Sexta, 21 Dezembro 2018 10:53

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA* 

Estamos há poucos dias para terminar o ano de 2018 e iniciar um novo ano, com importantes fatos que poderão determinar se o país e a vida da população vão passar por mudanças, positivas ou negativas. Dentro de pouco mais de uma semana tomarão posse o novo presidente da República, governadores, deputados estaduais, federais, senadores, ministros do governo federal e secretários estaduais. Enfim, toda a cúpula governamental federal e estadual vai iniciar um novo período.


Serão mais quatro anos de muitos discursos e propostas de como bem gerir o suado dinheiro que o fisco retira do bolso da população para custear a máquina pública, manter ou aumentar os privilégios dos marajás da República, os donos do poder, como o famigerado “auxílio moradia” a integrantes dos três poderes, do MPF/MPE, Defensorias publicas, Tribunais de Contas e, uma parte mínima politicas publicas ou para investimentos voltados à solução dos problemas que tanto angustiam o povo brasileiro, sem falar na parcela dos recursos que são surrupiados dos cofres públicos pela corrupção, pelas renúncias fiscais, pelos subsídios e pela sonegação consentida.


É neste contexto, incluindo a desorganização fiscal/orçamentária, os déficits públicos que só no Governo Federal deve ultrapassar aos R$140 bilhões de reais, além de aproximadamente mais R$70 bilhões de déficit público de estados e municípios, que já estão, vários deles, praticamente falidos, não conseguindo pagar fornecedores , salários, aposentadorias e pensões.


Só para se ter uma ideia, mais de 45% dos recursos do OGU – Orçamento Geral da União, ao longo de mais de 20 anos, tem sido destinados para o pagamento de juros, encargos e “rolagem” da dívida publica do Governo Federal, afora as dividas publicas de Estados e Municípios. O Brasil vive , em termos comparativos, nas mãos da agiotagem nacional e internacional cujos maiores beneficiários são os sistemas financeiros/bancário nacional e internacional. Ao longo dos últimos 20 anos esses gastos com a dívida pública já ultrapassaram a casa dos 12 trilhões de reais e, mesmo assim, a dívida pública bruta já se aproxima de 85% do PIB brasileiro e continua aumentando em uma velocidade voraz, alimentada pelos constantes e crescentes dèficits públicos.


Para tentar resolver todos esses problemas e, ao mesmo tempo, “devolver” parte do que o povo paga na forma de impostos, taxas e contribuições é que existem, ou deveriam existir e são definidas, formuladas e implementadas as politicas públicas em todos os campos/setores e níveis de atividades públicas, governamentais.


Neste sentido, políticas públicas são ações desenvolvidas/realizadas pelo Estado/ente público e não apenas no sentido de unidades da federação, através dos governos federal, estaduais e municipais, pela administração direta ou indireta ou em parceria com entidades não governamentais, para garantir os direitos individuais e coletivos, econômicos, sociais, ambientais e culturais, contidos nas Constituições federal, estaduais e leis orgânicas dos municípios e demais leis e estatutos existentes e em vigor no país, visando, em última instância,  o bem estar, uma melhor qualidade de vida das pessoas, dentro dos parâmetros da justiça, da justiça social, da equidade, da sustentabilidade, da democracia, da transparência, da participação popular, da autonomia e da paz social.


As politicas públicas devem ou deveriam ser definidas, estabelecidas e implementadas, não através de casuísmos, do voluntarismo de um ou outro governante, da articulação de interesses privados ou de grupos que teimam em continuar mamando nas tetas do governo, mas sim, através de um sistema de planejamento, com visão estratégica de longo prazo, articulado entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e dos três níveis de governo (União, Estados federados, Distrito Federal e Municípios), tendo como parâmetros a transparência, a participação popular, sistemas de acompanhamento, avaliação e controle, visando, em última instância, a melhoria da qualidade de vida da população, principalmente das camadas excluídas da sociedade.


As políticas públicas devem constar das chamadas “peças” orçamentárias, incluindo o PPA – Plano Plurianual de investimentos, a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias e a LOA – Lei Orçamentária Anual, onde estejam definidas as politicas, os programas, os projetos e ações a serem executadas pelos diversos entes públicos, observadas a legislação em vigor, como as que definem as compras e contratos governamentais, os tetos dos gastos, por exemplo com pessoal, ou os requisitos mínimos legais estabelecidos para cada área como educação, saúde e outros mais.


Em 2019, além do início de um novo período governamental nos estados e no plano federal, estarão sendo realizados também alguns eventos que deverão contar com ampla participação popular, onde políticas públicas deverão estar sendo debatidas e propostas de origem popular, fruto dessas discussões, deverão  ser apresentadas aos governantes para definirem ou redefinirem diversas políticas públicas nos estados e no Brasil como um todo.


Dentre esses eventos, podemos destacar a Campanha da Fraternidade (CF 2019) terá como tema “Fraternidade e politicas publicas”;  a 5a. Conferência dos direitos da pessoa idosa terá como tema “Os desafios de envelhecimento no século XXI e o papel das politicas publicas”; a 16a. Conferência Nacional da Saúde terá como tema “Democracia e saúde, como direito, consolidação e financiamento do SUS”; a 6a. Conferência Nacional de saúde indígena; a XI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do adolescente, tendo como tema central “ Proteção integral, diversidade e enfrentamento aa violências” e como o primeiro eixo “garantias dos direitos e politicas publicas integradas e de inclusão social”.


Mesmo que o Governo Bolsonaro tenha extinto o Ministério das Cidades, em 2019 também deverá ser realizada mais uma Conferência nacional das cidades, quando temas importantes como habitação, saneamento, mobilidade urbana, transporte público e coletivo e outros correlatos  que são ou deveriam ser objetos de políticas públicas estarão sendo discutidos pela população.


Como podemos perceber, a resolução dos graves problemas que afetam a população brasileira, não serão resolvidos com o paradigma de “menos governo”, mas sim, com uma atuação racional, transparente, com eficiência, eficácia e efetividade por parte dos organismos públicos. Afinal, a população  brasileira paga através de uma das maiores cargas tributárias do planeta, importância superior a 38% do PIB e é justo que receba bens e serviços governamentais `a altura do que também ocorre em países desenvolvidos.


Vamos pensar e agir de forma mais efetiva para que o controle popular e institucional sobre os governos federal, estaduais e municipais seja um fato e não mera letra morta em nosso ordenamento jurídico.


*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de diversos veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy Blogwww.professorjuacy.blogspot.com

Quinta, 20 Dezembro 2018 20:45

 

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Por Roberto de Barros Freire*
  

Os juízes do STF se caracterizam pelo ego forte e a vontade de obrigar aos demais juízes da corte suas resoluções. Querem que suas posições pessoais prevaleçam sobre as demais, desfazem o que os outros estabeleceram, se contrapõem à decisão da maioria, deliberam segundo seus interesses pessoais que disfarçam nas interpretações tendenciosas de nossas leis. Leis, diga-se de passagem, mal feitas, que cabem inúmeras interpretações, e que esses juízes, cada um a sua forma, dão o tom, o timbre e o sabor que lhe convier, dependendo dos envolvidos.


