Segunda, 13 Janeiro 2020 09:50

 


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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Aldi Nestor de Souza*

 

Meses atrás aconteceu a seguinte palestra na UFMT

"Gestão de si: como afeto o mundo a minha volta quando cuido de mim."

Esse título, que nunca mais consegui esquecer, traz, a meu ver, duas palavras que são as mais graves doenças do nosso tempo.

Gestão e Mim.

E não são, na minha leitura, apenas doenças graves, são doenças que geram outras, igualmente graves, como depressão, ansiedade e empreendedorismo.

Que diabos é o MIM na fila do pão? quem é MIM? que importância tem o MIM ? Pra que serve o MIM? Que faz o MIM ? Só uma sociedade gravemente enferma perde tempo com o MIM e dá a ele uma importância que, evidentemente, não tem. MIM e nada é exatamente a mesma coisa. Dá bola pro MIM só serve pra deixar um bando de MINS com cara de quem engoliu um vereador. E, portanto, suscetível às mais corriqueiras doenças que acometem esses ansiolíticos dias.

E Gestão? Pra começar, é uma palavra completamente desnecessária. Todo mundo consegue viver sem ela numa boa. Em qualquer que seja a repartição, tem um diretor, um presidente, essas coisas. Mas gestor não existe. Gestor é um misto de nada com coisa nenhuma que só serve pra fazer o sujeito pensar que é um MIM. Além disso, Essa palavra só passou a ser usada, assim como gripe, bem recentemente, no bojo do desenvolvimento neoliberal, que pretende transformar a coletividade num bando de MINS, sisudos, isolados, doentes e "gestores de si".

A tal palestra foi proferida por uma Coach. E aí, desde esse dia, todo o tempo livre que tenho uso pra tentar descobrir o que faz um(a) coach.

Nesses recessos vadios de fim de ano, portanto, tô metido nas leituras do mundo dos coaches. Descobri hoje, mesmo sem saber ainda o que faz um coach, que existe "coach quântico" e que significa o seguinte.

"O Coaching Quântico é uma imersão em busca de você mesma(o). É uma jornada para despertar o seu potencial infinito de se realizar e obter os melhores resultados na sua Vida Pessoal e Profissional."

Uma outra definição é a seguinte:

"COACHING QUÂNTICO -
Uma Imersão para Despertar seu Potencial Evolutivo e Girar a Chave da sua Vida!"

Uma terceira definição flerta com a física quântica e um tremendo bafafá com os físicos pode ser conferido na Internet

"Por definição, coaching é uma metodologia que busca elevar a performance de um indivíduo ou grupo, atingindo os objetivos e resolvendo problemas. Já quântico é um termo que pertence a uma teoria que acredita que todos os seres humanos são formados por energia e estão conectados por meio dela. Dessa forma, o coaching quântico tem como objetivo o alinhamento energético. "

"Agora pare, pegue no bumbum
agora desce, pegue no compasso
pegue no bumbum
pegue no compasso
pegue no bumbum
pegue no compasso." É o tchan.

Descobri que vai haver um encontro em Recife, em Janeiro de 2019, sobre coaching quântico e que, dentre outras coisas, vai ensinar o seguinte:

- A voz do mentiroso:

Como identificar a voz do mentiroso que opera dentro de você e o desvia do seu propósito e de ter uma vidafeliz e abundante?

- Libertação do mentiroso:

Como se libertar do mentiroso?

- Como se transformar num Ímã:

Como atrair a abundância e saúde para a sua vida, qualificar seu relacionamento atual ou atrair um novo relacionamento, um novo emprego, uma nova viagem para um novo lugar, ou uma incrível viagem para dentro de você?

Então: O que esperar de um MIM quântico, empreendedor e GESTOR de si mesmo, além do aquecimento da indústria dos tarjas pretas, das armas, da violência, da intolerância, do terrorismo e do fascismo?


*Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de Matemática da UFMT/Cuiabá
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Sexta, 10 Janeiro 2020 12:32

 


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Fernando Nogueira de Lima*

 

Dia desses, andava eu à toa num shopping quando me vi diante do José Saramago. E, então, para não perder a oportunidade de conversar com o Nobel de literatura me dirigi até ele e manifestei esse meu desejo. Pois bem, minutos depois, confortavelmente sentado em um dos bancos espalhados naquele espaço comercial, iniciei uma agradável e instigadora conversa com o escritor português sobre o pedido de perdão da Igreja Anglicana a Charles Darwin, que se deu por ocasião da comemoração dos duzentos anos do seu nascimento.

De saída, colocando em dúvida a existência deles, afirmou que para os leitores ingênuos isso é uma boa notícia. Esclareceu que nada tem contra pedidos de perdão que, segundo ele, ocorrem quase todos os dias por uma ou outra razão. Todavia, apressou-se a colocar em dúvida sua utilidade, pontuando que mesmo se o Darwin fosse vivo e aceitasse o pedido não apagaria uma única das injustiças sofridas. Assim, o único beneficiado é mesmo a Igreja Anglicana que, sem despesas, veria aumentado seu capital de boa consciência, disse ele.

Não parou aí e lançando mão da ironia como figura de linguagem, recurso linguístico cada vez menos utilizado entre nós e quando empregado cada vez menos compreendido, disse que deveríamos agradecer o arrependimento, ainda que tardio, pois talvez estimulasse o Papa Bento XVI a também pedir perdão a Galileu Galilei e Giordano Bruno, destacando que este cristão foi caridosamente torturado até a fogueira em que foi queimado.

Distanciei-me dos seus argumentos e fiz considerações sobre o perdão na perspectiva de quem perdoa que, a meu sentir, nada tem a ver com esquecer o que se deu, e sim com deixar de sofrer ao se lembrar do ocorrido. Afirmei que perdoar alguém pós-morte ou a quem pede perdão movido pelo arrependimento, ao assumir os erros do seu proceder reconhecendo a injustiça cometida e os males dela advindos é opção para deixar a vida seguir em frente, virando páginas de um passado ruim do livro da vida, que insiste em se fazer presente.

Destaquei, também, que guardo comigo boa dose de desconfiança quanto às verdadeiras motivações para o remorso transformado, tardiamente, em ação. Pois, mesmo diante da hipótese de benefícios para a história, para a ciência, para descendentes ou para a popularização da prática do perdão, aqui e alhures, nada mais é do que uma súplica inútil. É um grito solto aos quatro ventos, porém, sem eco advindo de quem não pode mais perdoar.

Por conta de compromissos outros tivemos de suspender a conversa, convencidos de que iríamos nos encontrar outras vezes - não mais ali, para dialogarmos sobre este e outros assuntos do cotidiano da vida e sobre alguns personagens da história contemporânea. Então, antes de nos despedirmos, conclui meu raciocínio anterior dizendo que em relação a quem não tem consciência do erro cometido ou a quem não carrega culpa pela atitude perpetrada não há que se falar em perdão, e que, nesses casos, resta apenas o diálogo ou a indiferença.

