Terça, 20 Dezembro 2022 10:12

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 


O Papa Bento XVI em seu discurso perante o Corpo Diplomático acreditado junto ao Vaticano, em 08 de Janeiro de 2007, assim dizia “É preciso, de forma urgente, eliminar as causas estruturais das disfunções da economia mundial e corrigir os modelos de crescimento econômico que parecem incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente”.


O Papa Francisco, poucos anos após o inicio de seu Pontificado publicou a Encíclica Laudato Si, unificando diversos fragmentos do pensamento da Igreja (Católica) quanto `a necessidade de um melhor cuidado com a Casa Comum sob um novo paradigma que é a Ecologia Integral.


Publicada em 24 de maio de 2015, a Laudato Si insere-se e enriquece a Doutrina Social da Igreja e orienta tanto católicos quanto evangélicos e não cristãos quanto `a importância desse cuidado, dentro do contexto de que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”, por isso sua atualidade até os dias de hoje.


No item 3, sobre a Perda da biodiversidade Francisco deixa claro que “Os recursos da terra estão sendo depredados também por causa de formas imediatistas de entender a economia e a atividade comercial e produtiva. A perda de florestas e bosques implica, simultaneamente, a perda de espécies que poderiam  constituir, no futuro, em recursos extremamente importantes, não só para a alimentação, mas também para a cura de doenças e vários serviços….Neste  sentido, o custo dos danos provocados pela negligência egoísta (e exploração predatória dos recursos naturais) é muitíssimo maior do que os benefícios econômicos que se possa obter”.


Podemos também perceber esta mesma preocupação nas palavras do Secretário Geral da ONU, António Guterres, na abertura da COP-15, no último dia 07 deste mês de dezembro de 2022 “Mais da metade do PIB global, o equivalente a US$ 41,7 trilhões, depende de ecossistemas saudáveis. Bilhões de pessoas, em nações desenvolvidas e em desenvolvimento, se beneficiam diariamente da natureza e produtos que ela proporciona, incluindo alimentos, energia, materiais, medicamentos, recreação e muitas outras contribuições vitais para o bem-estar humano. Ecossistemas saudáveis também são fundamentais para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e limitar o aquecimento global a 1.5°C, no entanto, é provável que a mudança climática se torne um dos maiores motores da perda de biodiversidade até o final do século”.


Podemos também asseverar que a perda/destruição da biodiversidade tem um impacto significativo e grave nas mudanças climáticas e no aquecimento global. É o verso e o reverso da mesma moeda. Apesar disso, parece que a questão da destruição acelerada da biodiversidade não tem tido a mesma preocupação como tem acontecido com as mudanças climáticas, lamentavelmente.


Enquanto a maior parte do planeta não tirava e continua não tirando os olhos dos jogos da copa do mundo de futebol que está sendo realizado no Catar; enquanto no Brasil os bolsonaristas continuam acampados em frente aos quartéis ou promovendo arruaças nas rodovias, ruas, avenidas, atentando contra a democracia e as Instituições nacionais, depredando bens públicos e privados, cerceando a liberdade de ir e vir das pessoas, teimando em não aceitar a derrota que os eleitores impuseram `a extrema direita; enquanto a Guerra absurda que a Rússia promove contra a Ucrânia, tentando destruir totalmente aquela país; enquanto os conflitos armados em países Africanos, Asiáticos e do Oriente Médio continuam ceifando milhares de vidas e fazendo vítimas todos os dias; quase que anonimamente representantes de centenas de países e milhares de ambientalistas estão reunidos desde o último dia 07 deste mês de Dezembro de 2022, em Montreal, no Canadá, para discutir, avaliar e definir estratégias, planos e ações para combater a destruição acelerada da biodiversidade em todos os continentes e países, inclusive no Brasil.


Esta é a COP-15, a Conferência Mundial em Defesa da Biodiversidade que deverá se encerrar na próxima segunda feira, dia 19 , um dia após o Mundo já ter um novo Campeão Mundial de Futebol. Parece que “pão e circo” sempre tem tido um apelo muito maior na consciência coletiva do que problemas graves, como as mudanças climáticas, a degradação do planeta e a destruição acelerada da biodiversidade e o risco de desaparecimento de todas as formas de vida no planeta, inclusive da vida humana.


Há pouco mais de 30 anos, na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, a ECO-92, entre 03 e 14 de Junho de 1992, quando uma das decisões mais importantes, senão a mais importante, foi a aprovação por quase a totalidade das Delegações dos países presentes àquela Conferência de uma Resolução que instituiu a Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica ou Biodiversidade, que entrou em vigor em 29 de Dezembro de 1993, tendo sido ratificada até o momento por mais 185 países e territórios, inclusive o Brasil, com exceção dos EUA e de alguns poucos países mais.


Para nortear as discussões e reflexões dos participantes da COP-15 e também da população mundial em geral, os diversas estudos e relatórios da ONU e outras organizações nacionais e internacionais apontam as principais causas da destruição da biodiversidade: degradação dos ecossistemas e dos “habitats”/territórios das várias espécies animais e vegetais; exploração excessiva e predatória dos recursos naturais terrestres, marítimos, lacustres e ribeirinhos; avanço de espécies invasoras e de doenças que afetam a biodiversidade; poluição dos solos, das águas e do ar, principalmente pelo uso abusivo/exagerado de agrotóxicos, pesticidas e outros produtos tóxicos; mudanças climáticas que aumentam a incidência de desastres naturais como chuvas torrenciais; desabamento de encostas, inundações, maremotos, furacões; secas prolongadas, falta de saneamento básico e destinação incorreta de rejeitos (lixo); consumismo e o desperdício que estimulam o uso super intensivo e incorreto dos recursos naturais dentre outras.


Desde a ECO-92 até o presente a ONU vem realizando um grande esforços, emitindo alertas através de relatórios de milhares de cientistas, estudiosos das questões socioambientais. Centros Nacionais e Internacionais de pesquisas tem demonstrando de maneira cabal que o mundo está caminhando aceleradamente para um grande desastre já bem conhecido colocando em risco todas as formas de vida no planeta, inclusive a vida humana.


Esses esforços podem ser observados no estabelecimento dos Objetivos do Milênio (2000); nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável em 2015 (a chamada Agenda 2030), as Conferências do Clima, o protocolo de Kyoto; a Convenção de Paris sobre as mudanças climáticas (2015), a Década da Proteção da Biodiversidade (2011 – 2020); a Década da Recuperação dos Ecossistemas Degradados ( 2021 -2030); a Década de Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável ou a chamada Década dos Oceanos, que foi aprovada em 2017 e que deve vigorar de 2021 até 2030.


Diversas outras iniciativas tem sido tomadas pela ONU quando aprovou em 2007 o ano internacional do Planeta terra; 2010 Ano Internacional da biodiversidade;  2011 como Ano Internacional das florestas;  2015 como o Ano Internacional dos Solos, como forma de combater tanto as mudanças climáticas quanto para reduzir a destruição da biodiversidade resultante da degradação e destruição de dezenas de milhares de espécies vegetais e animais em  mais de 520 milhões de ha de terras antes agricultáveis.


Neste sentido a Sociedade Brasileira para a Ciência dos Solos vem alertando para os riscos da degradação dos solos quando, em Janeiro de 2015, enfatizava que “A degradação do solo é reconhecida como componente de risco para manutenção da vida no planeta. Enquanto isso, o aumento da população implica em maior demanda por alimentos e matéria prima vegetal e animal. Depara-se assim com o dilema de, ao mesmo tempo, produzir alimentos, reduzir os impactos ambientais causados pelo uso intensivo (e irracional) do solo, recuperar grande parte dos recursos naturais já degradados e, ainda, preservar os sistemas naturais remanescentes”.


Todas essas iniciativas tem como objetivo despertar a consciência da população mundial e também dos diversas governos nacionais, regionais e locais sobre aspectos importantes relacionados com a questão ambiental/recursos naturais e sua importância para a vida humana. Apelo este que, lamentavelmente, parece não estar ainda despertando o interesse e a consciência coletivo da humanidade.


Quando cientistas e a própria ONU alertam para a questão das mudanças de uso dos solos e a degradação de milhões de hectares (ha) a cada ano, incluem-se neste aspecto também o desmatamento, as queimadas e a erosão, que destroem de forma grave tanto a biodiversidade vegetal quanto animal, como tem ocorrido com frequência em todos  os ecossistemas ao redor do mundo, inclusive, nos seis Biomas brasileiros, com ênfase maior quanto a este processo de destruição irracional no Pantanal, na Amazônia e no Cerrado, além da Caatinga, dos Pampas e da Mata Atlântica, esses três últimos, que estão praticamente destruídos, cuja recuperação se torna quase impossível ante a destruição de uma, outrora, rica biodiversidade.


Mesmo assim o Brasil ainda ocupa em termos globais o topo do “ranking” mundial quanto ao tamanho e variedade da biodiversidade tanto vegetal quanto animal, razão pela qual é visto como um ator fundamental nesta cruzada internacional para salvar o que ainda resta de vida terrestre e aquática (lacustre, ribeirinha e marinha) do planeta.


Quando da aprovação pela Assembleia Geral da ONU declarando  a Década da Proteção da Biodiversidade a ser observada entre 2011 e 2020, foram estabelecidos os seguintes objetivos e metas: 1) despertar e aumentar a consciência mundial quanto `a importância da biodiversidade no planeta; 2) defender uma maior integração de esforços quanto aos valores da biodiversidade; 3) reformar e aumentar os incentivos para que a biodiversidade seja protegida; 4) produção e consumo responsáveis e sustentáveis ( combater o consumismo e o desperdício que induzem `a destruição dos recursos naturais); 5) redução de 50% das perdas/destruição da biodiversidade; 6) gestão sustentável dos recursos aquáticos (rios, lagos e oceanos); 7) agricultura, aquicultura e silvicultura sustentáveis; 8) reduzir os níveis de contaminação dos solos, do ar e das águas por pesticidas e agrotóxicos; 9) prevenção e controle das espécies invasoras; 10) redução dos níveis de vulnerabilidade dos ecossistemas `as mudanças climáticas; 11) aumentar e melhorar o cuidado com as áreas protegidas; 12) redução dos riscos de extinção das espécies animais e vegetais (terrestres, lacustres, ribeirinhas e marítimas); 13) salvaguarda da diversidade genética; 14) estimular os serviços dos ecossistemas; 15) restauração e resiliência dos ecossistemas (objeto novamente que deu origem à Década da Restauração dos Ecossistemas Degradados, já mencionada anteriormente nesta reflexão); 16) acesso amplo dos países aos recursos genéticos e participação em seus benefícios; 17) estratégias e planos nacionais, regionais e locais e ações visando a proteção da diversidade biológica/biodiversidade; 18) catalogar e valorizar o conhecimento sobre a biodiversidade 19) intercâmbio de informações e conhecimento sobre a biodiversidade e, finalmente, 20) mobilização mundial de recursos de todos os tipos e fontes, para combater a perda/destruição da biodiversidade.


Concluída a Década Mundial de Proteção da Biodiversidade, a ONU, através de suas diversas agências especializadas e com a participação dos países membros, realizaram uma avaliação quanto aos objetivos  e metas estabelecidas e, LAMENTAVELMENTE, a conclusão é que quase nada ou poucas conquistas ocorreram, ou seja, o mundo continua destruindo implacavelmente a biodiversidade e degradando todos os ecossistemas, de uma forma quase que irrecuperável e  a custos bilionários ou trilionários.


Durante os dez anos da Década Mundial de Proteção da Biodiversidade só o desmatamento destruiu em torno de 100 milhões de ha de florestas e nada menos do que 420 milhões de ha entre 1990 até 2020. De acordo com dados da ONU de 2020, só esta área destruída nesses ecossistemas abrigavam a maior parte das espécies do planeta, com cerca de 60 mil espécies de árvores, 80% de todos os anfíbios, 75% das aves e 68% dos mamíferos.


Não podemos também esquecer que a poluição dos oceanos contribuir significativamente para a destruição da biodiversidade marinha. Por ano mais de 30 milhões de toneladas de lixo são carregadas para os oceanos, sendo que 80% deste lixo são os plásticos. Este cenário pode triplicar até 2040, cujo custo anual passaria de US$15,0 bilhões para mais de US$100.0 bilhões.


Constatou-se que praticamente todos os países ficaram muito aquém de atingir os objetivos e metas estabelecidos e aceitos na forma de compromissos soberanamente firmados e ratificados, ou seja, os acordos e decisões das Assembleias Gerais da ONU tem sido meros documentos assinados e ratificados, sem que os mesmos sejam cumpridos, resumindo: letra morta e discursos demagógicos em fóruns internacionais  para alimentar o noticiário e manipular a opinião pública nacional e internacional, como vimos recentemente por ocasião da COP 27 no Egito.


Em termos globais, tendo o ano de 1970 como parâmetro temporal, até 2020 foi constatada que as perdas/destruição da biodiversidade são alarmantes: a fauna marinha, lacustre e ribeirinha 83%; a biodiversidade terrestre também caminha na mesma direção, em todos os continentes: Ásia/Pacífico 55%; África 66%; América Latina e Caribe 94%; Europa/Ásia Central 18%, Estados Unidos 20%, do total de biodiversidade que existia em 1970. Vale destacar que a destruição da biodiversidade tanto na Europa quanto nos EUA já em 1970 tinha atingido níveis alarmantes e até mesmo catastrófico.


O relatório da ONU que avaliou o cumprimento dos objetivos e metas do Acordo de 2010, deixa claro que atualmente mais de um milhão de espécies animais e vegetais correm o risco de serem extintos,  desaparecerem dentro de poucas décadas, como aconteceu na Era dos Dinossauros.


O mundo já perdeu dezenas ou centenas de milhares de espécies animais e vegetais, incluindo mais de 50% de todos os corais e nos ecossistemas terrestres continua desmatando e queimando em torno de dez milhões de hectares por ano, 95% desta destruição ocorrem nos países tropicais, onde estão concentrados mais de 70% de toda a biodiversidade planetária, mas continuam utilizando este processo para produção e exportação de “commodities” principalmente para atender suas metas de exportação e ao  consumo dos países ricos, que, indiretamente são  parceiros desta destruição irracional e contribuem para que as atuais gerações deixem para as próximas um passivo ambiental imenso, impagável de destruição, sofrimento e morte.


Os interesses econômicos e financeiros imediatos, a busca do lucro, cada vez mais gananciosa e a acumulação de renda, riqueza e poder continuam falando mais alto do que o compromisso de governos  nacionais, regionais ou locais em participar dos esforços coletivos para evitar o desastre anunciado que são as mudanças climáticas e a destruição da biodiversidade, o que colocará a humanidade, principalmente as próximas gerações , diante de desafios mais prementes, mais , mais onerosos e com maior poder de destruição.


Por isso, a realização da COP 15, que termina na próxima  segunda feira, 19 de dezembro de 2022, no Canadá, um dia após a final da Copa do Catar, está sob ameaça de fracasso, tendo em vista que seu objetivo fundamental é definir um acordo internacional, à semelhança do Acordo de Paris, com objetivos e metas concretas para nortearem o estabelecimento de políticas, estratégias, planos, projetos e ações dos países, em seus diversas níveis de governo: nacional/federal; regionais/estaduais e locais/municipais, bem como definir formas como a iniciativa privada, os agentes econômico, o famoso mercado, os setores produtivos e a sociedade em geral (população) também participem deste esforço coletivo, a vigorar de 2023 até 2032; coincidindo praticamente com a Agenda 2030, quando o mundo, se honrar seus compromissos acordados em 2015, deverá atingir todos os ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e suas metas, vários dos quais estão direta ou indiretamente vinculados tanto ao combate das mudanças climáticas quanto ao combate `a destruição da biodiversidade.


Neste sentido, em seu discurso na Abertura da COP-15, há poucos dias em Montreal, Canadá, o Secretário Geral da ONU, António Guterres tornou a enfatizar os alertas que vem fazendo há alguns anos quanto a importância e urgência das questões socioambientais e disse textualmente “o planeta não pode continuar sendo a lixeira e a latrina da humanidade, algo tem que mudar e mudar com urgência”.


Oxalá, que para além de pão e circo e dos conflitos políticos e ideológicos que estão a cada dia mais se acirrando no Brasil, o próximo governo (Lula) a ter inicio a partir de Janeiro próximo (dentro de poucos dias), coloque, de fato as questões socioambientais/ecologia integral como uma de suas reais prioridades, considerando, principalmente que são as camadas pobres, excluídas que acabam pagando a conta da degradação dos ecossistemas, da destruição da biodiversidade e das mudanças climáticas. A conferir!


