Sexta, 13 Maio 2022 14:48

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*
 


Neste domingo, 15 de Maio de 2022, estamos comemorando, melhor dizendo, a Igreja Católica, comemora 131 da “Rerum Novarum”, Encíclica do Papa Leão XIII, sobre os conflitos sociais da época, as precárias condições de trabalho, de sobrevivência e de exploração a que eram submetidos trabalhadores, trabalhadoras e suas famílias.

Ao longo desses 131 anos, muitas coisas mudaram, várias guerras ocorreram, mas o drama, a exclusão, a fome, a miséria, a violência, os conflitos armados, as guerras continuam presentes, acompanhadas de degradação ambiental, mudanças climáticas, aquecimento global e outros problemas graves que continuam desafiando tanto a Igreja quanto outras organizações nacionais e internacionais que lutam por justiça, por direitos humanos, pela ecologia integral e por dignidade humana.

E neste contexto que a Igreja no Brasil, tanto a CNBB quanto Arquidioceses, Dioceses, Paroquias e Comunidades voltam suas energias e ações, tendo os Evangelhos, a Doutrina Social da Igreja, as Encíclicas Papais, com ênfase no Magistério do Papa Francisco, para uma melhor formação, mais aprofundada e mais engajada do LAICATO, leigos e leigas na Evangelização, através das Pastorais Sociais, movimentos e organismos que atuam na dimensão sociotransformadora.

Por iniciativa da CNBB e também de inúmeras arquidioceses, dioceses, paróquias e comunidades a Igreja Católica no Brasil tem feito um grande esforço em relação a uma melhor formação de leigos e leigas, para que a atuação e as ações dessas pessoas tanto nas pastorais sociais, nos movimentos e nos organismos , os quais e as quais estão inseridas no contexto da “Ação sociotransformadora”, possam fazer a diferença.

Sempre é bom lembrar que essas ações do laicato (leigos e leigas a serviço da Igreja e da Evangelização), não ficam restritas apenas `as dimensões internas da Igreja, mas estão presentes também nas diversas organizações públicas, principalmente como representantes da Igreja em Conselhos de defesa de direitos; em parcerias com outras organizações que também atuam junto `as camadas pobres, excluídas e injustiças de nossa sociedade e também em cargos eletivos e funções de gestão públicas. Só assim, seremos “sal da terra e luz do Mundo”. (Evangelho de São Mateus, 5:13)

A Doutrina social da Igreja representa o compromisso da Igreja ao longo de mais de um século, desde a publicação da Encíclica Rerum Novarum (Das coisas novas), pelo Papa Leão XIII, em 1891, em meio a uma desumana exploração dos trabalhadores e trabalhadoras, período também de um grande debate entre capitalistas, proprietários dos meios de produção e do movimento socialista/comunista nascente.

A Igreja procurou posicionar-se, de forma clara, tanto condenando a exploração , sem limites, desumana, dos trabalhadores pelos proprietários dos meios de produção, em que nenhum direito era reconhecido para quem tinha apenas sua “força de trabalho” para ser vendida, sob condições extenuantes de jornadas de trabalho que as vezes superava 16 horas diárias, em locais insalubres, sem sequer repouso semanal remunerado, sem proteção da saúde da massa trabalhadora, onde crianças, adolescentes, jovens, adultos, homens e mulheres trabalhavam em condições análogas à escravidão,  quanto as propostas do movimento socialista/comunista, que acenava com um coletivismo autoritário e totalitário, onde a figura do Estado todo poderoso substituiria a figura dos proprietários dos meios de produção.

Neste sentido a Encíclica Rerum Novarum, tanto condenou tais práticas e formas desumanas de relações de trabalho, então vigentes, quanto o modelo defendido pelo movimento socialista/comunista, de uma sociedade dominada por um Estado absolutista e um modelo político de partido único e socioeconômico estatizante, autoritário e totalitário.

Como alternativa para que os trabalhadores rompam com essas cadeias, a Rerum Novarum sugere o associativismo, cooperativismo dos mesmos, a autoajuda e a caridade, para socorrer a quem não tenha condições de uma sobrevivência digna.

Não é sem razão que o Teólogo Padre Antônio Aparecido Alves, na introdução de seu artigo “Conhecer e praticar a Doutrina Social da Igreja, em tempos de obscurantismo, de 02 de Fevereiro de 2021, publicado em Universidade Católica de Santa Caterina, enfatiza que “A Doutrina social da Igreja nasceu como resposta ética aos desafios da revolução industrial, iluminando a chamada questão social. Para este momento histórico, foi importante o ensinamento sobre trabalho, salário, Estado, entre outros temas, contemplado na Encíclica de Leão XIII, a Rerum Novarum (1891)… Urge visitar o patrimônio da Doutrina social da Igreja, para buscar as balizas corretas, a fim de orientar hoje a prática dos cristãos.”

Seguindo nesta mesma linha de pensamento ele destaca que “Desde a Encíclica Mater et Magistra, de São João XXIII, a Igreja vem insistindo na necessidade do ensino e da divulgação da Doutrina social da Igreja (DSI). Ela deveria ser divulgada e conhecida por todos os cristãos, pois seu conteúdo faz parte da concepção cristã da vida, de modo que uma sadia educação da fé não poderia descurar esse aspecto social. Era um vivo desejo de São João XXIII que a DSI fosse ensinada de forma sistemática em todos os Seminários e Escolas Católicas, bem como nos programas de formação das Paróquias e Associações de Leigos. Além disso, que fosse divulgada por todos os meios possíveis: rádio, televisão, obras científicas, periódicos e imprensa diária, motivando a prática social dos cristãos, a partir do método ver-julgar-agir”.

Vale também ressaltar que, meio século antes da Rerum Novarum, foi fundada a primeira cooperativa de consumo na Inglaterra. “Criada em 1844 por 28 operários – 27 homens e 1 mulher , em sua maioria tecelões, no bairro de Rochdale-Manchester, na Inglaterra, e reconhecida como a primeira cooperativa moderna, a “Sociedade dos Probos de Pioneiros Rochdale” (Rochdale Quitable Pioneers Society Limited) forneceu ao mundo os princípios morais e de conduta que são considerados, até hoje, a base do cooperativismo autêntico. Esses operários enxergaram o associativismo como forma de contornar, por meio da compra e venda comum de mercadorias, os efeitos perversos do capitalismo sobre a condição econômica dos trabalhadores assalariados – tendo alugado, com o capital inicial de 1 (uma) libra, um armazém para estocar produtos que, adquiridos em grande quantidade, poderiam ser consumidos a preços mais baratos.”

Desde então, o cooperativismo e o associativismo passaram a ser uma alternativa para superar, de um lado o capitalismo extremamente liberal que explorava desumanamente os trabalhadores e de outro lado, a proposta de uma sociedade socialista/comunista com as restrições políticas, sociais e econômicas já mencionadas.

Como hoje, também naquela época, apesar de que quase dois séculos se passaram desde a fundação da primeira cooperativa de consumo e mais de 130 anos da publicação da Rerum Novarum, os trabalhadores continuam enfrentando dois grandes desafios; o aviltamento do poder aquisitivo dos salários que mal é suficiente para a sobrevivência física e reprodução da força de trabalho  de um lado e, de outro lado, a exploração a que são submetidos nas relações de consumo, com a ajuda do processo inflacionário, que representa uma transferência de renda dos mais pobres, os trabalhadores e classe média, para as camadas mais ricas, os donos do capital e dos meios de produção, isto também é facilitado pela definição e implementação de políticas públicas que aprofundam o fosse entre os donos do poder e as massas excluídas.

É neste contexto, que também estão inseridos a luta pela garantia dos direitos dos trabalhadores no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Tendo em vista a opção preferencial que a Igreja faz pelos pobres, a Doutrina Social da Igreja reveste-se de uma grande importância para a formação do laicato e também na formação da religiosos, religiosas e dos pastores da Igreja, como instrumento de ação para uma Igreja que se pretende ser missionária, sinodal, profética, samaritana e pobre, conforme tanto nos exorta o Papa Francisco e seus antecessores.

A Igreja Católica, desde o  advento  da Rerum Novarum até os dias de hoje, com maior ou menor ênfase, vem apostando nesta “terceira via”, tendo por base o solidarismo, uma economia solidária e que atualmente está presente na proposta do Papa Francisco, quando o mesmo advoga a “Economia de Francisco e Clara”,  com a alternativa para eliminar as consequências de um capitalismo selvagem que explora `a exaustão tanto a forca de trabalho da classe operária quanto degrada e destrói os recursos naturais, a biodiversidade, enfim, o Planeta Terra.

Neste sentido, a Encíclica Laudato Si e a Exortação Apostólica “Minha querida Amazônia”, representam a inserção definitiva da Ecologia Integral em todas as suas dimensões, como um enriquecimento da Doutrina Social da Igreja, razão pela qual este componente não  pode estar alheio na análise, reflexão e ação social da Igreja.

Ao longo desses 131 anos da publicação da Encíclica Rerum Novarum, com frequência todos os Papas escreveram e publicaram Encíclicas relativas `as comemorações da primeira que é a base do pensamento social da Igreja. Apenas como referência vamos destacar tais Encíclicas.

Quadragésimo ano. Papa Pio XI, em 15 Maio de 1931, comemorando 40 anos da Rerum Novarum, em plena recessão econômica e crise que se abatia sobre o Sistema capitalista americano, com repercussões políticas, sociais e econômicas no mundo inteiro.

Rádio mensagem. Papa Pio XII, em 01 de Junho de 1941, comemorando 50 anos da Rerum Novarum, em meio a Segunda Guerra Mundial, em que a Europa e praticamente o mundo todo sofria com os horrores daquele conflito.

Mater et Magistra (Mãe e mestra). Papa João XXIII, em 15/05/1961, comemorando 70 anos da Rerum Novarum, período em que o mundo vivia o auge da Guerra fria e a ameaça do terror nuclear, dos conflitos ideológicos, golpes de estado, revoluções e muita instabilidade política, social e econômica.

Ocatogésimo adveniens. Papa Paulo VI, em 14 de Maio de 1971, em comemoração aos 80 anos da Rerum Novarum. É importante destacar o que nos exorta Paulo VI sobre a responsabilidade dos cristãos em meio a tantos desafios quando afirma nesta Encíclica: “Não basta recordar os princípios, afirmar as intenções, fazer notar as injustiças gritantes e proferir denúncias proféticas; estas palavras ficarão sem efeito real, se elas não forem acompanhadas, para cada um em particular, de uma tomada de consciência mais viva da sua própria responsabilidade e de uma ação efetiva. E por demais fácil atirar sobre os outros a responsabilidade das injustiças sem se dar conta ao mesmo tempo de como se tem parte nela, e de como, antes de tudo o mais, é necessária a conversão pessoal. Esta humildade fundamental servirá para tirar à ação todo o caráter de intolerância e todo o sectarismo; além disso, ela evitará também o descoroçoamento em face de uma tarefa que pode aparecer como desmesurada. A esperança do cristão provém-lhe, antes de mais, do fato de ele saber que o Senhor está operando conosco no mundo”.

Centesimus annus. Papa João Paulo II, em 01 de Maio de 1991, Dia dedicado a São José Operário, o patrono dos trabalhadores. Esta Encíclica foi escrita em comemoração ao centenário da Rerum Novarum, em meio ao estabelecimento de uma nova ordem mundial, decorrente da queda do muro de Berlim e o fim do império soviético, o fortalecimento da União Europeia, a hegemonia dos EUA e o crescimento acelerado da China, que surge como uma super potência emergente.