Creio que você deve estar se questionando: o José Saramago? Dias desses? Como assim? Apresso-me a explicar: na verdade, estava eu no tal shopping quando vi um Sebo Cultural para onde me dirigi de imediato, e lá o olhar se direcionou para um dos livros que estavam à mostra na vitrine principal, qual seja o Caderno de José Saramago que contém os textos escritos para o seu blog, durante setembro 2008 a março de 2009. Após comprá-lo, sentei-me no banco mais próximo e vivenciei momentos de excelente leitura e de boas reflexões.

A propósito do tema daquela conversa fictícia, para os que falam que é fácil dizer que temos de perdoar, difícil é fazê-lo, eu respondo que na vida as coisas são simples, nós é que as complicamos em demasia. Parafraseando Ataulfo Alves e Mário Lago, no samba “perdão foi feito pra gente pedir”, assevero: perdão, por ser uma atitude que pressupõe uma via de mão dupla foi feito pra gente acolher e assegurar a plenitude dos benefícios atinentes, dentre eles o de viver sem mágoas e sem ressentimentos.  Em paz com os outros e consigo mesmo.

Por fim, atenho-me a reminiscências de um filme que assisti há muito tempo. Dele, recordo-me do final em que os protagonistas que vivenciavam uma separação litigiosa se encontram, por acaso, quando vinham em direções opostas pela mesma calçada. Diante um do outro, se entreolharam, e em seguida, ele ou ela – não lembro mais quem, disse: perdoe-me. Nada mais foi dito, apenas abraçaram-se carinhosamente e depois, braços dados, seguiram juntos e em paz na mesma direção. Assim terminou o filme e assim termino este texto. 

Que o Ano Novo seja tempo para viver em paz com os outros e consigo mesmo. E, quiçá, também seja tempo para declínio do antagonismo estéril e avanço do pensamento crítico, em prol do bem comum.  

 

*Fernando Nogueira de Lima é engenheiro eletricista e foi reitor da UFMT

Sexta, 10 Janeiro 2020 12:29

 

 

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Artigo enviado pelo Prof. aposentado da UFMT, Juacy da Silva

Soleimani, as manobras de Trump alarmam o Papa. No Vaticano, código vermelho Fonte: Site www.ihu.unisinos.br 06/01/2020 

AGRAVAMENTO DA CRISE NO ORIENTE MÉDIO 2020

Soleimani, as manobras de Trump alarmam o Papa. No Vaticano, código vermelho

Fonte: Site www.ihu.unisinos.br 06/01/2020 

Soleimani, as manobras de Trump alarmam o Papa. No Vaticano, código vermelho

"O assassinato do general Soleimani não ocorreu no curso de uma "ação militar normal". Foi o assassinato planejado e espetacularizado de um altíssimo expoente do Irã. Uma exposição do poder soberanista", escreve Marco Politi, vaticanista, jornalista, escritor, professor universitário, e autor do livro intitulado "A solidão de Francisco: Um Papa profético, uma Igreja na tempestade", em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 05-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

No Vaticano, código vermelho. O pontífice acompanha constantemente os eventos em curso entre Teerã e Washington. O assassinato do general Soleimani ocupa as manchetes do Osservatore Romano desde 3 de janeiro.

A escalada de violência de Donald Trump preocupa gravemente o Papa Francisco. O cardeal Peter Turkson, prefeito do dicastério para o Desenvolvimento, denuncia a incumbência de uma "espiral de vingança com todos os sinais ... de tensão e de guerra". O núncio do Vaticano no Irã enfatiza fortemente nas últimas horas um conceito básico de Francisco: "A boa política está a serviço da paz, a comunidade internacional deve se colocar a serviço da paz".

L'Avvenire, o jornal da CEI, reflete com precisão (e com maior liberdade por não ter vínculos diplomáticos) o clima que reina na comitiva papal. A eliminação do general iraniano Qassem Soleimani - escreveu em um editorial de primeira página - “é um frio assassinato … reflete a atitude incompreensível e indefensável do governo Trump, que parece agora proceder sem nenhum planejamento estratégico sério, de forma impensada, manobras impulsivas ... ".

O pontífice sempre discorda de operações militares unilaterais, disfarçadas em boas intenções, porque vê seus propósitos de poder. Em 2015, falando às Nações Unidas em Nova York, ele lembrou que "não faltam provas graves das consequências negativas das intervenções políticas e militares não coordenadas entre os membros da comunidade internacional". Foi ainda mais claro na entrevista coletiva em seu retorno da Coreia do Sul, em agosto de 2014: "Precisamos ter memória! Quantas vezes, com essa desculpa de deter o agressor injusto, as potências se apoderaram dos povos e fizeram uma verdadeira guerra de conquista! Uma única nação não pode julgar como parar um agressor injusto".

Vaticano tem uma memória longa, não raciocina seguindo a métrica dos tweets, mas das décadas. No Vaticano, lembram que João Paulo II foi contra a empreitada estadunidense no Afeganistão e, em 2003, desenvolveu todas as ações diplomáticas possíveis para impedir a invasão do Iraque defendida pelo presidente Bush e baseada em alegações totalmente falsas de posse de armas de destruição em massa por parte de Saddam Hussein. As guerras no Afeganistão e no Iraque foram um desastre para os Estados Unidos e o Oriente Médio e alimentaram poderosamente o surgimento do ISIS e uma onda sangrenta de terrorismo em todo o mundo. Os efeitos ainda são sentidos hoje.

A diplomacia do Vaticano é prudente, não alimenta ilusão sobre manobras, ataques, atentados provocados nos últimos anos pelo Irã; mas ninguém tem a menor dúvida sobre a responsabilidade de Trump nos dias de hoje de abandonar o "conflito de baixa intensidade" que opôs os iranianos aos estadunidenses (e seus respectivos aliados) nos últimos anos, provocando uma escalada de violência com resultados imprevisíveis. O assassinato do general Soleimani não ocorreu no curso de uma "ação militar normal". Foi o assassinato planejado e espetacularizado de um altíssimo expoente do Irã. Uma exposição do poder soberanista.

No Vaticano, também não esquecem a ação negativa exercida nessas décadas pela direita expansionista israelense, que no início do século (primeiro-ministro Ariel Sharon) instigou sistematicamente os líderes estadunidenses a agir contra Saddam Hussein e que, nos últimos anos, sob o governo Netanyahu - em uma mistura de fanatismo nacionalista e fundamentalista - incitou contra o Irã para eliminar qualquer contrapoder no cenário do Oriente Médio que pudesse retardar a crescente anexação de territórios palestinos.

O objetivo último de Netanyahu - a diplomacia do Vaticano registrou isso atentamente - é anexar o vale do Jordão. O editorial do Avvenire fala claramente: “Aproximar-se de um conflito aberto com o Iraque (é) um objetivo nem tão velado pelos falcões em torno de Trump ou pelos lobbies ligados aos círculos de poder mais radicais de Israel e da Arábia Saudita que influenciam o errático avançar da Casa Branca”.

Fechado no Vaticano, o Papa Francisco está medindo as palavras. Certamente abordará a questão na próxima reunião com o corpo diplomático. Mas a diferença entre a Santa Sé e Washington ampliou-se dramaticamente. O pontífice não perdoa Trump por ter se retirado do acordo com o Irã sobre a energia nuclear e por sabotá-lo abertamente, nem por ter legitimado as pretensões de anexação israelense sobre a parte oriental árabe de Jerusalém, das colinas sírias de Golã, das "colônias" implantadas ilegalmente em terras palestinas.

