Terça, 23 Março 2021 13:56

Sem direitos, profissionais da Enfermagem que arriscam a vida contra a Covid-19 em Mato Grosso pedem apoio da população Destaque

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Um ato público e uma carta aberta, os trabalhadores chamam a atenção para diversas situações de risco e injustiças trabalhistas

 

Nessa segunda-feira, 22/03, a população mato-grossense se deparou com mais uma triste realidade: profissionais da Enfermagem que trabalham em regime de plantão, diretamente em contato com a Covid-19, arriscam suas vidas por condições de trabalho absolutamente precarizadas e salários ínfimos. Tudo isso oferecido pelo próprio Estado, que se recusa a dialogar sobre a demanda.

 

Os trabalhadores reclamam que, além da ausência de benefícios gerais, como férias remuneras, 13º salário, direito ao afastamento em caso de doenças, não conseguem nem mesmo receber a verba indenizatória oferecida a outros servidores que trabalham na linha de frente no combate à pandemia.

 

Em um ato realizado na manhã dessa segunda-feira, em frente ao Centro de Triagem da Covid-19 da Arena Pantanal, onde atuam, os servidores pediram ajuda apoio à população. Além da ausência de direitos, há ainda reclamações com relação à instabilidade salarial pelas mudanças no atendimento feitas pela própria Secretaria. “Nós fazemos todos os plantões em escala de 12 por 36, como qualquer outro profissional de unidades de pronto atendimento, seja onde for. E o mais lamentável é que colegas do setor administrativo, que não têm contato com o paciente, não prestam assistência direta, têm direito a receber a verba indenizatória de R$ 500. Os colegas que estão em cargos de chefia, assessores, diretores, ganham mais de R$ 500. O diretor geral da Arena ganha mil reais por mês de verba indenizatória, porém não presta nenhum cuidado ao paciente. E a ele é garantido esse direito porque o vínculo dele é de contrato temporário, então ele recebe o salário fixo, recebe o valor do plantão, e recebe mais mil reais de verba indenizatória” explica a enfermeira Kamylla Reis.   

 

Uma prova de que a Reforma Trabalhista, cuja lógica é espremer os direitos dos trabalhadores, já afeta tragicamente o setor privado e também do setor público.

 

Além de tudo isso, a sobrecarga de trabalho pesa sobre os profissionais, porque com o agravamento da pandemia, aumentou o número de atendimentos, mas não de profissionais. A infraestrutura, precarizada desde antes da pandemia pelos governos, é outro ponto muito sensível e destacado pelos trabalhadores. Os setores de triagem e testagem, por exemplo, não têm pia para higienização das mãos. O álcool 70% é indicado por um período, mas ele cria um biofilme nas mãos, então a higienização precisa ser feita também frequentemente, denunciam os servidores.

 

“O setor de testagem é fechado, semelhante a um contêiner, com vários guichês. Quando a gente faz o exame do swab (cotonete estéril para coleta de amostra microbiológica), inserindo pela nasofaringe, uma resposta normal do paciente é espirrar ou tossir, liberando partículas do vírus no ar. A dificuldade dentro desse setor específico não existe um filtro capaz de remover essas partículas ou, no mínimo um exaustor, para a circulação de ar acontecer e o vírus não ficar suspenso no ar, para circular o ar”, diz Reis.

 

Os manifestantes ressaltam ainda que o salário médio de uma técnica de enfermagem hoje é R$ 2.300. Os trabalhadores do setor administrativo, que apenas oferecem orientações aos pacientes na Arena, recebem o mesmo valor, porque recebem o salário fixo e o plantão, mas também a verba indenizatória. Assim, têm condições melhores do que os técnicos em Enfermagem que estão em contato direto com os pacientes e correm um risco maior de infecção. Vale destacar que a reivindicação dos profissionais é pela ampliação dos direitos, de forma justa, e não redução em prejuízo de qualquer trabalhador.

 

Em reunião com o secretário estadual de Saúde, na presença do sindicato da categoria, o gestor foi contundente em dizer que os trabalhadores não têm direito a nada além do que está no edital de contratação, e que o pagamento de plantões atrasados e não pagamento de falta mediante apresentação de atestados são casos excepcionais, muito embora todos os documentos e requisitos tenham sido apresentados pelos servidores nos prazos solicitados. Também foram acionadas as chefias locais e diretorias sobre o assunto, sem respostas.   

 

O ato dos trabalhadores, que teve o apoio da "Frente Popular pela Vida: em Defesa dos Serviços Públicos e de Solidariedade ao Enfrentamento à Covid-19" tem como objetivo insistir no diálogo com o Estado. “Nós decidimos fazer o ato antes do horário de trabalho, para não prejudicar o atendimento. Nós começamos às 5h, e tinha gente aguardando desde às 3h. A gente sabe o que é isso, nossos parentes, tios, primos, irmãos, já passaram por ali. O que nós esperamos é que o Governo se sensibilize, porque o que a gente ganha não condiz com o trabalho que executamos e com os riscos a que estamos expostos. E que a população nos apoie, porque quem cuida dos pacientes são os profissionais da Enfermagem. Se precisarem de internação, medicamento, banho, troca de fralda, quem segura a mão dele no leito é o profissional da Enfermagem. Nós precisamos de valorização. Nosso trabalho é essencial, sem Enfermagem não tem saúde. Nós esperamos que a população perceba isso e ajude a cobrar os governantes”, acrescentou a enfermeira.

