Brasil.


Diante disso, surgem algumas consequências deste processo que jamais foi seguido na mesma velocidade pelos diferentes níveis de governo, agravando os problemas e desafios que afetam diretamente a população.


As cidades brasileiras e, praticamente de todos os países, alguns em maior  e outros em menor grau, refletem também a dinâmica de concentração de renda, riquezas e oportunidades em poucas mãos, contribuindo para o surgimento de duas ou mais cidades dentro de um mesmo espaço urbano, uma, onde a qualidade de vida é alta ou média alta e outras, onde residem a maior parte da população que são as periferias urbanas, totalmente sem infraestrutura, com ocupações irregulares, como falta de esgotamento sanitário, problemas no abastecimento de água, de coleta de lixo, habitações sub-humanas, elevados índices de violência, degradação ambiental chocante, ausência de arborização, de áreas verdes, ruas não pavimentadas, sem iluminação pública ou mal iluminadas, enfim, onde estão concentradas as camadas pobres e miseráveis, praticamente invisíveis aos olhos dos governantes, a não ser em épocas de eleições quando candidatos adentram essas áreas fazendo promessas jamais cumpridas em busca de votos, para legitimar seus esquemas de poder e as benesses que daí advém.


Por isso, é fundamental, que exista uma AGENDA AMBIENTAL URBANA, não apenas no sentido restrito do termo, mas sim no que está expresso na Encíclica LAUDATO SI, do Papa Francisco, quando tanto enfatiza a ECOLOGIA INTETRAL ou quando exorta fiéis, governantes e autoridades para a importância dos três “Ts”: Terra, trabalho e Teto.


A ideia central é terra para trabalhar, inclusive no desenvolvimento da agricultura urbana e periurbana, a agroecologia, da economia familiar, que pode, perfeitamente, serem desenvolvidas nas áreas urbanas e no que popularmente denominamos de cinturão verde, reduzir ao máximo as áreas urbanas sem utilização,  verdadeiros latifúndios urbanos que servem apenas aos especuladores imobiliários e que `as vezes são ocupadas/invadidas por quem não tem um lugar para morar.


Um instrumento criado pelo Estatuto das Cidades, que é o IPTU progressivo, como forma de democratizar o acesso ao solo urbano e combater a especulação imobiliária, e fazer com que a propriedades privada do solo urbano cumpra sua destinação social, como consta da Constituição Federal, na grande maioria, para não dizer na totalidade das cidades simplesmente tem se tornado “letra morta’.


Teto, não significa apenas um casebre, ou uma habitação sub-humana, ou uma casa desses programas habitacionais que em menos de 50m2, devem abrigar famílias inteiras, muitas com mais de 4;  5 ou mais pessoas, em terrenos minúsculos, ruas estreitas, sem espaço para arborização, mas sim, um espaço digno, em um ambiente saudável com todos os equipamentos correlatos, incluindo saneamento básico, água potável, áreas de lazer, pavimentação, iluminação e cobertura verde, tanto em espaços públicos como ruas, avenidas, praças; quanto em áreas verdes, áreas de proteção permanentes, com preservação de cabeceiras e nascentes.


A grande maioria das cidades costumam aterrar suas nascentes, transformando córregos e rios em verdadeiros esgotos a céu aberto, como acontece com o maior aglomerado urbano de Mato Grosso, a Capital Cuiabá e a cidade de Várzea Grande, onde praticamente todos os córregos estão mortos, servem apenas como esgotos, contribuindo para uma excessiva poluição do Rio Cuiabá, que em breve deverá ser o protótipo do Rios Pinheiro e Tiete em São Paulo, talvez o maior esgoto a céu aberto do Centro Oeste, afetando inclusive o Pantanal que, ultimamente, vem sendo castigado e degradado pelas queimadas.


A ONU ao longo dos últimos anos tem apresentado diversas relatórios técnicos, fruto de reuniões, fóruns de debates, seminários ou estudos de diversas de suas Agências especializadas e podemos perceber a ênfase que tem sido dada às questões ambientais e urbanas.


Até meados ou quase final do século passado, quando se discutia desenvolvimento, pouca atenção era data às questões de preservação ambiental, à ecologia, à sustentabilidade, aos limites do crescimento e com as futuras gerações que, em se mantendo os atuais níveis de degradação e de consumismo, deverão herdar um passivo ambiental impagável.


Atualmente, pelo menos nos aspectos teóricos e de discursos, principalmente das Autoridades públicas e de boa parte do empresariado, parece que esta preocupação com as questões ambientais, o que é denominada de AGENDA AMBIENTAL URBANA, tem estado presente, pelo menos, quando da implantação de grandes projetos que tenham impactos negativos no meio ambiente.