Francisco está alarmado com a crescente ideologia soberanista em Washington e em outros lugares. "O soberanismo é um exagero que sempre acaba mal - afirmava em agosto passado em uma entrevista ao jornal La Stampa. Leva a guerras".

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Quarta, 18 Dezembro 2019 15:22

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Por conta de recessos e de férias, este artigo deverá ser o último que produzo este ano. Deverei retomar meu grande vício – escrever – na segunda quinzena de janeiro/2020.

Em geral, em meus últimos artigos de cada ano, gosto de fazer um balanço do período vivido. Hoje, farei diferente; ou quase...

Como a cultura e os artistas brasileiros foram agredidos como raramente antes, terminarei o ano com arte, mais especificamente com dois poemas do livro “Matrioskas” (BesouroBox; Porto Alegre: 2018) de Rubermária Sperandio, uma “mineira, criada em Mato Grosso, que hoje reside no Rio”. Na UFMT, Comunicação Social foi o seu curso de graduação; no mestrado, formou-se em Mídia, Política e Cultura pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Linguagens, também da UFMT.

Da orelha de Matrioskas, consoante João Pedro Roriz, “...O livro revela a capacidade de síntese e de ação de uma feminista que, através de seus versos, devolve a humanidade à caverna ideológica que sempre habitou...”.

Ainda para Roriz, “A obra revela um talento inominável no campo social e poético. Rubermária nos conduz a um estado de desconforto imediato. Na sequência de histórias, é possível enxergar o estupro coletivo de uma menina na favela do Rio, o apartar de uma mãe das garras do marido agressivo; o planejamento do aborto consentido pela instituição familiar, a narrativa sobre a fé cega confiada à Igreja e à Lei”.

A esses comentários, acrescento: os poemas de Matrioskas são engajados; nem por isso podem ser identificados como panfletos. Ao contrário, pois são textos sustentados por vários recursos que envolvem a criação poética. Deles, destaco os ricos intertextos e interdiscursos, sem contar com a capacidade de Rubermária acionar um conjunto valoroso dos processos figurativos: aliás, exigência elementar para a boa literatura.

Como se sabe, “matrioskas” – ou bonecas russas – são brinquedos tradicionais na Rússia. Em geral, elas são feitas de madeira, colocadas umas dentro das outras; somente a menor (que é sempre a última) não é oca. Importante salientar a complexidade dos motivos pintados em tais bonecas. Também vale destacar a variada personificação das bonecas; elas podem ser figuras femininas vestidas de campesinas, personagens de contos de fadas ou até líderes da antiga URSS.

Mas vejamos o primeiro dos dois poemas que destaquei para este momento: “Matrioskas” (p. 42), que dá nome ao título do livro, se propõe metaforicamente a tratar da condição feminina alhures:

Pra não romper nas nervuras,// facilitar o entalhe,// secar sem se entortar,// é preciso escolher a madeira certa.// Depois, faz-se um buraco nela.// ‘Vai doer!’// Ainda dói// o miolo estripado.// No seu oco// coloca-se a outra// feita à sua semelhança;// cópia da cópia.// Para animar mais o artesão,// cores alegres e divertidas.// Verniz contra o gelo// pra ela não desmaiar.// Assim são espalhadas pelo mundo,// em diferentes cores e fantasias.// mães e filhas, bonecas// fazendo a festa do artífice.// E lá dentro da matrioska, mulheres diminuídas.// Mas tudo tem um fim.// A última será a inteira.

O segundo poema é “Cegueira” (p. 49); seu elemento central é a força da ignorância, algo que tem crescido assustadoramente no Planeta:

A ignorância, quando nasce,// é um elefante neném// Pisa na própria tromba.// Chora a dor,// mas não sabe de onde vem.// Quando cresce, a ignorância// se torna invisível,// Um elefante trombando no outro//, acerta o pai, a mãe e o irmão com seu fusível// Chora a dor, mas não sabe de onde vem.// Os clãs em guerra.// Alvos para todos os lados.// Bala perdida na boca de neném.// Todos aterrorizados.// Submarinos invisíveis nos golfos.// Choram a dor,// mas não sabe de onde vem”.

Pois bem. Cumprimentando a excelente escritora Rubermária Sperandio, aproveito o poema acima para conclamar cada leitor a se somar na luta contra a ignorância, já tão abrangente, pois isso poderá comprometer o futuro das novas gerações, o futuro de nosso país.

Boas festas a todos e renovadas forças para 2020.  

Terça, 10 Dezembro 2019 10:06

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Para os mato-grossenses, 2019 é daqueles anos marcantes: Cuiabá, sua capital, completa 300 anos; sua universidade federal (a UFMT), 49.

Dito assim, tudo poderia ficar apenas no calor dos aplausos. Todavia, a UFMT tem buscado marcar este momento com homenagens valorizadoras da identidade do “povo cuiabano”. Assim, destaco um título já concedido e uma demanda ainda em curso na Instituição.

Em meados de novembro, o Conselho Superior da UFMT outorgou o título de Dra. “Honoris Causa” a Domingas Leonor da Silva. Hoje, dia 10/12, no Teatro Universitário, ocorre a cerimônia pública da homenagem.

No início dos anos 90, recém-chegado em Cuiabá, durante viagens a diversas cidades de MT para o compartilhamento de saberes acadêmicos e populares com trabalhadores da educação, conheci a Domingas, que simplesmente me ensinou a amar esta terra, esse povo, essa cultura.

Mas quem é Domingas?

Uma cuiabana de descendência indígena que, provavelmente num dia de sol, nascera em 1954, na Comunidade de São Gonçalo Beira Rio. Desde cedo, absorvera os saberes herdados de seus pais e avós.

Nas palavras do prof. Fernando Tadeu, relator do processo de outorga, “os saberes da Sra. Domingas Leonor sobre o modo de viver do ribeirinho, os segredos da arte em cerâmica, da culinária regional e a manifestação disso tudo em poesia garantem a preservação, transformando em arquivo vivo uma fonte de oralidade das mais preciosas”.

Em 1993, Domingas fundou o “Flor Ribeirinha”, o grupo de dança que já fez franceses, alemães, belgas, chineses e turcos assistirem ao siriri e ao cururu, duas das maiores expressões culturais de MT. Na Turquia, o grupo foi campeão mundial do Festival Internacional de Arte e Cultura.

Que honra ter podido participar também desse momento! A Dra. Domingas Leonor, agora mais do que nunca ao nosso lado, só nos enriquece, nos enche de orgulho.

Por outra sorte, o primeiro título de “Notório Saber” que já poderia ter sido concedido na UFMT, ainda se arrasta nos meandros da burocracia, que, aliás, pode estar escondendo ações (ou omissões) indevidas.

Explico: desde 2016, o professor Abel Santos Anjos Filho vem pleiteando o título de Dr. Notório Saber. Infeliz e imprudentemente, há quem lhe indique o percurso convencional para a obtenção do título de doutor.

