Terça, 23 Outubro 2018 16:21

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Aldi Nestor de Souza*
 

A mãe de Adelina sabia tudo do algodão. Mas tudo mesmo, do plantio ao feitio das roupas. Até o solo pra receber e gestar as sementes ela sabia preparar. Plantava, cultivava, colhia, descaroçava, fiava, tecia, fazia até linha de costura e costurava. Era isso: de uma sementinha de algodão e o conhecimento adquirido dos pais, avós, bisavós e etc, ela conseguia fazer uma blusa, uma saia, uma calça, uma rede.

E tudo isso se dava ali, no sossego do roçado ao redor da casa, no alpendre ventilado e na sala espaçosa. Era uma fábrica sem pressa, sem hora marcada, que conseguia dar conta de tudo, da matéria prima ao produto final, e que funcionava de portas abertas, de chinelo de dedo, de calção cerzido, de saia de chita, às vezes pra empurrar o tempo. Era uma fábrica muito engraçada, uma fábrica que nem era fábrica.

Adelina, que agora vive muito longe dali, se pegou pensando nessas habilidades da  mãe ao dobrar uma blusa de algodão, feita artesanalmente, e muito parecida com as que a mãe fazia. Ela estava numa casa, de pessoas completamente desconhecidas, prestando seus serviços de arrumadeira de mala de viagem. Um aplicativo da internet a levou até ali.

O serviço dela consiste apenas de arrumar mala de viagem. É o seguinte: alguém um dia percebeu que poderia ser um bom negócio, assessorar as pessoas que viajam e que costumam esquecer de colocar na bagagem os pertences necessários para tal. Daí nasceu a figura do Personal Organizer, com especialização em arrumação de malas, que é o caso de Adelina.

Para se tornar um profissional como esses, você precisa primeiro fazer um curso de Personal Organizer, que é uma formação geral, e depois se especializar. Pode ser em arrumação de malas, como a Adelina, mas pode ser em arrumação de gavetas, em arrumação de interiores de casa, arrumação de armário de banheiro, arrumação de quarto de criança, pode ser apenas especialização em dobrar roupas. Sim porque tem gente que até consegue colocar as roupas no guarda roupa ou na mala, mas não sabe dobrá-las.

Para contratar os serviços de Adelina, o cliente precisa saber: para onde está viajando, quantos dias vai ficar lá, se é viagem a negócio ou a passeio, se no lugar tem pontos turísticos e quais, se tem praia, etc. Com tudo isso informado no aplicativo, Adelina segue até o destino e faz seu trabalho. Uma nota pelo aplicativo, sela a qualidade do serviço prestado.

Adelina, ao lembrar da mãe,  lembrou também da fábrica sem pressa e de quando brincava de fazer nuvem com a lã do algodão. Ela tinha inclusive um céu inteiro, todo cheio de nuvem no seu quarto. Tinha nuvem escura, pintada de carvão, que era pro tempo de chuva. E tinha nuvem escassa, nuvem de tempo limpo.

Adelina abandonou suas nuvens para ir pra cidade estudar. Hoje ela é formada em administração de empresas. Sabe até falar língua distante. Mas com o desemprego, acabou indo parar na onda tecnológica e no empreendedorismo. Agora ela é uma micro empreendedora individual. Não tem patrão, o aplicativo é quem dita as regras. Mas é um aplicativo que ela carrega dentro da própria bolsa, no seu próprio celular, é tudo de casa, portanto.

A mãe de Adelina, que sabia tudo do algodão, que sabia preparar o solo, que sabia plantar, que sabia cultivar, que sabia colher, que sabia descaroçar, que sabia fiar, que sabia tecer, que sabia fazer linha de costura, que sabia costurar, nunca foi à escola.

A fábrica sem pressa não existe mais. Não existe mais tempo vadio nesse mundo. A fábrica, o roçado, o alpendre, a sala e as nuvens, não resistiram a exatidão do aplicativo.


*Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática UFMT/Cuiabá
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Terça, 23 Outubro 2018 15:28

 

A conjuntura política na qual o Brasil está inserido tem deixado boa parte da população inquieta e preocupada com o aumento da violência, muito relacionada ao processo eleitoral. Os ataques são direcionados a manifestações de ideias divergentes, e já resultaram em agressões físicas e até homicídios. Por esse motivo, a Adufmat-Seção Sindical do ANDES-SN convocou todos os interessados para o debate “Tempos Sombrios, Tempos de Intolerância”, realizado na última sexta-feira, 19/10, que mobilizou dezenas de pessoas ansiosas para entender os motivos de tanta brutalidade.       

 

A mediadora da mesa, professora Lélica Lacerda, recepcionou os presentes afirmando que o encontro teve como objetivo o debate, mas também o fortalecimento dos laços e a organização dos trabalhadores na defesa dos direitos sociais e liberdades democráticas. “É importante ver esse auditório tão cheio, perceber que os anseios de todos nós, de alguma forma, nos une nesse momento”, disse a docente, apresentando a proposta de movimentos sociais mais próximos ao sindicato de construir uma Rede de Apoio às Vítimas do Fascismo, discutida mais detalhadamente ao final no evento.   

 

 

O professor Cândido Moreira Rodrigues, do Instituto de Geografia, História e Documentação da Universidade Federal de Mato Grosso (IGHD/UFMT), convidado para explanar sobre a Ressurgência do Fascismo no Início do Século XXI, iniciou sua apresentação afirmando que tudo o que acontece atualmente no país já foi visto antes, e que historicamente as relações de intolerância emergem em momentos de fragilidade da democracia burguesa. “Uma democracia em que os cidadãos não exercitam seus direitos com frequência estará periodicamente sujeita ao desgaste. O fascismo ganha fôlego nos momentos em que o Liberalismo não atende mais as demandas da sociedade, a partir das décadas de 1920 e 1930”, disse o historiador.