Gostam de aparecer na televisão e assim deliberam para chamar a atenção de todos, obrigando os jornais a fazerem plantão nos seus corredores, para noticiar mais alguma deliberação tresloucada, entre tantas que dão, algo que vá contra a vontade geral e ao senso comum. Enquanto juízes deveriam manter a magnanimidade e não ficar dando opinião para os jornais, não deixarem as TVS entrarem nos tribunais, transformando-o num lugar de encenações retóricas, onde prevalece o impacto do que se diz, muito mais do que a verdade, o certo ou o justo. Aliás, sempre nos parece que o que menos importa é a verdade, mas se havendo provas, se possam levar elas a cabo, pois dependendo do advogado e do juiz, tudo se torna duvidoso, a começar pelo justo, certo ou verdadeiro.


Ora, o que estamos assistindo, um juiz delibera sobre a prisão, o outro solta, usando até de desculpas esfarrapadas como caso de saúde, o que só vale para prisioneiros ricos: preso pobre só vê médico na cadeia, se ver! O conjunto dos juízes, em sua maioria, deliberaram pela prisão após julgamento em segunda instância, um juiz – Marco Aurélio, contrário a essa tese – manda soltar todos que estavam detidos por essa posição, em deslavada contraposição e desrespeito à deliberação da maioria do STF. Outro solta todos os presos ricos e importantes, mesmo que criminosos afamados, e que constantemente frequentam as páginas policiais e políticas, o que é muito comum nesse país, basta ver o assessor do filho do presidente, os empregados que ninguém sabe o que faz e para que serve: onde está o Moro que não investiga ou manda investigar?


E isso tudo mostra quão pouco confiáveis são nossos juízes, mudando de posição, ou tentando forçar o tribunal a se submeter às suas teses, enfim, julgando as mesmas coisas de forma diferente, em outro momento e com outros agentes, visto que ricos e poderosos tem sempre suas penas abrandadas e diminuídas, enquanto os pobres estão presos sem julgamentos, e quando ocorre o julgamento do mesmo, é capaz de ter ficado mais tempo preso do que deveria pela pena merecida.


Quem não vê que a justiça serve melhor os ricos, os que têm advogados que circulam e convivem pelas esferas dos juízes, que desfrutam de suas intimidades, aqueles que podem pagar para advogados que podem apelar para esferas superiores? Quem acredita que nossa justiça é imparcial, ou sequer justa? Quem acredita que esses juízes são justos e bons? Quem acredita que são honestos? De fato, os juízes estão mais preocupados em manter ou mesmo aumentar suas mordomias, seus privilégios, seu poder, do que buscar o justo; se preocupassem com isso, jamais promoveriam tal aumento que se deram, muito menos garantiriam a bolsa moradia: que eu saiba, só os privilegiados, os que podem legislar em causa própria ou forçar os legisladores a lhes favorecerem, desfrutam dessa regalia injusta e imoral.


 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Quarta, 19 Dezembro 2018 11:55

 

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Por Aldi Nestor de Souza*



Depois de servir de embalagem para um fogão a gás, de andar quase o país inteiro e de passar pelas mãos de dezenas de trabalhadores, um modesto pedaço de papelão, de bordas imprecisas, ganhou estampa de letras, escritas à mão “livre”, num português retumbante e virou um cartaz que é parte da luta e da esperança de Carmem, mulher negra que o ergue na beira de um sinal de trânsito e orna uma avenida larga da capital, de domingo a domingo.


No cartaz está escrito: “sou venezuelana, peço um trabalho ou ajuda para criar minha filha. Deus te bendiga.”

A filha de Carmem, Juanita, ainda muito pequena, a acompanha na empreitada e fica a poucos metros dela, sentada na calçada, embaixo de uma marquise e, entretida com uma boneca de plástico e com uma casinha improvisada com o resto do papelão do cartaz, parece reunir forças para ignorar a gravidade da situação. Sorrir pros brinquedos e sequer levanta a vista para testemunhar e defender, a mãe, dos motoristas que, alheios ao papelão latino e a mulher, insistem em investidas violentas e a encaram como um simples, e mais um, objeto disponível.

O papelão foi achado num entulho. Com caneta bic, usada, e a ajuda de uma brasileira, Carmem teceu as letras que resignificaram sua própria vida e também a da antiga caixa de fogão, que de símbolo do desenvolvimento e da produtividade da indústria, passou a suporte pra denunciar o modo de produção e de organização social que não prescinde da pobreza extrema, da exclusão, do desemprego e da concentração de renda.

Eram 11 horas da manhã do último domingo. O sol estava em apuros. Carmem protegia a cabeça com um lenço, estampado com motivos indígenas, e o busto com o cartaz que se erguia até a altura do nariz. Usava uma calça jeans e blusa de malha caribenha, que lhe conferia uma certa autenticidade latina. Não olhava nos olhos dos motoristas, nem de ninguém. Mantinha-se ereta e apenas exibia ferozmente o conteúdo do papelão. Seus olhos, azuis, firmes e distantes, fitavam os confins do continente, tão escandalosamente espoliado, massacrado e subjugado.

Carmem entrou no Brasil por Roraima, fugindo da crise que assola seu país, que é o dono de uma das maiores reservas de petróleo do planeta. Mas ela não quer saber de nada disso.  Não quer falar sobre seu país, nem sobre as origens da crise.  Quer apenas se manter viva e criar a pequena Juanita. Ela estava no conflito em Pacaraima,  fronteira do Brasil com a Venezuela, num barraco feito de papelão, no dia em que um grupo de brasileiros ateou fogo nos pertences dos venezuelanos. Nesse mesmo dia, de carona, saiu de lá e veio parar em Cuiabá.

A situação de Carmem é a mesma da de milhares de outros latinos, exilados no próprio continente. Continente que resiste e luta para superar a condição vã de mero fornecedor de braços e de matérias primas para nações distantes e mais “desenvolvidas”. Continente que ainda exibe no corpo as marcas da colonização violenta, da escravidão vergonhosa, das ditaduras sanguinárias e da espoliação intermitente, fruto da lei óbvia de exploração do capital, dos mais fortes sobre os mais fracos.

O cartaz de Carmem e a boneca de Juanita foram o domingo de cada uma delas. A esperança e a denúncia do cartaz, frente a frente com a meninice de Juanita e a ludicidade da boneca, ali no meio da avenida, fizeram da rua um palco a céu aberto  onde muitas contradições do modo de produção capitalista se exibiam livremente, impunemente, descaradamente, pedagogicamente. 

Aproximava-se do meio dia quando Carmem, sem nada conseguir, dobrou o papelão, pôs embaixo do braço e, segurando na mão de Juanita, deixou o sinaleiro. Seguiram por uma rua estreita. Dobraram no primeiro quarteirão. Sumiram.