CARITAS IN VERITATE. Encíclica de Bento XVI , de 29 de Junho de 2009, exatamente na metade de seu papado. Tendo sido eleito Papa em 19 Abril de 2005 Bento XVI renunciou ao seu magistério `a frente da Igreja em 11 de Fevereiro de 2013.

Apesar de seu curto papado, Bento XVI nesta Encíclica Caritas in Veritate enfatiza o bem comum no contexto da caridade, da verdade, da justiça e da Doutrina Social da Igreja. Vejamos algumas referências deste Papa em sua Encíclica.

A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas responsabilidades e compromissos por ela delineados derivam da caridade, que é — como ensinou Jesus — a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40). A caridade dá verdadeira substância à relação pessoal com Deus e com o próximo; é o princípio não só das microrrelações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macrorrelações como relacionamentos sociais, económicos, políticos. Para a Igreja — instruída pelo Evangelho —, a caridade é tudo porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4, 8.16) e como recordei na minha primeira carta encíclica, « Deus é caridade » (Deus caritas est): da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e nossa esperança. Caritas in veritate » é um princípio à volta do qual gira a doutrina social da Igreja, princípio que ganha forma operativa em critérios orientadores da acção moral. Destes, desejo lembrar dois em particular, requeridos especialmente pelo compromisso em prol do desenvolvimento numa sociedade em vias de globalização: a justiça e o bem comum”.

Segue Bento XVI afirmando que “Depois, é preciso ter em grande consideração o bem comum. Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das pessoas: o bem comum. Querer o bem comum e trabalhar por ele é exigência de justiça e de caridade. Comprometer-se pelo bem comum é, por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele conjunto de instituições que estruturam jurídica, civil, política e culturalmente a vida social, que deste modo toma a forma de pólis, cidade. Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê resposta também às suas necessidades reais. Todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência na pólis. Este é o caminho institucional — podemos mesmo dizer político — da caridade, não menos qualificado e incisivo do que o é a caridade que vai directamente ao encontro do próximo, fora das mediações institucionais da polis”.

Cremos que nunca é demais enfatizar as três formas de caridade/fraternidade que a Caritas Brasileira nos indica: Caridade assistencial (dar o peixe); caridade promocional (ensinar a pescar) e caridade libertadora (pescar junto, caminhar junto, lutar junto `aqueles que são excluídos/excluídas e injustiçados).

Laudato Si. Encíclica do Papa Francisco, escrita em 24 de Maio de 2015, menos de dois anos após ter sido eleito (13 de Março de 2013),  chamado então de “o papa que veio do fim do mundo, primeiro Papa oriundo da América Latina.

Nesta Encíclica o Papa Francisco sintetiza o pensamento da Igreja em relação `as questões ecológicas/ambientais, enfatizando que neste contexto “tudo está interligado nesta Casa Comum”, e que não existem duas crises separadamente, de um lado uma crise social (e econômica e política) e de outro uma crise Ambiental; mas sim, apenas uma e complexa crise socioambiental.

Assim, o Papa Francisco amplia o entendimento da Doutrina Social da Igreja, incluindo na mesma a dimensão da ecologia integral, aprofundando esta ligação ao escrever a Exortação Apostólica “Minha querida Amazônia” (02 de fevereiro de 2020), quando insiste que deseja uma Igreja nesta vasta região com a cara dos povos que nela habitam  e destacar seus quatro sonhos: o social; o cultural, o ecológico e o ecclesial.

Vale a pena refletirmos sobre este aspecto, que, em minha opinião, vai ao âmago da Doutrina Social da Igreja e não se esgota apenas em relação `a Amazônia, mas a todos os demais territórios onde a presença da Igreja se faz sentir.

Assim diz o Papa Francisco “Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja escutada e que a dignidade seja promovida. Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana. Sonho com uma Amazônia que guarda zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e de se encarnar na Amazônia, a tal ponto que deem `a Igreja novos traços amazônicos” (in Minha Querida Amazônia, 7).

Fratelli Tutti. (Sobre a Fraternidade e a Amizade Social), Encíclica do Papa Francisco, de 03 de Outubro de 2020, onde o mesmo aponta caminhos para a construção de um mundo novo, com mais solidariedade, com mais dignidade e com mais humanidade, enfim, como podemos aprofundar a construção da civilização do amor e da sociedade do  bem viver.

Vamos sonhar juntos. O Caminho para um futuro melhor. Reflexão do Papa Francisco em conversa com Austen Ivereigh, em dezembro de 2020, durante a pandemia da covid-19, que assolou  e continua assolando o mundo de forma terrivel, afetando 520 milhões de pessoas que contrairam a doença e que causou a morte de 6,26 milhões de pessoas, até esta quarta feira, 11 de Maio de 2022, com repercussões profundas e consequências como aumento do desemprego, da exclusão social, da fome, da miséria e de outras formas de violência.

Mesmo em meio a tanta dor, sofrimento e morte, o Papa Francisco insiste na necessidade de termos esperança em um mundo melhor, esperança que deve caracterizar todos  os cristãos.

Gostaria de destacar um pensamento/reflexão do mesmo quando diz “ Em momentos de crise, é possivel ver o bom e o mau: as pessoas mostram-se como são. Algumas dedicam tempo a servir aos necessitados, enquanto outras enriquecem `a custa das necessidades dos demais. Alguns vão ao encontro dos outros - de formas novas e criativas , sem se afastarem do próprio lar - ao passo que alguns se refugiam atrás de uma couraça protetora. O coração mostra-se como é”.

Ao longo desta reflexão podemos perceber que nesses 131 anos do surgimento da Rerum Novarum, a realidade politica, social, econômica, cultural, científica e tecnologica sofreu uma transformação profunda.

Todavia, apesar dessas ttransformações, os desafios que se apresentam para a Igreja ainda permanecem, razão pela qual a atualidade da Doutrina Social da Igreja continua presente, agora com a inserção de novos desafios, onde a questão da ecologia integral pode ser considerada fundamental para a atuação de leigos e leigas, bem como toda a hierarquia da Igreja, incluindo religosos e religiosas.

O fortalecimento das ações de pastorais, movimentos e organismos que se inserem na dimensão sócio transformadora requer um aprofundamento na formação desses/dessas agentes. Essas são algumas das razões que embasam os cursos de Doutrina social da Igreja e de Fé e cidadania e de um engajamento maior dos cristãos nas questões socioambientais/ecologia integral.

Concluindo, “⁠Sonho que se sonha só É só um sonho que se sonha só Mas sonho que se sonha junto é realidade” Raul Seixas
 
Vamos  sonhar e agirmos juntos, pois, juntos somos mais fortes e vamos mais longe.
 
*JUACY DA SILVA, sociólogo, mestre em sociologia, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Quinta, 28 Abril 2022 09:27

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura da UFMT
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          Não gosto muito do senso-comum, mas, agora, lanço mão daquele que diz que conhecer a história nos ajuda a compreender melhor nosso presente e os dias vindouros; e se essa compreensão não abarca o todo, e nunca abarcará mesmo, pelo menos pode qualificar uma parte desse todo. Tratarei aqui de facetas dessas partes.
          Ao dizer isso, e da forma como estou dizendo, como “discurso de autoridade”, invoco o poeta baiano Gregório de Matos (1636-1696), também conhecido – não sem motivos – pela antonomásia “O Boca do Inferno”.
          Gregório, depois de ver o Estado da Bahia (que, na ocasião, representava o Brasil inteiro) arruinado, político, social e economicamente, passa a mal dizer a sociedade colonial dos seiscentos; poucos escaparam de sua boquinha infernal.
          Assim, já no início do poema “Aos Vícios”, o eu-poético diz ser “...aquele que os passados anos”, cantou em sua“...lira maldizente/ Torpezas do Brasil, vícios e enganos”.
          Mais adiante, no mesmo texto, uma “fotografia” político-social do Brasil daquele tempo (repito, representado pela Bahia), nos é apresentada. No entanto, vejamos como é impressionante a semelhança do muito que estamos vivendo agora:
          “(...) Qual homem pode haver tão paciente,/Que, vendo o triste estado da Bahia/ Não chore, não suspire e não lamente?// Isto faz a discreta fantasia:/ Discorre em um e outro desconcerto/ Condena o roubo, increpa a hipocrisia.// O néscio, o ignorante, o inexperto// Que não elege o bom,/ nem mau reprova/ Por tudo passa deslumbrado e incerto (...)”.
          Complementando essas observações, como se fossem em closes poéticos, Gregório dirá – mas em outro poema, no qual “Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia” – que “...A cada canto um grande conselheiro,/Que nos quer governar a cabana, e vinha,/ Não sabem governar sua cozinha,/ E podem governar o mundo inteiro.// Em cada porta um frequentado olheiro,/ Que a vida do vizinho, e da vizinha/ Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,/ Para a levar à Praça, e ao Terreiro...”
          Isso posto, não sem lamentar, somos obrigados a constatar que a sociedade brasileira, neste primeiro quartel do século XXI, na essência, se mantém presa a diversos “vícios” semelhantes aos da sociedade do século XVII.
          Em outras palavras, muitos de nossos governantes, na essência, continuam apresentando os mesmos “defeitos de fábrica”, a mesma inabilidade para o exercício de governo de um país tão complexo; de outra parte, a maioria de nosso povo, vivenciando um processo de alienação que parece ser interminável, continua pesquisando, escutando, espreitando e esquadrinhando a vida alheia.
          A quem não compreendeu bem essa minha atualização das palavras de Gregório, faço lembrar do tempo que muitos, inclusive parte significativa de nossos universitários, perdem um tempo precioso “apreciando” programas televisivos tão desqualificados, como os reality shows. Na essência, antes que tais programas – em si e per si – possam revelar alguma coisa, geralmente circunscrita ao plano do comportamental das pessoas que se “confinam”, antes, podem revelar, na verdade, o quanto mexeriqueiros somos como povo.
          Ao afirmar isso, digo que em nada nos diferimos da maior parte de nossos compatriotas do período colonial. Se no passado, os “olheiros” pesquisavam, escutavam, espreitavam e esquadrinhavam – in locu –“a vida do vizinho e da vizinha para levá-la à Praça e ao Terreiro” (de candomblé e/ou umbanda), como registra o poeta baiano, hoje, como peixes inebriados, caímos nas amarras das redes sociais, espaços de muito maior visibilidade para o “compartilhamento” de tudo, inclusive, de nossas futilidades e, muitas vezes, de nossas maldades.

          Pergunto: até quando, socialmente, manteremos essa trajetória histórica de um povo que continua a cultivar práticas tão subterrâneas?

Segunda, 04 Abril 2022 08:02

 

 

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JUACY DA SILVA*

“A luta contra a fome exige a superação da lógica fria do mercado, concentrada avidamente no mero benefício econômico e na redução do alimento a uma mercadoria como tantas outras e no fortalecimento da lógica da solidariedade. O tema proposto este ano pela FAO enfatiza a necessidade de ação conjunta para que todos tenham acesso a uma alimentação que garanta a máxima sustentabilidade ambiental e que seja adequada e a um preço acessível. Cada um de nós tem uma função a desempenhar na transformação dos sistemas alimentares em benefício das pessoas e do planeta, e todos podemos colaborar para o cuidado da criação, cada um com sua cultura e experiência, suas iniciativas e capacidades. Os nossos estilos de vida e nossas práticas diárias de consumo influem na dinâmica global e ambiental, mas se aspiramos a uma mudança real, devemos exortar produtores e consumidores a tomarem decisões éticas e sustentáveis e conscientizar a geração mais jovem sobre a importante tarefa que ela desempenha para tornar realidade um mundo sem fome. Cada um de nós pode dar sua contribuição para esta nobre causa” Papa Francisco, em pronunciamento/mensagem enviada ao Presidente da FAO, por ocasião do Dia Mundial da Alimentação, em 16 de outubro e 2021 (Vatican News).