 

Analisando os casos de ascensão do fascismo especialmente na Europa, o palestrante pontuou entre os elementos característicos desse movimento a proteção exacerbada da identidade nacional e aversão ao estrangeiro, retórica da ameaça comunista, a criação de movimentos sociais de extrema direita e enraizamento desses movimentos nos espaços de representação, a chegada ao poder – que nem sempre decorre de golpe, mas também pela via eleitoral, como Hitler, na Alemanha – e o próprio exercício do poder.

 

“Esse espaço representativo é preenchido quando os conservadores de centro cedem parte do seu poder à extrema direita, a partir de negociações que envolvam determinados interesses”, revelou o pesquisador. Ao mesmo tempo, entre a população, aumenta a desconfiança nos governos e nas instituições e nessas esferas representativas, os direitos e liberdades passam a ser relativizados, assim como os valores da razão se desgastam.

 

“Eu trouxe todo esse material para dizer a vocês que talvez não estejamos diante de um problema brasileiro, nem passageiro. Talvez o capitalismo esteja se deslocando da democracia ideal”, finalizou Rodrigues.

 

 

 

Em seguida, a cientista política, Alair Silveira, segunda debatedora da noite, iniciou sua análise, afirmando que as condições objetivas da atual conjuntura estão dadas e são captadas pelos movimentos organizados de trabalhadores, mas as subjetivas ainda escapam. “À exemplo de Gramsci, nós precisamos questionar a fundo por que, se o nosso projeto é o mais generoso, nós não conseguimos tocar as mentes o os corações das pessoas”, disse a professora do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da UFMT.

 

A docente criticou a ausência de memória brasileira sobre os horrores da ditadura militar, muitas vezes abafada pelo que ficou conhecido como “milagre econômico”. Silveira também alertou para o processo de desmonte da Constituição de 1988, a partir da implementação do projeto Neoliberal, por Fernando Collor de Mello. Junto a reestruturação produtiva, a queda do Muro de Berlim e a consolidação da cultura pós-moderna, esses elementos provocaram, aos poucos, a desmobilização da população que lutou pela abertura política nos anos anteriores.  

 

Para Silveira, as manifestações de 2013, no entanto, indicaram insatisfação da população justamente com o desmonte dos direitos sociais. “Vocês se lembram que os manifestantes erguiam cartazes reivindicando educação e saúde padrão Fifa? Eles sabiam o que não queriam, mas não exatamente o que queriam. Sem saber, disseram não ao Neoliberalismo”, afirmou.

 

Ao mesmo tempo, a convulsão social registrada em 2013 já lançava embriões da intolerância, com o repúdio aos partidos políticos e manifestações xenofóbicas contra estrangeiros que participavam, por exemplo, do Programa Mais Médicos. Esses sentimentos foram capitaneados por grupos políticos que conseguiram formar as legislaturas mais conservadoras da história do país em 2014 e 2018, e poderá eleger, também no pleito de 2018, um presidente da República com as mesmas características.

 

“Esse processo de desestabilização está bastante presente na América Latina, de modo geral, com os mesmos fundamentos, e a mesma estrutura, envolvendo sempre questões de fundo moral”, acrescentou a docente.

 

As universidades, segundo a pesquisadora, contribuíram com esse processo e foram afetadas igualmente por ele. “Tudo isso foi construído socialmente, inclusive dentro da universidade, no processo de formação do imaginário social. Mas de 2016 a 2018, além do contingenciamento econômico, as instituições de ensino superior sofreram também ataques políticos, interna e externamente. Eu fiz um levantamento e já registrei dezenas de processos administrativos e até pedidos de demissões com justificativas absurdas, como improdutividade, utilização de referencial teórico marxista, e até por participação em publicações ou lançamentos de livros. Um desrespeito absoluto às particularidades do trabalho do professor e pesquisador”, denunciou a palestrante.

 

Por fim, a professora retomou o questionamento inicial, de Antonio Gramsci. “Nós já estamos vivenciando um período duro, que provavelmente será ratificado pelas urnas. As condições objetivas estão dadas, mas estamos atrás com relação às subjetivas. A questão que nos desafia é como construir um canal para disputar a hegemonia, no sentido de que os trabalhadores identifiquem o projeto que realmente os representa, e assuma esse projeto como seu”, provocou a convidada.  

 

Rede de Apoio às Vítimas do Fascismo

 

Como anunciado de início, ainda diante da plateia lotada, o professor Aldi Nestor apresentou a proposta de movimentos sociais para formação de uma Rede de Apoio às Vítimas do Fascismo. Na ocasião, alguns dos casos já registrados em Cuiabá e Mato Grosso foram relatados pelo docente.

 

Além de acolher as vítimas, a Rede será responsável por orientar juridicamente, exercer pressão sob o Poder Público exigindo providências, e formar comunicadores para denunciar e dialogar com a população em geral.

 

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind  

 

Terça, 23 Outubro 2018 15:28

 

A conjuntura política na qual o Brasil está inserido tem deixado boa parte da população inquieta e preocupada com o aumento da violência, muito relacionada ao processo eleitoral. Os ataques são direcionados a manifestações de ideias divergentes, e já resultaram em agressões físicas e até homicídios. Por esse motivo, a Adufmat-Seção Sindical do ANDES-SN convocou todos os interessados para o debate “Tempos Sombrios, Tempos de Intolerância”, realizado na última sexta-feira, 19/10, que mobilizou dezenas de pessoas ansiosas para entender os motivos de tanta brutalidade.       

 

A mediadora da mesa, professora Lélica Lacerda, recepcionou os presentes afirmando que o encontro teve como objetivo o debate, mas também o fortalecimento dos laços e a organização dos trabalhadores na defesa dos direitos sociais e liberdades democráticas. “É importante ver esse auditório tão cheio, perceber que os anseios de todos nós, de alguma forma, nos une nesse momento”, disse a docente, apresentando a proposta de movimentos sociais mais próximos ao sindicato de construir uma Rede de Apoio às Vítimas do Fascismo, discutida mais detalhadamente ao final no evento.   