Nesta segunda feira, pela manhã, lá estavam as duas, no mesmo sinaleiro, exibindo o mesmo papelão latino. Ressuscitando. Lembrei da canção Como la cigarra, de Mercedes Sosa. 

“Tantas veces me mataron,

Tantas veces me morí,

Sin embargo estoy aquí

Resucitando.

Gracias doy a la desgracia

Y a la mano con puñal,

Porque me mató tan mal,

Y seguí cantando.”
 

*Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática - UFMT/Cuiabá
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Quarta, 19 Dezembro 2018 11:53

 

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Como estamos em clima de mais um final de ano (e que ano!), aproveito para declarar que adoro minha família, mesmo reconhecendo que, pontualmente, alguns problemas de comunicação ocorrem entre nosotros. 

Outra declaração: parafraseando Belchior, minha família é apenas um grupo de seres latino-americanos, “sem dinheiro no banco e sem parentes importantes”. E mais: ainda vive no interior. 

Mas nem toda família tem essa felicidade toda, o tempo todo. Algumas, quase que do nada, da noite para o dia, entram para o seleto rol das famílias bem-sucedidas. Como emergentes, passam a compor o restrito grupo da elite nacional. 

Todavia, nessa nova condição socialmente adquirida, nem tudo são flores para todas as famílias. Seja como for, dentre outras, cito apenas duas; quiçá, das últimas décadas, as mais emblemáticas dentre os novos ricos deste empobrecido país: a família Silva, do Sr. Lula, hoje, preso por corrupção, e a família Bolsonaro, que já parece poder ter algo em comum com a família Silva. 

Resguardando diferenças de origem no plano baixo de nossa pirâmide social, ambas as famílias são originárias das brenhas: a primeira, da caatinga do Nordeste; a outra, das campinas paulistas. 

Ah! Vale reforçar que estou falando das famílias emergentes das últimas décadas; por isso, não citei pérolas de família quase centenárias, como a Sarney, a Collor, a Neves... e, penso que acima de todas, a Vieira Lima, aquela família de políticos baianos que tem, na mãe, o espelho da aberração comportamental em sociedades capitalistas. 

Isso dito, volto às duas famílias que são o prato principal da ceia deste artigo. Na verdade, vou desprezar a primeira delas, por ora, apeada do poder. A centralidade fica com a família Bolsonaro. 

Antes, outra lembrança: o sr. Jair – militar da reserva, católico, apostólico, romano e... palmeirense – mostrou sua família, durante a campanha eleitoral, como o espaço da perfeição, da harmonia. 

Mas harmonia familiar forjada não dura muito tempo. Assim, a cada dia, surge um susto vindo de algum integrante da nova família presidencial. Quando não vem direto do pai, vem de um dos filhos. Há três! Um deles já terá de explicar, e quiçá pagar caro, por corrupção que ocorria em baixo de seu nariz. 

Ah! Sim. Ia me esquecendo da menina, que parece mesmo não contar muito, pelo menos por ora. E tem ainda a companheira conjugal, que teria dito que retiraria todas as imagens sacras do Palácio da Alvorada. A notícia foi desmentida por Jair. 

Assim, os Bolsonaro têm oferecido ao país um bom exemplo de família desencontrada, pelo menos no plano dos discursos. De manhã, um diz algo; à tarde, o outro desautoriza o dito, que fica pelo não-dito. E assim caminha essa “grande família”, mas sem a graça daquela conhecida do humor brasileiro. 

Mas qual é o problema dos desencontros dessa família, se todas têm dificuldades comunicacionais? 

Por que essa família, assim como a sagrada da Bíblia, subjetivamente, colocou-se para ser exemplo a ser seguido. 

Parece que não, mas isso é problema. Se a cada momento vier uma denúncia, principalmente contra membros e/ou próximos dos Bolsonaro, o Brasil poderá assistir a algo estranho; algo parecido com 64, se é que me entendem... 

Os militares de Bolsonaro não assistirão quietos a uma sangria incontida. O freio virá. Se vier, democraticamente, os “reis barbudos”, lembrando J. J. Veiga, chegarão ao cume da montanha de forma bem asséptica. 

Portanto, neste natal, peçamos a Papai Noel o equilíbrio dos Bolsonaro. 

Se já restou, agora, não resta mais outra alternativa.

Terça, 18 Dezembro 2018 14:27

 


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Artigo enviado pelo Prof. Bruno Pinheiro Rodrigues* 

 

Duas das principais condições para que um regime democrático possa existir são a liberdade de opinião e o respeito à pluralidade política. A democracia moderna é inconcebível sem essas e vice-versa. Uma famosa frase atribuída ao filósofo iluminista Voltaire sintetiza esse pensamento: “Não concordo com uma palavra que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-la”. 

Em que pese a importância dessas considerações iniciais para própria possibilidade da existência em sociedade, é preciso confessar que ultimamente tem sido penosa a tarefa de presenciar o show de horrores nas casas representativas do poder público. Quando as manchetes jornalísticas não anunciam parlamentares descobertos em esquemas de lavagem de dinheiro, desvios, nepotismos ou patrimonialismos, nos informam ideias e fatos, no mínimo, espantosos. 

A bola da vez no Mato Grosso é o projeto de lei 310/2018, protocolado em nome das “lideranças partidárias”, mas segundo a imprensa local, capitaneado pelo deputado estadual Dilmar Dal Bosco. A proposta pretende modificar a lei estadual 7.819/2002, que institui o 20 de novembro como feriado estadual. De acordo com o projeto, “(...) o feriado influência na rotina econômica das cidades afetando diversos setores com o fechamento dos comércios e de prestadores de serviços, causando prejuízos econômicos e impedindo a comercialização dos produtos e a realização do serviço nos feriados”. 

Primeiro, causa perplexidade a ausência de dados para fundamentar a iniciativa. Acredite, o projeto é apresentado essencialmente com este argumento, desacompanhado de estudos econômicos, análises comparativas com outros feriados etc. Um projeto de lei fundamentado no famoso “achismo”. 

Segundo, o calendário anual é repleto de feriados, a maior parte vinculado a eventos do segmento religioso católico. Se realmente o 20 de novembro prejudicasse a economia local, “impedindo a comercialização de produtos e realização de serviços”, por que os outros feriados não comportariam os mesmos efeitos? A preferência de um em detrimento dos outros, provoca a sensação de que esse grupo de parlamentares, no frigir dos ovos, discorda das razões que levam dezenas de municípios e alguns Estados a declararem feriado – nesse caso, seria muito mais digno e honroso se tivessem assumido essa posição. 