Aqui, advirto para a possibilidade de preconceitos diante da solicitação desse colega. O convencional é para os convencionais, que são muitos. A notoriedade é para os notórios, que são poucos. Simples assim. As produções acadêmicas e artísticas do professor Abel se encaixam na notoriedade. Ademais, seu pleito é legal.

Abel pertence ao grupo dos primeiros colegas que tive no Instituto de Linguagens. De cara, passei admirá-lo como artista buscando valorizar a arte e a cultura populares de MT. Logo depois, a respeitar também sua trajetória acadêmica, pois foi ele o primeiro a levar os signos mais representativos de nossa cultura regional ao exterior.

E seu percurso artístico/acadêmico tem sido profícuo. Até o momento, são quatro livros publicados, além de diversas composições de obras musicais eruditas, sacras e populares. Do conjunto, destaco a “Sinfonia Pantaneira”, primeira obra, no mundo, para viola de cocho e orquestra.

Em 1995, Abel foi escolhido como um dos personagens do Programa “Gente que faz”, da Rede Globo/BamerindusAssim, produziu e compôs arranjos musicais de 26 CD’s sobre a cultura regional, com destaque às manifestações do cururu e siriri.

Na condição de palestrante, em 1996, foi recebido pelas universidades portuguesas do Porto, Aveiro e Évora. Em Paris, apresentou-se a um grupo de Etnomusicólogos da Sorbonne.

Lá mesmo, um ano depois, no “Musée de L’Homme”, mas na condição de concertista, realizou um concerto-palestra na abertura da temporada de Primavera de Paris. Ao final, em nome de todos nós, presentou o museu com um exemplar da viola de cocho; faltava esse instrumento naquele espaço. Não falta mais.

Na sequência, recebeu uma bolsa de investigação científica pela Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa, o que lhe possibilitou realizar pesquisas sobre a viola de cocho em território europeu. Isso se encontra documentado no Livro/CD “Uma Melodia Histórica”, de 2002.

Portanto, após o importante “honoris causa” a Domingas Leonor, a UFMT, infelizmente, fechará 2019 com o débito do “Notório Saber” ao professor Abel.

Espero que a dívida seja reparada em 2020, estando sua importante presença na centralidade das comemorações dos 50 anos da Instituição. Assim, gostaria de vê-lo aplaudido não somente porque poderá abrilhantar – como tem feito há décadas – mais uma cerimônia da UFMT, mas porque todos os presentes terão reconhecido seu notório e notável saber.

Em tempo: o ex-reitor Paulo Speller, na cerimônia do dia 10, recebeu o título de Emérito da UFMT.

 

Quinta, 05 Dezembro 2019 10:25

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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2019 já está em sua reta final. Se me perguntarem sobre um dos sentimentos que mais experimentei durante este ano, respondo sem medo de errar: vergonha alheia; aliás, há alguns dias, a vergonha alheia tem sido acionada a cada momento, bem mais do que o esperado.

Mas por que esse sentimento tem sido tão recorrente?

Porque temos um governo de sociopatas. Até onde se pode perceber, poucos dos que nos governam conseguiriam fugir dessa triste, vergonhosa e miserável condição humana.

Antes de tudo, vale dizer, ainda que de forma mais genérica e chão possível, que a “sociopatia” refere-se ao “transtorno de personalidade que é caracterizado por um egocentrismo exacerbado, que leva a uma desconsideração em relação aos sentimentos e opiniões dos outros”.

No caso dos agentes governistas brasileiros, mais do que isso: como esse egocentrismo parece não ter o menor registro de limites, a desconsideração em pauta vai além dos “sentimentos e opiniões dos outros”: ela ignora o real concreto; ou seja, aquilo que está absolutamente posto em termos de construção histórica, de lógica, de sustentação científica etc.

Nesse sentido, nos últimos dias, o país assistiu a capítulos impensáveis para o século XXI.

Do conjunto de enunciados abusivos, começo pontuando o que permeou o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20/11.

Por “coincidência”, o novo presidente da Fundação Cultural Palmares, Sr. Sérgio Nascimento de Camargo, que assumira o cargo no dia 27/11, começou declarando que aquela comemoração, que busca reviver a luta da população negra, historicamente excluída de condições dignas de sobrevivência, bem como resguardar a cultura afro-brasileira, deveria ser abolida. Aquele senhor chegou ao sarcasmo de afirmar que a escravidão foi benéfica ao negro, pois lhe possibilitara a conquista das cotas nas universidades. Francamente.

Em uma de suas redes sociais, autoritário por excelência, dentre tantas aberrações que ali podem ser vistas, disse que “negro de esquerda é burro, é escravo”; que, em seu Face, “todo esquerdista será bloqueado; todo comentário de esquerdista será excluído. Não perca sem tempo aqui. Não sirvo capim!”.

Que ser ofensivo! Que inteligência duvidosa!

Durante minha carreira no meio acadêmico, mesmo pertencendo ao campo progressista, sempre convivi com incontáveis colegas inseridos nos quadros da direita brasileira; obviamente, via de regras, tive posturas políticas adversas a desses colegas. Contudo, o respeito mútuo sempre foi a tônica. Aliás, reconheci em diversos instantes a inteligência de muitos componentes dos quadros da direita.

Infelizmente, esse reconhecimento pelo senhor em pauta é simplesmente impossível. Nesse sentido, talvez o fato de ele não se prontificar servir capim a quem que seja se dê pela necessidade de se autoalimentar com as ervas de que dispõe. Em seu caso, qualquer distribuição de capim a outrem poderia lhe fazer falta para sua sobrevivência. Simples assim.

Além dessa figura, outras bizarrices surgiram. Destaco o novo presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), maestro Dante Mantovani, discípulo do ultraconservador Olavo de Carvalho. Além de Mantovani desconsiderar todo acúmulo científico sobre a circunferência da Terra, postura bem comum a muitos do atual governo, ele ainda consegue ligar o rock a drogas, sexo, aborto e satanismo. Para essa sua última ligação, Mantovani afirma que o próprio John Lennon disse que fizera “um pacto com o diabo”.

Pergunto: temos ou não muitos motivos para vergonha alheia sem-fim?

Quinta, 28 Novembro 2019 13:16

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

Quem mora em grandes ou  médias cidades, em regiões que possam ser atingidas por terremotos, maremotos, furacões, tornados, encostas de morros ou áreas alagadiças  como no Brasil e em vários países, onde desastres naturais ou ataques/bombardeios aéreos, como em regiões afetadas por guerras civis,  está mais do que acostumado com as sirenes de ambulância, corpo de bombeiros ou da defesa civil a qualquer hora do dia ou da noite. Isto é o que representa emergência.


A razão desses alertas é para reduzir as perdas humanas durante esses desastres e catástrofes. Mas nem sempre tais alertas tem conseguido atingir seus objetivos e cada vez mais milhares e milhares de pessoas acabam perdendo a vida ou bens materiais incalculáveis. Emergência então serve como um alerta permanente para evitar as consequências das catástrofes.