Seguindo esta exortação do Papa Francisco, a CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil definiu e decidiu que o tema da CF Campanha da Fraternidade para o ano de 2023 será FRATERNIDADE E FOME, buscando, com esta iniciativa colocar na Agenda Nacional esta, que volta a ser novamente, uma questão crucial na definição de políticas públicas, nos níveis nacional e estadual, tendo em vista que no próximo ano novos governantes estarão ocupando essas instâncias de poder.

A fome é cruel, traz sofrimento e morte para milhões de pessoas que não conseguem ter este sagrado direito atendido, não apenas em decorrência das consequências da COVID-19, mas sim por causas estruturais, mais profundas que geram desigualdades de renda e oportunidades, fruto também de uma imensa concentração de renda nas mãos de uma minoria, deixando a maioria da população na pobreza e na miséria, tem aumentado muito A FOME NO MUNDO e, inclusive, no Brasil.

Estamos em um ano eleitoral, precisamos fazer de tudo para que a FOME, a DESIGUALDADE SOCIAL, ECONÔMICA, REGIONAL e SETORIAL sejam colocadas na ordem do dia, na agenda das discussões politicas e eleitorais.

Precisamos saber o que os candidatos se comprometem a fazer, seja no Poder Legislativo Federal (Congresso Nacional) seja nas Assembleias Legislativas e, claro, os candidatos aos cargos de Governador e de Presidente da República, chefes dos respectivos poderes executivos, se propõem a realizar, não com promessas e discursos demagógicos e falsos, ou medidas de cunho meramente assistencialistas, eleitoreiras, mas sim, através de politicas públicas para combater e equacionar este grave problema e desafio, única forma de construirmos um pais desenvolvido, justo e sustentável, além do que, a fome destrói a dignidade humana e avilta quem não tem segurança alimentar, tornando tais pessoas massa de manobra dos donos do poder.

A seguir transcrevo alguns dados sobre a fome no mundo, creio que esses dados estão um pouco desatualizados e precisamos realizar uma atualização dos mesmos, principalmente quanto aos impactos que a COVID-19 teve e está tendo sobre o mapa da fome no Brasil e no mundo.

Além dos dados, precisamos identificar as verdadeiras causas da fome no Mundo e no Brasil, o interessante é que, os dados disponíveis demonstram que nas ultimas 5 décadas o crescimento da produção de alimentos foi e continua sendo muito maior do que o crescimento da população em geral e da população urbana também, isto significa que não existe, globalmente, mundialmente, escassez de alimentos, mas sim, a falta de renda por parte da grande massa da população que impede milhões, bilhões de pessoas adquirem alimentos e terão que se contentar com migalhas que caem da mesa dos poderosos e dos donos do poder, na forma de assistencialismo, elites políticas e econômicas que também se apropriam do Estado/poderes públicos em benefício próprio e de uma minoria e definem politicas públicas que contribuem para aumentar o acúmulo de capital, via subsídio e outras benesses, de um lado e de exclusão, miséria e fome do outro. A fome  é também uma forma de violência contra essas massas excluídas.

Politicas assistencialistas minoram apenas temporariamente o drama da fome, da pobreza e da miséria, precisamos de medidas mais profundas que reduzam, drasticamente, os mecanismos que geram concentração de renda, riqueza, propriedade e oportunidades.

Dados de 2020 indicam que no mundo cerca de 100 milhões de pessoas estão sem teto; existem 1 bilhão de analfabetos; 1,1 bilhão de pessoas vivem na pobreza, destas, 630 milhões são extremamente pobres, com renda per capta anual bem menor que 275 dólares; 1,5 bilhão de pessoas sem água potável, mais de 3,5 bilhões sem saneamento básico; 1 bilhão de pessoas passando fome; 150 milhões de crianças subnutridas com menos de 5 anos (uma para cada três no mundo); 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano antes dos seus 5 anos de vida, tendo como a principal causa a fome e a desnutrição aguda.

De acordo com a ONG Banco de Alimentos, durante o período da COVID-19, entre 2020 e 2021, a situação da fome no Brasil piorou drasticamente. “A fome sempre foi um problema grave no Brasil, mas com a Covid-19, a situação piorou muito. Antes da pandemia, havia 57 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar no país, sem acesso pleno e permanente a alimentos; em abril de 2021, 116,8 milhões de pessoas passavam a viver em insegurança alimentar, sendo que 43,3 milhões não tem acesso aos alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada) e 19 milhões passam fome (insegurança alimentar grave), segundo pesquisa da Rede PENSSAN – Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, realizada em dezembro de 2021, o que revela a urgência da mobilização”.

Conforme reportagem da Revista Radis em 24/06/2021, “em 2014, graças ao Programa FOME ZERO, desenvolvido durante o Governo Lula, apenas 3,6% dos brasileiros estavam em situação de insegurança alimentar grave, o que fez o Brasil deixar o Mapa da Fome pela primeira vez na história, já em 2020, o país voltou a figurar no relatório produzido pelas Nações Unidas sobre a situação da pobreza, fome e  miséria.

Desde então, o fantasma da fome passou a atormentar e provocar dor, sofrimento e morte de milhões de brasileiros. A fila dos ossos/ossinhos, em Cuiabá, que ganhou destaque no noticiário nacional no final de 2021, é apenas uma das faces desta crueldade e desumanidade que é a fome endêmica.

Ainda de acordo com a mesma reportagem da Revista Radis, “um estudo coordenado por cientistas do grupo “Alimentos para a Justiça”, divulgado em abril (2021) e que também mediu os níveis de insegurança alimentar no país, revelou um número ainda mais alto: 125,6 milhões de brasileiros não comeram em quantidade e qualidade ideais desde a chegada do novo coronavírus”. Isto é o que se chama fome endêmica, que produz consequências físicas, mentais, psicológicas terríveis em pessoas que não tem o que comer. De forma semelhante não deixa de ser uma forma de tortura e que vai matando aos poucos tais pessoas. Que praticamente perdem a dignidade humana e se transformam em figuras esquálidas, como chamamos de “mortos vivos”.

Mesmo que a realidade se apresente de forma diferente, muita gente, ainda hoje imagina que a principal causa da fome no mundo seja o desequilíbrio entre produção e oferta de alimentos e o aumento populacional, do  mundo ou de alguns países.

Essas pessoas, sabendo ou não, conhecendo ou não, na verdade estão utilizando o arcabouço do malthusianismo, uma teoria criada por um sacerdote anglicano, de nome Thomas Malthus, que viveu na Inglaterra entre os anos 1.766 e 1.834.

Ao estudar a dinâmica demográfica da Inglaterra, das colônias inglesas e da Europa, elaborou uma teoria em que afirmava que enquanto a população crescia em progressão geométrica, a produção e disponibilidade de alimentos crescia apenas em progressão aritmética.

Em um determinado período este desequilíbrio provocaria o surgimento da fome que dizimaria milhões de pessoas e ai, haveria um novo equilíbrio entre crescimento da população e a produção e oferta de alimentos.

Desta teoria alarmista, que não imaginava como poderia ser o futuro em termos de avanços científicos e tecnológicos e como este avanço poderia contribuir para o aumento da produção de alimentos, muitos outros teóricos criaram as chamadas teorias neomalthusianas, que, em lugar de advogar o avanço da produtividade, graças `as mudanças nos sistemas de cultivo e de novas tecnologias, passaram a advogar o controle da natalidade.

Tanto Malthus quanto os neomalthusianistas escamoteiam a dimensão política, social e econômica que, de fato reduz o poder aquisitivo das massas trabalhadoras e, em decorrência, como não dispoem de renda suficiente, mesmo que a produção de alimentos esteja crescendo, essas camadas passam fome.

Vejamos o que aconteceu no Brasil nesses últimos 40 anos, após o deslanche da revolução verde que aconteceu nas duas décadas após a segunda Guerra mundial. Foi, na verdade após os anos 80 que uma nova revolução aconteceu na produção agropecuária brasileira, com o avanço das fronteiras agrícolas em direção ao cerrado, a pré-amazônia nas regiões Centro-Oeste, parte do Nordeste (a chamada região do MATOPIBA – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e a incorporação de milhões de ha de áreas até então consideradas imprestáveis principalmente para a produção de grãos.

Outro aspecto foi e continua sendo a utilização de maquinário cada vez mais sofisticado e insumos que reduzem a necessidade de mão de obra e aumentam a produtividade de maneira significativa.

Diante disso, entre os anos de 1980 e as previsões da corrente safra (2021/2022), pode-se perceber esta relação entre aumento da população brasileira e a produção de alimentos, bem como o aumento da produtividade no campo.

Em 1980 o Brasil tinha uma população de 120,7 milhões de habitantes e uma produção de grãos na ordem de 52,5 milhões de toneladas. Em 2022 a população estimada do nosso país é de 214,8 milhões de habitantes, ou seja, um crescimento de 1,78 vezes. Enquanto isso a produção de grãos está estimada em 284,4 milhões de toneladas, um crescimento de 5,42 vezes.

Quanto a produtividade, toneladas x ha de área cultivada, vemos o mesmo Quadro já mencionado, um aumento expressivo da produtividade, ou seja, a cada ano ou a cada década, uma maior produção por ha de área cultivada.

A área plantada em 1980 foi de 49,3 milhões de ha e em 2022 são 72,1 milhões de ha. A produtividade em 1980 foi de 1,06 ton/ha e em 2022 é de 3,94 ton/ha; ou seja, um crescimento de 3,72 vezes, muito além do crescimento populacional, que foi de apenas 1,78 vezes.

Pelo menos no Brasil e também em nível mundial a teoria malthusiana tem se mostrado equivocada, ou seja, não é o aumento da população que tem gerado e continua gerando o flagelo da fome, mas sim políticas de governo que favorecem de um lado o enriquecimento e acumulo de capital, renda, riquezas e oportunidades nas mãos de uma minoria e a perda constante do poder aquisitivo dos salários, principalmente do salário mínimo.

Cabe ressaltar que aproximadamente 80% da massa trabalhadora, sejam os trabalhadores que ainda estão na ativa, aposentados ou pensionistas ganham no máximo dois salários mínimos, valor aquém do poder aquisitivo e das necessidades básicas como alimentação, habitação (aluguel), transporte, artigos de higiene e limpeza, saúde – medicamentos, educação e cultura, que eram os itens constantes do que estabelecia a Lei de criação do salário mínimo nos anos quarenta do século passado.

Algumas pesquisas, como estudos do DIEESE, indicam que o valor do salário mínimo, em 2022, ao invés de R$1.200,00 (mil e duzentos reais), para atender ao que estabelecia a referida Lei, deveria ser de aproximadamente R$4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais), ou seja, 4  vezes maior. Esta diferença representa o que muitos economistas denominam de “mais valia’, ou seja, quanto que o fator trabalho perde nas relação de produção e trabalho como acontecem no modelo politico, econômico e social em vigor na atualidade.

Portanto, o problema, a questão da fome não apenas um problema de saúde pública, ou nutricional ou cultural, mas fundamentalmente um problema politico, ou seja, é fundamental o estabelecimento de políticas públicas que reduzam este processo pernicioso de concentração de renda que leva ao empobrecimento, à fome e à miséria mais da metade da população brasileira.

Alimentos não faltam, como bem atesta manchete do Jornal do Comércio de 15/10/2020 quando estampava em primeira página “Brasil produz comida para alimentar 1,6 bilhões de pessoas”, ou outros pronunciamentos de governantes e líderes do agronegócio dizendo que nosso país é celeiro do mundo.

