Quinta, 30 Março 2017 09:53

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

Anteontem, como muitos brasileiros, mesmo sem paixões por futebol, assisti à oitava bela vitória consecutiva da Seleção Brasileira de Futebol (SBF).

Depois do fracasso na Copa/2014, que culminou com a goleada histórica imposta pela Alemanha à SBF, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) premiou um dos mais medíocres treinadores do futebol nacional. O arrogante e despreparado Dunga fora chamado para tirar a SBF do vexame imposto sob o comando do internacionalíssimo Felipão. Sua atuação foi tão desastrosa quanto a deste. Com Dunga, a Rússia seria apenas um sonho que teria passado na mente do país do futebol.

Para assumir o comando da SBF, foi convidado o treinador Tite, chamado por todos os atletas – e não sem motivos – de “Professor”. A mesma competência que já havia demonstrado em times pelos quais passara, Tite vem apresentando na seleção. Das oitos partidas, oito convincentes vitórias. Já conseguiu garantir a participação do futebol brasileiro na Rússia, em 2018, algo que era dado como missão impossível.

Mas mais do que transformar sonho em realidade, sem endeusar nenhuma figura, mas o fato é que, neste momento, o “Professor” Tite poderia servir ao pais de exemplo. Sua competência técnica e seu equilíbrio emocional foram determinantes para o sucesso obtido até aqui. Sem o casamento dessas duas qualidades, o “Professor” seria mais um a compor a lista dos estúpidos.

Agora, de um país inteiro que necessita respeitar e valorizar a competência técnica, afirmo que, de pelo menos duas décadas para cá, nunca este país desconsiderou tanto a competência, mormente na esfera do ensino superior. Nunca o mérito acadêmico foi tão atirado ao lixo. Aliás, em muitos espaços do meio acadêmico, falar em mérito soa como o provocar um tipo de bullying social. Felizmente, pertenço ao pequeno grupo que ainda têm a coragem de dizer que mérito acadêmico é algo indispensável à vida de uma universidade. Que pelo mérito, uma sociedade sempre corre menos riscos de formar idiotas em série industrial. 

Nesse sentido, o ápice da desconsideração do mérito acadêmico parece estar embutido em políticas focalizadas, e por isso paliativas, de inclusão. As cotas raciais são o carro-chefe desse desastre. Hoje, já temos cotas até para o ingresso na pós-graduação e em concursos públicos. Até quando o mérito falou mais alto, isso era impensável.

Mas as políticas de cotas e congêneres são, como disse acima, só o carro-chefe. Em meio a isso, uma complexa teia de ações e induções à vida acadêmica vai surgindo a cada dia. Em geral, tudo amparado por algum tipo de política que interfere diretamente nas atividades de um professor.

Essa constante intervenção política, além de roubar a autonomia das universidades, assim como faz com outros setores da vida nacional, atira a educação superior no limbo. O resultado disso, vamos colhendo em anúncios de pesquisas que vão sendo realizadas. Até mesmo os cursos de Medicina já padecem da perda da qualidade, advinda da ausência do rigor/mérito acadêmico.

Essa perda é rapidamente repassada ao conjunto da sociedade: cada vez mais vamos formando acadêmicos distantes do mínimo necessário para a atuação profissional responsável.

Dessa forma, vamos tomando uma goleada a cada dia. O acúmulo de derrotas já é incontável. Se não revertemos o cenário com urgência, será o caos. Para a reversão precisamos, acima de tudo, valorizar o professor. Esse profissional precisa voltar a ser respeitosa e carinhosamente chamado de “Professor”, com “P” maiúsculo.  

Quarta, 22 Março 2017 13:34

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

No último dia 21, comemoramos o Dia Mundial da Poesia. Em 1999, a data foi criada pela 30ª Conferência Geral daOrganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O objetivo da criação era incentivar o hábito da leitura, o desenvolvimento e a manifestação das subjetividades, expressas em registros estéticos inovadores; era incentivar o próprio ensino da literatura.

 

Infelizmente, o Brasil caminha na contramão do que sugere a UNESCO. A prova disso está na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), parida a fórceps por meio de uma medida provisória, transformada em lei na surdina. Há pouco, no plano dos bens simbólicos, esse tipo de crime lesa-pátria foi sancionado pelo presidente Michel Temer. Agora, a bem da desconfortável verdade, a concepção e a “sofisticação” maligna dessa mesma “Base” não isentam os governantes anteriores.