Em terceiro lugar, não é preciso ser especialista em economia para entender que se uma parte do comércio fecha, a outra se beneficia com a circulação e consumo; se o fluxo do varejo diminui, na outra ponta aumenta o movimento vinculado ao circuito do turismo, que abarca agências turísticas, empresas aéreas e rodoviárias, restaurantes etc. Em 2017, segundo levantamentos da Fundação Getúlio Vargas e Ministério do Turismo, somente os chamados “feriados prolongados” foram responsáveis pela injeção na economia nacional de 21 bilhões. 

Para além de todas essas questões expostas, é preocupante o nível de desconhecimento histórico e insensibilidade. Uma data como o 20 de novembro possui uma larga trajetória até obter a condição de feriado. Escolhida nacionalmente para relembrar a data da morte de Zumbi dos Palmares, é igualmente o momento onde diversas organizações da sociedade civil, universidades, escolas refletem a memória e atual condição do povo afrodescendente no país. 

A escravidão negra no Brasil atravessou quase 4 séculos. Nos campos ou cidades, homens e mulheres de origem afrodescendente sentiram o peso e a crueldade por terem sido tomados ou nascidos em um sistema socioeconômico que os concebiam como “objeto”, desprovido de humanidade.  Embora seja difícil afirmar com exatidão, iniciativas como a do Slave Voyages – projeto multinacional que conta com pesquisadores de todos os continentes -, estimam que para as Américas foram levados 12 milhões de africanos. Desse valor total, ao menos metade foi introduzida no território luso-brasileiro.



Legenda: “Castigo de escravo”, por Jean-Baptiste Debret

Mato Grosso, como não poderia deixar de ser, também é um estado profundamente marcado por toda essa história.  Desde as primeiras expedições ao oeste brasileiro constam registros da presença negra. A população afrodescendente trazida a essa região não somente foi distribuída nos mais diferentes setores da economia colonial – mineração, agricultura, serviços domésticos e até militares -, mas legou fortes contribuições à identidade mato-grossense, fartamente visível em festas populares, nomes de escolas, praças ou parques. As grandiosas festividades de São Benedito (Cuiabá-MT), a Congada de Vila Bela de Santíssima Trindade e o Parque Mãe Bonifácia, atestam esse passado e presente.


Legenda: Lavagem das escadarias da Igreja de São Benedito, Cuiabá-MT (2017)
 

Não restam dúvidas que essa proposta de alteração do 20 de novembro ignora toda essa história e, especialmente, deixa clara a posição do Estado brasileiro para com a população afrodescendente do país, que é a da negligência. Por que esse grupo de parlamentares, no lugar de propor o retrocesso, não apresenta um projeto de lei para o combate do racismo crescente no Estado? De acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública, somente nos primeiros 4 meses do ano de 2018, 35 casos de racismo foram denunciados à polícia em municípios do Estado. Por que não apresentam alguma proposta para o combate ao desemprego que ainda atinge em cheio a população afro-brasileira? Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2017, dos 13 milhões de desempregados, 8,3 milhões eram pretos ou pardos; em Mato Grosso, mais de 55% dos 160 mil desempregados são autodeclarados pretos ou pardos. Essa mesma pesquisa, realizada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) e divulgada pelo IBGE – aponta outro dado preocupante: entre pretos ou pardos empregados, apenas 67% ganha o mesmo salário que um branco, exercendo as mesmas atribuições. 

Das duas, uma:  ou esse grupo de parlamentares não está devidamente informado sobre todos os aspectos que envolvem o 20 de novembro, ou decididamente resolveu se valer do velho cinismo do Estado brasileiro para com as condições singulares que se encontram a população afrodescendente no país, historicamente explorada, esquecida e desprezada. É preciso mudar essa realidade urgentemente e valorizar cada passo que reconhece esse esforço. A manutenção do status de feriado à Consciência Negra é um deles. Precisamos valorizá-lo e avançar rumo a um país mais humano e justo. 

 

*Bruno Pinheiro Rodrigues é doutor em História, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso e autor do livro “Paixão da Alma: o suicídio de cativos em Cuiabá (1854-1888)”.

Sexta, 14 Dezembro 2018 14:55

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

A saúde, não sentido simplesmente de ausência de doença,  mas sim, como enfatiza a Organização Mundial da Saúde, organismo especializado da ONU para esta área,  como “o mais completo bem estar físico, mental, emocional e social”; passa a ser ao mesmo tempo tanto um sonho a ser realizado ao longo de nossas vidas quanto uma fonte de preocupação em todos os países, principalmente nos de baixa, média e também nos países ricos, principalmente para a população que vive na miséria, na pobreza e, em assim sendo, excluídos dos bens e serviços que possibilitam uma vida digna a todas as pessoas.


Ao lado da busca deste sonho tanto para crianças, adolescentes, adultos e também idosos; uma outra preocupação também está tem estado presente nas últimas décadas, quando o envelhecimento da população em todos os países, de baixa, média ou alta renda, acontece de forma muito rápida.


Enquanto este processo de envelhecimento aconteceu de forma lenta e gradual nos países, hoje desenvolvidos, dando tempo para que os mesmos tenham reduzindo os níveis de pobreza, de miséria, de concentração de renda e, ao mesmo tempo, que instituições voltadas `a saúde e ao bem estar de seus habitantes tenham sido construídas e, assim, melhores cuidados e serviços públicos e privados possam oferecer tais serviços; nos países pobres e emergentes, como é o caso do Brasil, defrontam com uma grande número de pessoas, que chegam a quase 80% da população estejam vivendo na miséria, abaixo ou pouco acima da linha da pobreza e não dispõem de recursos para desfrutarem de uma vida com dignidade, incluindo os cuidados com a saúde e o bem estar físico, mental/emocional, espiritual, econômico e social.


De forma semelhante, quando 80% ou pouco mais da população dependem única e exclusivamente do  SUS para terem atendimento à saúde e não dispõem de recursos financeiros e nem renda suficientes para pagarem planos de saúde ou procurarem hospitais, médicos ou outros profissionais de saúde e muito menos ainda para custearem exames mais sofisticados, como imagens ou para medicamentos ou tratamento prolongados como no caso de doenças crônicas e degenerativas que afetam de forma mais constante e agressiva pessoas idosas, como câncer, demências em geral ou doença de Alzheimer,  Parkinson, problemas cardiovasculares, diabetes, obesidade, locomoção, visão e outras mais, podemos perceber que a questão da saúde das pessoas idosas, na dimensão e definição da OMS, seja um dos maiores desafios não apenas dos Sistemas públicos de saúde, mas também das famílias e desta parcela da população, chamada terceira idade, eufemisticamente denominada de “melhor idade”, que de melhor não tem nada.


Talvez por tudo isso e também para colocar a questão do envelhecimento na pauta das discussões públicas ou na agenda política e institucional do país, tanto no plano federal quanto de estados e municípios, é que o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso oficializou realização da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (5ª CNDPI), no mês de novembro de 2019, em Brasília.