 

Por fim, a profissional convidou os demais colegas da saúde, de outras unidades públicas e privadas, para a luta por valorização e condições de trabalho adequadas. “Entrem nessa luta, porque não é apenas do Centro de Triagem. São péssimas as condições de trabalho na saúde cuiabana, mato-grossense, e a Enfermagem precisa se unir, porque a valorização só vem com a luta, não vai cair de bandeja. Esse é o momento da categoria se unir pelo que a gente vem defendendo há tanto tempo: 30h semanais e piso salarial da Enfermagem.”

 

Confira, abaixo, a carta aberta divulgada pelos manifestantes. 

 

CARTA ABERTA À POPULAÇÃO MATOGROSSENSE

 

A equipe de enfermagem do Centro de Triagem COVID-19, instalado na Arena Pantanal, vem a público denunciar as condições de trabalho a que está submetida na unidade. Para tanto, listamos abaixo os pontos de maior preocupação e desgaste:

● Não recebemos a Verba Indenizatória Extraordinária (R$500,00 reais) destinada a profissionais da saúde que atuam na linha de frente do combate à COVID-19. De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT), a verba que é paga aos “servidores efetivos, comissionados e contratados temporariamente que estejam efetivamente prestando serviços e potencialmente expostos ao contágio pelo coronavírus” não é nosso direito, pois somos contratados em regime de plantão (12hx36h), ou seja, trabalhamos em dias alternados em plantão de 12h (das 7h às 19h). Porém, somos vinculados à SES-MT por contrato temporário, atuamos em unidade que presta atendimento específico para COVID-19 e estamos expostos a alto risco de contágio, o que mais é necessário para “ter direito”? Qual a justificativa para um servidor administrativo, que não é profissional da saúde ou que não presta assistência direta ao paciente, receber essa verba (de maior valor) e nós que estamos no cuidado direto não recebermos?

● Não recebemos a indenização excepcional em caso de afastamento médico por infecção da COVID-19;

● Não temos direito a décimo terceiro, FGTS e férias;

● Profissionais de enfermagem estão lotados como auxiliar de escritório, situação identificada em consulta ao aplicativo oficial da Carteira de Trabalho Digital do Ministério da Economia;

● A unidade não possui Protocolos de Atendimento ou Procedimento Operacional Padrão (POP). Pelo menos nunca foram apresentados aos servidores como orientação. O processo de trabalho de enfermagem é implementado equipe sem padronização da instituição;

● Não há exaustor ou filtro HEPA no setor de testagem, um ambiente fechado em que é realizada a coleta de material da nasofaringe para o teste, produzindo aerossóis com partículas do vírus que ficam suspensas no ambiente;

● Não há pia para higienização das mãos nos setores de triagem ou testagem;

● A disponibilização de máscara N95 ocorre a cada 7 plantões, que corresponde em média a 15 dias, pois atuamos em regime de plantão 12hx36h;

● Estamos enfrentando sobrecarga de trabalho, com efeitos na saúde física e psicológica dos profissionais que estão na linha de frente dessa pandemia;

● Não temos uma área de repouso adequada, em média 15 pessoas ficam na mesma sala fechada, sentadas em cadeiras em que não é feita desinfecção após a saída de um profissional e chegada de outro;

● O refeitório improvisado no vestiário do estádio não oferece espaço, mesas ou cadeiras suficiente para manter o distanciamento, alguns colegas se alimentam em pé ou esperam alguém se levantar para poder almoçar;

● As refeições ofertadas são insuficientes na palatabilidade, apresentando quantidades não padronizadas de lipídios e sódio, bem como não correspondem aos padrões do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) e Guia Alimentar para a População Brasileira;

● Relatos de colegas sugerem a ocorrência de assédio moral por parte das chefias e demais gestores, que expõe o trabalhador em grupos de Whatsapp, listando as faltas, número de atendimento de cada profissional, acusação infundada de furto de materiais, ameaças de demissão, dentre outros motivos.

Ressaltamos que aqui estão apenas algumas das irregularidades e preocupações da equipe, reivindicamos o mínimo de condições de trabalho. É importante lembrar que estamos trabalhando expostos a alto risco de infecção, preocupados em infectar nossas famílias, em sobrevivermos a essa pandemia. Para prestar uma assistência de qualidade à população também precisamos de cuidado.

Solicitamos aos órgãos públicos competentes e à imprensa que investiguem as pontuações colocadas aqui e tomem providências para defesa e garantia de direitos dos profissionais de enfermagem.

Por respeito e valorização profissional!

Em defesa do SUS!

Em defesa da vida!

Cuiabá-MT, 21 de março de 2021.

Trabalhadoras(es) de enfermagem do Centro de Triagem COVID-19

 

 

 

 

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind        

Ler 873 vezes Última modificação em Terça, 23 Março 2021 14:17