Todavia, nada é falado sobre milhões de pessoas que passam fome, sofrem e morrem e que vivem neste país que tanto se orgulha de seu papel no cenário internacional como um grande “player” das commodities, principalmente alimentos.

Medidas paliativas, assistencialismo, distribuição de quentinhas, sacolões e cestas básicas minoram o problema da fome de alguns, por alguns dias, mas o que é necessário e urgente são medidas que enfrentem os fatores que causam a pobreza, a fome e a miséria, ou seja, reformas estruturais mais profundas que alterem os sistemas politico, econômico e social do Brasil, rumo a uma sociedade justa, verdadeiramente democrática, ambientalmente sustentável, participativa e transparente.

Antes de encerrar esta reflexão, gostaria de chamar a atenção para um aspecto muito enfatizado pelo Papa Francisco de que “tudo esta interligado, nesta Casa Comum”, ou seja, a questão, problema e desafio da FOME está intimamente interligado com diversos aspectos de nossa realidade, tais como: sistemas produtivo, tanto industriais quanto agropecuário, níveis de concentração e distribuição de renda e salário; políticas públicas, principalmente políticas de saúde, educação e saneamento básico, política de preços dos alimentos, formas de organização dos trabalhadores, papel das organizações não governamentais no encaminhamento das discussões e busca de solução para os problemas que afetam as camadas populacionais excluídas, defesa do consumidor e outros aspectos.

Neste contexto é que surgem as propostas que conduzem os excluídos, os famintos e marginalizados para participarem das soluções, atitudes e ações que contribuam para a busca de uma saída para esses desafios, novos paradigmas, já que os modelos econômicos, políticos e sociais não tem sido suficientes para, de fato, enfrentarem a pobreza, a miséria e a fome, que, na verdade são consequências desses modelos.

Novos paradigmas podem ser encontrados na economia solidária, no cooperativismo/associativismo tanto do trabalho quanto do consumo, na geração de energia compartilhada (solar e eólica), na agroecologia, na Economia de Francisco e Clara, na agricultura urbana e periurbana, hortas domésticas, escolares e comunitárias, enfim, na busca de uma nova sociedade que facilite a prática do “bem viver”, reduzindo o consumismo, o desperdício e a geração de resíduos sólidos (lixo) que estão destruindo o meio ambiente e o planeta.

Tudo isso, de forma direta ou indireta, faz parte da Agenda 2030, dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela ONU em 2015 e homologados/aceitos por todos os países, inclusive pelo Brasil, para que 17 objetivos sejam alcançados e os desafios possam ser equacionados até 2030.

Vários desses objetivos estão diretamente relacionados com o assunto desta reflexão (fome): 1) Erradicação da pobreza; 2) Fome Zero; 3) Boa saúde e bem-estar; 7) Energia accessível e limpa (sustentável); 8) Emprego digno (condições e salários justos) e crescimento econômico; 10) Redução das desigualdades; 11) Cidades e comunidades sustentáveis; 12) consumo e produção responsáveis (sustentáveis); 13) Combate `as mudanças climáticas; 14) Vida debaixo d’água e, 15) Vida sobre a terra.

Esses aspectos deverão nortear a Campanha da Fraternidade de 2023, vamos acompanhar o que acontece com a fome no Brasil e no mundo.

Finalizando, precisamos  reforçar a ideia de que fraternidade assistencial (dar o peixe), que eu denomino de distribuição de migalhas, em momentos críticos, é importante, mas não resolve, de forma definitiva, o problema da fome, que é gerada pela exclusão social, política e econômica, precisamos ir mais além, para outros tipos de fraternidade/caridade promocional (ensinar a pescar), até chegarmos `a caridade/fraternidade libertadora (pescar juntos) que, de fato, transforma os pobres, marginalizados, excluídos, famintos de objeto de manipulação, de toda ordem, em protagonistas de sua própria história e, realmente, fator de transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas injustas, as verdadeiras causas da pobreza, da miséria e da fome, no Brasil e no mundo.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

Sexta, 25 Março 2022 10:34

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*

“Quando uma parte da sociedade pretende apropriar-se de tudo o que o mundo oferece, como se os pobres não existissem, virá o momento em que isso terá suas consequências. Ignorar a existência e os direitos dos outros provoca, mais cedo ou mais tarde, algumas formas de violência, muitas vezes inesperadas.  Por conseguinte, um pacto social realista e inclusivo deve ser também um pacto cultural ( econômico e politico, acréscimo meu), que respeite e assuma as diversas visões de mundo, as culturas e os estilos de vida que coexistem na sociedade” Papa Francisco, Carta Encíclica Fratelli Tutti (sobre a fraternidade e a amizade social), 03/10/2020.

Os cristãos, tanto católicos quanto evangélicos, bem como pessoas que professam outros credos, filosofias ou religiões, também são cidadãos e cidadãs, são contribuintes, são trabalhadores, trabalhadoras, donas de casa, empresários, profissionais liberais, vivem em um território determinado, com inúmeros problemas e desafios prementes, e, mais do que tudo isso, SÃO ELEITORES, espera-se, conscientes de suas responsabilidades, e como tais tem o direito e o dever de participarem ativamente da vida polítca e institucional do país em que vivem.

O verdadeiro  cristão não pode ser alienado, nem omisso ou aliado de quem comete injustiça e oprime os trabalhadores e os pobres, diante da realidade que nos certas e dos desafios que tanto angustiam, trazem sofrimento e até mesmo mortes evitáveis para o povo. Foi Jesus quem disse aos seus discípulos sobre a importância e o papel dos profetas ao denunciarem as injustiças e a opressão como os poderosos de antigamente (que eram iguais aos donos do poder atualmente). “Eu digo a vocês", respondeu ele; "se eles se calarem, as pedras clamarão." Evangelho de Lucas, 19:40.

Por tudo isso, os cristãos, católicos e evangélicos, que representam em torno de 80% da população adulta no Brasil,  são e serão os responsáveis diretos pela escolha dos nossos governantes, que se julgam e agem, muito mais como donos do poder, do que defensores do povo, repito, por tudo isso, os cristãos não podem se omitir em relação ao debate politico eleitoral, seja para cargos legislativos ou executivos.

Esta parcela significativa da população, para exercer sua cidadania, tem a obrigação de conhecer a vida pregressa dos candidatos, o que fizeram ao longo de suas vidas ou  estão fazendo, caso sejam detentores de mandatos eletivos e estejam pleiteando a reeleição ou algum outro cargo, e, também, claro, precisam dizer para a população o que pretendem fazer ou farão, caso consigam votos suficientes para garantirem um assento nas Assembleias Legislativas, no Congresso Nacional , nos cargos de governadores estaduais e no posto máximo da politica brasileira que e a Presidência da República.

Assim, as instituições religiosas e seus líderes, que representam os fiéis, católicos ou evangélicos, não podem se omitir diante desses desafios, devem promover discussões politicas e eleitorais, para ouvirem os candidatos e melhor orientar e refletirem com seus fiéis os rumos, não apenas da vida politica do pais, mas, fundamentalmente, como nossos governantes se dispõem a definirem politicas públicas que resolvam os problemas e desafios que tornam a vida da grande massa da população um sofrimento, um desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana (direitos humanos em sua dimensão ampla) e a dignidade do ser humano.

No caso da Igreja Católica, existem alguns parâmetros que podem ser utilizados para julgarem as ações, as omissões e as propostas dos candidatos, esses parâmetros, a nosso ver são a Bíblia Sagrada, principalmente os Evangelhos; a Doutrina Social da Igreja, o Magistério dos Papas, principalmente, o Magistério, as Encíclicas e exortações do Papa Francisco, além, claro de princípios éticos e valores que significam o respeito `a dignidade das pessoas, bases para um projeto nacional, visando a construção  de um país e uma nação com equidade, com justiça, com melhor distribuição  de renda, com participação popular e sustentabilidade, ou seja, respeito pela ecologia integral.

Dentre os temas mais  candentes que precisam ser tratados pelos candidatos e apresentadas as propostas para a solução de problemas estruturais, não podemos esquecer de alguns como: A questão ambiental/ecologia integral; as mudanças climáticas, o desmatamento, destruição da biodiversidade, o destino da Amazônia e da população que nela habita, principalmente os povos ancestrais (povos indígenas), a degradação do cerrado , do pantanal e de outros biomas; a baixa qualidade da educação e da saúde pública; o problema da violência em geral em todas as suas formas; o problema da burocratização e sua irmã gêmea que é a corrupção que grassa em todas as esferas dos poderes da república; o problema da falta de saneamento básico, a precariedade da infra estrutura urbana e também da infra estrutura dos sistemas de logística e de transporte de cargas e passageiros; o grave problema habitacional, em que dezenas de milhões de pessoas “moram” em casebres, palafitas, favelas, enfim, núcleos habitacionais sub-humanos, o desemprego, sub emprego e baixos salários que geram exclusão e dependência nas pessoas e nas famílias, o problema das desigualdades de renda, de oportunidade, que geram fome, miséria e exclusão social; o problema fundiário e dos territórios indígenas que estão sendo invadidos e grilados, enfim, precisamos saber o que de fato os candidatos se propõem a realizar pelo bem do país e do povo, principalmente os pobres, excluídos e marginalizados.

É neste contexto que a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, como consta de um de seus informes recentes, “já se adiantou e definiu um grande debate com os candidatos a Presidente da República, a ser realizado e transmitido pela TV Aparecida, no dia 13 de setembro, das 21h às 23h, em Aparecida, São Paulo, o debate que reunirá candidatos à Presidência da República para as eleições de 2022. O projeto é uma iniciativa da Igreja no Brasil, coordenada pela CNBB e produzida pela TV Aparecida”.

Conforme o mesmo informe, “o debate entre os candidatos a presidente aprofundará temáticas importantes à nação brasileira”. Segundo o padre Tiago Síbula, assessor da Comissão para a Comunicação da CNBB, a iniciativa não se trata de um debate estritamente religioso, mas sobre o futuro do Brasil, que busca, de modo democrático, eleger seus representantes e estar cientes de suas compreensões, posturas e ações que promovam a dignidade humana a todos”.

Talvez seja também o caso da CNBB, através de seus Regionais patrocinarem e promoverem debates nos Estados com candidatos a governadores e senadores, que são cargos majoritários, bem como realizar seminários e conferências para incentivar os debates em torno das eleições que se aproximam e que irão definir o futuro de nossos estados e do Brasil pelos próximos anos.

É fundamental que essas discussões possam, também, considerar as dimensões ecumênicas, afinal, quando se trata de pensar o futuro de nosso pais e o futuro das próximas gerações devem ter muito mais o que nos une do que o que nos separa.

Assim realizando, os eleitores tanto católicos quanto evangélicos poderiam ter elementos para melhor avaliar o perfil desses candidatos, fazerem escolhas melhores para termos a certeza de que teremos governantes comprometidos com o futuro de nosso país e não apenas usarem as estruturas de poder para se enriquecerem ou até mesmo roubarem o dinheiro público que faz tanta falta para a solução dos grandes e graves problemas nacionais, estaduais e municipais.

Não importa se você é católico, evangélico, espirita, adepto de outra religião, agnóstico ou ateu, se você vive no Brasil deve estar consciente da gravidade dos problemas que nos afetam e que cabe aos poderes públicos e seus agentes (governantes, gestores e servidores) agirem de forma eficiente, eficaz, efetiva, democrática, transparente e participativa para encontrarmos a resposta.