*Juacy da Silva, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Terça, 06 Dezembro 2022 11:05

 

 

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JUACY DA SILVA*
 


“Os Direitos Humanos são os fundamentos da dignidade humana, a pedra angular para a paz (entre as pessoas e entre as Nações), inclusive para a construção de sociedades prósperas, justas e igualitárias”. António Guterrez, Secretário Geral da ONU, em sua Mensagem alusiva ao Dia Mundial dos Direitos Humanos de 2022.

Lutar e defender os direitos humanos é defender a vida plena, em toda a sua dignidade e em todas as suas dimensões ou aspectos. Nada é mais importante do que realmente garantir que todas as pessoas, independente da raça, da cor da pele, da idade, da profissão ou ocupação, da condição social, econômica, cultural ou política, do gênero, da condição física, da religião ou da ideologia, tenham seus direitos fundamentais garantidos, ou seja, todos os seus direitos humanos realmente respeitados, só assim, poderemos construir nações, sociedades, comunidades e instituições, verdadeiramente democráticas, plurais, inclusivas, transparentes e humanas!

O respeito aos direitos humanos deve ser a bússola para orientar nossas ações sejam como cidadãos em geral, empresários, religiosos, religiosas, profissionais, agentes governamentais, inclusive, devem ser o parâmetro central para definir e implementar políticas públicas, em todos os níveis de governo. Se assim não acontecer, com certeza estará faltando algo muito importante em nossa sociedade e em todos os países que é a Justiça, inclusive a Justiça Social.

Neste próximo sábado, 10 de Dezembro de 2022; o mundo todo estará celebrando, comemorando mais um DIA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS, `a semelhança do que vem ocorrendo desde o ano de 1948, quando apenas 48 países, dos 58 que naquela época integravam a recém criada Organização das Nações Unidas (ONU) decidiram aprovar a Resolução 423 e estabelecer que a partir de então nesta data deveríamos celebrar os direitos Humanos.

A Declaração universal dos Direitos Humanos esta assentada sobre cinco grandes dimensões: os direitos civis, os direitos sociais, os direitos culturais, os direitos econômicos e os direitos políticos.

A cada ano a ONU estabelecer um tema central, em torno do qual devem ser organizadas as celebrações ou seja, girar as ações para que os Direitos Humanos sejam colocados no contexto de uma atualidade permanente e não caiam no esquecimento.

Neste ano de 2022 o Tema das celebrações são: Dignidade, Liberdade e Justiça para todos e todas.

Vale recordar que naquela ocasião (1948) eram decorridos apenas três anos que o mundo respirava mais aliviado com o fim de uma das mais sangrentas guerras da história humana que dizimou entre 40 a 50 milhões de pessoas, somente na Rússia as tropas nazistas mataram mais de 18 milhões de pessoas.

Diante das atrocidades daquela Guerra, cuja memória ainda estava, principalmente contra as populações civis, como acontece em todas as guerras, desde então até os dias de hoje em diversas partes do mundo, os representantes dos países que então integravam a ONU decidiram que além da paz entre as Nações, também as pessoas, os cidadãos e as cidadãs de todos os países deveriam ser protegidos de todas as formas de violência, desrespeito e abusos, seja por parte dos Estados Nacionais (a chamada violência estatal), as prisões arbitrárias, a tortura por parte de agentes públicos, o abuso de autoridade, a escravidão, os campos de trabalho forçado ou sejam contra práticas cruéis ou dissimuladas nos países como a discriminação, a exclusão social e econômica, a pobreza, a fome, a miséria, o tráfico humano, a exploração sexual, enfim, a falta de reconhecimento da dignidade intrínseca das pessoas.

A visão e os ideais que nortearam aquela Resolução aprovada na Sessão Plenária da Assembleia Geral da ONU em 04 de Dezembro de 1948, estabeleceram que 10 de Dezembro em todos os anos, a partir de então seria considerado O DIA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS, a ser celebrado oficialmente em todos os países que, naquela época integravam e no futuro viessem a integrar a ONU, que atualmente são mais de 193 países e territórios.

Em muitos países e territórios este dia é considerado feriado nacional e diversas atividades e comemorações são realizadas para relembrar tanto os governantes quanto a população em geral em relação à importância de que os direitos humanos sejam realmente defendidos e respeitados universalmente, para que possamos viver em sociedades e comunidades que, de fato, primam pela paz,  pelo respeito às pessoas e pela dignidade humana.

A ONU, através do Conselho dos Direitos Humanos, do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e de suas varias agências, departamentos, comitês tem realizado um grande esforço no sentido de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos seja plena e integralmente respeitada e cumprida em todos os países, tanto em tempo de paz quanto, e principalmente, em períodos de conflitos armados e guerras, quando ocorrem um total desrespeito à dignidade das pessoas através de atos de selvageria como a tortura e estupros coletivos.

Para que as pessoas possam defender seus direitos humanos inalienáveis é preciso e é fundamental que esses direitos sejam conhecidos. Neste sentido, a ONU, as Organizações regionais como a OEA (Organização dos Estados Americanos), Governos Nacionais, Entidades Representativas da Sociedade Civil Organizada, partidos políticos, movimentos sociais tem promovida a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Costuma-se dizer que as pessoas só conseguem defender seus direitos se, de fato, souberem quais são esses direitos. Assim, a Declaração dos Direitos Humanos está entre as obras mais traduzidas no mundo, até 2019, em 501 línguas, sendo a última tradução em Quéchua, na Bolívia. 

O texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos é relativamente pequeno, apenas 5 ou 6 páginas, contendo o preâmbulo, os fundamentos que inspiraram sua aprovação e seus 30 artigos e assim, todas as pessoas podem ter conhecimento de seus direitos universais, sendo que praticamente todos esses direitos de forma direta ou indireta fazem parte das varias Constituições dos países e do ordenamento jurídico nacional desses países, inclusive do Brasil.

O que falta na verdade é que tanto o texto da Declaração dos Direitos Humanos quanto de todas as demais convenções e acordos que a ONU aprova em suas Assembleias Gerais e que tem a adesão de todos os países,  não podem continuar “letra morta”, ou como se diz: “para inglês ver” e passem a ser conhecidas, respeitados e defendidos por todas as pessoas e Instituições civis, militares e Eclesiásticas e, também, os veículos de comunicação, mas, principalmente, pelas Instituições Governamentais, a quem cabe a primazia nesta defesa e divulgação.

No caso do Brasil o Sistema Judicial inclui duas Instituições fundamentais que devem estar a serviço da sociedade e não dos governantes de plantão e que são fundamentais para que não apenas o que consta da Declaração dos Direitos Humanos de forma genérica, mas todos os direitos das pessoas estabelecidos no ordenamento jurídico nacional e nos acordos e tratados internacionais, dos quais o Brasil faz parte.

Essas Instituições são o Ministério Público Federal e Ministério Público estaduais e também outra instituição que visa atender as pessoas desprovidas de recursos financeiros e humanos, para defenderem seus próprios direitos, aí surge a figura das Defensorias Públicas Federal e estaduais.

Assim, além da Declaração Universal dos Direitos Humanos a ONU tem aprovado uma série de acordos e convenções que garantem direitos de diversas segmentos específicos como direitos dos trabalhadores (OIT), Direitos das Crianças e adolescentes (UNICEF), Direitos das mulheres, Direito dos idosos, Direitos dos consumidores, Direito das pessoas com deficiência; direitos dos povos indígenas, direitos dos refugiados; Direito do mar; Direito `a Igualdade racial e de não ser discriminado/discriminada pela sua origem racial ou étnica e outros aspectos mais que também geram direitos individuais ou coletivos.

Existem os chamados direitos difusos que também são direitos humanos universais e assim devem ser reconhecidos, como o direito a um meio ambiente saudável e sustentável; o direito `a moradia, direito ao trabalho com salario e condições dignas, direito à saúde, direito ao acesso `a terra, direito de locomoção (direito de ir e vir); direito ao lazer, direito `a educação pública, inclusive e de qualidade; Direito `a Alimentação, `a Água, ao Saneamento básico e tantos outros que deixamos de mencioná-los, nesta oportunidades.

Enfim, a jornada em defesa da dignidade humana está pressente na história muito antes da ONU proclamar em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, há séculos, milênios temos presenciado diversas lutas e até revoluções que aconteceram neste sentido e, por incrível que pareça, ainda hoje os Direitos Humanos continuam desconhecidos por muita gente, razão pela qual o desrespeito e arbitrariedades contra as pessoas continuam bem presentes em todos os países, inclusive no Brasil.

Para finalizar, transcrevo a seguir alguns aspectos contidos na Declaração dos Direitos Humanos, como forma de divulga-los nesta oportunidade. É importante conhecer, por exemplo, o Preâmbulo da referida Declaração que são os fundamentos sobre os quais tais direitos foram estabelecidos; vejamos este preâmbulo:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem;

Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão;

Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;

Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efetivo dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais;

Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso: A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos, como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

Diversos desses artigos, como os que a seguir transcrevo, explicitam o contexto onde estão inseridos esses direitos fundamentais, vale a pena conhecer para saber lutar e defender esses direitos.

Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Artigo 3° Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 5° Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Artigo 7° Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 9° Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 12° Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei.

Artigo 18° Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Artigo 21° 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios, públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.

Artigo 22° Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.

Artigo 23° 1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.

Assim, neste 10 de Dezembro de 2022, devemos não apenas celebrar o DIA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS, mas também refletirmos sobre como esses direitos humanos fundamentais estão sendo observados e cumpridos em nosso país.

Este é um momento oportuno para que em todos os setores da sociedade brasileira, inclusive nas escolas, universidades, sindicatos, associações de moradores de Bairros; nas Igrejas e, claro, em todas as Instituições públicas, em todos os poderes, em seus diversas níveis possam estabelecer alguns canais de dialogo para refletir sobre este tema crucial e fundamental para o presente e o futuro de nosso Brasil.

Pelos direitos humanos e seus defensores, rezemos por quem arrisca a própria vida lutando para garantir a todos direitos iguais. Esta luta requer coragem e determinação. Significa opor-se ativamente à pobreza, à desigualdade, à falta de trabalho, de terra, de habitação, de direitos sociais e trabalhistas’. (Papa Francisco, 2021).
 
Meu caro leitor ou leitora, você já parou uns minutos para refletir como estão os direitos humanos em sua volta? Em sua comunidade? Eu seu bairro? Em sua Cidade, estado ou no Brasil ou em outros países?  Convido vocês a refletirem um pouco sobre este assunto fundamental para as nossas relações em sociedade, que devem primar sempre pelo respeito e dignidade das pessoas.

 
*JUACY DA SILVA, professor universitário, aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Sexta, 02 Dezembro 2022 09:09

 

 

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JUACY DA SILVA*




Fraternidade e fome “Dai-lhes vós mesmo de comer” Mt. 14,16. Tema e lema da Campanha da Fraternidade 2023, CNBB.

 

A pobreza e a fome são os maiores escândalos que continuam presentes no mundo há muito tempo e assim permanecem na atualidade, inclusive no Brasil, ante o olhar passivo e até cínico ou hipócrita de muita gente em todos os setores das sociedades, incluindo governantes nos mais diversas países.
No mundo existem mais de 3,0 bilhões de pessoas vivendo na pobreza; das quais 828 milhões na extrema pobreza e passando fome, incluindo mais de 33 milhões no Brasil e mais  de 2,3 bilhões que sofrem com insegurança alimentar.

A fome continua matando mais pessoas do que inúmeras doenças consideradas graves, inclusive pandemias, como foi recentemente com a COVID-19. Diversos estudos apontam que anualmente em torno de aproximadamente 3,0 milhões de pessoas ou até 9 milhões, como relata a Organização “The World Counts”, que enfatizam que a fome e suas consequências continuam matando mais do que HIV/AIDS, malária, guerras e conflitos armados, assassinatos, desastres automobilísticos e tuberculose juntas.

A própria ONU no Relatório do Programa de Distribuição de Alimentos de 2021, alertou que em torno de 41 milhões de pessoas estão `a beira da morte por falta de alimentos, ou seja, correm o risco de morrer tendo como causa a fome e suas consequências.

No entanto, dados estatísticos recentes indicam que entre 1960 e 2020 enquanto a população mundial cresceu 166,7%, o PIB mundial cresceu 6.257,0%; e a produção de grãos e alimentos cresceu 1.065,0%. Ou seja, a produção de alimentos cresceu quase 6,4 vezes mais do que o crescimento da população e o PIB cresceu 37,7 vezes a mais do que o crescimento da população mundial.

Portanto, a pobreza e a fome continuam presentes em números alarmantes a despeito do crescimento econômico do mundo. As razoes, portanto são outras, ou seja, essas mazelas da fome e da pobreza decorrem da concentração dos bens de produção (terra, matéria prima, renda, riqueza (capital), cujas tendências permanecem elevadas na maioria dos países conforme dados do Indice de Gini (que mede a concentração de renda, riqueza e propriedade) bem recentes (anos de 2019 , 2020 ou 2021).

Além disso, aproximadamente 30% de todo o alimento que é produzido no mundo vai parar no lixo, ou seja, não chegam à mesa de quem esta passando fome ou morrendo por falta de alimentos.

Logo que foi eleito para suceder Bento XVI, em  13 de Março de 2013, o Papa Francisco em um Encontro com estudantes de escolas jusuítas, em 07 de Junho  daquele ano e em outros encontros e viagens  realizadas ao longo de seu pontificado, não tem se cansado de falar e exortar quanto `as várias questões que continuam presentes em maior ou menor grau, em todos os países.

Três questões, sempre ressaltadas em seus pronunciamentos: a pobreza (e os pobres); a exclusão social, econômica e política, ao lado do consumismo, do desperdício e da economia do descarte e a questão da ecologia integral, da degradação dos ecossistemas, a necessidade de a humanidade enfrentar com seriedade a crise socioambiental, tem contribuído para aumentar a gravidade desta situação. Essas três questões estão no âmago de praticamente todas as mazelas que pesam sobre o nosso planeta e toda a humanidade.

Em relação `a pobreza, que, na verdade é a matriz geradora de diversas outras mazelas, inclusive a fome, o sofrimento de quem não tem sequer a certeza de que poderá comer a cada dia, apesar de rezarmos/orarmos todos os dias dizendo “Pai nosso, que estais nos Céus….O pão nosso não dai hoje…”, só que as vezes nos esquecemos que bilhões de pessoas sofrem com insegurança alimentar, quase um bilhão sofre  com a dor da fome, que também mata milhões de pessoas, principalmente crianças, adolescentes, idosos e refugiados ao redor do mundo.

Vejamos o que nos diz o Papa Francisco sobre a Pobreza. “Os tempos nos tem falado que ainda existe muita pobreza no mundo e isto é um escândalo. Em um mundo onde tem tantas riquezas, tantos recursos para dar de comer a todos, não se pode entender como existem tantas crianças famintas, que existam tantas crianças sem acesso `a educação, tantos pobres! A pobreza hoje, é um grito” (Encontro com estudantes de escolas jesuítas, já mencionado anteriormente).

No mesmo ano, em um Encontro com dirigentes da FAO – Agência da ONU, especializada em agricultura e alimentação, em Roma,  assim disse o Sumo Pontífice “ É necessário, pois, encontrar a maneira para que todos possam se beneficiar dos frutos da terra, não apenas para evitar que aumente a diferença entre os que que tem mais e os que precisam conformar-se com as migalhas, mas também, e, sobretudo por uma exigência de Justiça (social), equidade e respeito a todo ser humano” (20 de Junho de 2013, em Roma).

Ao longo de muitos anos, décadas mesmo, principalmente a partir dos anos sessenta o debate sobre crescimento econômico, desenvolvimento x pobreza x desigualdades sociais, econômicas e regionais tinha como o único parâmetro a renda.

Todavia, as discussões foram sendo ampliadas e tanto nos organismos nacionais quanto internacionais, nas universidades e centros de pesquisa, a cada dia tem ficado mais nítida a ideia de que , como enfatiza o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si, “tudo esta interligado, nesta Casa Comum” e que “não existem duas crises separadas, de um lado, uma crise social e econômica e de outro uma crise ambiental/ecológica; mas sim, uma única e complexa crise socioambiental/ecologia integral”.

Portanto, para responder a este desafio, são necessárias, tanto no âmbito governamental quanto da sociedade civil, inclusive das Igrejas e religiões, medidas, ações, enfim, principalmente no âmbito do governo (local, regional/estadual e nacional) políticas públicas que possam enfrentar, globalmente, todos esses desafios.