Esta conferência que é desdobrada nas etapas municipal e estadual, a serem realizadas no país inteiro, terá como tema central  “Os Desafios de Envelhecer no século XXI e o Papel das Políticas Públicas”, incluindo e subtemas como do eixo I “Direitos fundamentais na construção/efetivação das políticas públicas e subeixos como: saúde, assistência social, previdência, moradia, transporte, cultura, esporte e lazer”; e também o eixo II “Educação: assegurando direitos e emancipação humana”; eixo III: Enfrentamento da violação dos direitos da pessoa idosa; e, finalmente, o eixo IV: Os Conselhos de direitos: Seu papel na efetivação do controle social, na geração/definição e implementação das politicas públicas.


Tendo em vista o conceito de saúde da OMS, podemos perceber que esta 5a. Conferência Nacional dos Direitos da pessoa idosa  poderá vir a ser um marco significativo na efetivação de uma grande politica nacional, com dimensões de longo prazo e visão  realmente estratégica, voltada para as pessoas idosas, tanto pelo aumento significativo do número de pessoas que a cada ano vivem mais, realidade esta demonstrada tanto pela expectativa de vida ao nascer quanto `a expectativa de vida em cada faixa etária a partir dos 60 anos.


Uma pessoa que em 2017 no Brasil tinha 50 anos, por exemplo, tem uma expectativa de vida de 80,5 anos, quem estava iniciando a terceira idade, com 60 anos, poderá viver ate seus 82,4 anos e uma mulher com 80 anos em 2017, poderá chegar aos 90,3 anos ou mais. A faixa populacional com mais de 80 anos tem crescido muito mais de que outras faixas etárias, determinando que o Brasil, `a semelhança de vários países desenvolvidos já tenha um contingente elevado de centenários, situação que só tende a aumentar.


O numero de centenários no mundo passou de 150 mil pessoas em 1995, atingindo pouco mais de 300 mil em 2017 , podendo chegar a mais de 450 mil em 2030. Crescimento semelhante tanto da população  com mais de 80 em geral ou de centenários em particular tem sido observado no Brasil.


Este é um grande desafio, talvez o maior de todos. A Constituição Federal quanto demais leis infraconstitucionais determinam que a responsabilidade quanto aos cuidados que a população idosa tem como direitos devem ser proporcionados pela família, pelo Estado (no caso Ente publico e não no sentido de unidade da federação) e pela sociedade. A grande maioria das pessoas com 80 anos e mais são extremamente dependentes de outras pessoas e instituições para que possam desfrutar de uma vida realmente humana e digna na etapa final de sua caminhada terrena.


Em uma próxima oportunidade pretendo abordar e refletir um pouco também sobre a questão da saúde mental em geral e da saúde mental/emocional das pessoas idosas, outro capítulo desafiador nesta jornada em defesa da terceira e quarta idade.


*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de diversos veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy   
 
 

Quinta, 13 Dezembro 2018 09:21

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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No último dia 05/12, a antiga Associação dos Docentes da UFMT (ADUFMAT), transformada, após a Constituição de 88, em Seção Sindical do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), completou 40 anos. Para comemorar a data, a atual diretoria da ADUFMAT organizou uma cerimônia, ocorrida dia 08.

Da cerimônia, participaram diversos professores. Alguns, no transcorrer dessas quatro décadas, foram dirigentes dessa Seção Sindical do ANDES, que se consolidou como um dos mais importantes sindicatos do país.

O ANDES-SN, formado por um conjunto de seções sindicais, é marco de resistência contra os ataques à autonomia das universidades. Sua trajetória de luta nasce quando o país ainda vivia sob o peso da censura político-ideológica.

Pois bem. Na condição de um dos ex-presidentes da ADUFMAT, estive presente na cerimônia. Assim, revi e ouvi diversos professores, muitos deles já aposentados. Aliás, principalmente desses colegas, vieram os mais significativos depoimentos. Motivo: como já disse acima, a origem da ADUFMAT se deu em plena vigência da ditadura militar, consequência do golpe de 64. Por conta daquele contexto de repressão, alguns docentes tiveram suas carreiras interrompidas; algumas retomadas somente anos após.

Como não poderia ser diferente, mesmo resguardando o fato de, neste momento, não termos passado por nenhum golpe militar, pois a eleição de Bolsonaro foi democrática, impossível não estabelecer relação política direta daquele período de nossa história com o atual momento vivido em nosso país.

Como é do conhecimento de todos, o presidente eleito em outubro pp. saiu dos quadros do militarismo brasileiro. Por isso, dentre os escolhidos por ele para ocupar espaços significativos de seu governo, há sete ministros diretamente ligados às Forças Armadas. Os demais – de um jeito ou outro; uns mais, outros menos – não frustram, em momento algum, uma visão mais conservadora da vida social.

Dessa forma, vitorioso muito mais por conta dos erros dos partidos políticos que estiveram conduzindo nosso país nas duas últimas décadas, acentuadamente, por conta dos desvios éticos do PT, o governo Bolsonaro causa profunda incógnita, principalmente, no tocante à vida das universidades.

As incertezas que ora se fazem presentes são várias e complexas: privatização do ensino superior; redução e/ou cortes de bolsas que auxiliam acadêmicos (da graduação e da pós-graduação) vulneráveis socialmente; redução e/ou cortes nas bolsas para a pesquisa, principalmente nas áreas dos estudos sociais e das humanidades; desaceleração das políticas de inclusão; tentativa de intervenção ideológica nas questões do Enem; diminuição orçamentária, que, aliás, poderá asfixiar de vez as universidades...

Enfim, os novos tempos prenunciam velhas práticas de intromissão, agora da perspectiva do pensamento conservador, na autonomia universitária, até porque a lógica que permeia o projeto Escola Sem Partido, hoje arquivado no Congresso, parece ter encontrado bom tempo e muitos apoiadores para continuar seu voo, que independe da aprovação de leis.

Dessa forma, o quadro que se nos apresenta é preocupante. Para piorar tudo, os segmentos sociais que poderiam ser considerados como progressistas não se entendem, chegando às raias da estupidez a luta fraticida pelo protagonismo oposicionista neste perigoso momento. Cada embate nesse sentido só reforçará o conservadorismo, que já tem nuances visíveis de discursos e atitudes que lembram o fascismo.

 

Quarta, 12 Dezembro 2018 11:28

 

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Texto reproduzido a pedido do Prof. Carlos Roberto Sanches.

 

 Arquivo/Folhapress
 
Mesa no Palácio das Laranjeiras durante a edição do AI-5 pelo então presidente general Costa e SilvaImagem: Arquivo/Folhapress

 

Ato Institucional marcou o auge da repressão política no regime militar. De acordo com o relatório final da Comissão Nacional de Verdade, 434 pessoas morreram ou desapareceram nas mãos do Estado

Decretado no dia 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional número 5 (AI-5) ficou marcado na história como o nível mais extremo a que chegou o autoritarismo no Brasil e foi o ponto de partida para institucionalizar a repressão política durante a ditadura militar, afirma o historiador Carlos Fico.