 

 

O professor Cândido Moreira Rodrigues, do Instituto de Geografia, História e Documentação da Universidade Federal de Mato Grosso (IGHD/UFMT), convidado para explanar sobre a Ressurgência do Fascismo no Início do Século XXI, iniciou sua apresentação afirmando que tudo o que acontece atualmente no país já foi visto antes, e que historicamente as relações de intolerância emergem em momentos de fragilidade da democracia burguesa. “Uma democracia em que os cidadãos não exercitam seus direitos com frequência estará periodicamente sujeita ao desgaste. O fascismo ganha fôlego nos momentos em que o Liberalismo não atende mais as demandas da sociedade, a partir das décadas de 1920 e 1930”, disse o historiador.

 

Analisando os casos de ascensão do fascismo especialmente na Europa, o palestrante pontuou entre os elementos característicos desse movimento a proteção exacerbada da identidade nacional e aversão ao estrangeiro, retórica da ameaça comunista, a criação de movimentos sociais de extrema direita e enraizamento desses movimentos nos espaços de representação, a chegada ao poder – que nem sempre decorre de golpe, mas também pela via eleitoral, como Hitler, na Alemanha – e o próprio exercício do poder.

 

“Esse espaço representativo é preenchido quando os conservadores de centro cedem parte do seu poder à extrema direita, a partir de negociações que envolvam determinados interesses”, revelou o pesquisador. Ao mesmo tempo, entre a população, aumenta a desconfiança nos governos e nas instituições e nessas esferas representativas, os direitos e liberdades passam a ser relativizados, assim como os valores da razão se desgastam.

 

“Eu trouxe todo esse material para dizer a vocês que talvez não estejamos diante de um problema brasileiro, nem passageiro. Talvez o capitalismo esteja se deslocando da democracia ideal”, finalizou Rodrigues.

 

Em seguida, a cientista política, Alair Silveira, segunda debatedora da noite, iniciou sua análise, afirmando que as condições objetivas da atual conjuntura estão dadas e são captadas pelos movimentos organizados de trabalhadores, mas as subjetivas ainda escapam. “À exemplo de Gramsci, nós precisamos questionar a fundo por que, se o nosso projeto é o mais generoso, nós não conseguimos tocar as mentes o os corações das pessoas”, disse a professora do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da UFMT.

 

A docente criticou a ausência de memória brasileira sobre os horrores da ditadura militar, muitas vezes abafada pelo que ficou conhecido como “milagre econômico”. Silveira também alertou para o processo de desmonte da Constituição de 1988, a partir da implementação do projeto Neoliberal, por Fernando Collor de Mello. Junto a reestruturação produtiva, a queda do Muro de Berlim e a consolidação da cultura pós-moderna, esses elementos provocaram, aos poucos, a desmobilização da população que lutou pela abertura política nos anos anteriores.  

 

Para Silveira, as manifestações de 2013, no entanto, indicaram insatisfação da população justamente com o desmonte dos direitos sociais. “Vocês se lembram que os manifestantes erguiam cartazes reivindicando educação e saúde padrão Fifa? Eles sabiam o que não queriam, mas não exatamente o que queriam. Sem saber, disseram não ao Neoliberalismo”, afirmou.

 

Ao mesmo tempo, a convulsão social registrada em 2013 já lançava embriões da intolerância, com o repúdio aos partidos políticos e manifestações xenofóbicas contra estrangeiros que participavam, por exemplo, do Programa Mais Médicos. Esses sentimentos foram capitaneados por grupos políticos que conseguiram formar as legislaturas mais conservadoras da história do país em 2014 e 2018, e poderá eleger, também no pleito de 2018, um presidente da República com as mesmas características.

 

“Esse processo de desestabilização está bastante presente na América Latina, de modo geral, com os mesmos fundamentos, e a mesma estrutura, envolvendo sempre questões de fundo moral”, acrescentou a docente.

 

As universidades, segundo a pesquisadora, contribuíram com esse processo e foram afetadas igualmente por ele. “Tudo isso foi construído socialmente, inclusive dentro da universidade, no processo de formação do imaginário social. Mas de 2016 a 2018, além do contingenciamento econômico, as instituições de ensino superior sofreram também ataques políticos, interna e externamente. Eu fiz um levantamento e já registrei dezenas de processos administrativos e até pedidos de demissões com justificativas absurdas, como improdutividade, utilização de referencial teórico marxista, e até por participação em publicações ou lançamentos de livros. Um desrespeito absoluto às particularidades do trabalho do professor e pesquisador”, denunciou a palestrante.

 

Por fim, a professora retomou o questionamento inicial, de Antonio Gramsci. “Nós já estamos vivenciando um período duro, que provavelmente será ratificado pelas urnas. As condições objetivas estão dadas, mas estamos atrás com relação às subjetivas. A questão que nos desafia é como construir um canal para disputar a hegemonia, no sentido de que os trabalhadores identifiquem o projeto que realmente os representa, e assuma esse projeto como seu”, provocou a convidada.  

 

Rede de Apoio às Vítimas do Fascismo

 

Como anunciado de início, ainda diante da plateia lotada, o professor Aldi Nestor apresentou a proposta de movimentos sociais para formação de uma Rede de Apoio às Vítimas do Fascismo. Na ocasião, alguns dos casos já registrados em Cuiabá e Mato Grosso foram relatados pelo docente.

 

Além de acolher as vítimas, a Rede será responsável por orientar juridicamente, exercer pressão sob o Poder Público exigindo providências, e formar comunicadores para denunciar e dialogar com a população em geral.

 

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind  

 

Terça, 23 Outubro 2018 10:51

 

 

            Vivemos tempos sombrios, cuja memória nos remete aos anos de chumbo, quando proibir era o verbo mais usado. Tempos em que ao invés do embate político, havia a tortura nos porões. Tempos em o direito de divergir era calado pelo medo, e que o espaço da liberdade pública (imprescindível à política) inexistia. Tempos em que a liberdade de aprender e ensinar se limitava à disciplina de Moral e Cívica. Tempos em que as universidades viram seus livros confiscados e/ou queimados, e seus professores, estudantes e técnicos perseguidos. Tempos em que a força das armas impunha-se à força dos argumentos.