O mundo todo e não apenas alguns países estão em estado de EMERGÊNCIA CLIMÁTICA. Há mais de meio século praticamente todos os anos, milhares de cientistas vem alertando governantes, empresários e a população em geral quanto aos riscos crescentes resultantes das mudanças climáticas, decorrentes do aquecimento global, provocado por emissões crescentes de gases do tipo efeito estufa, fruto da ação humana, em certo sentido, irresponsável.


As mudanças climáticas provocam, além do aumento da temperatura média do planeta, também o aquecimento das águas e elevação do nível dos oceanos,  podendo desalojar mais de duzentos milhões de pessoas que moram em regiões próximas dos mesmos; aumentar a poluição do ar, afetando também dezenas de milhões de pessoas.


Segundo os dados dos últimos relatórios da ONU e da OMS sobre as mudanças climáticas e saúde, atualmente mais de sete milhões de pessoas morrem todos os anos em decorrência da poluição do ar. Esta já é a terceira maior causa de mortalidade no mundo.


No último relatório do Painel intergovernamental das mudanças climáticas da ONU, desta última semana de novembro de 2019, a grande maioria dos países, principalmente os integrantes do G20, responsáveis por praticamente 80% das emissões  de gases de efeito estufa não cumpriram com as metas estabelecidas no Acordo de Paris em 2015, metas essas aceitas pelos referidos países.


Além de não terem conseguido reduzir a quantidade de emissão desses gases, na contramão dos termos do referido acordo, tais emissões aumentaram em media entre 8% e 10%, colocando em risco não apenas o cumprimento das metas estabelecidas mas também a sobrevivência da espécie humana no planeta terra e  a destruição da biodiversidade.


Por outro lado, as mudanças climáticas vão impossibilitar o cumprimento dos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável, estabelecidos pela ONU e homologados por todos os países, inclusive o Brasil, tendo como horizonte temporal o ano de 2030, mesmo ano também estabelecido pelo Acordo de Paris para que o aumento da temperatura do planeta não ultrapasse 1,5 graus centígrados e a emissão de gases do tipo efeito estufa retorne aos patamares de 1990.


O Brasil, por exemplo, pouco ou quase nada tem feito, principalmente pelo governo Temer e atualmente pelo Governo Bolsonaro, para cumprir as metas estabelecidas, tendo, pelo contrário aumentado em 8% as emissões de gases efeito estufa, cujas origens são o Sistema de transporte, o parque industrial obsolete e em desacordo com as normais ambientais, o desmatamento e as queimadas em todos os biomas, principalmente na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal,  a precariedade do saneamento básico, principalmente a questão da produção e tratamento de lixo/resíduos sólidos e a falta de  coleta e tratamento de esgotos, entre outros desafios.


Esses são apenas alguns dos principais desafios que a COP 25, reunião do Clima que será realizado , sob os auspícios da ONU em Madrid, a partir da próxima semana, entre os  dias 02 e 13 de Dezembro de 2019, quando mais de 25 mil pessoas, entre representantes de governos, entidades não governamentais, empresariais, cientistas, estudiosos e ativistas contrários às mudanças climáticas e ao aquecimento global estarão debatendo o estado atual das questões ambientais e o futuro do planeta.


O Relatório do Painel intergovernamental das mudanças climáticas e os resultados de outros relatórios climáticos e do meio ambiente tanto da ONU quanto de outras organizações que tem sido divulgados são mais do que um alerta geral, chegando mesmo ao nível de indicar que estamos diante de um desastre ambiental sem precedente e cuja gravidade parece que tem sido simplesmente ignorada por governantes e empresários ao redor do mundo, muito mais preocupados com o poder, com as próximas eleições ou outras mediocridades que embasem suas ações. No caso do setor empresarial, ignoram todos os alertas quanto `a emergência climática e ambiental e se debruçam única e exclusivamente na exploração predatória dos recursos naturais, na busca do lucro imediato e na acumulação de renda, riqueza e propriedades, deixando para  o presente e para as próximas gerações um passivo ambiental impagável tanto em termos econômicos/financeiros quanto social e ambiental.


Ao assim agirem tanto governantes quanto empresários e, em certo sentido boa parte da população, agem como criminosos a quem pouco importa a sorte do planeta, das camadas mais empobrecidas, continuam insensíveis como tem acontecido com grileiros, madeireiros, latifundiários e falsos empresários que destroem as florestas ou empresas mineradoras a quem pouco importa a sorte de pessoas que perdem suas vidas e propriedades quando crimes ambientais são cometidos.


O alerta contido no  último e mais recente relatório do painel do clima diz textualmente “ nossos oceanos, nossas terras, o ar que respiramos, enfim, a humanidade inteira estão na iminência de um risco gravíssimo, ou seja, uma EMERGÊNCIA CLIMÁTICA jamais vista, se os níveis da emissão de gases tipo efeito estufa não forem reduzidos drasticamente em curto tempo, até 2030”.


As discussões na COP 25, na próxima semana em Madrid, deverão girar em torno de alguns objetivos que também são os desafios mais prementes relacionados com as mudanças climáticas, cabendo destaque para: 1) Que os países, principalmente os integrantes do G20, que são responsáveis por, praticamente, 80% das emissões de gases de efeito estufa, principalmente a China, os EUA, a Índia, a Rússia, o Brasil, o Japão e alguns países da União Europeia; cumpram com os termos do ACORDO DE PARIS, de 2015 e as resoluções da COP 24, de 2018 na Polônia, para que o aumento da temperatura do planeta não exceda 1,5 graus centigrados até 2050.


Tanto no acordo de Paris quanto na COP 24, vários compromissos foram firmados por todos os países no sentido de que até 2020 e depois até 2030, todos os países reduzissem/ reduzam as emissões de gases de efeito estufa. No entanto, tais compromissos foram e continuam simplesmente ignorados e o volume das emissões aumentaram e continuam aumentando significativamente.


2) Que todos os países signatários do ACORDO DE PARIS e das resoluções da COP 24 cumpram integral, fielmente e imediatamente com seus compromissos, para que as metas relativas `as emissões de gases efeito estufa sejam cumpridas de fato.


3) Que o Mercado de carbono como aprovado na COP 24 seja uma das prioridades nas discussões da COP 25 e que os mecanismos de redução das emissões sejam efetivamente colocados em vigor.


4) Que a questão do acesso aos mecanismos de mitigação das perdas e danos estabelecido no Acordo de Warsóvia em 2013, associados aos impactos que as mudanças climáticas tem provocado nos países subdesenvolvidos e emergentes seja debatida e aprofundada, estabelecendo as bases de ação em relação a tais perdas e danos ambientais, econômicos e sociais.


5) A imperiosa necessidade do avanço das discussões e negociações quanto aos fundos e recursos financeiros que os países desenvolvidos se comprometeram a repassar aos países subdesenvolvidos e emergentes, para implementarem ações de combate `as mudanças climáticas, o chamada Fundo Verde do Clima.