Isto implica mudanças de paradigmas tanto na sociedade em geral, quanto no meio empresarial, nas organizações da sociedade civil e, principalmente, na gestão pública, que levem a transformações e mudanças profundas nas estruturas sociais, políticas e econômicas, tanto na forma de pensar, quanto de sentir e agir.

A ONU, através de sua Agência/Departamento – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), desde o ano de 1990 vem publicando, anualmente, o Relatório do Desenvolvimento Humano, utilizando-se de dados estatísticos oficiais dos países membros e também estudos de instituições nacionais e internacionais, inclusive universidades, que estão voltadas para análises da realidade política, social e econômica mundial e a evolução temporal dessas realidades.

Ao longo dessas três décadas, mais precisamente 33 anos, esses Relatórios tem se constituído em uma fonte valiosa de informações e dados estatísticos sempre atualizados, colocando-os `a disposição não apenas das sociedades nacionais de uma forma geral, mas, principalmente, para os agentes públicos e privados, para que utilizem tais informações na definição de políticas públicas e do planejamento governamental em todos os níveis (nacional, regional/estadual e local/municipal), para que suas ações sejam mais articulados, integradas, tanto entre os diferentes níveis de governo quanto das instâncias governamentais com a iniciativa privada, agentes econômicos, sociais e políticos.

Nesses 33 anos a ONU desenvolveu três índices importantes e valiosos para que diferentes aspectos da realidade, considerados os mais prementes, possam ser devidamente avaliados.

Esses índices são os seguintes: IDH – Índice de Desenvolvimento Humano; o IDG – Índice de Desenvolvimento de Gênero, que mede especificamente as questões de gênero e o IPH – Índice de Pobreza Humana. Todos esses índices são construídos levando em consideração diversas indicadores, tendo em vista que apenas um indicador não é suficiente para que a análise de uma determinada parte da realidade seja captada em sua profundidade.

Para que ações tanto as governamentais quanto de todas as demais esferas não governamentais, a economia, a política, a social e até mesmo as Igrejas sejam eficientes, eficazes e efetivas, as mesmas precisam estar fundamentadas em metodologia, como no caso da Igreja Católica que desenvolve seu planejamento eclesial e ações baseadas no método: VER, JULGAR, AGIR e (CELEBRAR).

Pouco antes da “virada” do século, a ONU estabeleceu alguns parâmetros que os países deveriam seguir, para enfrentar problemas que surgem ao longo do processo de desenvolvimento nacional. Assim foram estabelecidos os oito Objetivos do Milênio que deveriam vigorar do ano 2000 até 2015.

Esses objetivos eram os seguintes: Erradicar a pobreza extrema e a fome; Alcançar o Ensino primário universal; Promover a igualdade de gênero e empoderar as mulheres; Reduzir a mortalidade infantil; Melhorar a saúde maternal; Combater o HIV/AINDS, a malária e outras doenças; Garantir a sustentabilidade Ambiental; e, Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento.

Como podemos constatar, o primeiro objetivo mencionado era erradicar a pobreza e a fome no mundo, sendo desde então ou muito antes, considerados um dos maiores, ou talvez o maior desafio que todos os países, em menor ou maior grau experimentam e o que tem se constituído em uma “chaga social” ou como eu denomino UMA VERGONHA MUNDIAL.

Passados os 15 anos, a ONU, através de todas as suas agências especializadas como UNEP, PNUD, FAO, UNICEF, UNESCO, programa mundial de distribuição de alimentos, Conselho dos Direitos Humanos, entre outras, juntamente com os países membros, avaliaram o progresso que os países haviam atingido em relação a esses objetivos e metas estabelecidas.

A avaliação demonstrou que em alguns países ocorreram avanços, mas em diversas outros, inclusive no Brasil, a conquista desses objetivos e metas deixaram muito a desejar e para alguns desses objetivos a situação havia até piorado e continua piorando.

Após esta avaliação, em Assembleia Geral, em 2015 a ONU decidiu, com apoio de todos os países membros, reformular os Objetivos do Milênio e estabelecer um novo Pacto Global, procurando desdobrar alguns objetivos e acrescentando outros, principalmente em relação `as questões ambientais. Assim surgiram os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que tem como horizonte temporal o ano de 2030, daí também serem denominados, em seu conjunto, como AGENDA 2030.

Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis são os seguintes: 1) Erradicação da pobreza - acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; 2) Fome Zero e agricultura sustentável – acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; 3)  Saúde e bem-estar – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades; 4) Educação de qualidade – assegurar a educação inclusive, equitativa e de qualidade, promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos; 5) Igualdade de gênero – alcançar a igualdade de gênero e empoderar as mulheres e meninas; 6) Água potável e saneamento – assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos e todas; 7) Energia limpa e acessível – assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível para todas e todos; 8) Trabalho decente e crescimento econômico – promover o crescimento econômico sustentado, inclusive e sustentável, emprego pleno e trabalho decente para todos e todas; 9) Indústria, inovação e infraestrutura – construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusive e sustentável e fomentar a inovação; 10) Redução das desigualdades – reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; 11) Cidades e comunidades sustentáveis – tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; 12) Consumo e produção responsáveis (e sustentáveis) – assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis; 13) Ação contra a mudança global do clima – tomar medidas urgentes para combater  a mudança do clima e seus impactos; 14) Vida na água – conservação e uso sustentável dos oceanos e mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; 15) Vida Terrestre – proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra (dos solos e subsolo) e deter a perda da biodiversidade; 16) Paz, Justiça e Instituições eficazes – promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso `a justiça para todos/todas e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; e; 17) Parcerias e meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

Em setembro último (2022) a ONU divulgou o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2021-2022, com dados atualizados, inclusive quanto aos impactos da pandemia COVID-19 sobre aspectos como POBREZA, FOME e outros mais.

E mais recentemente, no dia 17 de novembro último, há duas semanas apenas, a ONU também divulgou outro documento muito importante que é intitulado “ Índice multivariado global da pobreza”, com o subtítulo “ Desvendando os fatores/as causas, para reduzir a pobreza”, ou seja, esta chaga social que é a pobreza tem várias causas e também inúmeras consequências, como a FOME e outras mais principalmente pelas pessoas que nela vivem ou meramente sobrevivem.

Nesta relatório são apresentadas as três dimensões básicas ou componentes que estão associadas `a pobreza (e definem o índice multidimensional da Pobreza): Saúde, educação e padrão de vida. Na saúde são considerados essencialmente a fome, a insegurança alimentar e a mortalidade infantil; na educação são destacados o tempo (anos) de escolaridade e a frequência escolar e no padrão de vida, fontes de energia, inclusive para cozinhar, instalação sanitária em casa e acesso a saneamento básico, disponibilidade de água potável, eletricidade, condições da habitação, propriedade e renda pessoal e familiar.

Isto representam uma resposta ao desafio quanto `as diversas abordagens ou tentativas para enfrentar tanto a pobreza em si, quanto suas causas, inclusive a fome e a insegurança alimentar.

Se a fome é consequência da pobreza, sem extirpar a primeira, em suas diversas dimensões, a segunda (a fome) jamais será extinta, principalmente quando muita gente, muitas organizações, inclusive programas governamentais ou mesmo através da atuação de Igrejas e outras entidades caritativas, imaginam que com assistencialismo poderemos combater tanto a fome quanto a pobreza.

A CARITAS Brasileira, filiada `a CARITAS internacional, uma organização humanitária da Igreja Católica, enfatiza três níveis de caridade: a assistencial, a promocional e a libertadora. A primeiro busca o atendimento imediato a quem tem fome ou outras necessidades básicas; a segunda procura dotar quem assim esteja excluído de condições e habilidades para adentrar o mercado de trabalho e a última, tenta despertar a consciência dos excluídos quanto `a necessidade de transformações estruturais para que a pobreza e a fome, por exemplo, sejam, de fato enfrentadas.

O assistencialismo atende apenas a premência para evitar que as pessoas morram, literalmente de fome, mas se as causas da fome, que estão vinculadas `a pobreza não forem atacadas, com certeza, a fome continuará fustigando a vida de milhões e bilhões de pessoas ao redor do mundo, seja em países africanos, asiáticos, latino-americanos, do Oriente Médio, seja no Brasil, seja em países ricos, do primeiro mundo como a Europa, Estados Unidos ou mesmo entre os integrantes do G-7; os países mais ricos do mundo, onde estão a quase totalidade dos bilionários do planeta, mas que a fome e a pobreza ainda estão bem presentes.

Finalizando, gostaria de enfatizar as denúncias e propostas do Papa Francisco quanto aos caminhos que devemos trilhar para, não apenas  reduzir um pouquinho a pobreza ou simplesmente mitigar uma de suas consequências que é a fome, mas de fato dar um salto de qualidade nesta caminhada.

Vejamos: “Ao mesmo tempo que almejamos o progresso para atingirmos um mundo melhor, não podemos deixar de denunciar desgraçadamente o escândalo que é a pobreza em suas diversas dimensões. A Violência, a exploração, a discriminação, a marginalização, as formas restritivas `as liberdades fundamentais, tanto das pessoas quanto dos grupos sociais, são alguns dos principais elementos da pobreza que se devem superar com urgência. Exatamente esses aspectos é que caracterizam muitas vezes os movimentos migratórios, que unem essas migrações e a pobreza”. (Mensagem para a Primeira Jornada Mundial dos imigrantes e refugiados, 05 de Agosto de 2013).

Como alternativa aos modelos e estruturas sociais, políticas e econômicas injustas, nefastas e excludentes que geram pobreza, fome e tantas outras desgraças, o Papa Francisco apresenta propostas como: A Economia de Francisco e Clara, os seus três “Ts”: Terra, teto e trabalho; e diversas outros aspectos, principalmente em suas Encíclicas como a Laudato Si, A Fratelli Tutti e a Exortação Apostólica “Querida Amazonia”.

Esta é uma discussão que precisa ser mais aprofundada com dois olhares fundamentais: o olhar crítico sobre a realidade e o olhar samaritano e profético que a Doutrina Social da Igreja tanto tem enfatizando ao longo de 130 anos. Vamos participar desta caminhada?



*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia Intregral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Sexta, 25 Novembro 2022 11:24

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 

“Eu sou a ressureição e a vida, aquela que crê em mim, ainda que morra viverá”

(Palavras de Jesus Cristo, conforme o Evangelho de São João, Capitulo 11:25)


“Humanidade de cima, estamos em sintonia, venha nos auxiliar, na luta de todo dia! A morte não é o fim, vocês já estiveram aqui; amanhã estaremos aí. a vida continua, sim! Humanidade do Espaço, as barreiras se rompem. é tempo de união! Hoje já não é ontem, aceite o nosso abraço, através desta canção! Humanidade de Cima, estamos em sintonia, venha nos auxiliar na luta de todo dia! (trecho da Canção Legionária Humanidade de Cima”.
 

O dia era 20 de Novembro de 2021, só que era um sábado, não um domingo, como hoje em novembro de 2022. Até mesmo a temperatura era mais amena, durante o dia em torno de 8 graus centigrados, enquanto nesta madrugada foi de 4 graus abaixo de zero e a máxima será de apenas um grau Celsius positivo.


Havíamos chegado nos EUA, no Aeroporto Internacional de Dulles, na Virgínia há apenas dois dias, depois de mais de dois anos termos estado “presos” em Cuiabá, devido a pandemia da COVID-19, praticamente reclusos em casa, longe das filhas, dos netos e neta, a quem tanto amamos e sempre estivemos por perto, mesmo residindo tão distantes.


Afife, que há pelo menos 5 anos desenvolvia demência vascular, sempre, boa parte do tempo estimulada como por exemplo nas chamadas de vídeos que nossas filhas sempre faziam, lembrava ainda relativamente bem das pessoas com as quais convivia mais proximamente e continuava com boa independência e autonomia.


Sofremos muito com a distância e as saudades das filhas, netos e neta e mais ainda com o pavor que o avanço da covid-19 fazia no Brasil e no resto do mundo, o noticiário diário era bem macabro, só noticias e imagens de mortes, sepultamentos, gente entubada e sofrendo nos hospitais e vendo, por diversas vezes a morte bem de perto com a despedida de parentes, amigas e amigos que foram tragados por esta terrível pandemia.


Assim, só depois de vacinarmos com três doses e submetermos aos testes exigidos pelas autoridades de todos os países, inclusive dos EUA e do Brasil, decidimos viajar rumo a esta região, nos EUA, com muitas saudades, expectativas e ansiedade, pois o medo do contágio ainda estava presente principalmente para pessoas idosas, como a gente.


Saímos de Cuiabá no dia 10 de novembro, uma quarta feira bem quente, em um voo da tarde, direto para o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, para uma parada, evitando que a viagem fosse tão cansativa, onde permanecemos por uma semana, quando, como sempre fazíamos em Cuiabá, caminhávamos diariamente, de mãos dadas, na certeza de um apoio mútuo, tanto emocional quanto físico, o que sempre chamou a atenção de pessoas, muitas que nem ao menos nos conheciam e nos paravam para conversar e, logo, vinha a pergunta “quantos anos vocês têm de casados”.


Com certa alegria, entusiasmo e em tom as vezes jocoso, Afife devolvia a pergunta “advinha quantos anos”, e as pessoas diziam uns 30 ou 40 anos; e aí ora eu ora ela dizíamos 50, 51 ou nos últimos dias de nossa vida em Cuiabá, 52 anos. Geralmente as pessoas admiravam e falavam “Que Deus bbencoe voces sempre”, pois elas admiravam a nossa vitalidade fisica e companheirismo diário.


Outro aspecto interessante, Afife adorava ouvir o canto dos pássaros, tanto em casa quanto ao caminharmos pelas ruas de Cuiabá, principalmente das araras que migraram em bandos para Cuiabá, fugindo das queimadas que dizimaram boa parte do maravilhoso Pantanal Matogrossense e também os bem-te-vis, que ela volta e meia parava para imita-los e observa-los. Essas são cenas que permanecem bem vivas em minha mente e lembranças.


Afife também adorava plantas, sempre que via uma planta falava, “a gente podia conseguir muda desta planta e levar para casa”, onde, em Cuiabá sempre cultivamos o verde incluindo na frente da casa duas grandes árvores de primavera, um pé de acerola, pés de mamão e também hortaliças, que Afife gostava tanto de regar, cuidar e admirar o crescimento, as flores e os frutos.


Saimos de Cuiabá, estavamos alegres, felizes pois iriamos passar em torno de quatro a cinco meses nos EUA, só voltariamos após o aniversario de Afife, que seria em 27 de Março de 2021, chegamos até a planejar uma viagem da área de Washington, DC para Nova York, como fizemos há uns dez anos passadas, só Afife e Eu, quando por uma semana  comemoramos um aniversario dela naquela cidade maravilhosa.


Em nossos planos também estava uma viagem para a Italia, Roma, para ficarmos uns meses com Ludmila, nossa filha caçula  e o nosso netinho, Ollie, que moravam ainda naquela época em Bruxelas e que iria ser transferida para Roma. O que acabou não acontecendo.


No Rio, durante quase uma semana de 11 a 17 de novembro todos os dias caminhavamos, as vezes pelo calçadão de Copacabana ou pela areia a beira mar, sempre em torno de 5 a 6 km diários, as vezes pela manhã e as vezes ao entardecer e em alguns dias em ambos os períodos, extendendo a distância percorrida, mas que Afife conseguia fazer sem grande desgaste físico.


Antes de sairmos de Cuiabá, fizemos, como sempre fazíamos e eu continuo fazendo, anualmente, um “check up” complet, para ver se não pudesse surgir algum problema de saude na viagem ou quando aqui chegassemos.


Afife tinha alguns problemas de saúde, mas todos plenamente controlados e estava bem de saúde, incluindo o controle da hipertensão arterial, a degeneração ocular húmida e a osteoporose, ela não tinha colesterol elevado, nem diabetes, ao longo dos últimos 20 anos sempre tomamos regularmente as vacinas recomendadas, inclusive para gripe, pneumonia e gracas a esses e outros cuidados recomendados possamos ilesos durante a pandemia do coronavirus.


Enfim, sabendo que estavamos bem de saúde e que nenhuma risco imediato poderia surgir, decidimos fazer mais uma vez, talvez a vigéssima longa viagem entre o Brasil e os EUA, bem cansativa, mas que nos trazia alegria e felicidade por poderemos desfrutar de mais uns meses de convivio com nossas filhas, netos e neta, como fizemos ao longo dos últimos 30 anos, desde que, ao retornarmos ao Brasil no inicio dos anos noventa, nossas filhas, então ainda jovens decidiram aqui ficar e acabaram constituindo familias, adentraram o mercado de trabalha e se tornaram cidadãs americanas, por naturalização.