Tempos em que a ADUFMAT, fundada em 05/12/1978, presenciou sua Primeira Diretoria sofrer intervenção, quando seus diretores foram destituídos dos cargos, e uma Junta Governativa assumiu a partir de 20/11/1979. Tempos de demissão e de afastamento de docentes de seus cargos e de suas atividades. 

Esses tempos que esperávamos ter superado em meados da década de 1980, apresentam-se, agora, como alternativa eleitoral representativa do “novo” e do “diferente”. Um discurso cuja novidade está construída sobre os mais antigos discursos de ódio a todos aqueles que ousem ser e/ou pensar diferente. Como ‘novo’ somente o prefixo que antecede sua definição. Lamentavelmente, esse discurso neofacista tem inspirados as mais terríveis manifestações de ódio racista, LGBTfóbico, xenófobo, que avançam de ataques verbais a ataques físicos contra aqueles que assumem posições diferentes.

Diante desse quadro, cujas perspectivas remetem ao passado de chumbo que deve ser totalmente rechaçado, a Diretoria da ADUFMAT-S.Sind. do ANDES/SN vem a público manifestar-se integralmente em defesa da democracia, dos direitos humanos e sociais e da solidariedade social.

 

                                               Cuiabá/MT, 23 de outubro de 2018.

 

                                           ADUFMAT de Luta: Autônoma e Democrática

                                     Gestão 2017-2019

Terça, 23 Outubro 2018 08:45

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto de Barros Freire*
 

A vitória de Bolsonaro é quase certa. Só não ocorrerá caso haja algo inusitado que condene o candidato, mas mesmo isso é muito difícil de acontecer, pois mesmo as coisas que desabonariam um candidato (ameaçar ex-esposa de morte, roubá-la, ou ter funcionários fantasmas no parlamento para trabalhar na sua casa de praia, ou dizeres racistas e ditatoriais que desabonam a maioria das pessoas) não colam no candidato. E devido ao desabono da imprensa iniciada e levada adiante por décadas pelo PT, fez com que jornais e televisões não sejam considerados confiáveis pelos bolsonaristas ou por grande parte das pessoas. Bolsonaristas acham que a imprensa está a favor do PT e os petistas acham que a imprensa está contrária a eles, e todos lançam suspeitas sobre a imprensa. Sem dúvida, Bolsonaro conta com a incompetência petista para se eleger.


A confiança do PT na força de Lula foi a única coisa que apresentaram nas eleições. Não se percebeu, desde 2013, a necessidade de se refundar o partido. Foi o antes inexpressivo Jair Bolsonaro quem conseguiu surfar a onda da revolta popular contra o sistema. Impulsionado pelas redes sociais, ele alavancou sua retórica incendiária para energizar cidadãos indignados com a promessa democrática frustrada. Sem partido e sem máquina, ficou livre para fazer um compromisso estridente com a mudança.


Criou um discurso por “lei e ordem”, que se fundamenta no pensamento que “segurança pública é assunto de polícia” e que percorre diferentes classes econômicas (com seus consequentes reflexos políticos), mas que estabelece um sentido convergente de eliminação do outro, seja pela morte, seja pelo depósito de vidas em presídios com precárias condições de vida, ao arrepio do Estado de Direito.


Muita gente no Brasil está cansada, por exemplo, de ser levada a pensar que debates ao redor do fenômeno “trans” sejam a pauta mais importante em termos de direitos humanos. Antes de tudo, a gente comum (que normalmente é casada e a mulher manda em casa, a fim de que a janta seja servida todos os dias) cansou de sentir que sua percepção de mundo é absurda, errada, reacionária, monstruosa, idiota ou cheia de ódio.


Para a maioria do eleitorado, como se depreende pelos 58% a 42% do Datafolha, ou do 59% a 41% do Ibope, o PT não oferece sonho, uma perspectiva de melhora que seja e nem sequer é um mal menor. Os 58%/59% preferem arriscar-se no desconhecido, no novo, mesmo que o novo tenha cara de velho, gosto de passado e cheiro de bolor.


O partido de Lula tem agora o ainda mais raro privilégio de renascer pela segunda vez. Só que desta vez vai sobreviver apenas se se mostrar maior do que é, se abrir mão de concentrar poder. Só renascerá se se apresentar como mero ponto de confluência de uma reconstrução institucional. Para isso, tem de convencer de que está à altura da gravidade do momento. Tem de dar garantias de que vai recolocar as instituições em novo e positivo patamar de funcionamento. Tem de convencer de que estará acima de seu próprio partido. Tem que provar que Haddad não é um fantoche de Lula.


Ou seja, será preciso uma autocrítica digna do nome e gestos políticos que demonstrem sua convicção pela democracia. Antes de tudo deve condenar o governo Dilma pela incompetência ao invés de ficar criticando a oposição pela sua derrocada. É preciso expulsar todos os condenados pela justiça do interior do partido, pois não há prova maior de apego à democracia do que se submeter às suas instituições. O PT até o momento só se contrapõe ao judiciário e ao ministério público, e mantém em seus quadros elementos já condenados, se contrapondo a lei. Um partido que não exclui dos seus quadros aqueles que a sociedade através de suas instituições condenaram, se contrapõe ao judiciário e se coloca acima das leis. A submissão à lei é prova de democracia, a contraposição é prova de tirania.