Afinal, o povo paga imposto para que o poder público (o Estado) devolva esta imensa e pesada carga tributária na forma de bens e serviços públicos de qualidade, para a população como um todo e não para manter uma casta de marajás da República, a que meu chamo de “donos do poder, representados por verdadeiras oligarquias e famílias que se enquistam nas estruturas de poder por décadas a fio, como se o Estado (poder público/instituições públicas) fossem de propriedade familiar e possam passar de pais para filhos e demais parentes que se sucedem no “mando politico”.

Pense nisso desde agora, bem antes do dia das eleições e não se deixe levar pela propaganda enganosa, pelo “marketing” politico e muito menos pelas fake news, que além de serem mentirosas, são também crimes contra a democracia, contra as instituições e contra o povo.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Quarta, 09 Março 2022 08:31

 

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Roberto de Barros Freire*

 

Conhecido como Mamãe Falei, o deputado Arthur do Val viajou à Ucrânia, na última segunda-feira (28) sob a justificativa de acompanhar o conflito da guerra e ajudar o povo ucraniano após a invasão da Rússia. Que ajuda pode realizar alguém que pensa mais nas mulheres como objetos sexuais e não vê crianças, idosos e o povo sofrido? Pelo menos, nada mencionou a esse respeito. O que de fato realizou? Que recursos públicos utilizou para a sua viagem? Visto que aflorou coisas absolutamente horríveis e deploráveis, não deve o deputado devolver os recursos utilizados da Assembleia, pois mais do que uma causa humanitária, estava em jogo seu interesse sexual? Devemos financiar o turismo sexual dos deputados?

Contrariamente ao que afirma o deplorável deputado, que ele não é uma pessoa que admira ou fala o tipo de bobagem que repercutiu pela imprensa e pela internet, ele é exatamente esse tipo de pessoa: machista, misógino, que realiza turismo sexual, que vê as mulheres como carne a ser devorada. A verdade aflora quando o indivíduo se sente protegido e acobertado por outros que compartilham da mesma mentalidade retrógrada; é o que faz no privado que revela sua essência, pois em público todos escondem seus defeitos e tentam revelar apenas qualidades. O ocorrido serviu para demonstrar o verdadeiro caráter do ofensor, que se revela pelas palavras ditas de forma livre quando não sob olhar público. Ou seja, quando a sensação de impunidade se estabelece, o machismo, o elitismo e o oportunismo surgem na sua forma mais repulsiva, revelando a sua intimidade escondida.
Não dá paraseparar as ações das palavras, como quer o ignóbil deputado, mesmo porque a palavra não deixa de ser um tipo de ação. Ou seja, ele deve ser julgado pelo que falou e pelo que fez, o que é difícil saber o que é pior: usar de uma causa justa, para praticar coisas desumanas.Entre as estratégias, a mais risível possivelmente é a vitimização: "arrisquei minha vida e estou sendo acusado de fazer turismo sexual". Isso é discurso de um canalha.

Ver Arthur do Val assumir o discurso de vítima, alguém que se opõe à política tradicional fingindo não ser parte indissociável dela, quando se utiliza de verbas públicas para realizar turismo sexual, dizendo que está arrependido, ou como todos, que o que diz não deve ser levado a sério e ser encarado como “molecagem”, é no mínimo mais uma safadeza. Ele é o carrasco, ele é o que de mais antigo tem na política, o uso da coisa pública para benefício privado, aquele que utiliza do poder para promoção própria, fingindo ser o que nunca foi, nem pode ser, pois é um mentiroso e enganador, que em público é um e na privacidade tem uma vida clandestina, coisa bem pouco republicana: há umaausência completa de valores civilizatórios e, portanto, da incompreensão de seu lugar na sociedade e mesmo na humanidade.

Ele representa a farsa, a fraude do cidadão de bem,demonstrando que o mesmo não foi com a missão de ser a voz dos mais fracos em uma guerra, mas de fazer turismo sexual à custa do sofrimento e desespero das pessoas (homens, mulheres, crianças,idosos) que buscam uma tábua de salvação, uma saída para terem uma vida digna fora da barbárie.Viu apenas mulheres bonitas e que pretende voltar para devorá-las, foi o que afirmou. Desvelou-se uma discrepante distância entre aquela figura teatralizada perante o público e o partido, e um perfil hediondo de sua personalidade que agora se revela.

O falso é que fala e faz em público, o verdadeiro é o que faz e diz nas suas redes privadas. E mesmo que tente se justificar que o que disse foi para um público privado, isso continua errado e hediondo, e o que é pior, compartilhado entre canalhas, se o grupo não o repreendeu.
Para provar que não tem compromisso com o equívoco, precisa renunciar ao mandato de deputado estadual; não deve esperar ser expulso do partido e da assembleia, deve renunciar ao cargo, pelo uso não republicano que fez e faz do cargo. Para provar que defende o justo e o certo, que é contrário a velha política, deve agir como um homem, e não como um rato, esperando não ser ceifado pela corporação dos deputados, que dificilmente agem com justiça quando se trata de defender seus interesses próprios.Se não puniram aquele deputado que apalpou a deputada na frente das câmaras e que todo país assistiu abismado, não devemos esperar nenhuma grande punição desse descalabro praticado por mais um safado que ocupa um cargo público.

*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Quarta, 09 Fevereiro 2022 14:34

 

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Valfredo da Mota Menezes*

 

Desde que o mundo é mundo, ou pelo menos desde que a história foi registrada, há sempre alguém querendo ser superior ou ter mais que o outro. Mesmo que a sociedade em determinada época buscasse uma igualdade entre os seus membros, alguma pessoa ou grupo se impôs pela força e/ou pelo misticismo. Famílias inteiras, em associação com os sacerdotes, passavam a controlar a sociedade pela força, pelo medo e pelo conformismo religioso. Diziam que foram “escolhidos pelo próprio Deus” e que todos lhes deviam obediência e trabalho. Essas famílias reais não trabalhavam. Os sacerdotes também não trabalhavam. Eram os plebeus que trabalhavam e sustentavam os donos do poder. Com seu exército, esses poderosos invadiam outras terras e transformavam os habitantes dominados em escravos. Apenas os escravos e os plebeus trabalhavam. A exploração era incorporada, fazia parte da cultura daquelas sociedades. A obediência era cobrada como um dever para com Deus. Era necessário sofrer na terra para ter o “reino do céu”. Com o tempo, entretanto, alguns indivíduos dessas sociedades começaram a contestar essa cultura. Religiosos subalternos começaram a pôr em dúvida as afirmações da cúpula. Houve ruptura, revoltas, tentativas de deposição dos nobres, matança de muita gente, mudanças nas relações sociais. A luta revolucionária da plebe, inicialmente associada à burguesia, derrubou reinos e impôs repúblicas.  Entretanto, depois, em lutas internas, a burguesia assumiu o poder dos monarcas, matou todos os líderes populares, a sociedade volta a ser dividida e, novamente, a plebe volta a ser explorada.

Com o passar do tempo, as lutas e revoltas populares, assim como algumas novas orientações religiosas, provocaram uma mudança profunda na sociedade. Já quase não havia escravidão e o trabalho passou a ser “abençoado por Deus".  Todos trabalhavam. Essa mudança provoca o fim do feudalismo e o desenvolvimento de um novo regime social, o capitalismo. Entretanto, também nesse novo regime, a sociedade continuou dividida entre dois grupos, um minoritário, mas, que controla e possui a maioria dos meios de produção, chamado de burguesia ou capitalista e outro maioritário, sem controle sobre os meios de produção, que vende o seu trabalho, chamado assalariado ou apenas trabalhador ou proletário.

 Já antes desse período, mas que continuou também no regime capitalista, os membros da elite perceberam a necessidade de estabelecer algumas normas para a convivência desses dois lados da sociedade. Foram criando regras, leis, estruturas burocráticas, de segurança, estruturas jurídicas e outras que, progressivamente, levaram a formação do “Estado”. Porém, nem tudo o que foi estabelecido foi consensual. Desde o início até a atualidade sempre houve disputas ferrenhas entre os dois lados, no sentido de aumentar o controle do Estado para o benefício de um dos grupos.

No nosso país e em muitos países latino-americanos, o regime feudal ainda caminhou ao lado do capitalismo por muitos anos. A escravidão mantinha a riqueza nas mãos do “coronel” capitalista. Apenas os escravos trabalhavam. Depois da abolição, a elite capitalista importou mão-de-obra europeia para a produção rural e para a incipiente indústria e a maioria dos negros escravos foi abandonada. Sem escolas, sem instrução profissionalizante e sem terras, migraram para a periferia das grandes cidades onde, a maioria, ainda continua.

A tensão entre os dois lados se mantém. Para evitar uma ruptura e/ou diminuir as tensões são realizadas, de tempos em tempos, votações para eleger quem deverá controlar o Estado. No início, só a burguesia votava. Só depois de muita luta todos os proletários foram incluídos como eleitores.

Aí entra a grande mídia, a qual sempre pertenceu ao capitalista. Ela se encarrega de apresentar a narrativa que interessa ao dono. Vai dando novo significado a linguagem. Ninguém mais fala que a disputa é entre pobres e ricos, entre capital e trabalho. Passou-se a chamar apenas de esquerda e de direita. Desde o século dezenove, mas principalmente no século vinte, revistas e jornais da burguesia se encarregaram de definir e dar novos significados para a esquerda: “contra a família, contra a sua propriedade”, “contra a liberdade”. “É comunista e comunista é anticristo”. Definiram também novos significados para a direita: “cristã”, “a favor dos bons costumes, da propriedade, da família e da liberdade”.

A ignorância e o medo foram, com o tempo e a repetição, transformando essas definições em verdades para grande parte da população. Os partidos viraram agremiações e alguns políticos viraram santos. Paixões embotam a consciência de classe. Pessoas transformam a estupidez de alguns políticos em virtudes. Passamos, como no futebol, a ter torcidas. “Torço pelo River porque não gosto do Flamengo”. Tudo que se tenta fazer para a conscientização do povo e mostrar a profundidade da questão é escamoteado pelos “especialistas” ouvidos pela grande imprensa. Criaram também termos que foram, progressivamente, tornados pejorativos ou positivos na dependência de seus interesses. Quem é a favor do povo é “populista”. Quem é a favor de o Estado cuidar dos pobres, mesmo que seja somente com educação e saúde, é “estatizante” e “perdulário”.

Apregoam contra a “ditadura” do Estado, que “não deve controlar o mercado”. “O lucro do capital é o que mantém o seu emprego”. “Quanto menor o tamanho do Estado, menos gastos desnecessários”. “A confiança virá com as reformas e com as privatizações”. “Temos que modernizar as leis trabalhistas”. “O Estado não sabe administrar, temos que privatizar”.

O patrão já não te chama de empregado, agora você é um ”Colaborador”. Não há mais a necessidade de esclarecer o que é tudo isso, basta usar os termos positivos ou negativos e aprofundar a narrativa.

Conheço dezenas de bons profissionais da área de saúde e de outras áreas que, embora tenham uma ação humanitária e solidária com os pobres, incoerentemente votam naqueles que querem diminuir o SUS, diminuir as Universidades e, consequentemente, diminuir o Estado. Absorveram as narrativas e dizem, acriticamente, “não voto na esquerda”.

É no processo eleitoral que vamos escolher qual dos dois lados vai dirigir o Estado. Nesse momento é que você deve decidir “de que lado você está”. Se você, mesmo conhecendo a história, acha que o capitalista vai trazer benefícios para você e sua família, vote nele.
 
*Médico, Professor Associado – Medicina/UFMT (aposentado). Doutor em Medicina Interna e Terapêutica.   
Segunda, 13 Setembro 2021 13:47

 

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Marluce Souza e Silva
Doutora em Política Social

 
          Desde a eleição do atual presidente do Brasil que o cenário político vem nos impondo, incessante e insistentemente, algumas figuras da mais alta “excelência”. Tudo leva a crer que existe (não sei onde!) uma fábrica de notáveis e de “gente do BEM” que eu pensei não existir neste planeta. Mas existem.