Ainda no contexto das discussões a serem travadas na COP 25, temas como produção e consumo sustentáveis; a economia circular, reciclagem, logística reversa, redução do desperdício, redução da produção, tratamento e destino do lixo , agroecologia, a agricultura urbana e periurbana, o reflorestamento, cidades sustentáveis, substituição das matrizes energética e elétrica que atualmente usam combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) por energias limpas e alternativas como energia solar, eólica, biomassa; eficiência energética; ampliação e modernização do Sistema de transporte público de massa,  de qualidade em substituição ao uso de transporte individual por carros e outros veículos movidos a combustíveis fósseis (gasolina e óleo diesel).


Outro aspecto que começa a ganhar corpo nessas discussões é a questão de um imposto sobre danos ambientais e poluição a ser cobrado de todos os setores e agentes poluidores e que degradam o meio ambiente, incluindo frota de veículos,  fábricas, mineradoras, ou seja, a ideia é que quem polui e degrada o meio ambiente deve pagar pela poluição e degradação provocada e não deixar a conta para o público em geral ou as futuras gerações.

A lógica atual da privatização lucro e a socialização das perdas, em todos os setores, mas principalmente em relação ao meio ambiente é danosa à sociedade em geral e aos cidadãos em particular e incentiva práticas degradadoras.


Esta lógica perversa precisa acabar e em seu lugar estabelecer ônus a quem não respeita o meio ambiente e pensa apenas no lucro imediato.

Enfim, mais uma vez, como em anos anteriores, o mundo estará sendo confrontado com desafios que não podem ser postergados e muito menos ignorados como tem acontecido até o momento. Este é o sentido do ativismo ambiental que temos visto crescer de forma significativa mundo afora e que precisa ser também estimulado no Brasil, antes que seja tarde demais!


Para que esta EMERGÊNCIA CLIMÁTICA seja enfrentada o ativismo ambiental, a luta em defesa do planeta, o compromisso de que as futuras gerações possam exercer o direito a um meio ambiente saudável, menos poluído é mais do que imperativo, é uma luta em defesa da vida, um direito humano fundamental de todos os seres humanos.


Existe um proverbio que afirma “quem não luta em defesa da vida não é digno/digna de vive-la”, ou seja, não podemos ser meros expectadores passivos do que acontece no mundo, a começar pelo que acontece a nossa volta, em nossa vizinhança, nossa comunidade, nossa cidade, nosso Estado, nosso país. Devemos “pensar globalmente e agirmos localmente”.


Precisamos lutar para que a questão das mudanças climáticas, enfim, o meio ambiente ou o que o Papa Francisco tanto enfatiza como a Ecologia Integral, faça parte das  discussões públicas, da agenda pública nacional, estadual e municipal, principalmente, no caso do Brasil, que em 2020 estarão sendo realizadas eleições municipais, base de todas as nossas ações.


Não  podemos continuar assistindo passivamente a tanta mediocridade, ou planos de governo que pouco ou nada apresentem em termos de propostas relativas ao meio ambiente.


Precisamos urgentemente de uma politica de meio ambiente e de um Plano Nacional, Planos Estaduais e Planos  Municipais de meio ambiente, com o estabelecimento de objetivos, metas, indicadores, recursos a serem investidos nesta área, mecanismos de articulação das ações governamentais em todos os níveis de poder e mecanismos de controle e avaliação dos resultados. Sem isso estaremos perdendo o bonde da história e colhendo apenas os resultados negativos que esta omissão produz.


Discursos vazios, demagogia ou obscurantismo ambiental não podem continuar como práticas de governantes e empresários que simplesmente ignoram a degradação ambiental, crimes ambientais e o future do planeta.


Só assim estaremos combatendo as mudanças climáticas e salvando nosso planeta de uma destruição sem volta.


*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy

 

Quarta, 27 Novembro 2019 15:57

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Quem nunca “deu uma de médico”, receitando “remediozinho” a alguém, ou nunca armou alguma loucura, geralmente bem pensada, que atire uma pedra. Por isso, poucas expressões da língua portuguesa abarcam mais o povo brasileiro do que a conhecida “De médico e louco, todo mundo tem um pouco”.

Mas o que pode acontecer quando extrapolamos os limites daquele “...um pouco” dessa expressão idiomática?

Muitas e impensáveis coisas; e é disso que trato aqui. Para tanto, lançarei mão da entrevista do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao Jornal da Cidade, concedida no dia 22/11/19.

Desde que assumiu o MEC, buscando combater “as ideologias” advindas do “marxismo cultural”, Weintraub tem dito inúmeras inverdades. Todavia, na entrevista em questão, ele passou dos limites; fez afirmações inimagináveis, tentando macular as universidades federais.

Após acusações tão graves, ações judiciais serão movidas pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior e pelo Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior. As duas entidades terão como sustentação de suas ações justamente a entrevista em pauta.

Mas o que Weintraub disse que provocou tanta indignação, se dizer tolices já é marca registrada de sua atuação no MEC?

Começou afirmando que a autonomia das universidades (garantida pelo Art. 207/ CF) transfigurou-se em soberania; por isso, pasmem, para ele, “em algumas federais”, podem ser encontradas “...plantações extensivas de maconha, a ponto de (se) ter borrifador de agrotóxico...”.

Diante de afirmação tão grave quanto leviana, o ministro passa a ser, legalmente, obrigado a apontar onde há essas plantações; ou o ministro indica os locais e apresenta provas ou incorre em crime, pois a um servidor público não é permitido omitir informações, quando as detém. E não vale “plantar” provas contra a vítima. Isso é bem comum no Brasil.

Mas Weintraub disse mais: “Você pega laboratórios de Química – uma Faculdade de Química não era um centro de doutrinação – desenvolvendo drogas sintéticas, metanfetamina, e a polícia não pode entrar nos ‘campi’. O desafio é esse. Foi criada uma estrutura muito bem pensada durante muito tempo”.

Que afirmação gravíssima! Que erro grotesco dizer que a polícia não pode entrar nos campi! A Polícia Federal pode. As outras, constitucionalmente, não.

Agora, o ministro também terá de dizer quais laboratórios estão “desenvolvendo drogas sintéticas”.

Diante dessas duas afirmações, Weintraub sugere – de forma genérica – saber de ilícitos, além de, subjetivamente, comparar as universidades a espaços sociais de alta criminalidade.

Quanto ódio! Quanto despreparo para um cargo! Quanta humilhação para um país!

Até quando?

O MEC nunca desceu tanto de nível. Nessa descida, o ministro ainda afirma que as federais “são madraças de doutrinação”.

Com essa expressão, a um só tempo, Weintraub ofende a comunidade acadêmica e a fé muçulmana, pois “madraças” são escolas muçulmanas ou casas de estudos islâmicos.

Todavia, mesmo sem nível algum, o ministro segue fazendo campanha para difamar um dos mais importantes patrimônios (materiais e imateriais) de nosso país, que é o conjunto de nossas federais.

Com essa postura, Weintraub encerrou a entrevista, dizendo que, nas federais, quanto mais se adentra mais se “conhece”; que, depois de “cada enxadada é uma minhoca”.

Perplexo, afirmo: a permanecer esse ministro no MEC, com tantas minhocas na cabeça, a educação brasileira ruma ao fundo do poço; e muito velozmente... 