O chamamento a todos os democratas afirmando que o PT não tem restrição, dizendo que se as pessoas tiverem noção do que está em jogo no Brasil e defenderem a democracia, tem que estar nessa caminhada petista é de uma profunda petulância e arrogância. A causa democrática não precisa do toque do PT, é justo o contrário. A ideia segundo a qual o programa do PT precisa apenas de ajustes é suicida. A Haddad não restará a estratégia, agora muito tardia, de se desfazer do peso e do lastro indesejável dos exclusivismos petistas, que repeliram parte do eleitorado mais centrista e ameaçam derrubar precocemente o balão murcho de sua candidatura. O PT usou bastante essa arma, um traço que se agravou à medida que o partido passava por seu conhecido declínio ético ("nós contra eles", liberais rotulados de fascistas, campanha de desmoralização da imprensa etc.).


O fato é que o PT minou várias instituições democráticas, por exemplo, afirmando sempre para não se acreditar em nada que a mídia tradicional diga. Precisa aprender a criticar e a se autocriticar — algo exógeno à personalidade brasileira, que prefere rodeios condescendentes ou tons agressivos, delegando culpas aos outros.


O PT esperava que apoios de segundo turno se dessem pela lei da gravidade. Não entende de física, nem de política. O PT achava todo mundo que não fosse petista um canalha, golpista. A violência na política não está apenas no lado fascista, mas está do lado do populismo. Agora quer que todos se unam por ele, como? Não esqueçamos também que o mea-culpa do petismo demorou tanto que está se tornando desnecessário. Quando se insulta a direita liberal e/ou conservadora chamando-a de fascista, as pessoas não vão mais confiar nas eleições, vão questionar sua legitimidade.


É preciso um gesto aos demais partidos, cedendo lugar e poder aos partidos de centro e de direita, e não apenas cargos secundários aos partidos esquerdistas que se satisfazem com porcaria. É preciso incorporar políticas do PSDB, do MDB, da Rede, do PDT, mais do que apenas solicitar apoio. Terá grandeza para tanto? Duvido........

 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Segunda, 22 Outubro 2018 16:25

 

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     O Brasil vive atualmente o acirramento da luta de classes, fruto do esgotamento das políticas de conciliação de classes, tempos de financeirização, de reestruturação produtiva e do neoliberalismo que são fenômenos de uma problemática determinante: a crise estrutural do capital. Dada esta conjuntura, não é surpresa que vivemos períodos de grandes retrocessos e conflitos políticos. Exemplos como golpe em Honduras em junho de 2009, a destituição de Fernando Lugo no Paraguai, a eleição do empresário Donald Trump nos Estados Unidos, o golpe de 2016 contra a Presidenta Dilma Rousseff, as consequências das privatizações no Chile, implementadas desde a ditadura militar há 45 anos e o esgotamento da democracia representativa são expressões das contradições oriundas do capitalismo.

       Diante da barbárie em curso, produzida pela crise do capital, do ajuste neoliberal que, no caso brasileiro, assume contornos mais graves com a ascensão do fascismo a ser legitimado nas urnas, o Serviço Social da UFMT, em assembleia realizada no dia 18 de outubro de 2018, às 10h nas dependências do ICHS, com a participação de professores, estudantes (graduação e pós-graduação em Política Social e Residência Multiprofissional) e profissionais vem a público expressar sua posição em favor da democracia, da defesa intransigente dos direitos humanos e sociais, o que diante do cenário atual não há como hesitar.

     A candidatura de Jair Bolsonaro e General Mourão representa tudo de mais retrógrado e conservador. Em 2012, Bolsonaro foi o único parlamentar que votou contra a Lei que estendia os direitos trabalhistas às empregadas domésticas; votou a favor do Impeachment fazendo reverência ao torturador Ustra; votou a favor da reforma trabalhista; declarou publicamente que os trabalhadores brasileiros terão que decidir entre “mais empregos ou mais direitos”; tem defendido a eliminação do 13° salário; afirma que os indígenas e quilombolas não terão “um centímetro de terra”; fez declarações abertamente racistas, lgbtfóbicas e machistas; defende a terceirização irrestrita e privatização de espaços e serviços públicos; bem como defende o desmonte do ensino superior público.

     O Projeto Ético Político do Serviço Social  que assenta-se na liberdade como seu valor central exige compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais, vinculando-se a um projeto societário de construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero. Nesse sentido, assume a defesa da candidatura Haddad -13 por se apresentar como alternativa ao enfrentamento da barbárie em curso. Nos encontramos atualmente em um cenário muito semelhante ao de 1964, em que precisamos marcar posição e transformar o medo em ousadia tomando as ruas em defesa da democracia.


Em defesa das liberdades democráticas e contra a barbárie, Haddad  sim!!!

 
Esse é tempo de partido
Tempo de homens partidos.
Carlos Drummond de Andrade
 
 

Segunda, 22 Outubro 2018 11:32

 

Adufmat-Ssind, Sintuf-MT e DCE-UFMT convidam toda a comunidade acadêmica, outras entidades de trabalhadores organizados e a sociedade em geral para participar, nessa terça-feira, 23/10, às 17h, do “Ato em defesa das liberdades democráticas, dos direitos e dos serviços públicos: um chamado à luta”.

 

O evento será no auditório da Adufmat-Ssind (oca), e tem como objetivo marcar a defesa incondicional dos movimentos sociais da democracia, que está seriamente ameaçada, além de fortalecer a luta pelos direitos dos trabalhadores e dos serviços públicos.

 

A participação de todas e todos é de extrema importância!

Segunda, 22 Outubro 2018 09:17

 

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Encaminhado ao Espaço Aberto a pedido do Prof. Aldi Nestor de Souza
 

Neste momento de disputa política, o PET conexões: diferentes saberes e fazeres na UFMT vem a público manifestar a defesa incondicional da democracia; dos direitos humanos; dos direitos da classe trabalhadora e da universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.

Aproveitamos a ocasião para manifestar nosso mais absoluto repúdio a qualquer forma de violência, levada a cabo por razões de intolerância e desrespeito à vida humana, e também a qualquer flerte  com formas totalitárias.

Entendemos também que não há espaço pra neutralidade em uma situação política, na qual a vida e os valores da dignidade humana estão colocados em disputa na sociedade.

