Quinta, 03 Novembro 2016 09:53

PRÊMIO À MÚSICA POPULAR - Roberto Boaventura

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Embora provocado a escrever sobre as recentes eleições municipais, ocorridas no dia 30/10, que já começaram a preparar o cenário eleitoral/2018, hoje, trato de arte; mais especificamente, de literatura e de música. Na verdade, do/a amálgama de ambas.  

 

Há algumas semanas, o mundo ficou sabendo que o Nobel de Literatura/2016 fora destinado ao compositor, cantor, pintor, ator e escritor Bob Dylan.

 

Do conjunto de seus trabalhos, “Blowin’in the Wind” talvez seja o maior destaque. Conforme Dylan, sem pretender fazer qualquer tipo de protesto, essa canção foi escrita em não mais do que dez minutos. Após terminá-la, colocou-a em uma velha melodia – "No More Auction Block" –, cantada pelos escravos que lutavam contra o racismo nos EUA.

 

   “Blowin’in the Wind” (de 1963) está sustentada por uma série de interrogações, como p. ex.: “Quantas vezes precisará um homem olhar para cima até poder ver o céu? Quantos ouvidos precisará um homem ter até que ele possa ouvir o povo chorar? Quantas mortes custará até que ele saiba que gente demais já morreu? 

 

A essas e às demais indagações, o eu-poético do compositor popular, indagando sobre ações humanas (ou, quiçá, desumanas) de toda e qualquer parte do mundo, quase sempre em tensão social, diz que “a resposta, meu amigo, está soprando no vento”.

 

 

Para não ficarmos apenas na canção em pauta, é também de Dylan as seguintes reflexões: “A felicidade não está na estrada que leva a algum lugar. A felicidade é a própria estrada”; “Algumas pessoas sentem a chuva; outras, apenas se sentem molhadas por ela”; “Por trás de cada coisa bonita que vemos, há uma dose de sacrifício”; “A melhor coisa que você pode fazer para uma pessoa é inspirá-la”. 

 

Como todos sabem, o espaço de um artigo de opinião não comporta muito mais do que as transcrições feitas. Da obra de Bob Dylan, muito ainda poder-se-ia dizer. Todavia, no limite, penso que esses excertos sejam suficientes para inferir que o prêmio que Dylan acabou de ganhar, e que o teria deixado “sem palavras”, tem significado bem mais amplo para os apreciadores da literatura e da música. Ele contribui para (com)provar pelo menos duas coisas: 1ª) que um texto poético bem construído pode ganhar uma bela melodia, tornando-se, assim, um “poema-musicado”; 2ª) que em uma bela composição musical, produzida, portanto, para ser apenas música, pode estar escondido um grande poema. 

 

Dessa união, as boas músicas populares dos diferentes lugares ganham simbolicamente o mesmo prêmio por meio do trabalho de Dylan. Nesse sentido, nossa estupenda e tão pouco conhecida MPB não deve nada alhures. Começo ilustrando a afirmação por meio da lembrança do poema “Traduzir-se” de Ferreira Gullar, musicado por Fagner: “...Uma parte de mim almoça e janta; outra parte se espanta...” 

 

De Vinícius de Moraes, digo que sua obra poética quase toda poderia ter sido melodiada. E tudo o que foi é extasiante: dos poemas musicados às crianças, inclusive as já tornadas adultas, até os textos para adultos propriamente ditos. De Toquinho, afirmo o mesmo.

 

E o que dizer de “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, que dialoga no sentido contrário da “Canção do Exílio” com o romântico Gonçalves Dias? Aliás, às genialidades de Tom e Chico devemos juntar muitos outros: Cartola, Caymmi, Gonzaguinha, Gonzagão, Caetano, Gil, Milton, Djavan, Chico César, Baleiro, Lenini, Wisnik, Tatit, Paulo C. Pinheiro... 

 

A lista é imensa, caro leitor; o espaço, curto. Por isso, caso queira, complete-a a seu modo. O Nobel nos permite. 

 

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