          Com o capitão do Exército na Presidência do Brasil, fomos premiados no Ministério da Educação com a indicação e posse de Ricardo Vélez Rodríguez, que chega se apresentando como filósofo, ensaísta, teólogo e professor colombiano naturalizado brasileiro e como professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, responsável pela formação de oficiais de alta patente. Mas, logo revela sua polidez ao declarar que "o brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisa dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião, [...] e carrega tudo”. Isso é um pouco do que marca sua saída do governo. Nenhuma contribuição deixou para a política de educação.

          Na sequência, surge das “trevas” o então Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, com a chancela de economista e docente da Universidade Federal de São Paulo, que logo após sua posse, já anuncia um "corte" de 30% em recursos destinados às despesas discricionárias de algumas universidades federais, que segundo ele eram "universidades que estavam fazendo balbúrdia”. Essa figura logo adensa às suas qualidades o adjetivo de "ministro da educação sem educação, grosso, horrendo, nojento”. O Colunista Demétrio Magnoli passa a dizer que ele é "um seguidor inculto de Olavo de Carvalho” e o Presidente da Câmara (à época), Rodrigo Maia, o classificou como um "desqualificado”.

         Em maio de 2019, as redes sociais passam a exibir o histórico escolar de Weintraub no curso de economia na USP, e as imagens revelaram reprovação em nove matérias em apenas três semestres; notas ZERO tinham de montão e frequência baixíssima. (Aff)

         Não demorou muito para que Weintraub mostrasse a que veio. Seu diagnóstico sobre o ensino superior tinha a sua cara. E, na primeira oportunidade apresentou um relatório (com rigor científico zero) onde afirmava: “há universidades federais com plantações extensivas de maconha e com laboratórios de química que estão desenvolvendo drogas sintéticas de metanfetaminas”. Tais afirmações fizeram com que a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados o convocasse para dar explicar. Ele foi e protagonizou um espetáculo circense. Todas as provas apresentadas foram desqualificadas. E ele também.

         Em 18 de junho de 2020, Weintraub anunciou sua saída do ministério. UFA! E o Presidente anunciou então o nome de Carlos Alberto Decoteli, também economista e doutor. Mas, imediatamente, a turma que gosta de conferir as informações (acho que faço parte desta turma) passa a revelar uma série de inconsistências no currículo do novo anunciado e, ao contrário do que ele dizia, a FGV veio a público esclarecer que o economista nunca havia sido professor em nenhuma das escolas da Fundação, nem tampouco conduzido pesquisas financiadas pela FGV.

         A coisa piora... E, logo após a sua nomeação, Decotelli passa a ser acusado de ter plagiado pelo menos 10% da sua dissertação de mestrado, concluída em 2008, a “partir de um relatório da Comissão de Valores Mobiliários publicado em fevereiro do mesmo ano, onde 4.200 palavras foram copiadas desse relatório para a dissertação”. Concomitante, ganha os noticiários as informações da Plataforma Lattes onde o ministro havia registrado que, em 2009, ele havia cursado um doutorado em Administração na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, e que havia defendido uma tese intitulada “Gestão de Riscos na Modelagem dos Preços da Soja”. A informação foi imediatamente desmentida pelo reitor da instituição. A história se agravou quando a mesma “turma de intrometidos da rede social” foi conferir o curso de pós-doutorado do novo Ministro da Educação na Universidade de Wuppertal, na Alemanha e verificou, mais uma vez, a falsidade do registro. Wuppertal desmentiu a informação em nota enviada ao jornal O GLOBO, explicitando que Decotelli havia conduzido pesquisas na universidade durante três meses, em 2016, mas não concluíra qualquer programa de pós-doutoramento nem obtivera qualquer título naquela instituição.

         O Presidente Bolsonaro (cansado de tanto sofrer!!!!!) recuou na indicação de Decotelli e deu posse ao Pastor Milton Ribeiro no Ministério da Educação que, segundo registros do MEC, foi convidado por ser um Presbítero de Santos (PRST); pastor da Igreja Presbiteriana Jardim de Oração e porque ele possui graduação em Teologia, cursado no Seminário Presbiteriano do Sul; graduação em Direito pela Instituição Toledo de Ensino; especialização em Direito Imobiliário pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas; especialização em Gestão Universitária pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras; especialização em Teologia do Velho Testamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; especialização em Velho Testamento pelo Centro Teológico (de cursos pastorais/confessionais); mestrado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie  e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Extenso e santificado o seu currículo!!!!

         Milton Ribeiro foi empossado em 16 de julho de 2020, e a história dele (passada e presente) passou a ganhar destaque na mídia, com ênfase no fato de que, em 2018, ele havia afirmado que o “existencialismo estava sendo ensinado nas universidades, e que isso estava incentivando os alunos a terem relações sexuais desconsiderando o parceiro”, ou seja, com qualquer um.

         A turma da “bisbilhotação” continuou em campo e descobriu que o “SANTO” Ribeiro durante uma pregação intitulada "A Vara da Disciplina", proferida em uma igreja presbiteriana, também havia defendido o castigo físico para a educação das crianças, alegando que "essa ideia que muitos têm de que a criança é inocente é relativa", que um bom resultado "não vai ser obtido por meios justos e métodos suaves" e que as crianças "devem sentir dor". Só faltava isso!

         Infelizmente este vídeo foi deletado por Ribeiro, que apagou a gravação em seu canal no You Tube e passou a negar o fato.

         E agora, no mês de agosto de 2021, o senhor Ministro, em entrevista concedida à TV Brasil, declarou que o “acesso às universidades deveria, na verdade, ser para poucos [...] e que algumas crianças com deficiência devem estudar em salas de aulas separadas do restante dos estudantes, pois elas só atrapalham”.

         Isto foi a gota d`água para que eu largasse coisas importantes e viesse escrever este texto.

      Mas esperem aí... não terminei. Lembram-se da indicação da Profa. Claudia Mansani para a presidência da Capes? Então...ela é a coordenadora científica da instituição em que Ribeiro e o ministro da AGU, André Mendonça, se formaram. O seu Curriculum Lattes também é uma peça curiosa. Ela registra que é mestre em Direito das relações sociais pela PUC-SP com doutorado em Direito Constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino (ITE) e seu projeto de pesquisa intitulado “Reflexões sobre a horizontalização dos direitos fundamentais” foi registrado em 2014 e não foi concluído até hoje. Será que esta é uma boa indicação para a Capes?

        E pior, no item “Outras Produções técnicas”, é possível encontrar o registro da participação da Profa. Mansani em incontáveis reuniões e como organizadora em outras tantas reuniões administrativas com seu corpo docente. Vocês também registram reuniões no Lattes?

         É canseira!!!! Mas eu precisava desabafar e saber se vocês também estão percebendo a excelência de nossos ministros. Estão?
Sexta, 25 Junho 2021 08:28

 

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Por Aldi Nestor de Souza*
 

Por trás de Edivaldo estão a Espanha, os Emirados Árabes e alguns séculos de história. Na sua frente está dona Margarida, na vizinhança dos 80 anos, viúva, devota de nossa senhora da Conceição, moradora da pequena cidade de Lages, sertão do Rio Grande do Norte. É cedo do dia, dona Margarida tomou café da manhã e estávarrendoa calçada. É lúcida.
 
A razão do encontro é que a Espanha e os Emirados Árabes, como já o fizeram com centenas de outras casas da cidade, querem alugar a de dona Margarida. Três quartos, sala, cozinha, banheiro e quintal. Herança reformada de vários antepassados. É a casa da família, de toda a sua história e que dá pra abrigar 10 pessoas com tranquilidade.
 
As serras, o vento da região e a implementação da energia eólica, em popa em todo o estado,  alvoroçam a cidade e fazem os olhos do mundo mirarem o discretomunicípio. Caminhões, máquinas, guindastes e uma legião de trabalhadores formigueiram o encosto das serras da redondeza, que aos poucos vão transmutandoa paisagem.  É digno de nota também o que está acontecendo no litoral,  nos cartões postais do estado que ganharam a companhia de gigantes moinhos de vento. Não dá pra andar no estado sem lembrar de dom Quixote.
 
Não é venda o que se quer da casa, é aluguel, e é bom frisar isso. A ocupação é temporária, sem finalidade de estabelecer relações ou vínculos e vai durar apenas o tempo de instalação do empreendimento, da colonização do vento. Depois a cidade volta a sua rotina, quietude,negócios, empregos e vida de costume. E dona Margarida poderá voltar pra sua casa.
 
Para Edivaldo conseguir desempenhar esse cargo de aliciador de imóveis, foi fundamental o curso de bacharel em Ciência e Tecnologia, de duração de três anos, ofertado pela Ufersa-Universidade Federal Rural do Semi Árido, que ele concluiu com láurea, no campus da cidade de Angicos, há poucos quilômetros de Lages. Ele é o primeiro de sua família a transpor os muros do ensino superior.
 
O encontro com dona Margarida se deu numa segunda feira de junho, no mesmo dia em que a Eletrobrás foi privatizada. As bolsas de valores do mundo todo, em particular a da Europa e a do Oriente Médio souberam desse encontro e sabem tudo de Edivaldo, de dona Margarida, da Ufersa, das universidades em geral, das autoridades e do governo brasileiros, dos detalhes da pilhagem da privatização.  E há quem acredite e defenda que tudo isso não passa de mais uma etapa exitosa de desenvolvimento.
 
Edivaldo, que pretende, agora mais do que nunca, seguir estudos na engenharia elétrica, é vendido como portador deuma estatística louvável:É um jovem, com diploma e emprego.As autoridades governamentais e os operadores universitários,não descartam o fato de que ele poderá acompanhar e crescer na terceirizada que o contratou eque presta serviços paraa multinacional.Quem sabe ele não vira auxiliar de engenheiro. Afinal, o que mais tem no sertão são serras e ventos desocupados.  Até uma moto Honda, CG, 150 cilindradas, ele já adquiriu. Edivaldo tem até carteira assinada.
 
Dona Margarida, que não frequentou escola, tinha 20 anos quando o educador Paulo Freire andou por Angicos com seu projeto de alfabetização de adultos. Não deu. Ela carrega pelo corpoas marcas inequívocas de um país que fala grosso com o seu povo e fino com os impérios do estrangeiro.  Ela diz bassoura e barrer, escancarando,  naquilo que talvez seja um dos bens mais preciosos de um povo, que é a sua língua, uma Espanha acostumada a tantas,  tamanhase corriqueiras colonizações. 
 
Da calçada de dona Margarida o sol não serámais o mesmo. As aspas dos moinhos de vento, plantados no espinhaço da serra, fazem girar a visão, inquietam o sertão, perturbam o sossego das serras e dão cutiladas no bucho do astro rei. 

 



 

Bem longe dali essa pilhagem dos nossos recursos, essa colonização do nosso vento, alimenta, com negócios milionários, a sanha do mercado internacional de comodities. E o esforço, a história e os préstimos de gente como Edivaldo ea gentileza de casas como a de dona Margarida andarão por algumas linhas de transmissão e depois cruzarão o oceano, até repousar nas contas bancárias de algum gringo desconhecido que jamais pôs ou porá os pés em Lages.
 
Num dizer mais encorpado e bem mais elaborado, na linguagem de uma tese, que foi ao ar em 2019, pela Geografia da UFRN, com o título TERRITÓRIO, TÉCNICA E ELETRIFICAÇÃO, o autor Marcos Antônio Alves de Araújo, impiedosa e duramente conclui.
 