No entanto, a prática tem ficado bem distante dos discursos, basta observarmos os diversas desastres ecológicos que tem ocorrido em nosso país, principalmente envolvendo mineradoras, garimpos ilegais, grandes áreas inundadas para projetos hidrelétricos, uso abusivo de agrotóxicos que contaminam o solo, o sub solo e os cursos d’água.


Todavia, como os poderes públicos não dispõem de quadros técnicos e recursos suficientes para coibirem ações que levem `a degradação ambiental, percebemos que existe um enorme fosso entre o que podemos dizer “o espirito da lei”, dimensões teóricas quanto a importância do meio ambiente e da sustentabilidade, presentes nos discursos oficiais, que nem sempre o que deveria ser realizado é cumprido.


Uma Agenda ambiental urbana deve incluir definições e planos municipais, estaduais e nacionais relativos aos seguintes aspectos, pelo menos: SANEAMENTO BÁSICO incluindo universalização do abastecimento de água tratada; universalização do esgotamento sanitário, incluindo coleta e tratamento; águas pluviais, uso da água de chuva e reuso da água, contribuindo tanto para a melhoria da qualidade de vida e a saúde da população quanto a redução de diversas desastres que ocorrem com muita frequência, questões da geração e destino dos resíduos sólidos, áreas verdes e arborização urbana, dentre outros.

Segundo dados da ONU um terço da população mundial, ou seja, 2,6 bilhões de pessoas não tem acesso ao saneamento básico, principalmente nos países de baixa renda/pobres quanto, também, em países de renda média ou renda média alta, como no caso do Brasil, onde, segundo matéria do Jornal Folha de São Paulo de 22 de julho último, 49,2% da população ou 104,6 milhões de pessoas não contam com esgotamento sanitário e 9,6% ou mais de 20 milhões de pessoas não tem acesso `a água tratada, mais da metade deste total nas regiões Norte e Nordeste.


De acordo com os últimos dados do Instituto Trata Brasil, relativo ao ranking das 100 maiores cidades do país, onde estão incluídas a totalidade das capitais, mais de 18 das quais estão na metade inferior do ranking, diversas das quais onde mais de 50%  e em algumas mais de 90% da população não tem acesso ao esgotamento sanitário. Se as capitais estão nesta situação vergonhosa, imaginemos as demais cidades desses estados.
Em algumas cidades apesar deste índice serem aparentemente baixos, como no Rio de Janeiro (15%) o total de pessoas vivendo em áreas sem esgotamento sanitário é muito grande, mais de um milhão de pessoas.


Em algumas outras capitais esta situação é vexatória, criminosa, como em Manaus com 1.170 mil pessoas sem esgoto; Porto Velho com 96% da população sem acesso a esgotamento sanitário; Fortaleza mais de 1.325 milhões de pessoas vivendo em meio a esgoto a céu aberto.

A situação é muito pior do que imaginamos, em apenas 5 Estados e no DF mais de 50% da população é servida por saneamento básico, na Região Norte apenas 10,5% da população conta com este serviço e no Nordeste apenas 28% e, mesmo na Região Centro Oeste, quando o DF é retirado,  este total cai para menos de 45%.


A falta de saneamento básico é responsável pela morte de 775 mil pessoas no mundo por ano, isto significa, por exemplo, que entre 2010 e 2019, em torno de 7,75 milhões de pessoas perderam a vida devido às precárias condições em que viviam em áreas urbanas desprovidas de saneamento básico.

Diversos estudos tem demonstrado que a falta de saneamento básico e as habitações sub-humanas em que vivem milhões de pessoas no Brasil, tem contribuído para que a COVID 19 tenha feito e continue fazendo, proporcionalmente, muito mais vitimas entre a população excluída em nosso país.

Outro aspecto a ser considerado com mais agilidade e amplitude é a questão da geração e destino dos resíduos sólidos, incluindo o que popularmente é denominado de lixo doméstico, mas também o lixo industrial, o lixo hospitalar, os rejeitos de construção civil e o lixo tecnológico. O Brasil é o quinto país que mais produz lixo no planeta, sendo responsável por 3,5% do lixo produzido no mundo.


Um aspecto muito sério e também bastante negligenciado na maioria dos países, inclusive no Brasil, é a questão do lixo plástico cujo poder de degradação ambiental, principalmente nos cursos d’água, incluindo rios e oceanos, afeta particularmente a fauna e flora desses ecossistemas.

O mundo gera 2,1 bilhões de toneladas de resíduos sólidos, dos quais quase 70% não tem a destinação correta e nem são reciclados. Dos 5.550 municípios do Brasil pouco mais de 3 mil não davam destinação correta aos resíduos sólidos e nem tinham planos para este setor. Aproximadamente 17,7 milhões de pessoas no Brasil não contam sequer com a coleta regular de lixo, obrigando a que os moradores joguem os resíduos sólidos em córregos, encostas de morro, terrenos baldios ou verdadeiros lixões dentro das próprias comunidades.