 

A BNCC, dentre outras aberrações contra a formação intelectual de nossas novas gerações, dilui o ensino da literatura durante as aulas de língua portuguesa, em geral, já trabalhada de forma precária, sufocando o texto literário. Dificulta a prática de um ensino mais aprofundado do texto poético, minimizando a possibilidade de sua real fruição. Consolida a ideia já antiga de que a literatura faz parte das coisas inúteis da criação humana.

 

A BNCC, ao assim tratar o ensino da literatura, mais do que dizer que pretende preparar os estudantes para o mercado de trabalho, chancela a lógica utilitarista e o culto da posse, que esvaziam o espírito das pessoas. E isso, como aponta o filósofo italiano Nuccio Ordine, em seu belíssimo trabalho “A utilidade do inútil: um manifesto”, põe em perigo não só a cultura, a criatividade e as instituições de ensino, mas valores fundamentais, como a dignidade humana, o amor e a busca pela verdade.

 

Nesse contexto, as crianças e os jovens brasileiros vão sendo condenados a um esvaziamento de repertório cultural tão estarrecedor que poderia até fazer Paulo Freire repensar sobre o muito que escreveu.

 

Mas pior do que constatar isso, que já está escancarado até mesmo nos círculos universitários, é saber que essa barreira vai dificultar o acesso aos poemas, bens imateriais por excelência que poderiam amenizar tantas agruras existenciais. Não tenho dúvidas de que a prática de leitura de bons livros poéticos poderia até contribuir para diminuir tanta depressão em um mundo que busca, na competição infernal do cotidiano, atingir o inatingível, de tão alto que é.

 

Na oposição dessa corrida desenfreada pelas coisas “grandes” da vida, e prestando minha homenagem aos poetas, finalizo com o texto “O apanhador de desperdícios” do poeta cuiabano Manoel de Barros; poema de tirar o fôlego, mas de que quem ainda tem algum para isso:

 

Uso a palavra para compor meus silêncios.// Não gosto das palavras// fatigadas de informar.// Dou mais respeito// às que vivem de barriga no chão// tipo água pedra sapo.// Entendo bem o sotaque das águas// Dou respeito às coisas desimportantes// e aos seres desimportantes.// Prezo insetos mais que aviões.// Prezo a velocidade// das tartarugas mais que a dos mísseis.// Tenho em mim um atraso de nascença.// Eu fui aparelhado// para gostar de passarinhos.// Tenho abundância de ser feliz por isso.// Meu quintal é maior do que o mundo.// Sou um apanhador de desperdícios:// amo os restos como as boas moscas// Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.// Porque eu não sou da informática:// eu sou da invencionática.// Só uso a palavra para compor meus silêncios”.

 

Quinta, 16 Março 2017 09:31

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

No último dia 14, comemoramos o 170º ano de nascimento de Castro Alves. Ainda que sua produção tenha sido generosa com vários temas, incluindo poemas eróticos, foi sua postura de poeta abolicionista que lhe rendera a antonomásia de “O poeta dos escravos”. Como tal, e como nenhum outro, cantou em versos a dolorosa vida de um ser humano escravizado.

 

Mesmo sem nunca ter viajado em um navio que traficasse os mais de 11 milhões de pessoas escravizadas da África para o Brasil, Castro foi capaz de construir verdadeiras pérolas de nossa poesia lírica. Dentre tantas, pela coragem que tem de questionar Deus sobre aquela desumanidade, destaco o prólogo de “Vozes d’África”:

 

Deus! Ó Deus! onde estás que não respondes?// Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes// Embuçado nos céus?// Há dois mil anos te mandei meu grito,// Que embalde desde então corre o infinito...// Onde estás, Senhor Deus?”

 

Mas não é todo dia que a humanidade pari poetas que fazem o queixo cair. E mesmo que parisse, os meandros e “sentimentos do mundo” são tantos que os poetas não dão conta. Nesse sentido, os humanos das últimas décadas já padecem da carência de vozes que emocionam pela arte da palavra.

 

Pior: muitos humanos, já dentro do século XXI, ainda são escravizados. Quando digo isso, não estou pensando apenas em trabalhadores de grandes fazendas espalhadas alhures. Também não estou dirigindo meu foco para coirmãos latino-americanos escravizados em indústrias têxteis de São Paulo ou de outra grande cidade qualquer. Essa inaceitável desumanidade, análoga à escravidão, até a mídia convencional expõe de quando em quando.