Por essas razões o PET conexões: diferentes saberes e fazeres na UFMT se posiciona:

- Contra o autoritarismo e a violência política na vida cotidiana;

- Contra a criminalização dos movimentos populares e sociais;

- Pela imediata revogação da Emenda constitucional 95 ( PEC do teto dos gastos públicos);

- Pelo direito e respeito à diferença;

- Pelo reconhecimento dos direitos das mulheres, dos negros, dos quilombolas, dos indígenas e dos pobres em situação de vulnerabilidade social;

- Pelo reconhecimento do direito à livre orientação sexual e de gênero.

 
Cuiabá, MT, 18/10/2018

Segunda, 22 Outubro 2018 09:01

 

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Wescley Pinheiro
Professor do Departamento de Serviço Social da UFMT

 

É chegada a hora do eclipse da potência e do ato. O ovo foi chocado e a serpente está solta, sua pele não é mais a mesma e seu rastejar não precisa exatamente das estruturas corriqueiras. O veneno explode no cotidiano e se naturaliza na histórica repressão e no aprofundamento do estado penal-policial. Seu veneno vem de diversas formas, poderá ser mais forte a depender do sufrágio mas ele já é bebido por aí.

Ébrios de todo o ódio possível, o/a trabalhador/a objetifica a vida, coisifica relações, enxerga coisa em outro/a trabalhador/a, enxerga objeto no diferente, normaliza a desumanização e ataca a superfície diante da degradação da vida que somente sobrevive. Sem referências coletivas, sucumbido numa política que parou no moralismo e separou-se da realidade concreta ele perdeu a crença nos instrumentos de sua classe e a fé na sua própria humanidade, aposta tudo no nada, no discurso vazio de conteúdo, mas assertivo na forma. A cobra sabe gritar. A serpente sabe mentir, sabe acalentar desesperos e temperá-los com as desigualdades mais diversas que alimentamos por aí. A serpente se alimenta de medo.

O seu veneno e o seu rastejar perfuram pessoas, potencializam históricas opressões, dilapidam a racionalidade e cresce da inoperância da aparente oposição cibernética, performática, identitária. Enquanto o saudosismo reacionário romantiza os anos de chumbo, obscurece suas contradições, relativiza sua concretude, a abstração da maior parcela supostamente contra-hegemônica romantiza a resistência, fantasiando estratégias e táticas de um outro tempo ou mistificando sua política numa bolha culturalista, obscurecendo suas ações para um autoritarismo muito mais complexo! A cobra trocou de pele.
 
Para sabermos o que fazer é necessário saber onde estamos e para onde iremos nesse barco à deriva no mar de raiva e incoerência. Para sabermos o que fazer é importante entender como chegamos aqui, como alimentamos essa serpente e como seus ovos foram espalhados e chocados por aí. As difíceis perguntas respondidas com respostas simplistas tendem aos desvios. É fundamental questionarmos o óbvio: como uma importante parcela de nossa classe pode espontaneamente abrir mão da democracia e, pelo caminho “democrático”, defender a desestruturação das mínimas conquistas que atingiu?
 
É preciso nos perguntarmos mais: a conjuntura atual demonstra o esgotamento da emancipação política ou somente desvenda seus limites? Seria o Estado penal-policial o amadurecimento do estado capitalista? A violência que nos atinge e que parece nos perseguir em sua radicalização num futuro próximo se dará pelos mecanismos formais ou estamos pintando o inimigo olhando para o passado e não para o presente? Muitas perguntas e poucas respostas materiais. No entanto, há caminhos para entendermos tudo isso.
 
Compreendermos as raízes históricas do nosso país, sua modernização conservadora, seu processo de revolução burguesa pelo alto e o desenvolvimento dependente e combinado com o imperialismo é o primeiro passo. Refletirmos sobre nossa história recente e como reproduzimos nossa estrutura não sendo capazes de acertarmos as contas com a última ditadura que aqui se colocou, também é importante. Por fim, é fundamental perceber como potencializamos o avanço do conservadorismo ao perdermos a capacidade da disputa de hegemonia, fazendo algo que partisse da vida concreta dos sujeitos de nossa classe e que não caísse no pragmatismo do status quo.
 
Perpetua-se na imagem estereotipada do Brasil elementos curiosos de uma formação repleta de contradições. Seja em importantes episódios de sua história, na própria conjuntura atual ou mesmo nos valores culturais, a simbiose de diferentes setores sociais em suas negociações políticas, a permanência de pensamentos arcaicos sob roupagens modernas e, por fim, elementos do cotidiano de brasileiras e brasileiros explicitam o limiar de uma constituição social peculiar.
 
Os conhecidos sinais de cordialidade e alegria do povo brasileiro vêm acompanhados pela naturalização de contradições e incoerências: a propagada característica de um povo pacífico, oculta processos de autoritarismo das elites ante levantes populares, o famoso “jeitinho brasileiro” explicita estratégias de sobrevivência ante as desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, a reprodução delas com a banalização do patrimonialismo e de tradições antidemocráticas.
 
O país do carnaval e da fé, do sagrado e do profano, do povo trabalhador e do mito da malandragem disfarça, em seus estereótipos, as cisões que se construíram a partir da processualidade histórica de uma nação formada como colônia de exploração, calcada na escravidão dos povos africanos, na matança dos povos originários, no desenvolvimento rural a partir da monocultura, na industrialização precária e atrasada, no desenvolvimento regional irregular e desproporcional, na construção da cultura com fortes elementos do patriarcado, do machismo e do racismo.
 
Essa estrutura fundamentará a questão social no Brasil perpetuando uma dimensão de classe muito mais complexa. É essa lógica que moralizará a questão social e irá patologizar comportamentos contra-hegemônicos, justificará o encarceramento e o extermínio de uma parcela da classe trabalhadora, objetificará corpos, naturalizará violências e mercantilizará tanto os sujeitos historicamente oprimidos como buscará capitular e mercantilizar suas resistências coletivas e individuais.
 
