Quinta, 24 Janeiro 2019 09:48

RUMO AO INFERNO - Roberto Boaventura

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT

 

Longe vai o tempo em que – na visão de Mário de Andrade, mais especificamente em Macunaíma – se podia dizer literariamente que “pouca saúde e muita saúva” eram os males do Brasil. Hoje, a lista de nossos dissabores é mais longa e complexa. Nossos males estão também na educação, habitação, saneamento etc.

Em meio a tanta mazela, lembrando a “Canção do Exílio” de Murilo Mendes, que parodia a homônima de Gonçalves Dias, além de continuarmos não podendo “dormir com os oradores e os pernilongos” (proliferados como nunca), ainda convivemos com inúmeras informações, geralmente dignas de investigações policiais, sobre performances de muitos dos membros das famílias tornadas nobres dentre nós, reles mortais.

Como a nossa decadência é geral e abrangente, é claro que, hoje, os “sururus em família” não têm mais “por testemunha a Gioconda”, como podíamos “saber” pelos versos do já citado Murilo.

Se fosse hoje, no lugar da Gioconda, também conhecida como Mona Lisa, talvez o poeta registrasse a grosseira figura do Tio Sam, que recrutava jovens para as forças armadas dos EUA para atuarem na I Guerra Mundial.

Concluído o introito, deliberadamente irônico, o cerne é pensar sobre as consequências que poderemos ter por conta dos problemas que começam a vir à tona, assim como m... em águas poluídas: a contradição entre os discursos e as práticas do ex-deputado federal, e hoje senador, Flávio Bolsonaro, filho de Jair, presidente da República e imperador da moral cristã no Brasil.

Flávio está no centro de uma encrenca daquelas; tudo foi originado por conta de uma investigação do MP e da Polícia Civil/RJ sobre problemas de corrupção na Assembleia Legislativa. Por aí, chegou-se ao nome de um de seus ex-assessores. Por conta de complicações financeiras que envolvem o ex-assessor, Flávio já tem de explicar coisas bem complexas sobre a parte que lhe cabe em seu já encorpado latifúndio.

A contragosto, concedeu “entrevistas” em emissoras amigas de sua família, e a cada dia Flávio emite notas à imprensa (e nas redes, claro), tentando explicar o inexplicável. Por isso, o jovem político, dizendo-se ser vítima de perseguição, já tentou recursos até no STF, pretendendo não ter de dar explicações a ninguém.

Mas errou quem supunha que os problemas de Flávio seriam apenas esses. Há mais. Agora já se sabe que ele sempre atuou politicamente para consolidar milícias no Rio.

Como?

Dentre outras, condecorando milicianos com as principais honrarias do Estado. Houve condecoração até para investigado em chacina, aliás, um possível envolvido no caso das mortes de Marielle e Anderson. 

O que isso significa?

O de pior que possa vir de um político. As milícias – que são um dos tipos de organizações criminosas – são irmãs do tráfico, ou seja, a organização por excelência do crime.

Portanto, grosso modo, já podemos compreender que esse filho do presidente é, por tabela, um dos maiores responsáveis pela violência no Rio.

Lembrando Drummond, pergunto: e, agora, Jair?

Incertezas no ar.

Não basta dizer “se Flávio errou, tem de pagar”, pois sua grande família se ofertou politicamente como exemplo do moralismo cristão para salvar o país das mazelas, incluindo a violência.

Pois bem. Como todo moralismo é falso, a parte da mídia execrada pelos Bolsonaro nos oferecerá, a cada dia, um dado a mais de uma pantanosa novela. Desceremos às profundezas do inferno. Agora, é só o começo.

Pior: no plano ético, ninguém pode sequer sentir saudades de nosso passado político recente, também organizadamente criminoso.

Tragédia completa.

Ler 2348 vezes Última modificação em Quinta, 24 Janeiro 2019 09:49