Assinado há 50 anos pelo general Artur da Costa e Silva, o AI-5 autorizou uma série de medidas de exceção, autorizando o presidente a fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares, intervir em Estados e municípios, suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por até dez anos e suspender a garantia do habeas corpus.

Professor titular de História Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fico afirma que o ato inaugurou o período mais violento do regime militar, entre 1969 e 1973, e caracterizou-o explicitamente como uma ditadura.

Em entrevista à BBC News Brasil, o historiador afirma que discursos que buscam negar a ditadura são expressão de uma "ignorância histórica". Para ele, o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), que defende a ditadura, poderá ser marcado por tentativas de reescrever a História sobre o período, iniciativas que poderão "dar trabalho", mas não irão prevalecer.

"É impossível ocultar eventos traumáticos, como o Apartheid na África do Sul, ou o nazismo na Alemanha, ou as ditaduras militares latino-americanas", afirma Fico, especialista em estudos sobre a ditadura militar e autor de livros como O Golpe de 1964: Momentos Decisivos (Editora FGV, 2014) e Como Eles Agiam - Os Subterrâneos da Ditadura Militar: Espionagem e Polícia Política (Record, 2001).

"Ao fim e ao cabo, essas realidades acabam se impondo. Os governos são passageiros, mas a História se solidifica ao longo de décadas, séculos."

De acordo com o relatório final da Comissão Nacional de Verdade, 434 pessoas morreram ou desapareceram nas mãos do Estado. Publicado em dezembro de 2014, o relatório da comissão responsabilizou 377 agentes do Estado por graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1988.

O AI-5 vigorou durante dez anos, até dezembro de 1978. O Congresso foi fechado no mesmo dia do decreto, para só reabrir dez meses depois.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - Quais foram os principais efeitos imediatos do AI-5?

Carlos Fico - O Congresso Nacional foi fechado. Na mesma noite do decreto, o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi preso. No dia seguinte, foi o ex-governador Carlos Lacerda, e começaram as cassações de deputados federais e senadores. Até 1969, um total de 333 políticos tiveram seus direitos políticos suspensos.

Foi o pior momento da história brasileira em termos de autoritarismo, sobretudo pela brutalidade da tortura, dos desaparecimentos, e também pela suspensão do habeas corpus e o fechamento do Congresso Nacional.

Foi um paroxismo, um momento de auge, do regime militar, que a partir de então ficou claramente caracterizado como uma ditadura, com muitos prejuízos até hoje.

BBC News Brasil - Como a sociedade reagiu? Ou não reagiu, porque não podia?

Fico - A sociedade realmente não reagiu. Foi um ato brutal de força. O fechamento do Congresso, a prisão dessas grandes lideranças populares, a cassação de centenas de pessoas, tudo isso tornou a possibilidade de uma reação praticamente impossível.

O que acontece depois do AI-5 é que o regime cria estruturas nacionais clandestinas de repressão política. O sistema DOI-Codi, que fazia as prisões e interrogatórios, em geral seguidos de tortura; o Sistema Nacional de Informações, que na verdade fazia espionagem e censura política. A repressão política é institucionalizada a partir do decreto.

Começa a haver muitos interrogatórios, com brutalidades, tortura, e muitas prisões sem comunicação à Justiça. Uma das iniciativas lamentáveis do AI-5 foi a suspensão do direito de habeas corpus para quem fosse acusado de crimes políticos. Não havia a possibilidade de recorrer à Justiça. Todos os atos praticados com base no AI-5 estavam fora da jurisdição da Justiça comum.

As pessoas acusadas de crimes políticos passaram a ser julgadas pela Justiça Militar, o que era uma aberração. Apesar disso, quando as pessoas eram levadas para a Justiça Militar, elas se sentiam aliviadas, porque pelo menos estavam fora do aparato clandestino de repressão política. Pelo menos estavam protegidas da tortura, que era praticada sobretudo no sistema DOI-Codi.

BBC News Brasil - Qual foi o contexto por trás do AI-5? Por que o regime militar chegou àquele extremo?

Fico - Em 1968, houve protestos frequentes dos estudantes, que eram reprimidos com violência pela polícia. Em março, um dos estudantes (Edson Luís) acabou morto em uma dessas manifestações no Rio, no restaurante Calabouço.

O episódio motivou muitas passeatas contra o regime, que levaram a ala mais radical a pressionar o presidente Costa e Silva a decretar um novo ato institucional que permitisse punições excepcionais, como cassações de mandatos e suspensão de direitos políticos.

Ele próprio não queria um novo ato que reabrisse a temporada de punições, e inicialmente conseguiu evitar a medida, em uma reunião do Conselho de Segurança Nacional em junho. Digo reabrir porque os primeiros atos institucionais após o golpe haviam liberado punições excepcionais, mas com prazos determinado. Quando Costa e Silva assumiu, ele não tinha mais esses mecanismos punitivos em mãos.

Depois dessa reunião, entretanto, militares e civis da direita mais radical começaram a agir para criar um clima de conflagração que obrigasse Costa e Silva a decretar o ato. As provocações incluíram invasões de universidades e sequestros de artistas. Até que em agosto houve a violenta invasão da Universidade de Brasília (UnB), na qual um estudante levou um tiro na cabeça.

Vários filhos de parlamentares estudavam na UnB, e a invasão foi vista como um excesso mesmo por políticos da Arena, o partido que apoiava o regime militar. Marcio Moreira Alves, um deputado da oposição, fez um discurso criticando duramente as forças militares. O discurso foi o pretexto para decretar o AI-5. Os militares queriam processar Moreira Alves, mas a Câmara se recusou a liberar o deputado de suas imunidades. Mas veja que havia desde 1964 essa demanda por reabrir a temporada de punições.

BBC News Brasil - Foi também uma reação à luta armada?

Fico - A luta armada cresceu, sobretudo, a partir do AI-5. Aqueles estudantes que protestavam em 1968 ficaram muito frustrados com o decreto, e se tornaram recrutas fáceis para as organizações de esquerda que se denominavam revolucionárias. Muitos nem eram comunistas, mas passaram para as ações armadas em função desse fechamento (do regime).

Mas não há uma relação de causa e efeito. A linha dura queria a reabertura das punições desde 1964. E a esquerda vinha debatendo a opção pela luta armada antes mesmo do golpe de 1964, desde a época da Revolução Cubana (em 1959).

Uma coisa não é causa da outra, mas com certeza houve um processo de retroalimentação. Com o passar do tempo, os militares diziam que era preciso manter a repressão política por causa das ações armadas; e a esquerda revolucionária justificava a necessidade de pegar em armas por causa do AI-5, que institucionalizou a repressão. A partir do decreto, o número de vítimas (mortos, desaparecidos e torturados) da ditadura aumentou muito, sobretudo entre 1969 e 1973.

BBC News Brasil - Por que ganham força questionamentos sobre ter havido uma ditadura?

Fico - A negação de ter havido uma ditadura é simplesmente uma loucura, uma idiotice. Não sei bem como caracterizar.