 

Meu foco, neste artigo, tenta chegar aonde a mídia não vai. Ele se volta para falar da escravidão de muitos de meus colegas professores. Detalhe: não estou falando dos colegas que atuam nos ensinos básico, fundamental e médio. Nesses estágios de nossa educação formal, a situação degradante dessa profissão em extinção – também de quando em quando – tem sido mostrada e denunciada pela mídia. Logo, estou me referindo a colegas das universidades brasileiras.

 

Como assim? Escravos dentro das universidades?

 

Sim. Um tipo bem peculiar de escravo no séc. XXI.

 

E aqui não falo de analogia. Falo de escravidão mesmo. Muitos por mera opção, outros por vaidade acadêmica, o fato é que um contingente significativo de docentes universitários trabalha bem mais do que para o qual foi contratado: em geral, 40horas semanais em regime de Dedicação Exclusiva.

 

As atividades que excedem a essa carga horária ficam jogadas no nada. Ninguém paga por isso, a não ser o próprio docente que paga com a debilitação gradual de suas saúdes física e emocional. Já temos um grande quadro de colegas que vão se impossibilitando de continuar na atividade docente.

 

Desse quadro, a maior parte atua, além da graduação, em cursos de pós-graduação. Nesses espaços, a escravidão é praticamente completa e asséptica. Pior: poucos docentes param para pensar na dinâmica de suas atividades. Raramente, revoltar-se-ão contra a situação. “Não têm tempo” para isso. Assim, muitos estão ajudando a sustentar um estágio de penúria das universidades. Ao sustentar o que aí está, e como está, contribuem para a permanência da precarização completa de todas atividades.

 

Dessa forma, excetuando ilhas, a qualidade de tudo não tem como ser garantida. Cartorialmente falando, tem até certificados e diplomas para tudo e para todos, mas quase tudo e quase todos já bem esvaziado do lastro chamado conteúdo.

 

Pena que eu não seja um poeta para falar disso.

 

Terça, 07 Março 2017 14:22

 

 

O governo anda alardeando as virtudes da reforma educacional que está propondo, como se fosse resolver todos os males existentes, que seriam decorrentes tão somente da lei anterior. Na verdade, o governo não diz por que a lei falhou, se é que foi a lei que falhou, não explica tampouco porque espera que essa nova lei dê resultado, no que é diferente do projeto anterior. Como o processo educacional não foi examinado, estudado, pesquisado, não foi acompanhado de uma avaliação criteriosa (pelo menos, não por parte do governo), corremos o sério risco de apenas repetir os erros passados na proposta atual.

 

No Brasil, processos educacionais são implementados e abandonados sem nenhuma prestação de contas à sociedade. Cada novo governante vem com propostas mirabolantes, ignorando completamente onde a realidade se realiza, nas péssimas escolas públicas que temos. Basta lembrar que a lei que está sendo abandonada permitia às escolas oferecerem formação profissionalizante, o aluno ter opções de escolha de disciplinas, e mesmo aventava com o ensino integral. Por que as escolas não realizaram isso?

 

Em primeiro lugar, as escolas não foram construídas para o ensino integral, o que exige uma escola que não seja tão somente um depósito de estudantes afoitos para irem embora, já que não há espaço nas escolas para atividades que não sejam nas salas de aula. Acrescente-se o fato que as escolas, via de regra, têm ensino fundamental infantil de manhã, ensino médio juvenil à tarde, e ensino adulto à noite, os EJA. Nem é preciso muito para perceber que deveria haver dois tipos de escolas distintas, ou seja, a construção da escola infantil e da escola juvenil, que necessariamente tem solicitações diferenciadas para o aprendizado, já que o material didático dos jovens pode ser extremamente perigoso na mão de crianças. E mais ainda, não deveria haver educação de adultos: todas as crianças e jovens deveriam ter frequentado escolas. Não é o caso do Brasil que continua deixando milhares de crianças e jovens abandonados nas ruas. Enfim, é preciso construir essas escolas para o ensino integral, o que não se diz na propaganda governamental é quem vai construir tais escolas.