Terça, 26 Novembro 2019 13:18

 

 

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JUACY DA SILVA*

Costuma-se dizer que para resolver qualquer problema, primeiro a gente tem que aceitar/constatar que o problema existe, depois analisar detalhadamente suas origens, consequências, gravidade e, só então, estaremos em condições de planejar as ações para o seu enfrentamento, sob pena de, se assim não agirmos, estarmos imitando o avestruz e  a ema, que, ao perceberem um perigo `a vista, procuram o primeiro buraco e enfia a cabeça dentro, na ilusão de que, ao ignorar o problema estarão a salvo do mesmo e de suas consequências.

Desde o final dos anos cinquenta, tanto nos EUA quanto na Europa e em outros países, estudiosos, pesquisadores e cientistas vem alertando governos nacionais, setor empresarial, lideranças em geral e a população como um todo que o modelo de desenvolvimento e de crescimento econômico em curso desde o inicio da revolução industrial há praticamente dois séculos, não tem levado em consideração a capacidade de suporte do planeta terra e que na esteira deste modelo, que produz lucro e acumulação de  capital, renda, riquezas em poucas mãos, em detrimento da grande maioria da população que continua `a margem deste processo, vivendo na pobreza, na miséria e em precárias condições de vida, está também deixando um grande passivo ambiental.

O problema ambiental a nível mundial e, em maior ou menor grau em cada país, é agravado de forma direta ou indireta por alguns outros fatores como aumento global da população mundial, aumento da urbanização, aumento do consumo e do consumismo e do desperdício.

Este passivo ambiental é representado pelo uso e abuso de combustíveis fósseis, destruição das florestas, principalmente das florestas tropicais, em que a Amazônia pode ser considerada a “bola da vez”, após o desmatamento desenfreado na Ásia, África, Europa, Américas do Sul, do Norte e Central e tudo leva a crer que, a continuar neste ritmo dentro de poucas décadas não apenas a Amazônia brasileira, mas toda a Pan-Amazônia poderá se transformar em uma grande estepe ou mesmo um deserto, com a degradação dos solos, a desertificação, contaminação e assoreamento dos cursos d’água e até mesmo a morte de rios e córregos, inviabilizando a “galinha dos ovos de ouro” que é o agronegócio nesta vasta região e outras do Brasil e de outros países.

Ao par do uso indevido dos solos e também a construção de grandes barragens e atividades mineradoras, incluindo garimpos ilegais, não apenas na Amazônia, mas praticamente em todas as regiões do Brasil e de diversos países sul americanos, africanos, Austrália e Europa, estamos assistindo uma teimosia em manter a mesma matriz energética suja e altamente poluidora, que de forma direta contribui para as mudanças climáticas.

Em recente relatório para ajudar nas discussões da reunião do clima, a COP 25, que inicialmente deveria ser realizada no Brasil, mas que ante a decisão do governo Bolsonaro em desistir de tal evento, o mesmo foi transferido para o Chile e, diante do clima de violência social e politica naquele país, foi transferida para Madrid, o referido relatório destaca que a maioria dos países, principalmente os integrantes do G20, estão aquém das metas estabelecidas e aceitas como compromisso de todos os países signatários do ACORDO DE PARIS, em que todos os países se comprometeram a implementar ações para que o nível de aquecimento global, que é o principal fator das mudanças climáticas, não ultrapasse 1,5 graus do considerado aceitável, em relação ao que foi constatado no inicio da revolução industrial, sob pena de que essas mudanças climáticas contribuam para o aumento dos desastres naturais, como tempestades, maremotos, furacões, estiagens prolongadas, aumento do nível do mar e da temperatura dos oceanos.
 
Aqui cabe o destaque que a COP 25, será realizada nas duas primeiras  semanas de dezembro próximo em Madrid, quando são esperadas discussões muito acirradas em torno dos compromissos assumidos pelos países , cujas metas não estão sendo cumpridas.

No referido relatório é dito com todas as letras que a grande maioria dos países do G20, que são responsáveis por mais de 80% de toda a poluição/degradação do planeta, incluindo o Brasil, não apenas deixaram de cumprir com as metas estabelecidas mas também aumentaram os níveis de emissão de gases de efeito estufa, principalmente gás carbônico, metano e outros mais que afetam não apenas a atmosfera mas trazem consequências muito sérias para a saúde da população, com aumento da mortalidade.

Só a poluição do ar, afora outras formas de poluição e degradação, ambiental é responsável pela morte de mais de CINCO MILHÕES de pessoas a cada ano, podendo ser considerado a terceira causa de morte no mundo, atrás apenas das doenças cardiovasculares e dos diversos tipos de câncer. Estudos da Organização Mundial de Saúde recentes tem demonstrado uma correlação positiva, ou seja, contribuem para o aumento de diversas doenças, principalmente doenças pulmonares em crianças e idosos. Isto pode ser observado com o aumento de procura de atendimento medico/ambulatorial/hospitalar durante o período das internas queimadas que ocorreram na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e nos demais estados e também áreas urbanas no Brasil. No caso de idosos, constata-se também que as mudanças climáticas tem contribuído para o aumento da incidência dos vários tipos de demência e outras consequências mais.

Recentemente veio a público uma matéria em que as 20 maiores empresas ligadas ao ramo do petróleo, incluindo a Petrobrás que é a vigésima neste ranking mundial, contribuem sobremaneira para a emissão de gases tóxicos, não apenas nas operações de extração e refino, mas também no uso de combustíveis fósseis nas indústrias e nos sistemas de transporte e na geração de eletricidade.

Na mesma matéria foi dito que as três maiores empresas petrolíferas que mais poluem, em 2017 gastaram mais de US$200 milhões de dólares para tentar massificar junto à opinião a ideia de que contribuem para o desenvolvimento, nada falando sobre as consequências negativas do uso de combustíveis fósseis, pelo contrário boicotando, através de “lobby’ junto a setores governamentais o desenvolvimento de fontes alternativas como a energia solar e eólica.

Aqui mesmo no Brasil, vemos uma grande euforia quanto à exploração do petróleo do pré-sal e, ao mesmo tempo, um esforço do organismo regulador do setor energético em solapar a expansão do setor da energia solar, retirando o subsídio deste setor e mantendo subsídios, pouco transparentes, para tantos outros setores, inclusive de geração e distribuição de energia elétrica, na contramão do despertar mundial para a substituição de fontes de combustíveis fósseis por combustíveis limpos e renováveis nas matrizes energética e elétrica de nosso país.

Existe um acordo tácito entre os países, mas boa parte deste acordo não passa de letra morta, principalmente entre os países que estão no topo da lista dos grandes poluidores mundiais, a começar pela China, Estados Unidos, Índia, Brasil, Rússia, Japão, Coréia do Sul e mesmo a União Europeia como um todo, apesar dos esforços de alguns países como Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Espanha e uns poucos mais. Este acordo é no sentido de reduzir e dentro de algumas décadas acabar com o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), substituindo esta fonte poluidora por fontes alternativas e limpas, como energia solar, eólica, biomassa, nuclear, hidrogênio, ao lado de transformações tecnológicas que facilitem maior eficiência energética, com ganhos de produtividade econômica e a a redução do consumo per capita de energia.