O que acho mais significativo, em termos da sociedade brasileira, é que muita gente diz que, naquele tempo, as coisas eram melhores. Não negam que houve uma ditadura, ao contrário, dizem que era até melhor.

Isso acontece porque a memória que se construiu no Brasil sobre a ditadura militar não é uma memória traumática como foi, por exemplo, na Argentina. Lá, a repressão foi muito visível. Pessoas eram mortas nas ruas, havia tiroteios. Os próprios militares anunciavam que iam matar até o último comunista.

BBC News Brasil - Foi também pela escala da repressão? Na Argentina fala-se em 30 mil mortos e desaparecidos, um número muito maior que no Brasil.

Fico - Sim, também isso. Mas mesmo as pessoas que não foram afetadas viam, ouviam, liam, viam as fotografias - isso quando não esbarravam com um cadáver nos terrenos baldios. No Brasil não houve essa experiência, essa vivência da repressão política.

BBC News Brasil - Por quê? A população não ficava sabendo?

Fico - Por duas razões. Primeiro pela censura política, que foi institucionalizada após o AI-5. Foi criado um órgão secreto no gabinete do diretor geral da Polícia Federal que reunia as solicitações de diversas autoridades listando temas que deveriam ser proibidos na imprensa, as chamadas proibições determinadas. Era vetado escrever sobre confrontos entre a repressão e a chamada luta armada, que praticava as ditas ações revolucionárias.

Além da censura, havia uma propaganda política muito eficaz. O período de 1969 a 1973, que foi o auge da repressão, coincidiu com o período do chamado milagre brasileiro. O PIB cresceu em índices elevadíssimos, de 9, 10, 11% ao ano. A própria imprensa estrangeira falava em milagre brasileiro.

O governo do presidente (Emílio Garrastazu) Médici (que sucedeu Costa e Silva em 1969) fez uma enorme campanha de propaganda política na televisão que dava a impressão de que o Brasil tinha finalmente encontrado o seu destino de potência. Obras faraônicas eram feitas e a propaganda do governo vendia a imagem de um país que estava dando certo, um país que ia para a frente, "pra frente, Brasil".

Se você associa a censura vigorosa com essa propaganda política e os benefícios decorrentes do crescimento econômico, com todo mundo comprando eletrodomésticos, carros, até casa própria, essa combinação explica por que no Brasil não se construiu uma memória traumática como na Argentina. Então, aqui, muita gente hoje lembra positivamente daquela época.

BBC News Brasil - O presidente eleito defende a ditadura, o uso da tortura e exalta o general Brilhante Ustra (que chefiou o DOI-Codi). O que representa para o Brasil ter um presidente com essa postura?

Fico - Isso é expressão de uma ignorância histórica. Jair Bolsonaro e outros militares na ativa e na reserva expressam essa ignorância e essa incapacidade de compreensão.

Eu creio que, ao fim e ao cabo, essas realidades acabam se impondo. Os governos são passageiros, mas a História se solidifica ao longo de décadas, séculos.

É impossível ocultar eventos traumáticos, como o Apartheid na África do Sul, ou o nazismo na Alemanha, ou as ditaduras militares latino-americanas. Isso é apenas expressão de ignorância. Não prevalece, evidentemente, entre as pessoas que conhecem minimamente a História, e certamente não vai prevalecer com o passar do tempo.

BBC News Brasil - Mas no curto prazo o senhor acha que podemos ver iniciativas que tentem reescrever a História?

Fico - Não há a menor possibilidade de isso acontecer. Mas sim, acredito que vá haver muitas tentativas. Até pelo perfil do novo ministro da Educação (Ricardo Vélez Rodríguez) e de outros nomes indicados (para o futuro governo).

É claro que vai haver tentativas de dizer que 1964 não foi um golpe, que não houve ditadura, em torno de projetos como o Escola Sem Partido. Mas isso não vai prevalecer, é um disparate. Essas iniciativas vão ocorrer, e vão dar muito trabalho. Mas a realidade prevalece.

BBC News Brasil - Quais foram as consequências do AI-5 para o longo prazo?

Fico - O AI-5 foi uma espécie de paroxismo de uma tradição que no entanto vem de longa data, infelizmente, no Brasil. Eu a chamo de utopia autoritária. É a ideia de que o povo é despreparado. De que o Congresso Nacional é um obstáculo. E que, portanto, eventualmente seria conveniente, admissível, fazer algumas coisas fora dos parâmetros constitucionais.

Uma das frases famosas sobre o AI-5 é do Delfim Netto (então Ministro da Fazenda), que o defendeu por ter conseguido fazer uma reforma tributária que durou 25 anos. É justamente essa a perspectiva: de que eventualmente é preciso medidas autoritárias para impor decisões certas, segundo determinada elite que esteja no poder.

Isso perpassa todo o período republicano brasileiro, mas foi levado ao extremo durante as nossas duas ditaduras, o Estado Novo e a ditadura militar. E o AI-5 é o paroxismo dessa visão.

É muito ruim que essa perspectiva autoritária não tenha sido completamente dissolvida. Ela não desapareceu totalmente. E volta e meia percebemos no Brasil indícios dessa visão que busca atalhos constitucionais. Acho que isso é o que há de permanente. A ditadura não foi algo que caiu como um raio em céu azul.

BBC News Brasil - A maneira como se deu a anistia, sem punição por violações de direitos humanos, prolonga a possibilidade dessa utopia autoritária ressurgir?

Fico - Não, acho que aí há outro problema. Acho que a Lei de Anistia decorreu de duas coisas. Um, o fato de não ter havido propriamente uma grande visibilidade da repressão, e portanto não haver essa memória tão traumática; e a enorme tradição de conciliação que existe na história política brasileira. Os setores da elite, quando se veem em conflito, tendem a encontrar formas de conciliação.

Mas claro que o fato de militares e civis que praticaram violações de direitos humanos não terem sido julgados tornou a transição brasileira muito peculiar, quase que inconclusa. Tanto que o primeiro governo civil na transição para a democracia foi um antigo líder durante o regime militar, o José Sarney. Foi uma transição muito suave, amaciada. Nunca houve no Brasil uma ruptura clara com a ditadura.

 

Fonte:  Julia Dias/ BBC Brasil, publicada em 10/12/18. 

Terça, 11 Dezembro 2018 10:04

 

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Por Roberto de Barros Freire*
 

Quando se diz que tem vergonha de alguma coisa ou alguém, isso não é uma ofensa, mas sim uma declaração, porque é apenas uma manifestação dos fatos que estão na consciência daquele que assim se expressa. Nessa semana um advogado manifestou seus sentimentos e o ministro Ricardo Lewandowski considerou como crítica e o mesmo diz que foram ofensas dirigidas ao Supremo Tribunal Federal. Várias entidades afirmaram ainda que "o Supremo Tribunal Federal é a instituição garantidora das liberdades democráticas e do Estado de Direito e só aos irresponsáveis aproveita ou interessa a deterioração de sua autoridade e a sua deslegitimação social". Manifestações do corporativismo judiciário!