Diversos países europeus já conseguem reciclar mais de 50% do lixo produzido, com destaque para a Alemanha (63,1%); Áustria (53,8%); Coréia do Sul (53,7%); Japão (52,9%); Inglaterra (52,2%). Esses países estão colocando em pauta o que é denominado de economia circular, não apenas reduzindo, reutilizando e reciclando, mas também aumentando a vida útil dos bens produzidos e substituindo o uso de plásticos por outros produtos que não causam tanta poluição e degradação ambiental.


A situação brasileira está muito distante dos padrões existentes nos países desenvolvimentos, pois em matéria de reciclagem, estamos bem longe dos índices médios daqueles país. Segundo matéria do Site Edição  do Brasil, de 31 de janeiro deste ano, baseando-se em dados da Abrelpe, é constatado que do lixo produzido no Brasil apenas 3% é reciclado e 97% não tem destinação correta.


De acordo com matéria da Agência Brasil de 08/11/2019 o Brasil gera anualmente 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, dos quais 6,3 milhões de ton não são sequer coletados, além de que mais de 70% do lixo coletado não ter a destinação correta.


A ênfase que vem sendo dada pelos países desenvolvidos não é apenas na questão da reciclagem, mas sim na economia circular, na economia verde, em que procura-se dar mais vida aos produtos, reduzindo o consumismo, o desperdício e, também, a redução da produção de lixo/resíduos sólidos.

Outro aspecto muito importante para o desenvolvimento urbano e a sustentabilidade é a questão da arborização urbana, área, como os demais aspectos antes mencionados nesta reflexão, extremamente negligenciada e desconsiderada tanto por parte das autoridades municipais, com  raríssimas exceções, e também por parte da população, do setor empresarial, principalmente pelas  empresas responsáveis por loteamentos e de construção de edifícios comerciais, residenciais e condomínios, inclusive habitação popular.


Paralelamente à falta de Planos Municipais de Arborização Urbana, os PDAUs, outra faceta também vergonhosa é a situação das calçadas na maior parte das cidades, tanto grandes, quanto médias e pequenas. Sobre este tópico voltarei a atenção oportunamente, por ocasião do DIA DA ÁRVORE, que será comemorado dentro de poucos dias, em 21 DE SETEMBRO.


Da mesma forma, apesar de a Lei/ Estatuto das Cidades tornar obrigatório que todos os municípios que em 2005 tinham mais de 20 mil habitantes e as Estâncias turísticas terem seus planos diretores, a maioria das cidades  brasileiras não tem tais planos ou quando os tem, os mesmos não passam de letra morta, o que observamos é uma completa falta de articulação politica e institucional entre os diferentes níveis de Governo, muito voluntarismo e a descontinuidade de ação entre sucessivos períodos governamentais.


Os maiores exemplos disto são obras faraônicas, elefantes brancos, muitas das quais inacabadas e outras que se destacam pelo seus aspectos bizarros como um “aeroporto” para discos voadores em uma cidade em Mato Grosso ou aeroportos concluídos sem que jamais tenha havido um pouso e decolagem, além de grandes  estádios, ou obras de infraestrutura, construídos com dispensa de licitação pela urgência que se deu `as obras da Copa de 2014 e que até hoje ainda estão sujeitos `a investigações por práticas de corrupção ou falta de planejamento, cujo exemplo maior, pode ser o VLT do Aglomerado Urbano Cuiabá Várzea Grande, onde mais de UM BILHÃO  de reais foram jogados na lata de lixo e até hoje ninguém foi realmente punido por tamanho absurdo, quando faltam recursos para saúde, educação, segurança pública e outros serviços públicos essenciais.


Por tudo isso, creio que cabe à população, pressionar mais os governantes, principalmente prefeitos e vereadores, já que dentro de poucos meses, em Janeiro de 2021 terá inicio uma nova Administração, para que dos famosos planos de governo, seja incluída uma AGENDA AMBIENTAL URBANA, para que nossas cidades possam de fato serem economicamente produtivas, socialmente justas e ambientalmente sustentáveis.


Só assim podemos sonhar com um país, um estado, uma cidade, uma comunidade onde predomine uma economia verde, base para cidades sustentáveis, cidades inteligentes, cidades saudáveis onde o bem-estar e melhores condições de vida para a população sejam, de fato, os parâmetros das ações governamentais e de avaliação das gestões públicas e do comprometimento da população, das entidades da sociedade civil organizado e do empresariado.


*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, articulista e colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy