Quinta, 19 Novembro 2015 08:01

EXTINÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

A semana que passou foi uma daquelas que ninguém gostaria de ver repetida.

No âmbito nacional, duas barragens se romperam em Mariana, uma das cidades históricas do ciclo do outro em Minas Gerais. Hoje, ao invés do metal que abundava no século XVIII, enriquecendo nações europeias, o que vemos é uma onda gigantesca de lama de dejetos de uma mineradora. A lama já extinguiu a vida de antigos povoados, bem como o ecossistema de uma vasta região.

Todavia, por mais danos que aquela lama tenha provocado, e ainda provocará, nada se compara ao lamaçal político diário que estamos vivendo há muito tempo em nosso país. Pelo viés de cortes orçamentários, esse tipo de lama extingui vidas humanas diariamente.

No plano internacional, perplexidades. Na luta entre jihadistas e valores ocidentais, muitos deles realmente absurdos, consoante as palavras do historiador Robert Darnton (Folha de S.Paulo; 17/11/2015: A11), o “coração mais civilizado do Ocidente”, há poucos dias, foi bombardeado. 

A “Cidade Luz”, da antiga e glamorosa “belle époque”, hoje, é uma cidade que vive uma “époque d’enfer”. Literalmente, um show foi interrompido. Vidas humanas foram extintas sem aviso prévio. Agora, fazer soar novas notas e acordes musicais, sem sentir o pânico de ouvir algum barulho ensurdecedor de outras bombas e/ou o estampido de tiros, será desafio imenso a todos os mortais que, politicamente, estão do lado onde se põe o sol na Terra.

Mas não continuarei a falar das extinções de Mariana, nem das de Paris.  Falarei de outra tragédia; falarei do abandono da sala de aula por parte também de ex-estudantes que mal assumiram vagas de concursos públicos para professores efetivos realizados alhures.

Na verdade, esta não é a primeira vez que trato do tema; e o faço, agora, aproveitando o conteúdo da matéria “São Paulo enfrenta saída recorde de professores” (Folha de SPaulo; 17/11/2015: B1).

Na essência, embora a matéria da Folha se circunscreva a São Paulo, essa realidade é nacional. E os motivos centrais por esse abandono de lá são semelhantes também, quando não os mesmos, aos de outros lugares país afora.

E quais são os motivos que estão afastando os professores da escola?

Vários. Acima de todos, os salários que já beiram a humilhação social. Somam-se a isso outras motivações: o excesso de carga horário de trabalho em sala de aula; a dupla ou tripla jornada de trabalho, geralmente em diferentes colégios; o excesso de alunos em salas nem sempre adequadas; o excesso de atividades extra sala de aula (elaboração e correção de provas e atividades diversas); a falta de estrutura física de muitas unidades escolares; a falta de recursos tecnológicos em diversos lugares do país; a falta de manutenção dos recursos tecnológicos, quando eles existem; a desmedida competição incentivada entre os pares; a ausência de limites sociais por parte da maioria das crianças, adolescentes e jovens; a constante exposição a atos violentos por parte de estudantes, de pais e de polícias militares, especialmente quando os professores estão em greve.

Diante desse quadro, ou mudamos quase tudo na educação brasileira ou, em breve, teremos uma carência de professores “nunca antes vista na história...”  

P.S.: Na contramão desse tipo de abandono, registro minha admiração aos professores, estudantes, pais e membros de movimentos sociais que ficaram e ocuparam, dias atrás, várias escolas ameaçadas de serem fechadas exatamente pelo governo paulista. Foi uma rica e emocionante aula magna de cidadania.

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