A viagem do Rio até os EUA, foi , como sempre é, bem longa, um voo saindo do Galeão de madrugada, amanhecendo na cidade do Panamá e chegando na Virgina logo depois de meio dia do dia 18 de novembro de 2021, em um contraste enorme de temperatura,pois ao deixarmos o Rio de Janeiro, onde na década de oitenta moramos por dez anos, onde nossas filhas passaram boa parte da infância e adolescência, repito, ao sairmos do Rio a temperatura estava quase 40 graus centigrados e ao aqui chegarmos estava na faixa dos dez graus.


No restante daquele dia descansamos bastante, mas logo no dia seguinte, 19 de de novembro, uma sexta feira, lá estavamos nós, Afife e Eu, de mãos dadas, fazendo nossa caminhada pela trilhas e em meio `as florestas urbanas que adornam muito esta região, que cujas árvores, diferentes do que ocorre este ano, ainda estavam com bastante folhas, de um colorido maravilhoso, como acontece durante o outono nos EUA, principalmente nesta região metropolitana de Washington, DC,  Distrito de Columbia, capital do país.


No sábado, dia 20 de novembro seria mais um dia como outro qualquer, caminhamos pela manhã, conversamos por telefone  Sophia, Raphael, Nick, Phil, Mark, nosos netos,  Valéria e Ludmila, esta última, que, mesmo morando na Europa estava por aqui. Haviamos combinado para almoçarmos juntos em um restaurante no dia seguinte, domingo, quando toda a família estaria reunida.


Após o almoço, fomos a uma loja que também é supermercado, a Wall Mart, comprar algumas coisas e já estavamos na expectativa das comemorações do “thanksgiving”  que seria na semana seguinte e também do Natal, que ocorre um mês após essas festividades do “Dia de ação de gracas”.


Ao retornar para casa, por volta das cinco da tarde, Afife queixou-se de cansaço e disse que não iria jantar, apenas tomou um yogurt e depois um copo de leite, deixando a missa para o dia seguinte, que seria domingo pela manha , na Igreja de Santa Verônica, aqui bem perto de onde ‘moramos”, costumamos ficar com Verônica e Mathew, quando estamos nos EUA.


Ao longo de minha vida já estudei bastante e escrevi vários artigos sobre saude, doença e mortalidade, mas, pessoalmente, nunca havia visto uma pessoa morrer na minha presença, na minha frente. Sei, como  sempre soube, ao comparecer a velórios de pessoas amigas e de varios familiares meus ou de Afife, o quão triste e complicada é a morte, na verdade um grande mistério.


Ver uma pessoa em uma urna urna funerária ou ver um enterro é uma experiência triste e dolorosa, mas ver uma pessoa morendo na frente da gente e algo mais triste e cruel ainda do que a gente imagina, mesmo que tentemos prolonger a vida, isto foge totalmente ao nosso controle.


Assim foi com Afife, ela subiu para o andar superior da casa onde fica nosso quarto, sentou-se na cama rezou/orou, como costumava fazer todas as noites ao longa da vida, antes de dormir, fez o sinal da cruz e deitou-se, pedindo que eu a cobrisse e deitou-se, dizendo que estava com frio, ai eu coloquei mais um cobertor.


Na mesa de cabeceira estava sua caneca de água, sua companheira insepaável, pois muitas vezes acordava a noite e costuma beber água e as vezes ir ao banheiro. Mas naquela noite foi totalmente diferente, como ela não quis jantar eu ia descer para preparar minha comida, mas antes que eu deixasse o quarto ela sentou-se na cama extremamente pálida e foi logo dizendo “ Juacy, eu vou morrer, chame um médico, chame um médico”, levei o maior choque pela palidez em que ela estava e gritei para Veronica que estava no quarto em frente, e ela chamou o 911, um número universal aqui nos EUA que ao ser chamado aciona um sistema de emergência de pronta respotas.


Em menos de quinze minutos duas ambulâncias, com suas equipes e aparelhos chegaram em casa, mas antes de chegar passaram orientações para Verônica, minha filha, quanto a alguns procedimentos que deveriam ser feitos até que as equipes de Socorro chegassem.


Graças ao apoio de Matthew, nosso neto mais velho que estava em casa e de Verônica, eles deitaram Afife no chão do quarto e realizaram os procedimentos de reanimação. Chegando as equipes esses procedimentos, com a ajuda de vários aparelhos foi tentata da reanimação, as vezes ela dava sinal de ‘voltar”, mas aos poucos foi desfalecendo até que a morte tomasse conta de sua vida e de seu corpo.


Sei que o espírito, a alma não permanece em um corpo inerte e assim estava alí, bem em nossa frente Affie aquela pessoa admirável,maravilhosa, cheia de vida , de coragem, que gerou nossas tres filhas, que jamais titubeou em enfrentar e vencer todos os desafios desde sua infância, juventude e idade adulta, inerte, sem poder dar suas gargalhadas, fazer suas piadas, conversar, rezar.


Como aqui nos EUA não existe o que no Brasil é o IML, todas as pessoas que morrem em casa, são levadas a um hospital imediatamente após o falecimento, para os exames de praxe e definir a causa da morte.


Aife foi levada para um hospital bem próximo no inicio da noite daquela sábado, 20 de novembro de 2021; onde ficou até no dia seguinte. Telefonei para Valéria e Ludmila, dando a mais triste notícia que podia falar em toda a minha vida.


Várias pessoas da família e Eu, estivemos no hospital por horas até que a equipe médica concluisse os trabalhos de diganóstico da causa da morte, quando, então foi possível iniciarmos o que seria o velório, que só terminaria 40 dias depois, em uma funerária em Cuiaba.


Enquanto ela estava no Hospital, foi possível contemplar seu rosto sereno,lindo,  como se ainda estivesse viva e apenas dormindo, lembro bem que naqueles momentos foram meus últimos abracos e beijos em seu corpo inerte, frio, sem qualquer reação.


Como desejei que aquela situação fosse apenas um sonho ou um pesadelo e que logo, ao acordar, tudo seria diferente. Mas não era nem sonho e nem pesado, apenas a realidade do final da etapa de uma vida terrena, cuja alma/espirito se desprende da matéria e volta `as suas origens, a Deus, `a eternidade, `a transcedência que, como cristãos, por acreditarmos na ressureição, um dia poderemos nos encontrar novamente, em outra realidade que transcende toda a materialidade e continua sendo, talvez, `a semelhança de quando a vida é gerada, um dos maiores mistérios que acompanha o ser humano desde tempos imemoriais. O inicio e o fim da vida são os dois grandes e indecifráveis da curta ou longa existência humana.


Foi alí no hospital que nos despedimos de Afife, era noite, talvez a noite mais longa, angustiante e triste de nossas vidas, por sabermos que ao amanhecer do domingo, que foi um dia ensolarado, lindo não teriamos mais a presença de nossa querida Afife que por tantos e tantos anos esteve conosco nas alegrias e tristezas, nos mo,mentos felizes e em outros mais desafiadores.


Logo cedo no domingo, fomos a uma funerária acertar os trámites e próximos passos para o translado de Afife para o Brasil, que, conforme o desejo dela, não desejava ser cremada ou sepultada fora do Brasil, queria que sua última morada terrena fosse  ao lado de seus pais e demais parentes no Cemitério de Várzea Grande, em Mato Grosso. E assim, fizemos.


Não me lembro bem, mas acho que foi na segunda ou terca feira após o falecimento que Ludmila, Phil, Mark e Nick foram `a funerária onde seu corpo, congelado, embalsamado estava “guardado”, para se despedirem de Afife. Eu não fui, estava muito angustiado e como iriamos promover o translado eu teria oportunidades de despedir-me e ver Afiffe pela última vez quando do velório e sepultamento em Mato Grosso.


Jamais poderiamos imaginar o quão longo , dificil e complicados seria o processo de translado de uma pessoa de um país para outro e mais complexo por estarmos ainda, naquela ocasião vivendo tanto nos EUA quanto no Brasil e diversas outros países o que poderiamos chamar de “rescaldo” da covid-19.


As exigências e a documentação foram imensas e somente depois de 39 dias conseguimos que Afife pudesse ser velada por poucas horas em Cuiabá e sepultada no Cemitário São Francisco, em Várzea Grande.


Entre a morte e o sepultamente dela, vários acontecimentos se transcorreram, desde as dificuldades do translado e também as “comemorações” do “thanksgiving” e Natal, que, confesso, não nos davam alegria como em tantas outras ocasiões ao longo de mais de 50 anos de vida em comum.
No domingo, dia seguinte `a morte de Afife, como já estava programado e reserva feita, fomos almoçar em um restaurante, havia sido feita uma reserve para 13 pessoas, só que um lugar ficou vazio, era o lugar de Afife. Nem precisa dizer que a comida não tinha gosto, a única coisa que povoava nossas mentes e alimentava as nossas conversas era a morte de Afiffe.


O mesmo aconteceu com as reuniões do Thanksgiving (Dia de Ação de Graças) e Natal ,sem graça e bem triste, pelo menos para mim e nossas filhas, netos e neta. Mas aos poucos a “ficha ia caindo” e a gente ia percebendo que por mais triste e dolorosa que fossse esta situação, era de fato uma realidade concreta e cruel, sem retorno.


Antes, porém, na sexta feira, dia 26 de Novembro, por iniciativa de nossa amiga de mais de 30 anos Neusa Medeiros, uma pessoa extremamente religiosa e companheira de caminhada aqui nos EUA, foi encomendada uma missa de Sétimo Dia, celebrada por um padre, cujo nome não consigo lembrar, na capelinha da “Missionhusrt”, nas proximidades da Marymount University, uma universidade católica na Virgínia, onde nossas tres filhas estudaram, onde, por tantas vezes Afife esteve frequentando missas e rezando.


Terminado o Natal e com todos os trâmites burocráticos resolvidos, no dia 26 de dezembro de 2021 embarcamos, minha filha Valéria e Eu, para o Brasil em um voo com destino ao Rio de Janeiro, com escala em Miami. Esta era a primeiro vez que, ao longo de mais de 30 anos, eu estava voltando ao Brasil sozinho, sem Afife.


Chegamos ao Rio e no dia seguinte, quando estavamos para embarcar para Cuiabá o voo que estava trazendo Afife para sua última morada no Brasil, saiu dos EUA com destino a SP e de lá para Cuiabá.


Assim, no dia 29 de dezembro de 2021, Afife estava, finalmente, sendo velada em Cuiabá, com a presença de algumas pessoas de nossas familias, alguns amigos e amigas. Na capela onde ela estava sendo velada foi rezada uma missa de corpo presente pelo nosso amigo de longa data, conselheiro espiritual, o nosso querido Padre Deusdédit, Vigário Geral da Arquidiocese de Cuiabá.


Concluido o sepultamento, logo nos dias seguintes ocorreram as celebrações do final de ano e almoço do dia 01 de Janeiro de 2022, no salão de festas do edifício onde mora minha cunhada Arlete, pessoa maravilhosa que me tem dado muito apoio, como Ivete, sua irmão e demais parentes de Afife.

Durante o almoço eu estava tossindo muito e minha filha Valéria insistia para que eu fizesse o teste para covid-19, no que eu dizia que era renite alérgica que me acompanha há longos anos. Pela insistência dela fiz o teste na segunda feira e logo depois, no mesmo dia veio o diagnóstico positivo, eu estava com covid.


Isto acendeu o alerta vermelho, minha filha deveria retornar aos EUA para “tocar” sua vida e se contraisse a doença teria que ficar de quarentena no Brasil por mais  algumas semanas até que testasse negativo e pudesse viajar.


Depois de 4 ou 5 dias, Valéria testou negativo, apesar de estar convivendo comigo e retornou ao Rio, para logo depois voltar aos EUA e eu fiquei sozinho, apenas com a companhia da Celeste, nossa boa escudeira, que não mediu sacrifícios para estar me ajudando nos cuidados enquanto eu estive com a covid-19, até em um dia em que por não estar passando bem tarde da noite precisei ir ao pronto atendimento da unimed e ela foi comigo.
Naqueles momentos, confesso que, como centenas de milhares de pessoas já haviam morrido ou estava internadas ou entubadas em hospitais eu também corria este risco, mas continuei confiante de que minha hora não havia chegado, como de fato não chegou até este momento.


Minha vida ao longo desses doze meses, desde que Afife nos deixou e foi para sua morada eterna, não tem sido fácil, por mais que eu me esforce, lute a dor interior apenas refece um pouco, pois as lembranças estao presentes 24 horas por dia.


Ao caminhar seja em Cuiabá, no Rio de Janeiro ou aqui nos EUA, todos os lugares, as ruas, as trilhas, as paisagens, as fotos que retratam um pouco dos momentos felizes ou tristes, que, como todas as familias percorrem ao longo de suas caminhadas continuam bem presentes.


Assim, com apoio, palavras amáveis, muita compreensão e carinho de parentes, amigas e amigos sigo nesta trajetoria, o que pode ser a última etapa desta caminhada por este planeta. Sei que aos 80 anos, tenho muito mais passado do que futuro, mas o tempo que mesma desta vida terrena quero vive-la promovendo o bem e buscando contribuir para um mundo melhor. Assim fazendo, sei que estarei honrando a memória de Afife, uma mulher amorosa, determinada, corajosa, lutadora e, acima de tudo, extremamente religiosa, cristã e “muito família”, que não media esforços ou sacrifício para estar junto a quem sempre dela necessitava.


Este é apenas o resumo, um pedacinho deste primeiro ano sem a presença fisica de Afife entre nós, pois sua presença espiritual continua bem constante e podemos senti-la a cada momento. Hoje, em Cuiabá e aqui nos EUA, Afife estará sendo lembrada em missas, quando podemos rezar presencial ou espiritual e emocionalmente pela sua alma tão generosa!


Afife Bussiki da Silva, primeira mulher que empreendeu em Mato Grosso, ao estabelecer e operar um laboratório de Análises Clínicas, em Cuiabá, uma das primeiros, segunda ou terceira mulher a dirigir e a ter um carro na capital do Estado, antes de haver SUS costumava realizar exames laboratoriais gratuitamente a quem não tinha recursos financeiros para faze-los; Católica fiel, praticante, voluntária na organização da Caritas Arquidiocesana de Cuiaba, esposa dedicada, parceira de tantas jornadas, mãe amorosa, irmã e filha generosa e sempre presente na vida da família, ao deixar este planeta sempre será lembrada por tantas coisas boas que fez para tanta gente!

*Juacy da Silva, professor aposentado da UFMT. Gaitherburg, MD 20 de Novembro de 2022
 

Segunda, 21 Novembro 2022 08:17

 

 

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JUACY DA SILVA*
 


“É preciso dar terra aos negros, a escravidão é um crime, o latifúndio é uma atrocidade. Não há comunismo na minha nacionalização do solo (terra), é simplesmente democracia rural”.


Para muitos conservadores e adeptos da ideologia de direita ou extrema direita, defensores intransigentes da propriedade privada, principalmente da terra, como se fosse um dogma sagrado, esquecendo o que nos fala o Papa, atualmente São João Paulo II, na Encíclica sobre o Trabalho Humano de que “sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”.  


No contexto do liberalismo econômico e do “deus’ mercado, esta frase que poderia colocar em risco os valores e os pilares da civilização cristã ocidental, Todavia ela não faz parte de nenhum discurso esquerdista, socialista ou comunista nas últimas eleições, mas quem a pronunciou, poucos anos da assinatura da Lei Áurea, que colocou fim, pelo menos no papel, `a escravidão no Brasil, foi André Rebouças, abolicionista ferrenho, politico, primeiro engenheiro negro  a se formar na Escola Militar do Rio de Janeiro.


Através da Lei 10.639, sancionada no dia 09 de Janeiro de 2003, pelo então e, novamente, futuro Presidente Lula, poucos dias depois de tomar posse em seu primeiro mandato, foram feitas algumas modificações na Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).


Essas modificações foram as seguintes: a) incluiu o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil; e, b) O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra”.


O Dia da Consciência Negra no Brasil é um resgate histórico da luta dos escravos por Liberdade, onde a figura de Zumbi dos Palmares ganhou destaque, dos descendentes de quase cinco milhões de escravos que foram trazidos da África, em condições as mais humilhantes e degradantes que um ser humano pode ser submetido, durante mais de 300 anos de nossa história, de 1550 ou 1560, conforme vários historiadores até 1850, quando da aprovação da Lei Eusébio de Queirós que aboliu o tráfico de escravos mas que só foi realmente abolido definitivamente em 1856.