 

Em segundo lugar, não há recursos para fazer uma escola profissionalizante, que exige laboratórios caros e sofisticados, grandes espaços, quando as escolas não conseguem nem ao menos manter uma biblioteca, ou mesmo um laboratório de informática, não havendo nem espaço para salas de aulas decentes. Mas, mesmo que se conseguissem recursos para reformar as escolas, comprar os materiais das oficinas, depois não teria recursos para sua manutenção ou para reposição do material de trabalho aonde os alunos vão se profissionalizar. E se conseguisse os recursos para os laboratórios funcionarem razoavelmente, não se conseguiria os profissionais para lecionar, visto que qualquer ofício é mais bem remunerado que professor. Enfim, as escolas não têm recursos para ministrarem ensino profissionalizante, já que não era a lei que impedia que esse ocorresse, mas a falta crônica de verbas que a educação padece nesse país desde sempre.

 

Em terceiro lugar, as escolas oferecem apenas o mínimo exigido por lei, nunca o máximo permitido pela mesma lei. Não porque elas querem, mas por determinação das secretariais de educação. As escolas conseguem manter apenas disciplinas obrigatórias, aquelas mínimas exigidas para a formação, e não tem recursos para ter professores de várias áreas para lecionarem as pluralidades de conhecimentos e ciências, pelo contrário, um professor de uma formação, por exemplo, em história, acaba dando inglês, filosofia, sociologia, até português ou religião. Ocorre exatamente o contrário do que o governo propõe: não há uma escola repleta de profissionais a mostrarem a riqueza e as possibilidades das diversas áreas, o que poderia acarretar na possibilidade de escolhas por parte dos estudantes, mas poucos profissionais especializados, professores improvisados que devem dar contas de disciplinas diversas de sua competência, e por vezes, tem que ser mais psicólogos, assistentes sociais e até policiais do que propriamente professores. Ou seja, não é a lei que impede que os estudantes possam escolher disciplinas para compor seu currículo, mas as escolas não têm profissionais ou mesmo espaço para tanto.

 

A que conclusão se deve chegar? Que a reforma educacional é mais uma jogada política, um factoide social, do que um passo na melhoria efetiva da educação nacional. Ora, não faltam projetos educacionais nesse país, o que falta é recurso para efetivá-los. Antes de mudar a lei o governo deveria nos dizer de onde sairão os recursos para a construção de escolas; como fará para aumentar os salários dos professores de tal modo a atrair profissionais a desejarem ensinar suas profissões; como fará para manter e expandir atividades profissionais, artísticas e desportivas nas escolas, que mal conseguem ter um telhado sem goteira para assistirem suas aulas.

 

Roberto de Barros Freire

Professor do Departamento de Filosofia/UFMT

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Quinta, 22 Dezembro 2016 10:31

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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De novo, o Natal. Nesta época, até para a reposição de energias, é comum a minimização dos temas políticos, ainda que os políticos Brasil afora continuem fazendo plantões na Câmara Federal e em assembleias legislativas para aprovação de pacotes de arrojo. Assim, depois de um ano inédito no fardo a carregar, muitos articulistas saem à procura de coisas amenas para seus artigos de final de ano.

 

De minha parte, até que tentarei ser ligth, mas acho que fracassarei. Motivo: acabo de ver que uma revista brasileira de circulação semanal trouxe como um dos itens de sua pauta uma importante matéria sobre a obesidade entre as crianças. De chofre, o semanário constata que os pais são “os verdadeiros culpados pelo sobrepeso infantil”.

 

Essa “culpa” – a qual eu prefiro chamar de responsabilidade, que redunda em irresponsabilidades – está sustentada em estudos recentes. Eles mostram, ou comprovam o que já sabíamos: a família é desleixada no que se refere à alimentação de sua prole.

 

Claro que esse “desleixo” tem várias causas. Uma delas, quiçá a mais determinante, é o cotidiano atarefado que a maioria dos pais tem de levar. Por conta da luta pela sobrevivência minimamente digna, o tempo para a educação saudável dos filhos é cada vez menor. E como sabemos, o hábito de uma boa alimentação é parte da educação infantil, por si, gorda de complexidades.

 

Além do excesso de trabalho dos pais, a restrição financeira de tantas famílias também tem seu peso nesse item. Como também não é leve a questão cultural que carregamos. Quem nunca ouviu alguém elogiando a gordura de uma criança: “que linda, que gordinha!”

