Quinta, 09 Maio 2019 13:20

Desmonte do SUS: política pública mais importante do país também corre riscos Destaque

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A Adufmat-Ssind realizou, nessa quarta-feira, 08/05, um debate para receber os calouros da área da Saúde na Universidade Federal de Mato Grosso. Os convidados para provocar o debate intitulado “Desmonte do SUS” foram os professores Reginaldo Araújo (Instituto de Saúde Coletiva/UFMT e diretor do ANDES - Sindicato Nacional) e Vanessa Furtado (Departamento de Psicologia/UFMT e Conselho Municipal de Saúde).

 

O debate, realizado no auditório do Instituto de Saúde Coletiva, teve como objetivo politizar a formação profissional, tantas vezes tratada equivocadamente de forma técnica. Para isso, o professor Reginaldo Araújo traçou um panorama histórico tanto da constituição do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto do seu desmonte, identificando os presidentes e projetos de sociedade em andamento em cada período.

 

“Nas primeiras décadas do século XX a Saúde ainda não era compreendida como direito no Brasil. Quem tinha acesso a algum tratamento ou atendimento era quem podia pagar ou trabalhava com carteira assinada. Já os militares entendiam, durante a ditadura, que política de saúde era essencialmente hospitalar, e investiram em hospitais públicos e privados. Mas no final de 1970 e início de 1980, alguns intelectuais começaram a influenciar politicamente para elaboração de um sistema mais amplo. A 8°Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foi um marco nesse sentido, e influenciou bastante a política constitucional desenhada em 1988, que constituiu o SUS legalmente, diante da pressão popular e de profissionais da Saúde”, explicou o docente.

 

No entanto, já no governo Collor - que marcou o início do projeto neoliberalista no Brasil no início da década seguinte -, o esvaziamento de investimentos ou qualquer cuidado com as políticas públicas universais ficou evidente. A partir daí, governo após governo, o SUS foi sendo desvalorizado, enquanto os planos de saúde oferecidos por empresas provadas ganharam cada vez mais mercado.

 

“O SUS é a política pública mais importante do país. Cerca de 160 milhões de pessoas dependem exclusivamente dele hoje, mesmo com todas as limitações. Os outros acham que não dependem, mas dependem, sim, principalmente porque é a Vigilância Sanitária que verifica as condições dos estabelecimentos, dos alimentos, medicamentos... uma das padarias mais caras de Cuiabá, por exemplo, frequentada só por quem tem dinheiro, foi notificada pela Anvisa recentemente, porque estava servindo alimento vencido. Quanto mais espaço nós dermos aos planos privados, mais as pessoas vão esquecer o quanto o SUS é importante”, disse Araújo.

 

O docente destacou ainda que o SUS é o programa de saúde mais premiado do mundo, especialmente pelos tratamentos dedicados aos portadores de HIV, pela realização de transplantes de órgãos e acesso dos usuários a medicação de alto custo.

 

Dialogando com o primeiro palestrante, a professora Vanessa Furtado abordou a questão da saúde mental, demonstrando que o SUS é um sistema pensado na dimensão de outro modelo de sociedade, em que as condições de moradia, emprego, saneamento, trânsito, entre outras, também importam. “A qualidade de vida é importante para não adoecer”. Assim, ela explicou que o modo de organização social neoliberal faz com que a atenção terciária, isto é, o atendimento na ponta, nos hospitais, seja mais demandada, quando deveria ser o contrário. 

 

“O Estado alega que o custo do SUS voltado para a atenção terciária é muito alto, mas se investisse na atenção primária, ou seja, na prevenção, reduziria muito”, garantiu a docente.

 

Furtado leu alguns relatos feitos por servidores na última semana, sobre as suas condições precárias de trabalho. Em um deles, enfermeiros relatam: “a equipe de compra de medicamentos e insumos da Prefeitura comprou o pior e mais barato equipo [utilizado para acesso venoso] que existe. Nele, se toma soro, é só soro. Não da para fazer qualquer medicação prescrita de última hora, porque não há local próprio no equipo para tal.”