Se isso virar moda, ninguém mais vai poder manifestar publicamente descontentamento com as instituições. Além disso, é perfeitamente razoável sentir vergonha de ser brasileiro. Motivos para isso não faltam, e eles são inteiramente subjetivos. Quem não achou ou acha vergonhoso o aumento dado aos juízes, com exceção dos próprios? Comunicar o sentimento de embaraço a quem quer que seja não é nem pode ser um crime. Afirmar sentir vergonha de alguém ou de alguma coisa não constitui ofensa à honra objetiva, muito menos a uma instituição que não tem honra alguma, pois não é sujeito, é apenas a expressão de um eu interior que se exterioriza.


Se alguém extrapolou nesse episódio, parece-me ter sido Lewandowski, ao mobilizar a Polícia Federal para tratar de uma questiúncula que dizia respeito mais a seu ego ferido do que ao interesse público. Um juiz carrasco. Como um magistrado da mais alta corte deveria se portar com um grande, e não como alguém que revida o que considera ofensa, pois o fato de se sentir ofendido de forma alguma significa que a pessoa o ofendeu. E mesmo algumas ofensas merecem a clemência ou o perdão, e não a reles punição como reage os inferiores.


Não dá para o STF pontificar sobre a liberdade de expressão, se seus ministros não aguentam uma crítica mais veemente ou ardilosa. Que falta de argumentos e preparo para a função que exerce ao pedir para a Polícia Federal deter um cidadão em razão de ele ter uma opinião sincera e que representa parte da população brasileira, a começar pela minha própria, que me sinto profundamente envergonhado com as deliberações do STF, que privilegiam os ricos e nada assistem aos pobres. O que mais estranhamos na ordem de prisão emitida pelo juiz em questão, é ter vindo de um juiz que costuma soltar bandidos ricos ou poderosos, e lutou para ter vencimentos aumentados quando há tantos recebendo tão pouco. Lamentável!


O advogado Cristiano Caiado de Acioli pode ter sido grosseiro e inoportuno ao abordar o ministro, mas não ofendeu nem ao STF, muito menos o ministro Ricardo Lewandowski, apenas extravazou sua raiva sincera. Se o STF escutasse mais o povo e menos os ricos e poderosos, mais ao homem comum que a advogados ricos, perceberia que sua utilidade não é tão grande quanto se arroga, e que para o povo a justiça é algo para poucos e ricos, não para os muitos e para os pobres.


 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Segunda, 10 Dezembro 2018 11:16

 

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Katia Morosv Alonso¹

Entre as várias atividades que nós, professores da UFMT, desenvolvemos, uma se relaciona ao preenchimento do PIA2 . Após seu preenchimento, o documento deve ser aprovado/homologado pelas respectivas Chefias e Congregações de nossas unidades acadêmicas. Desde o ano de 2016, temos a Resolução CONSEPE/41, que nos obriga a preencher, no Sistema de Gerenciamento de Encargos – SGE, as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Mais que justo tornar público e transparente o que fazemos. Nada contra!

O problema é que, as tarefas registradas, considerando a Resolução Consepe 158/2010 que dispõe sobre nossos encargos, ultrapassam, muitas vezes, a carga horária do nosso regime de trabalho de 40 horas semanais, em dedicação exclusiva. Sobretudo, para aqueles/as que atendem aos princípios de realizar ensino, pesquisa e extensão. Claro tal situação deve ser objeto urgente de discussão/deliberação na instituição. Temos agido, no entanto, como avestruzes: ao invés de debatermos o problema para resolvê-lo, enfiamos nossas cabeças em buracos, inviabilizando a discussão (embora lenda, a história das avestruzes ilustra bem o momento que vivemos na UFMT).

Para resolver o problema, somos instados, por ordem superior, a retirar a carga horária se ultrapassarmos as referidas 40 horas de trabalho semanais, continuando, contudo, com todas elas! Como nunca foi meu caso, infiro que nas situações em que as 40 horas não são atingidas, haja orientação para “produção” de horas a mais! Desse modo, vivemos felizes com a ficção de que todos/as trabalhamos exatamente o máximo estabelecido pela carga horária oficial. Caso haja discordância em se participar da brincadeira, somos assediados: em despacho da Chefia de Gabinete/UFMT, enviado à Secretaria de Gestão de Pessoas (SGP) de 22 de novembro de 2017, relacionado ao processo 23108.916024/2017-36, quando a Direção do IE solicitou informações sobre PIAs não homologados a resposta veio em tom de ameaça – as direções deveriam enviar relação à SGP dos PIAs homologados e não homologados sob pena de “responsabilização solidária entre docente e diretor(a)” –, para daí serem abertos processos de investigação administrativa para apuração dos casos. O fato é que os PIAs que ultrapassam as 40 horas não estão sendo homologados também! Ou seja, mesmo trabalhando, bastante, estamos sujeitos a investigações administrativas! Uma instituição que tem Reitoria, Vice-Reitoria com suas respectivas assessorias, sete Pró-Reitorias e sete Secretarias, incluindo a de Gestão de Pessoas, é incapaz de produzir diagnóstico sobre a relação horas de trabalho/professor, jogando a responsabilidade do que viria a ser um posicionamento institucional acerca do caso para soluções pessoais que afetam, enormemente, as relações entre chefias imediatas e nós professores. No preenchimento dos PIAs para o semestre 2018/2, mais uma vez houve problemas. O vai e volta da submissão no sistema e a orientação para retirada de atividades/horas, caracterizando, por óbvio, dolo administrativo. Mais uma vez, em reunião com a SGP (04/12/2018) a ameça: os PIAs não adequados às 40 horas, portanto, não homologados, serão objetos de processos administrativos, inviabilizando, segundo o Secretário/SGP, nossas vidas profissionais/funcionais. Não se trata aqui, de casos em que faltem horas, mas de casos em que registrando apenas disciplinas, orientações e pesquisa são excedidas as 40 horas. Nada de comissões, de núcleos docentes estruturantes, extensão, entre outros.

Como sou incompetente para determinadas matemáticas, sugiro criação de um organismo que preencha nossos PIAs, todos tecnicamente perfeitos. Com isso, teríamos algumas horas extras para, efetivamente trabalhar, sem que a administração superior da UFMT tenha que preocupar-se com quem trabalha, principalmente, a mais na instituição, resolvendo de vez o problema de nossas atribuições docentes. Claro que cavaríamos um buraco bem fundo, mas quem se procupa com seu tamanho?

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1 Professora do DEOE/IE.

2 Para quem não conhece, PIA – Plano Individual de Atividades – é formulário eletrônico a ser preenchido, semestralmente, com nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão. O PIA seria “espelho” da resolução CONSEPE 158/2010 que regulamente as atividades antes mencionadas.