 

Seja como for, o contato dos pais com os pequenos tem sido cada vez menor. Logo, com base em comportamento subjetivo de compensação dessa diminuição do contato, muitos adultos, para evitar mais stress, abrem mão do rigor no item alimentação. O resultado é o que já vemos sem esforços em escolas, ruas, shoppings... A criançada está parruda que só!

 

Mas a atribulação do cotidiano não provoca apenas esse problema. Há uma farta lista de inquietações que envolvem a educação dos infantes. Dentre elas, destaco a falta de controle financeiro da maioria dos nossos jovens, que já colhem frutos das lacunas da educação nas tenras idades. Os pais também não estão tendo tempo para transmitir esse ensinamento, isso quando os têm. Para resumir, também vítimas de baixos salários e de extrema exploração do mercado, já são muitos os jovens com o “nome sujo” na praça.

 

Outro problema advindo da ausência da inserção dos limites na infância: o uso cada vez mais precoce de bebida alcoólica entre adolescentes e jovens. O resultado não poderia ser diferente. A cada momento, assistimos ou vivenciamos cenas de uma tragédia social abrangente. As festas de final são propícias para tais dissabores.

 

Mas de tudo o que se refere à falta de limites que deveriam ser transmitidos às crianças, em minha opinião, nada se compara às questões concernentes ao trânsito. Nesse item, a irresponsabilidade dos pais é gritante e criminosa; subjetivamente, ela beira o ódio a seus filhos.

 

Toda vez que vejo pais infringindo leis básicas do trânsito, tenho a sensação de estar vendo alguém que odeia seu filho. E as infrações são as mais absurdas possíveis; elas vão do desleixo de permitir que uma criança atravesse uma avenida fora da faixa de segurança àquelas cenas em que vemos crianças de colo, no colo dos pais, “dirigindo” o automóvel da família. Pergunto: isso é amor ou ódio?

 

Bom natal a todos.

Sexta, 16 Dezembro 2016 13:53

 

Os últimos acontecimentos nacionais – Congresso Nacional versus STF – ficarão para meu último artigo deste ano. Eles servirão para a minha retrospectiva/2016. Hoje, falarei outra vez de nossa falida educação. Por isso, algo pode parecer como já dito. Mas como em nada avançamos no tema, dizer novamente é preciso. Tomo, pois, a necessidade da repetição como ato de cidadania, afinal, “água mole em pedra dura...”

 

E por falar em já dito, como há índices sobre a educação! Mal ficamos sabendo do resultado de uma pesquisa e lá vêm outros tantos. Logo, também não é por falta de resultados de pesquisas sobre a qualidade de nossa educação que não revisamos os rumos errados que tomamos há algumas décadas. Só na semana passada, foram divulgados os resultados de duas pesquisas. Um veio do Programme for International Student Assessment (PISA); outro, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

 

Pois bem. Antes de tudo, vale dizer que o PISA, um tipo de ENEM internacional, na edição 2016, avaliou alunos do Ensino Médio de 72 países em matemática, leitura e ciências.

 

De chofre, algumas constatações: o Brasil não avançou em relação à última edição desse exame, ocorrida em 2006. Outra constatação, aliás, já sabida: a maioria de nossos alunos sequer entende a elaboração das perguntas que lhes são feitas. Pior: mais uma vez explicitam-se diferenças de nível de ensino dentro do próprio país. Essas diferenças são oriundas de desigualdades sociais dentre estados e regiões.

 

Diante do quadro, o déficit até para soletrar com desenvoltura – instrumento elementar para qualquer aprendizado formal – já vai se tornando uma gigantesca “pedra no meio do caminho” da maioria de nossas novas gerações. Assim, não compreendendo o que lê, como é possível entender matemática, ciências, história, sociologia etc?

 

Na verdade, com nível intelectual tão baixo e na era das escritas breves, a maioria de nossos estudantes não consegue entender sequer uma carta de amor bem escrita. Paradoxalmente, pois a maioria ostenta aparatos tecnológicos de ponta, as novas gerações brasileiras já começam a entrar na era da (in)comunicação verbal. Para a felicidade existencial de tantos, no WhatSapp, já suprindo conhecimentos mais elaborados, surgem os emojis, emoticons e cia. ilimitada desse tipo de comunicação visual, que faz lembrar os primórdios da humanidade. Desenhar era necessário.