No entanto, o autoritarismo burguês não é somente uma particularidade brasileira ou latino-americana. Na crise estrutural do capital a tendência de universalização das práticas fascistizantes se asseveram. A ideia de uma característica antidemocrática como exceção da sociedade capitalista reproduz a visão dualista entre democracia x ditadura, coerção x consenso, quando, na verdade, dentro da história, o processo elástico da emancipação política conflui num processo de unidade de contrários, de continuidade na descontinuidade e no processo de pressão de classe que esbarra em limites estruturais desta sociedade. A dimensão autoritária da burguesia faz parte do seu amadurecimento político oriundo de sua consolidação com seus projeto de sociedade e sua hegemonia política.
 
O que se apresentou como novo imperialismo foi na verdade a manifestação atual dos mesmos fundamentos que determinaram o modelo imperialista de todo o modo capitalista enquanto totalidade, que não se furtou de abarcar as particularidades para explorar ainda mais parcelas da classe trabalhadora, a partir de questões de gênero, raça/etnia, cultural, política e geográfica arregimentando a acumulação dos países centrais e a possibilidade de reprodução do capital.
 
O fascismo clássico, radicalização do poder do estado burguês como alternativa violenta, explícita e evidente às crises do capital da época foi articulado por uma necessidade histórica que perdeu hegemonia frente ao keynesianismo-fordismo, mas que nunca morreu enquanto possibilidade, muito menos sufocou seus elementos ideológicos e, por fim, não impossibilitou que o autoritarismo e a agressividade com os oprimidos permanecesse nos países democráticos no pós-guerra.
 
O fascismo contemporâneo revela nuances importantes que manifestam a agudização do papel do estado para o capitalismo destrutivo, que consolida a minimização para os direitos e políticas sociais e a maximalização para a repressão à resistência coletiva e estruturação do lucro do capital, seja pelo financiamento direto com o fundo público, seja como base estruturada para ampliação da mais valia absoluta e relativa. Ovo da serpente multiplica formas clássicas, mas também convive com as novas características do capital.
 
Há outros elementos importantes. A diluição das práticas autoritárias vão para além da estrutura formal do Estado. O binômio força-consenso se faz presente no cotidiano. O veneno se espalha na violência autorizada contra a diferença e a divergência. Não precisamos de um golpe clássico para que ela ocorra. A trágica forma limitada da democracia representativa e as distorções potencializadas pela mídia, pelo fundamentalismo religioso e pelo mercado já carregam de bandeja uma consciência coletiva reificada que legitima o autoritarismo. As forças armadas não precisam de Ato Institucional, podem marchar por aí para combater o tráfico de drogas, o crime organizado e, sem quebrar a institucionalidade, fazer uso da lei anti-terrorismo que foi aprovada dentro dos trâmites do estado democrático de direito.
 
E fica pior. A serpente do fascismo não tem seu principal exército no estado, o para-militarismo é e será a tônica principal! O problema maior não é “o guarda da esquina”, mas o vizinho, o colega de trabalho, o desconhecido que te olha na rua. A autorização da violência potencializará milícias, autorizadas pelo clima construído, pela inoperância e permissividade dos homens de toga, pela potência incoerente, mas imponente da grande parcela dos pastores inescrupulosos e do sensacionalismo midiático com sede de dinheiro, poder e ódio.
 
O agravamento da repressão virá com o armamento desmedido da lógica obscura, abjeta e objetificada de uma elite historicamente autoritária, de uma classe média rancorosa, e, de modo informal ou ilícito, de uma parcela da classe trabalhadora despolitizada, que reproduz o desencanto com a coletividade e se encontra em coletivos alienantes e alienados, que servirão de ponta de lança do capital, do genocídio da juventude negra, do feminicídio, da LGBTfobia, da xenofobia interna e externa e da morte quem buscar defender as liberdades democráticas, falseada pelo moralismo como defesa do comunismo ou como exclusividade da esquerda.
 
Contra a serpente não há para onde correr. Não há exílio. O levante autoritário é internacional. A particularidade brasileira é perversa, no entanto, o crescimento da barbárie é evidente e incendeia na “guerra ao terror”, na tragédia dos refugiados, na potencialidade da xenofobia e na divisão despolitizada de uma classe trabalhadora que vê o capital mundializado, o alto desenvolvimento das forças produtivas, a constituição de novas formas de exploração, mas que naturaliza tudo isso e quando as coisas se agravam e, no seu cotidiano, só enxergam inimigos tão próximos quanto falsos.
 
Quando naturalizamos o possibilismo, quando fingimos que a saída eleitoral é a única possível, quando perpetuamos a lógica do fim da história, quando abandonamos o trabalho de base, deixamos de disputar os espaços da cultura do povo, quando apontando somente reparos e não uma lógica emancipatória, deixamos espaço para o fascismo tomar de conta, aparecer como o encanto da sua serpente dizendo que remediará os problemas da contradição capital-trabalho pela força.
 
Quando o reformismo tardio e requentado apontou sua institucionalização forjada nas regras do jogo das elites e saiu das periferias, voltando somente com as políticas sociais do Banco Mundial, consolidou um artifício que não se sustentaria por muito tempo diante da crise iminente. Quando a lógica da política pós-moderna abstraiu a vida das pessoas e ofereceu apenas o campeonato das opressões e a caricatura de disputas privilégios, sem pensar a lógica interseccional e consubstancializada, perdeu força diante da potência moralista de nossas raízes históricas. Quando os coletivos autônomos e classistas sucumbiram em pequenos focos de resistência, distantes também da vida cotidiana, dos aparelhos ideológicos, da cultura e das bases populares, deixamos lacunas ocupadas por aqueles que tem fórmulas mágicas, discurso fácil e o vazio que cabe toda forma de opressão.
 
Enquanto se jogava para debaixo do tapete às contradições do “pacto social”, da “conciliação”, da coalização com sujeitos individuais e coletivos representantes do capital, se abandonava a capacidade de organização, de formação e de aprofundamento de uma cultura contra-hegemônica nos setores populares e se caçava de forma cruel e efetiva qualquer crítica séria.
 