Durante esses três séculos, a escravidão esteve na base do crescimento econômico dos períodos colonial e do Império e fez parte do processo de acumulação de renda, riqueza e propriedade no Brasil, das elites dominantes e escravocratas.


A “libertação” dos escravos ocorreu de forma “lenta e gradual”, determinando que o Brasil viesse a ser o último país nas Américas a abolir esta prática desumana e perversa, cuja nódoa, vergonhosa, cujas consequências permanecem até os dias atuais na forma de racismo estrutural, do trabalho semiescravo ou análogo `a escravidão, preconceito relacionado `a cor da pele, discriminação e toda sorte de violência e humilhações contra negros, pardos, enfim, afrodescendentes que ainda persistem em nossa sociedade.


Entre a Lei Eusébio de Queiroz, `a Lei do ventre livre, a Lei dos sexagenários até a Lei Áurea, se passaram 38 anos e esta só ocorreu não pela magnanimidade da Princesa Isabel, como por muito tempo era ensinada em nossas escolas, mas por pressão econômica, financeira e internacional da Inglaterra, que desejava ampliar o mercado brasileiro para expandir suas exportações de produtos industrializados.


Assim, o DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, que é comemorado todos os anos em 20 de Novembro, deve servir para reflexões, não apenas em relação ao processo histórico das lutas em defesa dos direitos da população afrodescendente que apesar de representar 56% da população brasileira, ainda está concentrada majoritariamente nos extratos de baixo da sociedade, proporcionalmente muito maior, entre os excluídos, os injustiçados, os que sofrem violência de toda ordem, os que passam fome, os que recebem os menores salários, os que engrossam as filas dos pobres e miseráveis em busca de migalhas que caem das mesas dos poderosos e dos programas assistencialistas das instituições governamentais e privadas.


Vale a penas também termos em mente a evolução da legislação em relação `a questão racial brasileira mais recente. Em 1951 foi sancionada a Lei Afonso Arinos; em 1989 a Lei 7.716/89, conhecida com Lei do Racismo, que pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade ou aspecto físico.


Em seu artigo 3º, a lei prevê como conduta ilícita o ato de impedir ou dificultar que alguém tenha acesso a cargo público ou seja promovido, tendo como motivação o preconceito ou discriminação. Por exemplo, não deixar que uma pessoa assuma determinado cargo por conta de raça ou gênero. A pena prevista é de 2 a 5 anos de reclusão.


Esta Lei também veda que empresas privadas neguem emprego por razão de preconceito. Esse crime esta previsto no artigo 4o. da mesma lei, com mesma previsão de pena.


Pouco antes, havia sido aprovada e sancionada a Constituição Federal de 1988, que definiu o crime de racismo como uma das formas de violação dos direitos e liberdades individuais, como estabelecido no inciso XLII do artigo quinto da Carta Magna.


Vale a pena também mencionar que, ao definir os objetivos fundamentais do país, observar o seguinte no artigo terceiro item “IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.


Em 2010, no último ano do Governo Lula foi sancionada a Lei 12.288, o chamado Estatuto da Igualdade Racial, que define marcos legais significativos para por fim `as práticas discriminatórias e racistas em nosso país.


E, em 2014, no Governo da Presidente Dilma foi sancionada a Lei 12.990, a chamada Lei das Cotas, que garante vagas em vestibulares e concursos para cargos públicos para pessoas oriundas de escolas públicas ,que são frequentadas, majoritariamente, por pobres , indígenas e pessoas com deficiência, ampliando os parâmetros de inclusão social e econômica, uma forma indireta de reparação `a dívida social e histórica com essas populações.


Apesar de serem a maioria no Brasil, em torno de 56% da população total, as pessoas afrodescendentes continuam subrepresentadas nas estruturas do Poder, seja nos Legislativos municipais, estaduais e nacionais (Câmaras municipais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional); nos Executivos municipais, estaduais e federal (prefeitos, governadores e presidente da República); e, mais discriminados ainda, no Poder Judiciário, seja na justiça estadual, na Justiça Federal, em todas as instâncias, inclusive e marcadamente, nos tribunais de justiça estaduais e em todos os tribunais superiores.


O mesmo pode ser observado nos chamados cargos de confiança como Ministros, secretários de estado, dirigentes de empresas estatais, secretários municipais, onde os afrodescendentes são os grandes ausentes, ou seja, em cargos de direção superior a presença de brancos é quase total.


Outro setor onde se nota a ausência ou baixa representatividade de afrodescendentes é entre docentes do Ensino superior. Quando se olha para as universidades públicas, a taxa é de apenas 14,4% dos docentes, enquanto no ensino privado, a proporção é de 18%.


Na dimensão oposta, ou seja, no contexto da marginalização, exclusão e violência racial, os afrodescendentes representam a grande maioria das vítimas. Em matéria relativamente recente, de 02 de julho último, no Jornal Folha de São Paulo o titulo é bem sugestivo desta triste realidade: “Negros são a maioria da vítimas de crimes violentos no Brasil” e destaca que dessas vítimas 78% são negros/negras e apenas 21,7% brancos/brancas.


Em 2005 do total da população carcerária (onde mais de 31,9% são de presos provisórios, que jamais foram julgados e condenados), 58% eram afrodescendentes e em 2021, esta proporcionalidade aumentou para 67,5%; cabendo ressaltar que 70% dos crimes cometidos ou a eles imputados eram contra o patrimônio e apenas 12% contra a vida. Quando se trata de mortes provocadas por intervenções policiais, estudos recentes e dados oficias apontam que 65% das vítimas são pessoas negras ou pardas e apenas 20% são brancas. Isto demonstra que a “mão” da repressão do estado pesa muito mais contra negros e pardos do que contra brancos.


Entre pessoas com 65 anos e mais, o índice de analfabetismo entre negros é de 27% e entre brancos de apenas 9,5%; e na população acima de 15 anos, as taxas de analfabetismo é de 6,5% para brancos e de 18,0% entre afrodescendentes.


Em termos de renda, seja familiar ou individual, os trabalhadores brancos ganham em torno de 40% a 50% a mais do que afrodescendentes; quando se trata de trabalho informal a taxa entre afrodescendentes é de 46,3% e entre brancos 32,7%.


Outro aspecto importante é a pobreza, onde 34,5% são pretos; 38,4 são pardos (afrodescendentes 72,9% do total dos pobres) e brancos apenas 18,5%; isto pode ser constatado pelos dados do CADÚnico e também pelos programas de assistência como bolsa família, auxilio Brasil, vale gás e também por programas de caridade privada como nas Igrejas.


Mesmo que as vezes as estatísticas oficiais sejam defasadas, basta observarmos nas diferentes filas físicas ou virtuais no Brasil inclusive as filas do SUS, negros, pardos, pobres, desempregados, doentes, endividados, desesperançados, crianças, mães, representam a grande maioria dessas pessoas, muito maior do que a proporção que os afrodescendentes representam na sociedade brasileira.


Enquanto afrodescendentes estão majoritariamente presentes nas periferias urbanas, nas favelas e habitações sub-humanas, nas camadas mais baixas da sociedade, entre pobres e excluídas, nas posições, cargos e funções que representam maior ganho, salários mais altos, maior acúmulo de renda, riqueza e propriedade, inúmeros privilégios, benesses custeados pelo Estado, enfim, pelo contribuinte, dessas classes apenas , com raríssimas exceções, fazem parte as pessoas brancas.


Em cargos gerenciais ou de direção tanto em empresas privadas quanto em organismos públicos, nota-se claramente a ausência de pessoas afrodescendentes, apenas 14,6%, enquanto os brancos ocupam 84,4% dessas funções ou cargos.


Quando a variável de análise são os cargos e os respectivos rendimentos de ocupações com menor prestígio e remuneração muito mais baixa, nota-se que nos postos de trabalha que requerem menores índices de escolaridade e “expertise” professional, os afrodescendentes ocupam mais de 80% dessas posições enquanto nas profissões e ocupações melhor remuneradas praticamente a presença de negros e pardos é quase inexistentes, mais de 85% são brancos.


Por exemplo, as pessoas brancas são 88% entre dentistas, 89% entre médicos e professores de faculdades de medicina, mis de 75% entre advogados 88% entre engenheiros; enquanto 92% dos trabalhadores rurais e braçais, 90% dos lixeiros e faxineiros e 85% dos/das empregados/as domésticas são afrodescendentes.


A média salarial no Brasil em 2021 era a seguinte: homem branco R$3.471,00 reais; mulher branca R$2.674,00 reais; homem afrodescendente R$ 1.968,00 reais e mulher afrodescendente R$ 1.617,00 reais. Isto demonstra tanto a desigualdade racial (cor da pele) quanto a desigualdade de gênero, desfavorável à mulher.


Costuma-se dizer que o ponto mais baixo da pirâmide social no Brasil é ocupado pela mulher Negra/parda e pobre, enquanto no ápice da pirâmide social, econômica e política está o homem, branco e rico (milionário e bilionário), poucas exceções são encontradas neste “arranjo” social desumano e excludente.


O racismo estrutural, apesar do “avanço” da legislação nas últimas décadas ainda está presente em todas as dimensões da sociedade brasileira, principalmente no ápice das estruturas econômicas e políticas, ou seja, nas instâncias de poder.

No Poder Judiciário, por exemplo as estatísticas, em quase metade de todas as instâncias não coletam e apresentam dados tendo a variável raça/cor, tornando-se difícil uma análise mais profunda.

Todavia, mesmo com a precariedade de dados existentes e disponíveis nos relatórios do Conselho Nacional de Justiça, relativas ao ano de 2020 e publicadas em 2021,  pode ser verificado que em 2013 a presença de afrodescendentes era de 15,6% entre magistrados e de 29,1% entre os servidores/as. Já em 2021 os dados indicam que entre servidores a presença de afrodescendentes era de 30,0%; de estagiários 69,1% e entre magistrados caiu para 12,8%.

Em 2021 na Justiça estadual apenas 12,1% dos magistrados eram afrodescendentes; nos tribunais superiores 14,8%, com destaque (negativo) para a Justiça Federal onde 97,4% dos magistrados eram brancos e apenas 2,6% negros ou pardos.

Interessante, para não dizer muito triste, notamos que apenas 8% dos desembargadores no Brasil são negros ou pardos e 12,1% das desembargadoras estão neste grupo e nos tribunais superiores 17% dos ministros são afrodescendentes e apenas 11% das ministras são negras ou pardas.

Já em relação ao que costuma-se chamar de poder politico, ou seja, na esfera de quem realmente comanda o país, que define as regras do jogo “democrático”, notamos um certo avanço, muito lento quanto `a presença de negros e pardos em cargos eletivos, por exemplo, na composição do Congresso Nacional a partir de 2023 apenas 24% dos parlamentares são afrodescendentes; entre os atuais prefeitos 32% são negros e pardos e entre os vereadores do Brasil todo 44% são afrodescendentes.

Por isso, podemos concluir que a pobreza, a miséria, a exclusão no Brasil tem cor e gênero, elas são preta ou parda (afrodescendentes) e são marcadas também pela ausência das mulheres nos estamentos superiores. A Justiça e demais instâncias dos poderes Legislativo, Executivo  Judiciário e inclusive são ocupados majoritariamente por homens brancos e ricos.

Percebe-se, mesmo nas instâncias do poder, `a medida que observamos suas estruturas, na base sempre existem um número maior de negros, pardos e mulheres e, á medida que a estrutura vai se afunilando, esta presença vai sendo reduzida ou quase desaparecendo.

Esta e a dinâmica de como surge, se mantem e fica dissimulado em nossa sociedade o chamado RACISMO ESTRUTURAL, que, para ser rompido precisa também de reformas e transformações profundas e radicais, em todas as estruturas da sociedade brasileira, para que sejamos, realmente o tão sonhado Estado Democrático de Direito e um país justo, fraterno, menos desigual , menos violento, menos racista e mais solidário.


Finalmente, um esclarecimento, deixo de refletir sobre a questão do racismo estrutural nos Ministérios Públicos Estaduais e Federal pela ausência de dados em minhas buscas para elaborar esta reflexão. Todavia, tenho a hipótese de que neste grupo a realidade deve ser bem parecida com os demais setores aqui mencionados.

*Juacy da Silva, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Quarta, 09 Novembro 2022 07:46

 

 

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JUACY DA SILVA*

 

“Os países que irão participar da COP 27, devem se comprometer realmente a estabelecer as ações climáticas, para combater, de fato, o aquecimento global e as mudanças climáticas, como a primeira e mais importante prioridade para suas politicas públicas pelos próximos anos, a partir de 2023. É urgente que os países passem das promessas e discursos para ações efetivas, só assim vamos atingir as metas estabelecidas e aceitas por todos os países no Acordo de Paris”. António Guterres, em pronunciamento nas Nações Unidas, sobre a questão das mudanças climáticas.

A partir deste domingo, 06 de Novembro de 2022 até o próximo dia 18, as atenções mundiais estarão voltadas para a cidade de Sharm El Sheikh, no Egito, quando e onde estará sendo realizado a COP 27, mais uma reunião internacional para discutir a questão das mudanças climáticas , suas causas e consequências para o futuro do Planeta Terra.

Desde 1972, quando foi realizado a primeira Conferência Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, em Estocolmo, na Suécia, ou seja, há 50 anos, e diversas outras conferências mundiais como a Rio 92; a Rio Mais 20 (em 2012) e outras  mais desde então, esses temas voltam à Agenda Mundial.

Cabe um destaque especial nesta caminhada de enfrentamento mundial deste desafio que são as mudanças climáticas o estabelecimento do Protocolo de Kyoto, em 1997, por ocasião da Conferência das Partes III, (organismo supremo da ONU para as questões das mudanças climáticas), na mesma cidade, no Japão, protocolo este aprovado e firmado por 143 países e territórios.

Participaram daquela conferência, da qual resultou o Protocolo de Kyoto, um marco significativo na luta contra o aquecimento global, contra a degradação ambiental, contra o aumenta da emissão dos gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global e as mudanças climáticas, além dos representantes oficiais dos governos , também a presença de milhares de representantes da organizações da sociedade civil desses países, de ONGs, entidades empresariais, pesquisadores de diversas instituições acadêmicas e centros de estudos e pesquisas do mundo todo, além de milhares de ativistas ambientais, pessoas que lutam por um mundo realmente sustentável.

O Protocolo de Kyoto, apesar de ter sido aprovado em 1997, só entrou em vigor em 2005 e estabelecia metas e prazos para que os países pudessem ajustar suas agendas e politicas nacionais nacionais `as metas globais aprovadas no citado Acordo.

Um dos objetivos do Protocolo de Kyoto constava que um cronograma  deveria ser estabelecidos, para que os países seriam obrigados a reduzir, em 5,2%, a emissão de gases poluentes, entre os anos de 2008 e 2012 (primeira fase do acordo), quando o acordo deveria ser avaliado, o  que acabou acontecendo somente em 2015 através do Acordo de Paris.

Entre as metas do Protocolo de Kyoto constava, por exemplo: aumento no uso de fontes de energia limpas (biocombustíveis, energia solar, eólica, biomassa); proteção das florestas e outras áreas verdes, redução do desmatamento; otimização de sistemas de energia e transportes; redução do uso de combustíveis fósseis; redução das emissões de gases de efeito estufa por todos os setores produtivos, inclusive o gás metano, presentes em depósitos de lixo e oriundos das atividades agropastoris; definição de regras para a emissão dos créditos de carbono (certificados emitidos quando há a redução da emissão de gases poluentes) e definição de mecanismos para regular o mercado de carbono.

A expectativa dos especialistas em clima e meio ambiente era de que o sucesso do Protocolo de Kyoto pudesse diminuir a emissão desses gases de efeito estufa e o aumenta da temperatura media global pudesse ficar entre 1,5 e 2,5º C até o final do século XXI. Desta forma, o ser humano poderia evitar as catástrofes climáticas de alta intensidade que estavam sendo previstas para o futuro, mas que acabou chegando muito antes do esperado e já são uma realidade atual.

Todavia, relatórios posteriores ao que foi definido no Protocolo de Kyoto em 1997, ate os termos estabelecidos no Acordo do Clima de Paris, em 2015 e até a presente data, quando estará sendo realizado a COP 27, a partir deste domingo, no Egito em 2022; ou seja, 25 anos após aquelas decisões, é de que os países que firmaram e firmam tais acordos, comprometem-se livre e soberanamente a cumprir determinadas metas, acabam deixando tudo apenas no papel e pouco ou nada cumprem, com raras exceções.