“Os resultados obtidos nos conduziram a ratificar a tese, ora defendida, de que a realização do subcircuito eólico no Rio Grande do Norte tem ocorrido a partir da expansão técnica, normativa e produtiva do macrossistema elétrico nacional no estado, e de sua estrangeirização, financeirização e oligopolização, resultado da fusão e concentração de capitais e da desnacionalização do setor elétrico via processos de aquisição de empresas e ativos domésticos por grandes grupos econômicos internacionais que já controlam, majoritariamente, os segmentos de geração, distribuição e comercialização de energia, e que avançam sobre a transmissão. Isso nos leva a concluir que vem acontecendo no meio geográfico potiguar um processo, outrora observado pelo professor Milton Santos no território brasileiro, de expansão dos espaços nacionais da economia internacional, agora através da energia elétrica.”
 
O valor do aluguel da casa, por um contrato de um ano, será de dois mil reais por mês, que junto com a aposentadoria de um salário mínimo, deixará dona Margaridaentre as maiores rendas mensais da cidade e fará com que ela multiplique seus ganhos, por três, pela primeira vez na vida.
 
P.S. O governo federal tem na agenda a privatização do que ainda resta, por exemplo, dos correios, da Petrobrás, dos bancos públicos e a reforma administrativa. É privada e espanhola a empresa de energia elétrica do Amapá, que viveu, tempos atrás, um apagão de vários dias. Os custos do Apagão foram repassados para os consumidores. As universidades, mergulhadas no ensino remoto, discutem país afora se e quando voltam ao ensino presencial e exigem condições sanitárias para tal.
 

 
*Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática da UFMT, campus de Cuiabá
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Segunda, 07 Junho 2021 10:14

 
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura/UFMT
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             Mesmo em meio àdevastadorapandemia da Covid-19, a assertiva“macunaímica”, de 1928, registrada por Mário de Andrade de que os males do Brasil são“pouca saúde e muita saúva” foi trocada, dias atrás, pela máxima “muita cachaça e pouca oração”, enunciada pelo Papa Francisco.
             Em tom de brincadeira, surpreendendo “a deus e o mundo”, o pontíficedisseessas palavras a um sacerdote da Paraíba, que lhe pedia a bênção em nome do povo brasileiro; e o Papa ainda disse que o nosso país “não tem salvação”.
             Mais do que rápido, pelas redes sociais, começaram as respostas à galhofa papal. Em uma delas, houve quem registrasse que “Mal sabe o papa que o problema do Brasil é justamente o povo que ora, não o que bebe!
             Pelo sim, pelo não, o fato é que, desde a primeira missa no Brasil(26/04/1500), celebrada por Henrique de Coimbra, um rosário sem-fim de oração é o que mais tem sido empurrado goela abaixo de nós todos. Quem duvidar, ligue a TV e brinque com o controle remoto na busca de algo que lhe satisfaça. Mas já aviso: há de se ter muito controle emocional para não arremessar o remoto à parede, tantos são os canais de orações, principalmente daqueles tipos tão bem identificados por Gilberto Gil na inteligentíssima música “Guerra Santa”:
             “Ele diz que tem... como abrir o portão do céu// Ele promete a salvação// Ele chuta a imagem da santa, fica louco-pinel// Mas não rasga dinheiro, não// Ele diz que faz... tudo isso em nome de Deus// Como um Papa na inquisição//...Promete a mansão no paraíso// Contanto, que você pague primeiro// Que você primeiro pague dinheiro//...Ele pensa que faz do amor sua profissão de fé// Só que faz da fé profissão// Aliás em matéria de vender paz, amor e axé// Ele não está sozinho não...”
             Nessa mesma perspectiva poética da percepçãodo oportunismo de inúmeros religiosos,mas bem antes das tais “orações” invadirem nossos lares, via satélite, a “Canção do Exílio” do poeta modernista Murilo Mendes –em paródia à antológica e homônima “Canção do Exílio” do romântico Gonçalves Dias –confirma a perturbação social provocada por muitos oradores que, assim como os pernilongos,desde sempre, não respeitam o espaço público:
             “Minha terra tem macieiras da Califórnia... A gente não pode dormir// com os oradores e os pernilongos...”.
             No mesmo plano, e mais que depressa, o cantor e compositor Boca Nervosa – sambista à lá Dicró, Bezerra e Moreira, ambos da Silva – respondeu a Francisco com o seguinte samba:
             “ O Papa falou que o Brasil não tem mais solução// Disse que é muita cachaça pra pouca oração//Santidade, eu descordo do que o senhor tá falando// No Brasil, ‘nós bebe’ cachaça, mas oferece pro santo// Tá certo! Em todo canto tem um cachaceiro// Mas nosso povo brasileiro sempre foi gente de fé// Vai na Igreja, no Centro Espírita// Jura em Umbanda, Mesquita, Budismo e Candomblé, mas todos com a sua fé// Depois do culto, da oração e do compromisso com a fé// Aí é de lei tomar uma lá no bar do Zé// Sem esquecer da fé”.
             Como não discordo do Boca Nervosa, possivelmente analogia à antonomásia “Boca do Inferno”, do poeta baiano Gregório de Matos (1636-96), até pelo contrário, invoco, outra vez, o santo nome poético do também baiano Gilberto Gil,que, na música “Se eu quiser falar com Deus”, dimensiona,como poucos,o grau da submissão de nosso povo a Deus, a começar pela forma como, desde a infância,aprendemosa orar:
             “Se eu quiser falar com Deus/Tenho que ficar a sós/Tenho que apagar a luz/ Tenho que calar a voz/...Tenho que folgar os nós/Dos sapatos, da gravata/Dos desejos, dos receios/...Tenho que ter mãos vazias/ Ter a alma e o corpo nus...// Tenho que aceitar a dor/ Tenho que comer o pão/ Que o diabo amassou/Tenho que virar um cão/
Tenho que lamber o chão/Dos palácios, dos castelos/Suntuosos do meu sonho/Tenho que me ver tristonho/ Tenho que me achar medonho/E apesar de um mal tamanho/ Alegrar meu coração
...”
             Aliás, verdade seja dita, essa submissão, que se parece com algo próximo da embriaguez, já havia sido tratada também no magnífico poema “O padre passa na rua”, do modernista Carlos Drummond:
             “Beijo a mão do padre/ a mão de Deus/ a mão do céu/ beijo a mão do medo/de ir para o inferno/ o perdão/ de meus pecados passados e futuros/ a garantia de salvação...
             Ao me recordardesse poemadrummondiano, como não lembrar também de “Procissão”, outra genialidade de Gilberto Gil, que compara nosso povo, quando participa de procissões, com as cobras, que se arrastam pelo chão:
             “Meu divino São José/ Aqui estou em vossos pés/ Dai-nos chuva com abundância, meu Jesus de Nazaré// Olha lá vai passando a procissão/ Se arrastando que nem cobra pelo chão/ As pessoas que nela vão passando/ Acreditam nas coisas lá do céu/ As mulheres cantando tira o versos/ E os homens escutando tira o chapéu/ Eles vivem penando aqui na terra/ Esperando o que Jesus prometeu...”
             E a produção poética sobre esse tema é absolutamente tão abundante quanto rica nas reflexões sobre a postura, via de regra, submissa,logo, inebriante, de nosso povo no que tange à oração devotada ao um ser que se acredita onipresente, onisciente e onipotente.
             Em contrapartida, de fato, pra não dizer que não falei da cachaça, ela também nos é marca registrada. Aliás, ultimamente, um segmento musical que beira o lixo em termos composicionais, usa e abusa da apologia ao álcool, mas em especial às cervejas, patrocinadoras, por excelência, dos principais espaços onde o produto (no caso, a música) é consumido. O aumento do consumo do álcool é obviedade nacional que dispensa comentários.
             Seja como for, da cachaça propriamente dita, me recordo, a título de ilustração, de duas canções, eu diria que precursoras das composições mais atuais. Ambas se tornaram conhecidas por meio de duas vozes femininas (Elizeth Cardoso e Inezita Barroso), em momentos sociais em que o machismo era quase uma ordem natural a ser seguida.
             Na voz de Elizeth, por décadas, o país cansou de cantara seguinte composição de João do Violão e Luiz Antônio:
             “Eu bebo sim/ s’tô vivendo/ Tem gente que não bebe/ E s’tá morrendo// Tem gente que já s'tá com o pé na cova/ Não bebeu e isso prova/ Que a bebida não faz mal/ Uma pro santo, bota o choro, a saideira/ Desce toda a prateleira/ Diz que a vida s'tá legal...”
             Nesse verdadeiro “hino ao inebrieante”, há de se notar o respeito ao santo. O cachaceiro, como já nos lembrou acima o Boca Nervosa, ao oferecer “uma pro santo”, demonstra sua mais pura forma de oração; quiçá, menos farisaica dos que já se consideram eleitos pra ocupar um lugar à direita de Deus Pai...
             Por sua vez,em 1953, Inezita imortalizou a “Marvada Pinga” ou (Moda da Pinga), de OchelsisLaureano, cantada inicialmente por Raul Torres, em 1937:
             “Com a marvada pinga/ É que eu me atrapaio/ Eu entro na venda e já dou meu taio/ Pego no copo e dali num saio/ Ali memo eu bebo, ali memo eu caio/ Só pra carregar é que eu dôtrabaio...// O marido me disse, ele me falo:/ Largue de beber, peço por favô/ Prosa de homem nunca dei valô/ Bebo com o sor quente pra esfriar o calô/ E bebo de noite é pá fazêsuadô...”
             Ilustrações postas, vem a pergunta: como um povo, o que nos inebria mais, a cachaça ou a oração?
             Ainda que a disputa seja acirrada, ouso dizer que o Papa perdeu essa. É claro que, infelizmente,nos embriagamos mais com as orações do que com as cachaças produzidas para tal; até porque, como nos lembram duas músicas acima citadas,devemos pôr na balança também cada gole de cada cachaceiro oferecido ao seu santo. Isso, repito, é um genuíno e típico modo de oração à lá brasileira, que não pode ser desprezado.
             E justamente porque a oração sempre se sobrepôs à cachaça, é que me junto ao cantor/compositor Luiz Melodia, que na canção “Pra quê?”, apresenta seu sonho sobre seu povo:
             “Só queria que todos tivessem comida/ Tivessem oportunidade, tivessem guarida/ Não precisassem rezar pedindo melhores dias/ Reclamando migalhas, vivendo só de agonia...”
 

 

Terça, 25 Maio 2021 10:39

 

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“O tempo só

anda de ida”

(Manoel de Barros)

José Domingues de Godoi Filho* 

 

“Toda sociedade humana precisa justificar suas desigualdades: tem de encontrar motivos para a sua existência ou o edifício político e social como um todo corre o risco de desabar. Desse modo, toda época produz um conjunto de discursos e ideologias contraditórios que visam legitimar a desigualdade tal como ela existe ou deveria existir e descrever as regras econômicas, sociais, políticas que permitem estruturar o todo. Desse confronto, a um só tempo intelectual, institucional e político, costumam emergir uma ou várias narrativas dominantes nas quais os regimes desigualitários vigentes se apoiam”. (1)

 

Com a explicitação da guerra energética mundial, da disputa selvagem por recursos naturais e do controle avassalador sobre a disponibilidade dos resultados dos avanços em ciência, tecnologia e desenvolvimento, no início dos anos 1970, levou a direita chegar ao poder, na década seguinte, com Ronald Reagan (EUA) e Margareth Thatcher (Reino Unido). Com eles teve início a globalização (prefiro a definição de Chesnais (2) - mundialização do capital) e a imposição do neoliberalismo privilegiando, dentre outras, políticas monetárias e fiscais, que com “a desregulamentação e os cortes tributários liberariam e incentivariam a economia ao aumentar a oferta de mercadorias e serviços, e, consequentemente, a renda dos indivíduos”. (3)

 

Em meio a uma das maiores pandemias enfrentadas pela espécie humana e, quarenta anos depois, do modelo não ter funcionado, nem para Reagan -Thatcher, nem para qualquer outro país que o tenha adotado; por aqui, a tropa de choque, saída de Chicago e espalhada por diferentes países (especialmente os situados abaixo do Equador), com o apoio e conivência do Banco Mundial -FMI(Fundo Monetário Internacional – OMC(Organização Mundial do Comércio) e da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), como crupies do cassino global, insistem na manutenção do modelo, não aceitam qualquer discussão e o impõe como “pensamento único”, combinando com o discurso do “livre mercado”.