 

Todavia, mesmo dentre os estudantes, há os que se incomodam com a situação, e até apontam caminhos. Foi o caso de alguns entrevistados pelo Bom Dia Brasil (Globo: 06/12/2016). Um deles, Gustavo Fontes, disse sentir falta de “conteúdos mais embasados, mais fortes, e mais cobrados também”.

 

Correto. A despeito dos péssimos salários e das indecentes condições de trabalho, os professores precisam voltar a não ter medo de ensinar o que sabem, quando sabem.  Infelizmente, a ignorância de conhecimentos elementares faz-se presente na vida acadêmica de muita gente, principalmente dos recém-formados.

 

De acordo com essas minhas considerações, o mesmo telejornal, na edição de 09/12/16, apresentou resultados alarmantes de outra pesquisa, agora do INEP: 20% dos candidatos ao curso de Pedagogia, base da educação brasileira, obtiveram menos do que 450 pontos no ENEM. Detalhe: essa é a nota mínima exigida pelo INEP para dar um certificado do Ensino Médio para quem tem mais de 18 anos, e que está fora da escola.

 

Pergunto: estamos à beira do abismo ou já estamos no abismo?

 

Segunda, 21 Novembro 2016 11:26

 

Com o objetivo de intensificar a ofensiva para barrar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55 (antiga PEC 241), o ANDES-SN, em conjunto com diversas entidades dos movimentos sindical e estudantil, irão ocupar Brasília no dia 29 de novembro, data prevista para a votação, em primeiro turno, da PEC no Senado. Em circular encaminhada nessa quinta-feira (17), a diretoria do ANDES-SN solicita o empenho das seções sindicais e secretarias regionais na construção da marcha.

 

No documento, o Sindicato Nacional reafirma que “a greve geral continua a ser nossa principal perspectiva e entendemos que a construção da greve dos docentes das instituições de ensino superior, pode ser um importante passo nessa direção. Nesse sentido, temos nos empenhado em buscar ações juntamente com os outros setores da educação, com o qual construímos a proposta da caravana a Brasília (Ocupa Brasília!), no dia 29 de novembro”. A circular afirma que a data foi incorporada pelo Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) e pela CSP-Conlutas.

 

A diretoria nacional orienta ainda que, para viabilizar a participação do maior número de pessoas, é necessário a articulação com os demais segmentos e entidades da educação nas universidades e fora delas, nos municípios e estados.

 

“No dia 29, será uma intensa e longa jornada de luta radicalizada, em Brasília, com a participação de estudantes, movimentos sociais e de trabalhadores na educação. Haverá atividades ao longo de todo o dia, começando às 9 horas e com previsão de finalização ao final da votação da PEC que pode acontecer durante a madrugada do dia 29 para o dia 30”, conclui o documento, informando que a programação da caravana será fechada nas próximas reuniões da coordenação da marcha e encaminhada às seções sindicais e secretarias regionais por através de circular.

Confira aqui o documento.

 

Fonte: ANDES-SN

Quinta, 10 Novembro 2016 08:54

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Embora o título acima pudesse estar relacionado às consequências da vitória de Trump, o novo tipo de Tio Sam dos EUA, ele se refere a duas leituras que fiz no Yahoo Notícias. A primeira – “Nossa história é a ‘história da estupidez’, diz Stephen Hawking” – foi publicada no dia 04/11. A outra é de 07/11. Trata-se do artigo “ENEM apenas comprova a burrice generalizada”. Seu autor é Regis Tadeu, um crítico que diz ter “...opinião sempre sincera e ácida”.

 

De início, adianto minha sintonia com as reflexões de Hawking sobre a humanidade e meu distanciamento das considerações de Tadeu sobre a juventude brasileira.

 

Hawking, durante a inauguração do Centro Leverhulme para o Futuro da Inteligência, falou sobre o porvir da humanidade. Com base nos avanços da inteligência artificial, disse que isso poderá ser “a melhor ou a pior coisa que já aconteceu com a humanidade”. Para ele, “passamos muito tempo estudando a nossa história, que é a história da estupidez”. Disse mais: “as máquinas pensantes podem representar o fim da humanidade”.