 

São relatos dolorosos, de servidores que precisam aliviar o sofrimento de seres humanos, mas muitas vezes não têm os equipamentos mais básicos para isso, como seringas e medicamentos. Para resolver, os servidores tiram dinheiro do próprio bolso para comprar material.    

 

Onde tem muito dinheiro, tem muito empresário interessado

 

Não, o problema do SUS não é falta de dinheiro. A arrecadação do Estado, por meio de impostos, garante recursos suficientes para todas as políticas públicas existentes. Um dos grandes motivos dos ataques ao SUS é justamente o interesse nos recursos destinados a ele. “Onde tem muito dinheiro, tem muito empresário, muito capitalista interessado”, disse Araújo.

 

Em Mato Grosso, o caso da gestão de hospitais por meio das Organizações Sociais (OSS), implementada em 2012 pelo Governo Silval Barbosa, é emblemático. Mesmo com todos os apelos de parte importante da sociedade, apontando os riscos e a insatisfação com o modelo apresentado pelo então secretário Pedro Henry, o governo entregou vários hospitais e acabou, poucos anos depois, com “danos morais incalculáveis e rombo superior a R$ 200 milhões aos cofres públicos”, segundo o Ministério Público.  

 

Outro caso recente é a relação constrangedora entre Prefeitura de Cuiabá e a Empresa Cuiabana de Saúde Pública. Em apenas quatro anos de funcionamento efetivo, o órgão já está envolvido em diversas ações de corrupção, o que acabou levando o ex-secretário de Saúde, Huark Douglas, à prisão por favorecimento de empresas na prestação de serviços.

 

Esse é o resultado da mistura de interesses absolutamente contraditórios: público e privado. Enquanto a política pública visa o bem estar e o tratamento de todos, as empresas visam lucro, reduzindo todos os gastos possíveis com mão de obra, equipamentos, medicamentos.  

 

O SUS é um sistema inspirado em políticas universais, desenvolvidas em países preocupados com o bem estar da população. A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em setembro de 1978 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em Alma-Ata, na República do Cazaquistão, foi uma das grandes referências, expressando a “necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham nos campos da saúde e do desenvolvimento e da comunidade mundial para promover a saúde de todos os povos do mundo”, conforme registra a Fiocruz.  

 

Países como Cuba, França, Inglaterra e Canadá também compartilham das ações que priorizam a saúde pública como direito universal, sendo grandes referências mundiais. “Nosso sistema concebe a saúde com valor de uso para a população, e não valor de troca. A destituição da saúde como direito se transforma em noção de saúde como mercadoria, e isso admite negociatas. A saúde passa a ser oferecida para quem pode pagar. O significa que só terá saúde, só terá vida, quem puder pagar por isso”, afirmou Furtado.

 

Universidade Pública e SUS

 

Para finalizar o debate, os palestrantes provocaram os estudantes a refletirem sobre sua função enquanto profissionais da saúde, formados numa universidade pública. “O Estado está investindo em vocês. Aquelas pessoas que estão ali fora limpando os corredores ou fazendo a segurança do campus, estão pagando para vocês estarem aqui, assim como eu e todos os outros brasileiros que vão precisar de atendimento nos próximos anos. Nós temos uma expectativa sobre o trabalho que vocês realizarão no futuro”, disse Araújo.  

 

Os docentes abordaram ainda questões contratuais dos profissionais de saúde, que atualmente são contratados via CNPJ, como empresas, sem direitos ou vínculos, e também o congelamento de recursos públicos pelos próximos 20 anos, por meio da Emenda Constitucional 95/16, que deve afetar diretamente o trabalho e a vida dos estudantes.

 

Ao final, a diretora do sindicato, Maria Luzinete Vanzeler, agradeceu a participação de todos e colocou a Adufmat-Ssind à disposição para realização de debates do tipo. 

 

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

 

 

 

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