 

Mesmo em nossas universidades, nos cursos ditos de “economia”, é flagrante a disseminação de tal pensamento, não havendo espaços para as discussões e formulações que indiquem outros caminhos e opções. Predominam as narrativas proprietarista, empreendedorista e meritocrática. Como apontado por Piketty (1), “a desigualdade moderna é justa, uma vez que decorre de um processo livremente escolhido, em que todos têm as mesmas oportunidades de acender ao mercado e à propriedade e em que todos se beneficiam naturalmente da acumulação dos mais ricos, os quais são também os mais empreendedores, os mais merecedores e os mais úteis. Estaríamos, assim, nos antípodas da desigualdade das sociedades antigas, fundamentadas em disparidades estatutárias e muitas vezes despóticas”. Nada mais hipócrita, avesso à verdade, à ciência, ao conhecimento e ao fortalecimento da democracia. Qualquer tentativa de discussão e alteração do modelo é desqualificada, recusada e censurada. Nesse sentido é exemplar o ocorrido, em 2011, com o livro “Hay alternativas. Propuestas para crear empleo y bienestar social em España”, de V. Navarro, J. Torres e A. Garzón, prefaciado por Noam Chomsky. A Editorial Aguilar depois de mostrar seu interesse por publicá-lo e de ter iniciado a divulgação e promoção do lançamento, informou aos autores que haveria atraso na publicação, tendo em vista o período pré-eleitoral espanhol.  Os autores procuraram outra editora, que com a colaboração do ATTAC (Associação pela Tributação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos), publicaram rapidamente o livro, além de liberarem uma versão gratuita, em formato pdf, via redes sociais, para divulgar ideias alternativas ao pensamento único.

 

Como “todo ordenamento das questões humanas também se materializa em um ordenamento de espaço” e, onde,  “cada nova era e cada nova época na coexistência dos povos e nas formações de poder de todos os tipos são fundadas em novas divisões espaciais, novos cerceamentos e novas ordens espaciais da Terra”(4),essa narrativa “proprietarista e meritocrática” tem se mostrado frágil e, “conduzido a contradições, que decerto assumem formas muito diferentes na Europa e nos Estados Unidos, na Índia e no Brasil, na China e na África do Sul, na Venezuela e no Oriente Médio. Todavia, ocorre que essas trajetórias distintas, nascidas de histórias específicas e, em parte, conectadas entre si, estão ligadas de forma cada vez mais estreita neste início de século XXI. Somente uma perspectiva transnacional permite compreender melhor tais fragilidades e considerar a reconstrução de narrativas alternativas”. (1)

 

O PLANO BIDEN 100 DIAS DEPOIS DA POSSE.

 

Uma semana depois da realização da Cúpula dos Líderes do Clima, cujas conclusões iniciais apontam para um aumento brutal na distância tecnológica que separa os países desenvolvidos dos demais, no que se refere a adoção de políticas de baixo carbono, o presidente Biden, anunciou, em seu discurso para a Nação: - aumento de US$ 2,3 bilhões nos gastos públicos com infraestrutura; aumento de US$ 1,8 bilhão de  gastos públicos com programas sociais; aumento de impostos para grandes empresas; aumento de impostos para o 1% mais rico dos Estados Unidos; imposto internacional sobre os lucros de empresas multinacionais; lei para proteger o direito de organização; aumento do salário mínimo para US$ 15/hora; lei sobre igualdade salarial entre mulheres e homens; impedir que volte  ocorrer o que aconteceu na pandemia, isto é, quando 600 bilionários aumentaram sua riqueza em  US$ 1 trilhão, enquanto 20 milhões de trabalhadores perderam seus empregos; preços mais baixos dos medicamentos; lei de saúde de baixo custo para expandir a cobertura do Medicare ( programa de Previdência Social para maiores de 65 anos e jovens e outras pessoas com deficiência); ajuda para evitar que os imigrantes tenham que deixar seus países fugindo da pobreza e os nascidos nos Estados Unidos como imigrantes sem documentos.

 

Mesmo com todo ceticismo que o momento impõe, a proposta do presidente Biden, que também está sendo reproduzida por organizações como FMI e OECD, caso se materialize, guardam semelhanças importantes com muitos dos argumentos dos contrários ao pensamento único que tem sido imposto. O FMI, em seus relatórios de abril 2021(5,6), deixa claro que a pandemia explicitou e catalisou uma crise profunda, cuja recuperação levará tempo e exigirá novas alternativas.

 

Plinio Jr. (7), em seu artigo “Biden não é Roosevelt”, registra com precisão que “o capitalismo do século XXI não é o do século XX. Sem colocar em xeque a causa do problema – a livre circulação do capital em escala transnacional – é impossível evitar seus efeitos deletérios. Globalização dos negócios, instabilidade econômica, rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores, desigualdade social, crise da democracia liberal, recrudescimento das rivalidades nacionais, acirramento da luta de classes e depredação do meio ambiente são processos inerentes ao capitalismo de nosso tempo”.

 

Antonio Guterres (8), Secretário Geral da ONU, tem demonstrado sua preocupação com o panorama sombrio produzido pela crise sanitária mundial, o que o levou afirmar que “é necessário uma mudança de paradigma que permita alinhar o setor privado com metas globais para enfrentar os desafios futuros da humanidade, incluindo os causados pela COVID-19”.

 

Guterrez alertou, ainda que, devido a evolução rápida e agressiva da pandemia, a recuperação será lenta e num futuro distante. Para o futuro propôs duas questões para o debate: - 1) aplicação de um imposto solidário, ou sobre o patrimônio daqueles que foram beneficiados excessivamente durante a pandemia, com o objetivo de reduzir as desigualdades extremas; 2) Com relação à dívida, incentiva a sua suspensão e alívio, bem como a concessão de liquidez aos países que necessitem. Ressaltou, que é necessário reforçar a “arquitetura da dívida para acabar com os ciclos mortais de ondas de dívida, crises de dívida global e décadas perdidas”

 

Dada a real ameaça que a atual crise impõe ao multilateralismo, propõe novos andaimes internacionais e um novo contrato social baseado na solidariedade e no investimento na educação, empregos decentes e verdes, proteção social e sistemas de saúde, todos os quais juntos, formariam a base para o desenvolvimento sustentável e inclusivo.

 

O BRASIL NA CONTRAMÃO SENDO DESMANCHADO.

 

O negacionismo oficial no país atingiu níveis impensáveis, a ponto de até se esquecer que sempre existiram e continuarão existindo alternativas para qualquer modelo desenvolvimento. Não há motivos para se sujeitar ao pensamento único que tem sido imposto. O avanço do conhecimento humano, especialmente do saber científico-tecnológico, ampliou as opções e as possibilidades de escolhas de caminhos sócio-políticos e de estilos de desenvolvimento que melhor atendam as demandas da população brasileira. Contudo, para melhor entender e desfrutar das benesses do conhecimento é fundamental deixar para trás o negacionismo, porque a opção escolhida, qualquer que seja, não se restringirá ao aspecto exclusivamente técnico, mas também representará uma opção por uma série de itens relacionados a padrão de consumo, força de trabalho, níveis de investimento e sobretudo sobre a exploração dos recursos naturais e energéticos, a estruturação do sistema educacional e da pesquisa, com reflexos inevitáveis na identidade cultural.

 

As nações evoluem ao atingirem níveis de vida elevados, sendo necessário para tanto que se tenha claro que o aumento da produtividade humana se dá pela ampliação de sua capacidade de conhecimento. Os avanços na capacidade de conhecimento exigem investimentos constantes em educação pública e nas fundações de pesquisa de direito público que devem ser responsáveis pela pesquisa básica financiada pelo Estado. Como discutido por Stiglitz (3), “as nações se tornam mais ricas como resultado da sua organização, que permita que as pessoas interajam, negociem e façam suas escolhas. O projeto de uma boa organização social é fruto de décadas de raciocínio e deliberação, além de observações empíricas sobre o que funciona ou não. Elas levaram a visões sobre a importância das democracias com estado de direito, devido processo legal, freios e contrapesos e uma miríade de instituições envolvidas na descoberta, avaliação e divulgação da verdade.”

 

Como vem sendo questionado desde o início, há necessidade de se enfrentar a imposição e adoção de um pensamento único vigente desde os anos 1970 – o capitalismo de estilo americano – “que está modelando nossas identidades individuais e nacionais de maneira desagradável. O que emerge está em conflito com os nossos valores mais elevados; a ganância, o egoísmo, a torpeza moral, a disposição de explorar os outros e a desonestidade que a Grande Recessão expôs no setor financeiro estão evidentes em outros lugares e não somente nos Estados Unidos. As normas, aquilo que vemos como comportamento aceitável ou não, estão mudando de maneiras que minam a coesão social, a confiança e até mesmo o desempenho econômico”. (3)

A pandemia teve, pelo menos, a virtude de mostrar que as mudanças que eram necessárias, tornaram-se urgentes e inevitáveis. Pequenos ajustes no sistema político e econômico não são serão suficientes para as transformações à frente. “Precisamos de mudanças drásticas[...], Mas nenhuma dessas mudanças econômicas será possível sem uma forte democracia para compensar o poder político da riqueza concentrada. Antes da reforma econômica, será necessária uma reforma política”. (3)

 

(1)    Piketty, T. Capital e ideologia; Tradução Dorothée de Bruchard, Rio de Janeiro: Intrínseca,2020.

 

(2)    Chesnais, F. A mundialização do capital; Tradução Silvana Finzi Foá, São Paulo: Xamã, 1996.

 

(3)    Stiglitz, J.E. Povo, poder e lucro: capitalismo progressista para uma era de descontentamento; Tradução Alessandra Bonrruquer, Rio de Janeiro: Record, 2020

 

       4)  Smoke, A. The social question in a transnational context. LEQS Paper nº 39/2011 – Disponível em :  https://www.lse.ac.uk/european-institute/Assets/Documents/LEQS-Discussion-

        Papers/LEQSPaper39.pdf Acesso em 14/05/2021

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International Monetary Fund. 2021. World Economic Outlook: Managing Divergent Recoveries. Washington, DC, April

 

      (6) International Monetary Fund. 2021.Finance & Development: The Post-Covid World, Washington, DC, March

 

     (7) Sampaio Jr, P.A. Biden não é Roosevelt. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/biden-nao-e-roosevelt/ - Acesso em 18/05/2021.

 

    (8) Guterres, A. Contra la desigualdade, Guterres propone “un impuesto solidário” a quienes se han beneficiado de la pandemia. Disponível em: https://news.un.org/es/story/2021/04/1490732 - Acesso em     18/05/2021.

 

    *José Domingues de Godoi Filho – Professor da UFMT/Faculdade de Geociências.