 

Podem mesmo. As novas gerações e também muita gente “madura” das mais antigas andam mais do que absortas diante das máquinas; estão entorpecidas pela alta tecnologia, principalmente a dos celulares. Como essa sedução já atinge o grau de dependência em incontáveis casos, a capacidade de concentração e reflexão tem sido cada vez mais rara. Como decorrência disso, assistimos ou vivenciamos (a)o predomínio das emoções sobre o racional. Assim, conhecer as coisas com certa profundidade coloca qualquer ser humano desta contemporaneidade num elevado patamar de exceção. 

 

É nesse contexto que Tadeu, entre acertos e desacertos, tratando dos problemas de conteúdo e forma apresentados por jovens que prestaram o último ENEM, encerra seu artigo exclamando que a juventude de hoje é uma “merda”.

 

Discordo. E se fosse, não seria merda por conta própria. A maioria tem pais e avós; alguns, até bisavós. Portanto, rotular a juventude de “merda” sem fazer um breve percurso histórico, identificando, pois, os problemas em gerações anteriores, é não ser “sincero”; “ácido”, com certeza. Mas a acidez sem a sinceridade perde a força da crítica. 

 

Em minha opinião, a maioria de nossos jovens é inteligentíssima, mas, paradoxalmente, vazia de bons conteúdos. É desacostumada e/ou desobrigada de reflexões mais profundas. 

 

E no mais, também não são apenas os jovens que andam desprovidos de bons conteúdos. Para ficarmos no universo do próprio Enem, diante dos problemas que o exame mais uma vez apresentou, o Inep, que é o Instituto responsável pela realização das provas do Enem, fez publicar, às pressas, uma Nota Oficial intitulada: “Inep rechaça tentativa de tumultuar Enem 2016” (In: G1; 07/11/16).

 

Da Nota, destaco o item 7, que, em sua primeira versão, apresentava dois erros grosseiros de gramática: 

 

A (sic.) escolha dos temas de redação são levantados, pela comissão de especialistas, diversos assuntos que remetem a questões sociais... Cabe ressaltar que a escolha desses temas não são motivados (sic.) exclusivamente por...”.

 

Logo depois, na Página do MEC, os reparos linguísticos foram feitos na “Nota Oficial”. Por isso, lá, agora, já se pode ler tudo corrigido:

 

“Para a escolha dos temas de redação, são levantados, pela comissão de especialistas, diversos assuntos que remetem a questões sociais... Cabe ressaltar que a escolha desses temas não é motivada exclusivamente por...”.

 

Como vemos, nossas mazelas e “merdas” não estão circunscritas aos jovens...

 

 

Quinta, 20 Outubro 2016 16:41

*Disponível para download em pdf no arquivo anexo abaixo.

 

 

Sexta, 14 Outubro 2016 17:14

 

Cerca de R$ 24 bilhões poderão deixar de ser investidos por ano em educação, a partir da vigência da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, de acordo com a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof) da Câmara dos Deputados. A estimativa, a qual a Agência Brasil teve acesso, está em fase final de elaboração na Casa.

O número – R$ 24 bilhões – considera os orçamentos destinados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) e ao Ministério da Educação (MEC). Atualmente, a União deve investir pelo menos 18% dos impostos em educação. Com a PEC, essa obrigatoriedade cai e o mínimo que deve ser investido passa a ser, a partir de 2018, o valor do ano anterior corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Procurado para responder a respeito do tema, o ministro da Educação, Mendonça Filho, diz, por meio de nota, que o estudo da Câmara parte de pressupostos equivocados, porque leva em consideração a manutenção do quadro econômico atual, “que é muito ruim, mas poderá ficar ainda pior se não houver equilíbrio das contas públicas”.

Os R$ 24 bilhões correspondem à diferença do mínimo constitucional para 2017, de 18% dos impostos arrecadados pela União, fixados pelo Projeto de Lei Orçamentária, e as aplicações totais previstas, observadas as regras impostas pela PEC 241/2016. Em 2017, a previsão é que o governo invista além do limite constitucional.

De acordo com os cálculos da consultoria, cerca de R$ 24 bilhões representam o investimento que fica descoberto com as regras da PEC. Esse investimento a mais não é obrigatório para a União e seguirá sendo opcional com a aprovação da PEC, ou seja, pode aplicar nas áreas que desejar. 