No último dia 13 de setembro deste ano (2022) quando da apresentação de mais um Relatório da Organização Climática Mundial, o Secretário da ONU, demonstrou, em seu pronunciamento, uma grande preocupação com o aumento constante das emissões de gases de efeito estufa e os poucos avanços quanto `a redução do uso de combustíveis fósseis, ao desmatamento, à degradação ambiental, o aquecimento tanto do planeta quanto dos oceanos, o aumenta da produção de lixo, principalmente de plásticos, enfim, uma série de fatores que estão acelerando o aquecimento global e provocando sérias mudanças climáticas, que, ao que tudo indica, podem ser irreversíveis nos danos causados.

O titulo da matéria divulgada pela mídia da ONU não deixa dúvidas quanto `a esta preocupação quando diz, textualmente, “ONU alerta e diz que o mundo caminha para uma direção errada, quanto às mudanças climáticas’.

Disse então António Guterres, Secretário Geral da ONU, na ocasião: “ Os esforços precisam ser sete vezes maiores que os realizados até aqui/agora, para que as metas estabelecidas no Acordo de Paris (e também no Protocolo de Kyoto), para alcançar, de fato, as metas estabelecidas naqueles acordos e tratados, bem como o que consta dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030), principalmente os seguintes: Erradicação da Pobreza;  Fome zero e agricultura sustentável ; Água potável e Saneamento; Energia Acessível e Limpa;  Cidades e comunidades sustentáveis;  Consumo e produção responsáveis; Ação contra a mudança global do clima;  Vida na água ;  Vida Terrestre;  Parcerias e meios de implementação.

Como podemos perceber, 10 dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável estabelecidos em 2015; dez dos mesmos estão  relacionados, direta ou indiretamente, com a questão das mudanças climáticas.

Em outro trecho de seu pronunciamento, cuja gravidade pode ser percebida claramente, o Secretario Geral da ONU alinha diversos aspectos, que, certamente, deverão estar na pauta das discussões da COP 27.

Vejamos, para ele, é “escandaloso” que os países desenvolvidos, e também os emergentes, como Brasil, não tenham levado a sério a adaptação e tenham “desprezado seus compromissos de ajudar o mundo subdesenvolvido ou em desenvolvimento”.  O secretário-geral das Nações Unidas lembrou que as necessidades de financiamento de adaptação/mitigação devem crescer para pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2030, ou seja, um volume de US$2,4 trilhões de dólares para ações ambientais nos países mais pobres, além do que os países desenvolvidos e emergentes, principalmente os integrantes do G20 deveriam investir diretamente neste setor.

O Secretário Geral da ONU, António Guterres também esteve recentemente no Paquistão, onde disse que testemunhou a destruição causada pelas inundações.

Assim, ele destacou a importância de garantir que pelo menos 50% de todo o financiamento climático seja destinado à adaptação/mitigação.

Níveis atmosféricos de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) continuam a aumentar. A redução temporária das emissões de CO2 em 2020 durante a pandemia teve pouco impacto no crescimento das concentrações atmosféricas - o que permanece na atmosfera depois que o CO2 é absorvido pelo oceano e pela biosfera.

As emissões globais de CO2 fóssil em 2021 retornaram aos níveis pré-pandêmicos de 2019 depois de cair 5,4% em 2020 devido a bloqueios generalizados. Dados preliminares mostram que as emissões globais de CO2 em 2022, de janeiro a maio, estão 1,2% acima dos níveis registrados no mesmo período de 2019, impulsionadas por aumentos nos Estados Unidos, Índia e na maioria dos países europeus.

Os últimos sete anos, de 2015 a 2021, foram os mais quentes já registrados. A média global da temperatura média de 2018–2022 (com base em dados até maio ou junho de 2022) é estimada em 1,17 (cerca de 0,13°C) acima da média de 1850–1900.

Cerca de 90% do calor acumulado no sistema terrestre é armazenado no oceano, o teor de calor do oceano para 2018-2022 foi maior do que em qualquer outro período de cinco anos, com as taxas de aquecimento dos oceanos mostrando um aumento particularmente forte nas últimas duas décadas.

Novas promessas nacionais de mitigação para 2030 mostram algum progresso na redução das emissões de gases de efeito estufa, mas são insuficientes. A ambição dessas novas promessas precisaria ser quatro vezes maior para limitar o aquecimento a 2°C e sete vezes maior para chegar a 1,5°C.”

Outro fator importante que está contribuindo para o aumenta dos níveis de emissão de gases de efeito estufa é a guerra entre a Rússia e Ucrânia, tendo em vista que a Rússia cortou o fornecimento de gás natural (também uma fonte de energia de origem fóssil) obrigando os países europeus a voltarem a usar o carvão como fonte de energia, o que aumenta, sobremaneira as emissões desses gases e impedem que as metas estabelecidas no Acordo de Paris sejam atingidas.

A COP 27, como as demais conferências do clima já ocorridas, inclusive a última, em Glasgov, no Reino Unido em 2021, são grandes eventos, e nesta serão mais de 2000 palestras , conferências, seminários, mesas redondas, encontros bilaterais, sobre diversos temas relacionados com o meio ambiente, com foco principal, nas mudanças climáticas; contará com mais de 35 mil participantes que estarão discutindo mais de 300 temas socioambientais de extrema relevância para o futuro da humanidade e do planeta.

Além dessas discussões, durante dois dias deverão ser realizadas reuniões dos líderes mundiais, chefes de governo e de Estado, com apoio de suas delegações oficiais.

No caso do Brasil, tendo em vista que o atual Governo termina seu mandato no final de dezembro próximo, o Presidente da COP 27 que também é o Presidente do Egito, houve por bem convidar para participar deste mega evento internacional, o ex-presidente e Presidente eleito LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, que iniciará sua gestão a partir de 01 de Janeiro de 2023.

Este, além de um gesto de reconhecimento ao papel que o Brasil ao longo das últimas décadas tem desempenhado nos fóruns internacionais relacionados com questões ambientais e climáticas, principalmente no decorrer das gestões de FHC, Lula e Dilma, representa o retorno de nosso país a esses fóruns e impõe também que um grande desafio se apresenta ao novo Governo (Lula) que é reconstruir a politica, os planos, programas e gestão ambiental, bastante distorcidas, desvirtuadas e sucateadas  nos últimos anos.

O bom senso indica que se os países através de seus governantes firmam um Acordo ou Protocolo internacional isto deveria servir de base para a definição de politicas públicas, planos e programas de governo, com vistas a, realmente, atingir as metas estabelecidas, cujo prazo ficou convencionado que seria 2030, daí o nome desses objetivos como AGENDA 2030.

O Brasil tem deixado de agir para o cumprimento de vários desses objetivos e suas centenas de metas, o que nos coloca entre os países que continuam poluindo, degradando, destruído o meio ambiente, contribuindo, assim também para o aumenta do aquecimento global e as mudanças climáticas.

Uma meta clara estabelecida, em decorrência da gravidade do Quadro de aquecimento global do planeta e das mudanças climáticas disso resultante seria a limitação até 2060 ou no máximo até final deste século, é a de que seria estabelecido o limite de 1,5 graus ou no máximo 2,5 graus no aumento da temperatura mundial, tomando-se como referência o inicio do período industrial.

O Fórum Econômico Mundial, em Janeiro de 2022, apresentou A 17ª edição do Relatório de Riscos Globais, que afetam a vida dos países e podem colocar em risco a própria sobrevivência humana no planeta. O total desses riscos chegam a 17, com destaque para os dez que maiores impactos podem causar.

Dentre os dez maiores e mais graves riscos, nada menos do que sete, estão relacionados com o meio ambiente. Esses riscos, pela ordem de gravidade, são os seguintes: 1) falência das ações climáticas; 2) mudanças climáticas extremas; 3) perda/destruição da biodiversidade; 5) crise da sobrevivência humana; 6) aumento das doenças infectocontagiosas (epidemias e pandemias); 7) degradação do meio ambiente; 8) crise nos/dos recursos naturais (super exploração e degradação).

Oxalá, o Brasil possa reconstruir sua imagem de uma potência Ambiental e possa incluir todos os compromissos já assumidos desde a ECO 92 até a última COP 26 (2021) e as que serão aprovados neste COP 27, como bases para estabelecer uma nova politica ambiental, visando a justiça socioambiental, a justiça intergeracional e a um processo de desenvolvimento que respeite a um só tempo o crescimento econômico, equidade na distribuição dos frutos desse crescimento econômico, os direitos dos trabalhadores e também `a proteção do meio ambiente, atendendo aos princípios e valores contidos nos tratados internacionais dos quais nosso país faça parte e também no que preconiza a Encíclica Laudato Si e a Exortação Apostólica Querida Amazônia, ambas de autoria do Papa Francisco.

Acabamos de sair de uma eleição geral, quando o povo brasileira, democraticamente elegeu parlamentares estaduais, federais, governadores e o Presidente da República, quando era de se esperar que nas discussões e debates políticos pudessem constar propostas e planos de governos e de ação politica diversos problemas e desafios que afetam o Brasil e sua população, inclusive as questões ambientais.

Mas não foi isso o que aconteceu, essas pautas fundamentais para o presente e futuro do país foram substituídas por “fake news”, calúnias, difamações e ofensas de baixo nível, até com palavras de “baixo calão”, baixarias ou temas que não estão na ordem de prioridade nacional e muito menos internacional, com as questões das mudanças climáticas, aquecimento global, degradação ambiental e outras correlatas.

Não podemos esquecer que só existe um Planeta Terra, não existe “Planeta B”, ao destruirmos este planeta estamos destruindo todas as formas de vida, inclusive a vida humana! Ai não terá como a boiada passar e nem onde viver.

 

*Juacy da Silva, professor titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, articulador da Pastoral da Ecologia Integral, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

 

Segunda, 31 Outubro 2022 09:13

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*

 

Esta presença constante da fome sempre fora a grande força modeladora do comportamento moral de todos os homens desta comunidade: dos seus sentimentos dominantes. Vê-los agir, falar, lutar, sofrer, viver e morrer era ver a própria fome modelando, com suas despóticas mãos de ferro, os heróis do maior drama da humanidade – o drama da fome. Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens, contra outros homens." Josué de Castro, no Livro Geografia da Fome, publicado em 1946, há 76 anos.

Josué de Castro aprofundou suas ideias sobre as origens e impactos da fome tanto sobre as pessoas quanto enfatizou os liames geopolíticos e estruturais que a fome e a pobreza muitas vezes escondem dos olhares menos argutos. Isto é o que podemos observar no livro de sua autoria Geopolítica da Fome, escrito em 1951, poucos anos depois de sua primeiro obra sobre o tema (Geografia da fome).

Apesar de o Presidente da República e seu ministro da Economia (o posto Ipiranga) não reconhecerem as mazelas sociais que maculam a imagem do Brasil ao redor do mundo, a começar pela fome e, com certa frequência dizerem que “ a nossa economia esta bombando”, dados estatísticos oficiais apontam que deste Brasil “maravilhoso” para uma minoria, fazem parte também deste país que esta “bombando” nada menos do que 36 milhões de aposentados do INSS que ganham apenas o salário mínimo que mal é suficiente para sobreviverem; em torno de 57,7 milhões de família inscritas no programa Auxilio Brasil, que totalizam mais de 160 milhões de pessoas sobrevivendo, até dezembro com este socorro momentâneo; somam-se a esses mais 65,2 milhões de pessoas endividadas, que não conseguem pagar suas contas de água, energia, comunicações, despesas médicas e hospitalares, medicamento e o que ganham, incluindo essas migalhas oficiais que caem das entranhas do orçamento secreto, mal dá para comprar alguns alimentos para cada dia, sem perspectivas se terão comida no dia seguinte.

Não podemos esquecer também dos 9,5 milhões de desempregados, dos 13,5% trabalhando regularmente sem carteira assinada e sem qualquer garantia social e mais de 39,5% da força de trabalho ou 39,1 milhões de trabalhadores na informalidade ou seja, subocupados, que, para o atual governo, fazem parte do universo dos “empregados”, mas cujo rendimento também gira pouco mais do que um salário mínimo, `as vezes até menos, os quais não tem qualquer benefício social ou previdenciário.

Diante deste Quadro, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil recolocou a FOME como tema da Campanha da Fraternidade para o Ano de 2023, retomando a mesma preocupação que foi foco da referida Campanha em 1985. Ao anunciar o tema a CNBB, pela voz do coordenador de Campanhas da referida entidade religiosa, assim se pronunciou “Quase 40 anos depois contemplamos um triste e semelhante cenário. A cada dia fica mais evidente que a pandemia sanitária da Covid-19 agravou a situação de insegurança e vulnerabilidade social”.

Todavia a pandemia é apenas um fato conjuntural, passageiro. O que de fato explica este triste Quadro social em que estamos afundados é a dinâmica geopolítica e as estruturas injustas de nosso país, incluindo o racismo estrutural e a degradação de nossos biomas.

Por essas mesmas razões , mencionadas nesta reflexão, o Papa Francisco não tem cansado de criticar os modelos econômicos vigentes, como economias que geram a morte e não a vida e que precisamos colocar “alma”, solidariedade, justiça social e amor ao próximo em nossos sistemas econômicos e sociais e não apenas o lucro, a exploração dos trabalhadores e a degradação dos ecossistemas/ecologia integral.

Em lugar desta economia que gera pobreza, exclusão, fome, violência e morte; o Sumo Pontífice propõe um novo modelo, com diferentes paradigmas, o que já é bastante conhecido como “A Economia de Francisco e Clara”, onde estão incluídos os também já bem divulgados, os seus três “Ts”: TERRA, para ser cultivada para produzir alimentos saudáveis, sem o uso e abuso de agrotóxicos que degradam o solo, as águas, o ar e matam as pessoas; TETO, para que todos possam ter uma moradia em que possam viver com dignidade e não debaixo de pontes, viadutos, ruas e avenidas de nossas cidades; e TRABALHO, com salário digno, garantia social e previdenciária, para proteção dos trabalhadores ao atingirem uma idade em que não tem mais força e vigor físico para garantirem seus sustentos. Neste último “T” cabe esclarecer que há mais de um século, em 1891, na Encíclica “Rerum Novarum”, o Papa Leão XIII, já advogava a defesa dos trabalhadores das amarras desumanas a que eram submetidos pelo patronato da época.

Muitas pessoas, algumas desavisadas ou por desconhecimento dos fatos, outras por falta de capacidade para analisar a realidade socioeconômica e política de forma crítica e, outras ainda, por vinculação ideológica e até má fé, tentam imputar aos pobres, excluídos e famintos as verdadeiras causas de suas desgraças e não percebem que esses problemas decorrem da formação das sociedades em classes, castas, estamentos ou formas como são apropriados os meios de produção e se desenvolvem as relações de classe, principalmente as relações de trabalho, antes baseadas no trabalho escravo e depois, chegando até os dias atuais, com salários baixíssimos, que beiram ao trabalho semiescravo, não sendo suficiente sequer para alimentação saudável dos trabalhadores/trabalhadoras e suas famílias, além da questão do racismo estrutural que também continua sendo uma das causas da fome, da pobreza, da miséria e da exclusão socioeconômica e politica em nosso país e diversos outros.

Este quadro de miséria e exclusão completa-se com o chamado “exército de reserva de mão de obra”, representado pelos elevados contingentes de desempregados e subempregados, que contribuem para perpetuação da exploração da classe trabalhadora e o aviltamento das condições de trabalho e de salários, aliados à falta de garantia quanto ao futuro (falta de cobertura previdenciária e aposentadorias).

A fome e suas irmãs gêmeas siamesas que são a pobreza, a desigualdade e a exclusão socioeconômica e política, em suas diferentes formas e graus, representam alguns dos mais sérios e vergonhosos problemas mundo afora, inclusive no Brasil que, após ter sido retirado do MAPA DA FOME MUNDIAL, graças a um grande esforço e programa do Governo Federal, durante a gestão de Lula, em parceria com governos estaduais, municipais e inúmeras entidades representativas da sociedade civil organizada, novamente esta nódoa que tanto sofrimento  traz ao nosso país, está de volta e atingindo mais de 33 milhões de famílias, além de mais de 60 milhões que vivem em situação de insegurança alimentar.