Achar que as diversas expressões conservadoras e protofascistas surgem do nada, voltam de modo anacrônico ou por meio de devaneios faz parte de uma lógica que quer continuar crendo no jogo marcado da estrutura social vigente. Não estamos voltando para a idade média, isso é capitalismo, isso é decadência ideológica da burguesia, isso é a reprodução social buscando saídas dentro de uma crise estrutural e as caricaturas expressas em Temer´s, Bolsonaros, Dórias e afins são assustadoramente do nosso tempo, o tempo da barbárie. Não nos esqueçamos que o combate aos golpistas, aos fascistas, aos autoritários que estão no poder ou que almejam o poder passará necessariamente por quebrar a lógica atual e isso não se fará com atalhos.
 
Quando potência e ato se unem na língua da serpente a violência se exacerba e as possibilidades mais irracionalistas se consolidam. Explicitar a responsabilidade de cada força política que age em nossa sociedade para que tenhamos chegado até esse ponto é importante, colocar nossos desafios, idem. Isso não se remete em sermos irresponsáveis, abrindo mão de uma unidade imediata com todos os setores democráticos do país, sejam eles liberais e/ou reformistas. Não há como se abster: na agudez do tempo histórico não podemos titubear na tarefa frente as eleições presidenciais. Barrar a legitimação do fascismo é fundamental e qualquer posição abstrata, seja ela sectária ou moralista é perder o chão da história.
 
No plano mediato precisaremos conquistar corações e mentes frente ao (desen)canto da serpente, nos posicionando nos nossos espaços coletivos, ampliando as estratégias e táticas de autocuidado, endurecendo sem perder a ternura, cultivando lucidez frente a barbárie e reaprendendo à disputa de consciências.
 
A serpente está viva. Para além da tragédia das urnas ela continuará rastejando e o que temos pela frente serão anos de ascensão da violência. Enquanto transformam os instrumentos de luta da classe trabalhadora (sindicatos, partidos, etc) em palanques para promoções privadas, espalha-se ainda mais o seu veneno: o recrudescimento do conservadorismo e os riscos da instauração de um governo autoritário militarizado e também paramilitar.
 
Precisamos frear o fascismo nas urnas e esgotá-lo nas ruas. A regressão de direitos exige dos sujeitos coletivos comprometidos com a emancipação humana uma visão certeira, madura e estrategicamente firme dos limites da emancipação política, sem reducionismos e sectarismos, mas sem cair na condescendência minimalista e naturalizadora da reprodução do binômio exploração-opressão.
 
A serpente rastejará por dentro e por fora do estado. O veneno será bebido por todos os lugares. Aquilo que já era regra contra a classe trabalhadora empobrecida, negra, moradora da periferia e que também se expressava publicamente contra os setores autônomos, combativos e organizados contra o desmonte dos direitos hoje galopa de modo evidente, mais profundo, violento e apressado para dilapidar tudo e todos.
Qualquer alternativa que não busque o difícil, tortuoso, complexo e fundamental caminho para uma ruptura com a essência disso tudo será apenas a perpetuação do mesmo. Um dia chega o vendaval e a poeira sob o tapete vem para os nossos olhos. A serpente tem medo da verdade e seus ovos apodrecem com a força coletiva, por isso não há outro caminho que não seja o da luta emancipatória.

Sexta, 19 Outubro 2018 16:35

 

"O ANDES-SN reafirma a sua luta histórica contra o projeto fascista e de extrema direita, o projeto ultraliberal e as ações de ódio que estão sendo difundidas pelo Brasil. Este sindicato se integra às frentes antifascistas suprapartidárias, criadas nos estados e nas instituições públicas de ensino superior, e se posiciona contra o voto nulo e em branco no segundo turno das eleições, indicando a participação ativa nos atos e mobilizações em defesa da democracia e contra o fascismo, bem como nas atividades do movimento #EleNão”.

Este posicionamento integra a nota política do Sindicato Nacional sobre o segundo turno das eleições. A nota foi aprovada na reunião conjunta dos Setores das Instituições Federais de Ensino (Ifes) e Estaduais e Municipais de Ensino Superior (Iees/Imes) nesta quinta-feira (18). Os docentes avaliaram os resultados das assembleias e  definiram os próximos passos da luta.

A nota avalia “que o que está em jogo nesse momento é a possibilidade ou não dos docentes continuarem lutando nas ruas pelos direitos dos trabalhadores”. O documento convoca todas as seções sindicais a fortalecerem as lutas, nas urnas e nas ruas, para derrotar o fascismo que tem crescido na sociedade.

Para Antonio Gonçalves, presidente do ANDES-SN, a diretoria acertou em consultar as bases, chamando as duas reuniões de urgência. “Serviu para mobilizar a categoria em torno do tema e para respeitar o método democrático que sempre pautou nossa entidade”, disse.

Segundo Antonio, houve uma construção importante para a conjuntura, posicionando o ANDES-SN na luta contra o fascismo e chamando a categoria participar dessa luta “nos locais de trabalho, nas ruas e nas urnas”, explicou.

Gonçalves destaca que independente do resultado da eleição, o enfrentamento ao fascismo continua: “O nosso posicionamento como Sindicato Nacional vai para além das eleições. Mesmo que o candidato que representa o ataque à democracia e às liberdades individuais seja derrotado, há na classe trabalhadora uma adesão às ideias protofascistas. Nós temos que fazer esse enfrentamento para além das eleições. A decisão foi importante, porque ela marca um posicionamento para o segundo turno das eleições, mas também sinaliza para o que vem a seguir. Nossa luta continua independente do resultado das urnas”, concluiu.

Encaminhamentos
A reunião aprovou a produção de materiais contra o fascismo, intensificação das mobilizações para o dia 24 (Dia Nacional de Lutas dos Servidores Públicos), participação em frentes suprapartidárias, entre outros. 

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Fonte: ANDES-SN