Com a PEC 241/2016, o investimento total "vai depender de governo a governo, que poderá investir mais do que o mínimo", explica o consultor Cláudio Riyudi Tanno, responsável pela elaboração de estudo técnico que analisa os impactos do novo regime fiscal constante na PEC nas políticas educacionais.

Embora educação e saúde tenham sido liberadas de um teto específico, há um teto global de gastos do governo e é esse teto que preocupa as entidades do setor. Tanno avalia que esse teto fará com que as despesas obrigatórias acabem tomando grande espaço e, com isso, os novos investimentos fiquem de lado.

"Tem a possibilidade de aumentar [o investimento em educação], mas no cenário de compressão de despesas é difícil imaginar o crescimento em educação, que terá que ser em detrimento de outras áreas", afirmou.

Segundo Tanno, os R$ 24 bilhões descobertos calculados a partir do Projeto de Lei Orçamentária Anual são uma referência para os próximos 20 anos porque 2017 é a base para a correção das despesas em educação.

Equilíbrio fiscal

Principal estratégia do governo de Michel Temer para segurar o avanço da crise econômica no Brasil, a PEC 241/2016 fixa um teto para as despesas primárias do governo para os próximos 20 anos.

A proposta limita os gastos de todos os Poderes ao Orçamento do ano anterior, corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pelo período de 20 anos, podendo ser alterado no 10º ano de vigência da regra. Apenas no primeiro ano (2017) desse ajuste, o limite será corrigido por 7,2%. Se órgãos e poderes não cumprirem a regra ficarão proibidos de conceder aumentos salariais, reajuste de benefícios e de realizarem concurso.

O diretor da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, Ricardo Volpe, que ajudou a elaborar a proposta, assegura que o ajuste fiscal é inevitável. “A gente criou a ilusão, pós-Constituição de 1988, que o Estado tem condições de dar tudo para a sociedade. Agora, a gente vai ter que priorizar. Se educação e saúde são prioridades, vamos tirar de outro lugar. Todas as áreas têm um teto e saúde e educação têm um piso, um mínimo. Quer gastar mais com isto? Basta gastar menos em outros”, disse em entrevista à Agência Brasil.

Para áreas prioritárias, as regras são diferentes e valem como piso, mínimo de gastos. No caso da saúde, o mínimo a ser gasto em 2017 será equivalente a 15% da receita corrente líquida do exercício corrente e, na educação, 18% dos impostos. A partir de 2018 esses pisos serão calculados com base também no IPCA.

Segundo Volpe, mantida a atual trajetória, o país chegará ao ponto de desconfiança do ponto de vista do mercado, que pode deixar de comprar títulos públicos, usado para rolagem da dívida, ou vai querer comprar com valor muito baixo. “O que significa que terá de aumentar a taxa de juros. Não conseguindo financiar suas despesas, a União deixará de pagar mesmo e terá de emitir moedas para pagar seus compromissos, a inflação vai subir e os salários serão congelados”, projetou.

A saída, de acordo com o técnico legislativo, será a busca por maior eficiência dos gastos. “O Estado brasileiro gasta muito e gasta mal. O Estado terá de buscar eficiência". Especificamente sobre os gastos em educação, o técnico legislativo diz que o Estado gastou "uma montanha de dinheiro a mais. Gastou 4% a mais que o PIB [Produto Interno Bruto] nos últimos anos e o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] não sai do lugar. Nem sempre dar dinheiro a mais resolve o problema. Você tem de buscar qualidade, profissionalismo”.

Segundo o ministro Mendonça  Filho, o teto proposto pela PEC 241 é global e reforça o compromisso do governo com o equilíbrio das contas públicas, além de garantir a governabilidade econômica. "O que retira dinheiro da educação é o Brasil em recessão, quebrado, sem espaço para crescimento e aumento de receita”. A nota acrescenta que o equilíbrio fiscal possibilita a retomada do crescimento, a geração de empregos e aumenta a arrecadação, inclusive o investimento em educação.

O ministro defende que, sem a PEC, “o governo quebra e inviabiliza todas as áreas, inclusive a educação”. De acordo com o Ministério da Educação, em 2016, a pasta conta com R$ 129,96 bilhões previstos para custear despesas e programas. No PLOA 2017, esse valor chega a R$ 138,97 bilhões, um crescimento de 7%, “o que mostra a prioridade com a área”.

 

 Fonte: Mariana Tokarnia/ Agência Brasil