Conforme dados do Relatório “A fome e a insegurança alimentar avançam em todo o Brasil”, da Rede PENSSAN, em 2021/2022 (II VIGISAN), 125,2 milhões de brasileiras não tinham certeza se teriam o que comer no futuro próximo, limitando a qualidade ou quantidade de alimentos para as refeições diárias – um aumento de 7,2% em relação a 2020. Se compararmos os dados de 2018, última estimativa nacional antes da pandemia de Covid-19, quando a insegurança alimentar atingia 36,7% dos lares brasileiras, o aumento chega a 60%.

De acordo com o mesmo relatório os dados revelam que mais da metade da população brasileira (58,7%) convive com a insegurança alimentar em algum grau leve, moderado ou grave. A pesquisa aponta que apenas 4 entre 10 famílias conseguem acesso pleno à alimentação. Trata-se de uma regressão de 32 anos, equivalente à década de 1990 ou em certos aspectos `a mesma situação denunciada por Josué de Castro há quase um século.

Nas últimas quatro décadas, de 1980 até o corrente ano de 2022, o crescimento do PIB brasileiro foi fantástico, com raras exceções em alguns anos, passou de US$571 bilhões para US$3,7 trilhões de dólares, ou seja, o PIB cresceu 6,5 vezes. Enquanto isso a população cresceu bem menos, de 120,7 milhões de habitantes para 215,4 milhões de pessoas, apenas 1,8 vezes.

O raciocínio é que se o PIB (bens, serviços, alimentos etc.) cresceu nesta proporção, os frutos desse crescimento, se o Brasil fosse um país justo e com distribuição equitativa dos frutos do crescimento econômico, o nível de renda, de bem estar da população teria que ter melhorado. Não era para tanta gente estar passando fome, vivendo na miséria e excluída social e economicamente.

Ai é que surge o que muita gente chama de “pulo do gato’, ou seja, as camadas que estão no ápice da pirâmide social, econômica e politica, os 1%, 5% ou no máximo 10% da população, que detém os meios de produção e ocupam os vários postos na estrutura do poder, abocanham uma parcela muito maior dos frutos do crescimento econômico, aumentando a distância social entre essas camadas privilegiadas e a grande massa dos trabalhadores e excluídos que são os 50% da população que estão na parte mais de baixo da pirâmide social.

Esta realidade da concentração de renda, riqueza e oportunidades que gera fome, miséria, violência, sofrimento e exclusão social, econômica e politica é mensurada, por exemplo, pelo coeficiente ou índice de Gini, que mede a concentração de renda. Em 1960 este índice era de 0,560; em 1964 passou para 0,571; depois subiu para 0,582 em 1980, quase no final dos governos militares; baixou para 0,510 no final do Governo Lula; subiu para 0,539 em 2018 e atualmente em 2022, quase no final do Governo Bolsonaro tornou a subir para 0,580, ou seja, praticamente o mesmo patamar de 1980.

O prognóstico é que se não forem efetuadas mudanças que alterem o padrão de distribuição de renda, riqueza, propriedade e oportunidades no Brasil nos próximos quatro anos, ou no máximo em uma década, a tendência é que a desigualdade social e econômica seja ampliada e com isso, com certeza também os problemas como fome, miséria, desemprego, subemprego, violência, sofrimento e morte.

Por isso, politicas meramente assistencialistas ou a chamada caridade emergencial, apenas minoram esta situação, este sofrimento a curtíssimo prazo. Somente políticas que representam reformas mais profundas, que verdadeiramente sejam sociotransformadoras podem e conseguem combater as causas da fome e da miséria. Isto é o que propõe a Caritas Brasileiras quando fala em “caridade libertadora”.

Para tanto, precisamos agir e lutar para colocar esses temas na agenda das discussões públicas e na agenda politica nacional, estadual e municipal, buscando a integração de esforços entre todas as organizações públicas e não governamentais, inclusive as Igrejas, como no caso da Igreja Católica, através da CNBB e da Campanha da Fraternidade para 2023.

Combater a fome em suas causas estruturais e consequências é um dever ou mandamento cristão e uma bandeira da cidadania plena! Isto é o que significa quando a Igreja faz a “opção preferencial pelos pobres” e sendo uma Igreja Sinodal, Samaritana e profética.

 

*JUACY DA SILVA, professor titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral em Mato Grosso. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Sexta, 21 Outubro 2022 10:52

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

Todos os países, ao longo da história, principalmente quando se tornam independentes de outros que os colonizaram, espoliaram, escravizaram ou mudam de regime politico ou forma de governo costumam criar, mudar ou recriar suas bandeiras e outros símbolos nacionais, como hinos, brasões e coisas do gênero.

Desde cedo, as crianças são ensinadas a cultuarem e respeitarem os símbolos nacionais e em alguns países, principalmente em regime totalitários isto está ligado diretamente aos organismos de repressão, `as forças policiais e as forças armadas, desfiles patrióticos, ganham uma dimensão quase semelhante a idolatria nos cultos religiosos.

Ai daqueles que discordarem dessas práticas, podem em alguns casos,  pagarem com a perda da Liberdade/prisão ou mesmo chegando `a pena de morte.

Existem grupos sociais, organizações, governantes ,partidos políticos e pessoas que se julgam mais patriotas do que os demais cidadãos e, na verdade, sequestram os símbolos nacionais, criam slogan e estandartes que fazem parte desses símbolos, como no atual governo federal do Brasil que sequestrou parte do hino nacional como seu slogan de governo, refiro-me ao pedacinho “Pátria amada, Brasil”.

Tanto o governo atual quanto seus seguidores, muitos que já se tornaram tão fanáticos quanto pessoas recém convertidos a credos religiosos, com certo fanatismo, que precisam aparentar um fervor acima dos comuns mortais, enrolam-se na bandeira nacional, querendo com isso demonstrar que são mais patriotas do que quem não seja adepto do atual presidente e de suas ideias, por mais estapafúrdias que sejam.

Ao assim fazerem, na verdade o que tentam demonstrar é a desqualificação dos adversários, principalmente os integrantes do PT e partidos aliados, cuja bandeira partidária tem o vermelho ou o MST, em  cuja bandeira ou bonés também ostentam a cor vermelha. Com isto, tentam enfatizar que a cor vermelha é a cor do socialismo ou do comunismo, esquecendo-se de que todos esses e outros partidos cumprirem os requisitos legais e são reconhecidos pela Justiça Eleitoral.

Criaram um slogan que encima o título desta reflexão quando dizem “nossa Bandeira jamais será vermelha”, querendo com isto dizer que abominam a cor vermelha e que esta é a cor do comunismo, do socialismo e de outros “ismos” que possam ser usados para desqualificarem seus adversários, associando-os a regimes não democráticos, totalitários ou autoritários.

Interessante é que em nenhum momento, em qualquer instância judicial em nosso país ou em qualquer outro que se tem notícia proibiu o uso da cor vermelha seja nas bandeiras, nas roupas, nos vestidos das mulheres, nos uniformes escolares, nas bandeiras estatais, municipais ou em quadros (obras de arte), nas fachadas de edifícios, enfim, a cor vermelha é apenas uma cor como as demais, não podendo associa-la a aspectos negativos, quaisquer que sejam, muito menos em termos ideológicos.

Assim, Podemos dizer que, a nossa Bandeira é verde amarela, mas a cor da Bandeira não tem nada a ver se o pais vive sob democracia ou ditadura, das 224 bandeiras de países e territórios no mundo, 178 ou seja, 79,5% , inclusive a maioria dos países da Europa, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Rússia, Austrália, Inglaterra e inúmeros países da África e da Ásia tem a cor vermelha nas mesmas.

Até a Bandeira da Itália, inclusive durante o período fascistas e da  Alemanha nazista tinham a cor vermelha, bem destacada e os regimes nazista  e fascistas eram o oposto do comunismo e socialismo, que aparecem como os únicos ligados à cor vermelha.

Nos EUA, além da Bandeira nacional que é hasteada diariamente em todos os edifícios públicos, privados e atém residências, também 75% das bandeiras dos estados tem a cor vermelha.

No Brasil, por exemplo, 15 dos 26 estados e Distrito Federal tem a cor vermelha em suas bandeiras e 15 também das 27 capitais tem o vermelho em suas bandeiras. Será que isto diminui o patriotismo nesses estados e capitais? Ou será que estados e capitais deveriam ser obrigados a mudarem as cores de suas bandeiras e terem outras cores, para que suas bandeiras jamais tenham o vermelho? Porque amaldiçoar a cor vermelha?

Podemos mencionar também a Entidade Internacional que todos conhecemos, a Cruz Vermelha, símbolo da solidariedade que salva vida em tempos críticos, de desastres ou em áreas conflagradas, ostenta galhardamente a cor vermelha.

Outros exemplos de  símbolos, inclusive sagrados que tem a cor vermelha, podemos mencionar que o Sagrado Coração de Jesus é vermelho, será que deveria também ser verde amarelo?

O sol é vermelho, o palio da Opus Dei é vermelho, o sangue humano e dos animais não racionais é vermelho e estamos acostumados a associa-lo, ao dizer que  sangue é vida. Será que o sangue também deveria ser verde amarelo?

Também podemos ressaltar que na Bandeira Imperial do Brasil muito antes de haver socialismo ou comunismo no mundo a Bandeira do Império, que perdurou desde a nossa independência até a Proclamação da República tinha a cor vermelha nela.

Enfim, associar cores de bandeiras, verde, amarelo, Azul, branco, preto, marrom, vermelho, verde, lilás em diferentes tonalidades e formatos com questão ideológica, com patriotismo, com cristianismo é uma grande bobagem, uma besteira sem sentido.

Tem muitos países islâmicos, ditaduras religiosas sanguinárias e países totalitários, regimes ditatoriais civis ou militares, de esquerda ou de direita que não tem a cor vermelha em suas bandeiras e outros símbolos nacionais, mas sim outras cores como o verde, o amarelo, o preto, o azul, o branco ou outras cores e nem por isso seus governantes são democráticos  e respeitam os direitos humanos de seus cidadãos e cidadãs.

O Slogan "nossa Bandeira jamais será vermelha" utilizado por seguidores atual presidente, tenta passar uma mensagem de que seus integrantes e seguidores são mais patriotas ou talvez os únicos patriotas que existem no Brasil, isto não tem sentido. A Bandeira nacional não é propriedade dessas pessoas apenas, ela é símbolo do país e pertence a todas as pessoas nascidas ou naturalizadas brasileiras, ponto final.

Cabe aqui uma referência que o Brasil, desde a proclamação da República, há 133 anos, já passou por períodos críticos, já mudou de Constituição Federal por mais de 6 ou 7 vezes, Constituições aprovadas por Assembleia Nacional Constituinte, como foi a de 1988; ou outorgada de forma autoritária por governantes não democráticos.


 Nunca alguém, algum partido , governo ou governante propuseram trocar as cores ou formato da Bandeira brasileira, esta ideia de reforçar que nossa Bandeira jamais será vermelha é pura bobagem de quem não ter o que fazer ou uma forma bem distorcida de insinuar que o PT ou Partidos de Esquerda, inclusive socialistas ou comunistas queiram mudar as cores da Bandeira nacional.


Isto é manipulação grosseira do imaginário coletivo. Querer associar a cor vermelha a algo ruim, nefasto ou a regimes ditatoriais, de esquerda, é uma forma grosseira de fugir ao debate dos reais problemas e desafios que fustigam nosso país e que tanto sofrimento trazem ao povo brasileiro, principalmente os pobres, excluídos, marginalizados e injustiçados, para quem os governos e o Estado brasileira são grandes ausentes.


Até mesmo os meios de comunicação, de forma subliminar, enveredam para esta distorção, como por exemplo, quando colocam no mapa do Brasil, os estados e municípios em que Lula ou o PT e partidos aliados venceram a cor vermelha e onde Bolsonaro  e seus aliados venceram a cor azul, demonstrando que o Brasil esta totalmente dividido, alguns estados e regiões com a cor vermelha e outros com a cor azul, só faltou substituir o azul pelo verde amarelo para reforçar esta manipulação ideológica.


As cores de nossa Bandeira nacional não são e jamais serão as cores e os símbolos a serem de propriedade de um governo ou partido politico, não podemos aceitar que governantes  e seus seguidores manipulem e mistifiquem as massas com mensagens subliminares.


A Bandeira brasileira é um símbolo nacional, do Estado Brasileiro e de sua população, jamais deve ser apropriado por qualquer governo, partido ou grupo populacional como arma politica e ideológica, como está acontecendo em nosso país nesses últimos quatro anos.


Os reais problemas do Brasil não  são as cores de nossa Bandeira nacional, mas a miséria, a fome, a corrupção, a burocracia paquiderme, a pesada carga tributária, o contrabando de mercadorias, o tráfico de armas, o banditismo,  os privilégios dos donos do poder, dos marajás da República, a desigualdade regional, setorial, econômica, social e cultural, a degradação socioambiental; a poluição, a insegurança alimentar, hídrica e energética, a falta de saneamento básico, o desmatamento e as queimadas, a sonegação de impostos, principalmente por parte de grupos econômicos poderosos;  o tráfico de influência, a violência, o crime organizado, a falta de acesso à saúde, a educação de baixa qualidade, a falta de planejamento nacional e nas demais esferas de governo, a violência contra a mulher, as crianças ,os idosos  pessoas com deficiência, o desemprego, o subemprego, o endividamento das famílias, o atraso científico e tecnológico, o analfabetismo, o analfabetismo funcional, a discriminação, o racismo estrutural, a falta de apoio para a agricultura familiar, o uso abusivo de agrotóxicos que está envenenando o solo, as águas, o ar e nossos alimentos, o desrespeito aos direitos humanos, inclusive dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e populações primitivas e tantos outros mais que deixo de mencioná-los nesta oportunidade.

Esses sim, são problemas e desafios que o povo gostaria que os candidatos a presidente da republica, governadores de estado, deputados federais, estaduais e senadores e seus correligionários  e seguidores tivessem debatidos ou estivessem  debatendo e não a baixaria em que se tornaram essas eleições.


Não podemos permitir que a agenda pública seja desviada de seu foco que deve ser os reais problemas e desafios nacionais que afetam mais diretamente a vida da população, para questões inexistentes ou de menor significado que, como a questão das cores da nossa Bandeira, jamais foram ou estão sendo objeto de discussão ou propostas de mudança, a não ser em mentes vazias de preocupações com o que afeta realmente o povo.



*JUACY DA SILVA, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Segunda, 17 Outubro 2022 14:38

 

 

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JUACY DA SILVA*


Ser educador ou educadora não é apenas a escolha de uma profissão ou ocupação, antes de tudo, é um ato de amor revolucionário, de dedicação ao bem comum e `a verdade, baseado sempre no sonho e na esperança de uma sociedade justa, igualitária, fraterna e inclusiva. É isto que deve ser enfatizado neste dia dedicado aos professores e professoras em nosso país.


Parafraseando Paulo Freire, um dos, ou talvez o maior educador brasileiro de todos os tempos, podemos dizer que “Ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, ai daqueles que em lugar desta constante viagem ao amanhã, se atrelem a um passado de exploração, de opressão, de miséria e de rotina.”


Como Podemos “comemorar” o dia do educador, da educadora, do professor, da professora?  Creio que refletindo sobre alguns aspectos críticos da educação, como um processo transformador das consciências e das estruturas que oprimem a grande maioria das pessoas que vivem em cada sociedade, inclusive em nosso Brasil.


Quando do surgimento deste dia dedicado a quem escolheu e tem como missão a carreira docente em todos os níveis, desde a alfabetização que, `a semelhança de uma criança a quem seguramos as mãos para poder dar seus primeiros passos, também quem ensina segura, literalmente, as mãos de quem começa a escrever as primeiras letras e a partir de um momento, mesmo sem segurar as mãos, acompanha os passos seguintes dos educandos/alunos e alunas, ao longo de suas vidas, alguns e algumas por muitos anos até chegarem ao mestrado, doutorado ou pós-doutorado, sempre terão um professor ou uma professora para orienta-los, critica-los, enfim, tentar caminhar juntos, neste trajeto transformador, rumo a uma utopia.


É por isso que, falando do papel do educador, Paulo Freire costumava dizer e escreveu “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens (e as mulheres) se educam mediatizados pelo mundo”, ou seja, se a educação é entendida “como prática da Liberdade”, ela será sempre uma educação libertadora e, jamais, um mero processo de transmissão de conhecimentos já existentes e codificados pela sociedade, muitas vezes com uma dimensão alienadora, justificadora e reprodutora das estruturas sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais dominantes e dominadoras.


Quando isto ocorre, é necessário questionar qual o verdadeiro papel da educação, do educador e da educadora, frente a tais estruturas e de que lado está ou deve estar o educador, sendo apenas um agente do Estado, que é e está aprisionado pelas classes e camadas dominantes, pelos donos do poder ou ao lado de quem sofre, é oprimido e, as vezes, completamente escravizado física, mental, religiosa, política, econômica e socialmente?


Como resposta a este questionamento, reportamos, novamente, aos ensinamentos de Paulo Freire quando o mesmo afirma “nenhuma pedagogia que seja verdadeiramente libertadora pode permanecer distante dos oprimidos, tratando-os como infelizes e apresentando-os aos seus modelos de emulação entre os opressores. Os oprimidos devem ser sempre os seus próprios exemplos na luta pela sua redenção (libertação).


Cabe ressaltar que foi durante a década de 1960, período de grande ebulição política e ideológica na sociedade brasileira, quando o foco do debate nacional eram as “REFORMAS DE BASE”, quando houve um golpe de estado e os militares tomaram o poder, que Paulo Freire discutia e formulava suas ideias e ideais revolucionários para a educação, primeiro, voltadas para a alfabetização de adultos, com seu método que além de alfabetizar adultos em 40 horas, também estimulava o despertar da consciência crítica e libertadora por parte dos educandos/alfabetizandos.


Tive a oportunidade e a honra, ainda como aluno de primeiro ano do curso de sociologia e política, em São Paulo, em 1963, com apenas 21 anos de idade, ter conhecido Paulo Freire e me hospedado em sua residência no Bairro de Casa Amarela, em Recife, quando da realização do I Congresso Brasileiro para a Alfabetização de Adultos e Cultura Popular, no qual participei.


Juntamente com alguns e algumas outras estudantes de São Paulo, estávamos nos preparando para realizar a primeira experiência de Alfabetização de Adultos, no Bairro Helena Maria, em Osasco, utilizando o “método Paulo Freire”, experiência desafiadora e maravilhosa que jamais esqueço.


Naquele tempo, jovens estudantes, mas também educadores em formação, seguíamos atentamente as ideias e a metodologia de Paulo Freire, inclusive a de que “ quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é tornar-se opressor e que, lavar as mãos (ficar “neutro”) no conflito entre poderosos e os oponentes (os oprimidos, pobres e excluídos) significa ficar ao lado dos poderosos, dos opressores, isto jamais é neutralidade. O educador não pode omitir-se, tem o dever de definir o seu lado diante desta realidade que oprime e mata”.


Assim agindo, o educador e a educadora, agem como agente de mudança, principalmente, no aspecto do pensar, sentir e agir dos educandos/educandas `a medida que desperta a capacidade crítica e criadora, questionadora dos alunos e alunas, sejam crianças, adolescentes ou adultos, reduzindo o espaço da alienação, do medo e do desinteresse pelo diálogo e questionamento sobre a realidade concreta que nos cerca.


Para Paulo Freire, “A pessoa conscientizada (que despertou para a complexidade da realidade e como as estruturas sociais, econômicas, religiosas e políticas injustas e opressoras se reproduzem) passa a ter uma nova e diferente compreensão da realidade, da história e de seu papel como agente de transformação do mundo, a partir de sua realidade”.


Por isso, a pessoa que desperta para a complexidade desta realidade, entende que a mesma pode, precisa e deve ser transformada, para que a opressão, a injustiça, a miséria, a fome e a violência não tenham lugar em nossa sociedade, procura juntar-se a outras pessoas, a mobilizar-se, a organizar-se em movimentos e luta para mudar e  transformar a realidade, a sociedade e o mundo, em todas as dimensões em que as relações societárias ocorrem.


Bem sabemos o quanto a educação brasileira esta distante de ser uma educação libertadora, transformadora que seja, realmente, um mecanismo de mudança e de transformação profunda da realidade nacional.


Como costuma-se dizer, tudo passa pela educação, não por uma educação alienada e alienadora, mas por uma educação do diálogo, participativa, questionadora, libertadora, só assim consegue ser uma educação criadora de novos paradigmas e não apenas reprodutora do saber já existente.


Costuma-se dizer que, por saber o potencial revolucionário, transformador que a educação  libertadora possui, é que os donos do poder, os governantes, as classes dominantes fazem belos discursos sobre a importância da educação e pouco ou nada a valorizam. Essas são as falas intituladas de “belas mentiras” de nossos governantes e seus apoiadores ao longo de décadas ou séculos, ainda bem presentes nos dias de hoje.


O Brasil, apesar de ser uma das dez maiores economias do mundo, ostenta índices educacionais medíocres, semelhantes aos de países pobres da África e da Ásia, nosso país sempre está nos últimos lugares entre os países do G 20 quando se trata de índices educacionais, continuamos com um enorme contingente de analfabetos (ainda em torno de 8% da população acima de 15 anos e em alguns estados chegando a mais do que isto, são 14 milhões de analfabetos ; além de aproximadamente 29% de analfabetos funcionais, que em 2022 são 49,7 milhões de pessoas com 15 anos ou mais, ou seja, pessoas que não conseguem ler uma, duas ou três páginas e entender realmente o conteúdo das mesmas.


Somando-se analfabetos com analfabetos funcionais estamos Diante de uma realidade vergonhosa e vexatória de 64,3 milhões de pessoas, três quartos das quais fazem parte do mercado de trabalho. São pouco mais de 50 milhões de pessoas sem qualificação e sem capacidade crítica a engrossar este “exército de reserva de mão de obra”, subempregada, desempregada e extremamente explorada em nosso país, praticamente vivendo de programas assistenciais e sujeitas a todas as formas de manipulação política e eleitoral, principalmente pelos donos do poder.


Nossas escolas, tanto urbanas e principalmente rurais, de pequenos vilarejos e cidades menores estão caindo aos pedaços; o transporte escolar nas escolas públicas é uma lastima, verdadeiros “paus de arara” quando se trata de alunos que reside na área rural, a alimentação escolar as vezes advém apenas de bolacha e água. Creches públicas ainda representam privilégio para poucos brasileiros, o que não deixa de ser uma vergonha, pois impossibilita que as mães da classe trabalhadora possam trabalhar, pois não tem com quem deixar seus filhos pequenos.


Professores mal pagos, sem as mínimas condições de exercerem o papel de educadores e educadoras em sua plenitude, com jornadas de trabalho acima de sua capacidade física e emocional, desvalorizados, tanto é verdade que quando da escolha das carreiras universitárias, enquanto os chamados “cursos” nobres, que abrem perspectivas de melhor remuneração e prestígio social, como Medicina, odontologia, direito, comunicação social, engenharia, arquitetura, a competição por uma vaga nesses cursos é extremamente acirrada, chegando a ser de mais de 50 candidatos por vaga oferecida pelas universidades públicas ou mesmo privadas de  melhor qualidade, enquanto cursos que “levam” ao magistério, como pedagogia, letras, geografia, linguagem, matemática, física, química, etc., sobram vagas ou a competição pouco acima de uma ou duas pessoas por vaga.


No início da década de 1960, a Coréia do Sul e a China ostentavam índices educacionais semelhantes ou piores do que o Brasil. Enquanto aqueles países investiram de verdade em educação, o Brasil continuou enganando a si mesmo e hoje podemos ver, como em alguns setores , como da ciência e tecnologia, infraestrutura, percentual da população com instrução superior, onde existe uma grande distância entre nosso país e aqueles países asiáticos.


Enquanto a Coréia do Sul e a China produzem tecnologia de ponta, nós continuamos a nos orgulhar de sermos grandes produtores de matérias primas (as chamadas commodities) exportando soja em grão, madeira bruta, minérios, carnes in natura e a importando alta tecnologia. Somos um grande importador de produtos manufaturados, principalmente eletrônicos e um grande exportador primário, igualzinho ao que ocorria durante o Brasil colônia, império e república. Somos uma colônia em ciência e tecnologia.


Nem mesmo mão de obra mais sofisticada , qualificada e domesticada nosso sistema educacional consegue produzir e muito menos educandos com capacidade crítica, criadora e transformadora.


Apesar de tanto discurso, belas mentiras, ufanismo em relação ao papel da educação, tanto professores, educadores e educadoras, quanto a escola, em seu sentido amplo (do Ensino infantil até o nível de doutorado ou pós-doutorado) no Brasil continuam como párias da sociedade, a valorização dos professores e professoras é apenas um mero discurso, razão pela qual temos pouco  ou quase nada a comemorar neste dia 15 de Outubro de 2022.


Oxalá, no próximo ano, quando novos governantes estarão ocupando as estruturas de poder, tanto a nível federal quanto estadual, possam os mesmos colocarem a educação, pública, laica e de qualidade como a principal prioridade das ações governamentais. Isto só será possível em lugar de ORÇAMENTO SECRETO, tivermos ORÇAMENTO PARTICIPATIVO, com recursos suficientes para que o Brasil possa promover uma verdadeira revolução educacional.


Recentemente o Arcebispo da Brasília de Aparecida, Dom Orlando Brandes, em sua homilia no último dia 12, dedicado a Nossa Senhora Aparecida, tornou a dizer  que “Pátria amada” não  pode ser confundida com “Pátria armada”, no que foi ofendido por pessoas que não desejam que o Brasil seja um lugar de fraternidade e não de ódio, preconceitos e discriminação.


Talvez deva ser realizada uma grande campanha nacional pelo desarmamento  nacional, inclusive o desarmamento espiritual, em que o slogan poderia ser “troque sua arma por um livro”, pois “a arma mata e o livro liberta e salva”.


Vamos sonhar para que o DIA DO PROFESSOR/PROFESSORA em 2023 seja bem diferente do que este que pouco se tem a comemorar em 2022.


*JUACY DA SILVA, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

Sexta, 30 Setembro 2022 09:53

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 

“Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça (justiça social e justiça ambiental e intergeracional) nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” Papa Francisco, Laudato Si, 49.

No último dia 17 deste mês de Setembro foi estruturada a Pastoral Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá, a primeira da Região Centro Oeste e da Pré-Amazônia; e, no último sábado, dia 24,  pelas mãos do Arcebispo, Dom Mário, abençoou o Grupo e fez o ENVIO, ou seja, o reconhecimento oficial desta que é uma Pastoral integradora, que tem como seu objetivo principal “Evangelizar, integrar e promover um melhor cuidado com a Casa Comum, seguindo os passos de uma Igreja Sinodal, samaritana, profética, com opção preferencial pelos pobres, através de ações sociotransformadoras, reduzindo a degradação Ambiental, urbana e rural, promovendo “um novo modelo de estar e viver no mundo”, como nos exorta e recomenda o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si.

As ações da Pastoral da Ecologia Integral deverão orientar-se, também, por seus seis objetivos específicos, assim estabelecidos: Estimular o exercício da espiritualidade ecológica; despertar a consciência e a responsabilidade das pessoas quanto `a importância de um melhor cuidado com a Casa Comum (Planeta Terra) e colaborar na formação de agentes de pastorais para uma visão da ecologia integral; estimular mudanças de hábitos, estilos de vida sustentáveis, combatendo o desperdício, o consumismo e a economia do descarte e fomentar a economia solidária, a agroecologia, a economia circular e a reciclagem; combater todas as formas de poluição, defender a biodiversidade, o solo, as águas, as florestas; incentivar o uso de fontes renováveis de energia e a redução de combustíveis fósseis; estimular ações integradas entre as diversas pastorais e dessas com organismos governamentais e não governamentais, incentivando e apoiando ações sustentáveis dentro e fora  da Igreja.

As áreas de ação da Pastoral da Ecologia Integral são três: Educação ecológica e a defesa dos ecossistemas e biomas; formar agentes para participação em Conselhos de Meio Ambiente, Comitês de Bacias, fóruns e organizações de defesa do meio ambiente e dos biomas; participação em espaços definidores de políticas públicas, estratégias e planos de meio ambiente, principalmente no combate ao desmatamento, `as queimadas e `a degradação Ambiental, que provocam mudanças climáticas.

A Pastoral da Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá, está aberta para a participação de pessoas, independente da vinculação religiosa, pois terá um caráter ecumênico, inter-religioso, independente também da formação professional, idade, sexo ou visão de mundo, bastando apenas aceitar seus princípios, valores e objetivos e estejam comprometidas com a Justiça Social , a Justiça Ambiental e a Justiça intergeracional e um melhor cuidado com a Ecologia Integral, no contexto de que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”.

Vale a pena também destacar que a Missão desta Pastoral é “despertar nos cristãos e não cristãos , a consciência da gravidade da crise socioambiental e a necessidade de um melhor cuidado com a “casa comum”, promovendo a conversão ecológica, como condição necessária para enfrentar os desafios que estão presentes na atualidade no Brasil e nos demais países, condição fundamental, para que seja atingida a tão sonhada cidadania ecológica.

Esta Pastoral, apesar da urgência e da gravidade  da crise socioambiental que estamos vivendo no momento, tem um uma VISÃO de que a esperança é possível, ou seja, o ser humano, as pessoas que orientam suas ações pelo bem comum e não por interesses imediatos e a ganância que tudo destrói, Podemos sonhar em construir um mundo novo, uma nova realidade que é a sociedade do bem viver, respeitando e cuidando melhor do meio ambiente, através de novos paradigmas e novos modelos socio econômicos e culturais que respeitem as pessoas, principalmente os trabalhadores, a natureza e os limites do planeta. Precisamos pensar globalmente e agirmos localmente.

Cabe também, nesta oportunidade, explicitar quais são os fundamentos que embasam as ações da Pastoral da Ecologia Integral,  considerando que a mesma representa uma dimensão integradora e  evangelizadora da Igreja.

Esses fundamentos são os seguintes: Textos sagrados (Bíblia Sagrada), Doutrina Social da Igreja, Encíclicas de diferentes Papas e os diversos documentos da Igreja como o Documento de Aparecida e o recente Documento de Santarém (revisitado após 50 anos do encontro dos Bispos da Amazônia realizado de forma pioneira em 1972); as Encíclicas Laudato Si, Fratelli Tutti, Exortação Apostólica Minha Querida Amazônia; a Economia de Francisco e Clara; o Pacto Global pela Educação, os diversos pronunciamentos do Papa Francisco sobre questões sócio Ambiental, como seus três “Ts”: Terra, Teto e Trabalho e as contribuições de estudos, pesquisas e documentos científicos de organismos nacionais e internacionais relacionados com a crise socioambiental que tanto ameaça nosso planeta.

Assim, concluímos uma etapa da caminhada e estamos dando inicio a uma outra etapa, com vistas a conhecer a realidade socio ambiental do território da Arquidiocese de Cuiabá, de suas paroquias e comunidades.


Além desta análise da realidade socioambiental, também pretendemos encarar o desafio que é a formação dos Agentes da Pastoral da Ecologia Integral, pelo menos 3 a 5 pessoas em cada paroquia, para podermos implantar Núcleos da Pastoral da Ecologia Integral nas mesmas e podermos, assim, dar prosseguimento aos projetos e ações que representem a forma da Igreja enfrentar os desafios e problemas socioambientais, em uma dimensão sociotransformadora, como nos pede o Papa Francisco tanto na Encíclica LAUDATO SI quanto na Exortação pós Sinodo dos Bispos para a Pan Amazônia, denominada de MINHA QUERIDA AMAZONIA, inseridas, ambas no contexto da Doutrina Social da Igreja.


Assim, estamos convidando as pessoas, cristãos, católicos , evangélicos,  adeptos de outras religiões, filosofias e também os não cristãos a somarem conosco nesta cruzada para melhor cuidar da Casa Comum, neste território abençoado por Deus que é o Estado de Mato Grosso, onde estão localizados três exuberantes biomas: Amazônia, Cerrado e o nosso Pantanal, todos muito ameaçados por diversas formas de degradação ambiental e inúmeros crimes ambientais, motivados pela ganância das pessoas, principalmente grandes grupos econômicos que  não tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o respeito pela natureza e a biodiversidade.


Oxalá, Deus abra o coração, a consciência e o discernimento das pessoas para que haja muitas conversões ecológicas, forma de repararmos os pecados ecológicos que a cada dia estão mais presentes entre nós, só assim, poderemos atingir a verdadeira cidadania ecológica e a justiça intergeracional. Afinal, não podemos destruir a biodiversidade, os ecossistemas e deixarmos um enorme passivo ambiental, IMPAGÁVEL, para as próximas gerações.


Esses são os desafios que se apresentam na caminhada da Pastoral da Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá e, futuramente, em todas as demais Dioceses de Mato Grosso.


*JUACY DA SILVA, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, Sociólogo, mestre em sociologia, articulador da Pastoral da Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.