Isto significa também, por outro lado, a busca de um novo modelo de economia como o que o Papa Francisco e diversos economistas e pesquisadores mundiais tem denominado de UMA NOVA ECONOMIA e também em certo sentido, a chamada economia circular. Enquanto a primeira induz a discussão quanto à repartição dos frutos do desenvolvimento e do crescimento econômico, a segunda chama a atenção para a necessidade de ampliar o uso útil dos fatores de produção e também dos produtos em si, reduzindo, drasticamente, o desperdício global.

Outro aspecto que vem chamando a atenção nesta equação climática é a questão do desperdício, em todas as esferas da atividades humana. O desperdício, que em alguns setores chega em torno de 30% de tudo o que é produzido, como no caso dos alimentos ou também no uso da água, tanto para consumo doméstico quanto comercial, industrial, na agropecuária e outros setores mais, representa uma pressão crescente sobre o meio ambiente, comprometendo as futuras gerações.

Uma questão que também tem chamado a atenção mundial é o uso de plásticos, criando o que podemos denominar de sociedade do descartável, contribuindo para o aumento deste tipo de lixo tão pernicioso para o planeta, para a poluição dos oceanos, rios, lagos, lagoas, córregos, aumentando a quantidade de lixo produzido pelos diversos países.

Além da produção de lixo em proporções alarmantes, bilhões e bilhões de toneladas a cada ano, a falta de consciência quanto ao consumismo, o desperdício e o geração de lixo, o que agrava ainda mais a situação é que a grande maioria dos países praticamente não recicla este lixo, contribuindo para mais uma forma de desperdício. Bilhões de dólares estão sendo “queimados”, enterrados ou simplesmente permanecem a céu aberto, prejudicando a qualidade do ar, os cursos d’água, afetando de forma direta a qualidade de vida e os níveis da saúde da população.

No mundo, por ano, são produzidas mais de 2 bilhões de toneladas de resíduos/lixo e deste total nos países subdesenvolvidos e emergentes, onde o Brasil está incluído, apenas 2% são reciclados, este percentual chega a uma média de 15% nos países desenvolvidos, com destaque para a Alemanha onde 48% do lixo gerado é reciclado.

Analisando e observando a realidade ambiental que nos cerca, desde cada comunidade/bairro, município/condado, estados/províncias, países e regiões, percebemos que poucos países, e o Brasil não esta incluindo nesta lista, possuem planos detalhados, com objetivos, metas, prazos, recursos e ações articuladas para enfrentar os desafios ambientais. A questão ambiental, por mais que diversos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, direta ou indiretamente, nos remeta a esta questão, não fazem parte das politicas, estratégias e planos dos diversos níveis de governo e nem fazem parte das prioridades de governantes, nem de empresários e lideranças politicas e da sociedade em geral, isto, com raríssimas exceções.

No Brasil, por exemplo, mesmo ante o aumento do desmatamento e das queimadas, não apenas na Amazônia, mas também no Cerrado, no Pantanal e em todos os demais biomas, basta ouvirmos, lermos ou assistirmos as declarações de nossos governantes federais, estaduais e municipais , nas três esferas de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário ou mesmo de organismos de controle como Ministérios Públicos Federal e Estaduais, pouca coisa vamos encontrar em termos de ação efetiva. Por exemplo, os níveis de emissão de gases tóxicos na atmosfera no caso do Brasil nos últimos 3 anos teve um aumento de 8%, conforme o relatório recente da organização Transparência Climática.

Muitos de nossos governantes e lideranças empresariais e politicas resistem `a ideia e ao fato de que estamos diante de uma EMERGÊNCIA CLIMÁTICA, que as mudanças climáticas não são meras invenções ideológicas de alguns setores e países, que querem atrapalhar o desenvolvimento de outros e, como consequência não as consideram como prioridades quando das decisões politicas ou empresariais e destinação dos recursos orçamentários correspondentes.

Por exemplo, no atual governo federal e diversos governos estaduais e municipais, a questão ambiental passa ao largo das suas preocupações, variando entre a omissão, conivência até a distorção dos fatos, como vemos com frequência nas narrativas e pronunciamentos oficiais.

Os organismos ambientais no Brasil tanto em relação ao Governo Federal quanto estaduais e municipais encontram-se totalmente sucateados, com quadros técnicos muito aquém desses desafios e das ações que dos mesmos são esperadas, seja no que tange `a prevenção, educação ambiental ou fiscalização e controle.

Basta vermos a quantas andam os investimentos em saneamento básico no Brasil, uma vergonha nacional, pois em torno de 100 milhões de habitantes não tem sequer coleta de esgotos, obrigando que toda forma de dejetos sejam lançados nas ruas, valas, valões, córregos e outros cursos d’água, como acontece em Cuiabá e Várzea Grande, o maior aglomerado urbano de Mato Grosso, com mais de um milhão de habitantes, cujos córregos de há muito foram transformados em esgotos a céu aberto, contribuindo para a progressiva morte do Rio Cuiabá e do Pantanal, como aconteceu com os Rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros em São Paulo, a Baixada Santista, a Baia da Guanabara e outras localidades mais.

Apesar de constar no Orçamento Geral da União em 2017 o compromisso de investimento na ordem de R$20 bilhões de reais em saneamento básico, apenas R$9 bilhões foram gastos. Tomando-se a média dos investimentos neste setor nos últimos dez anos, pode-se concluir que serão necessários mais de 80 anos para que ocorra a universalização de esgotos tratados no Brasil. Diante do corte dos gastos públicos em geral, sob a ótica exclusiva do equilíbrio das contas públicas, com certeza, isto só vai ser realizado dentro de mais de cem anos.

Na Região Norte apenas 10,24% da população tem acesso a esgotamento sanitário, no Nordeste chega a 26,87%, no Sul 43,93%; no Centro Oeste 53,88% e no Sudeste a 78,56%. Há mais de três décadas um estudo sobre a realidade do saneamento básico no Brasil demonstrava que para universalizar este serviço essencial para a saúde publica e para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira, principalmente das camadas excluídas, que representam mais de 80% da população que não tem saneamento básico, seriam necessários mais de R$580 bilhões de reais em um prazo de dez anos, ou seja, quase R$60 bilhões de reais por ano, incluindo dotações orçamentárias dos governos federal, estaduais e municipais.
 
Conforme pesquisa realizada pelo Instituto Trata Brasil e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), num ranking de 200 países, realizado em 2011, o Brasil se encontra na 112ª posição, atrás de nações do norte da África, do Oriente Médio e de alguns países da América do Sul. Passados quase dez anos deste relatório, esta situação praticamente é a mesma, o que não deixa de ser uma VERGONHA NACIONAL.

Em 2017, de acordo com dados do Instituto Trata Brasil, o volume de esgoto não tratado lançado na natureza, vale dizer, ruas, avenidas, córregos, valas, valões, rios, manguezais, pantanal, lagos, lagoas e no oceano foi de 14,06 bilhões de litros de dejetos, pela falta de coleta e tratamento de esgotos.

Tendo em vista que nossos governantes, nossos empresários, nossos políticos, enfim, os marajás da República e donos do poder não vivem em favelas, áreas de invasão ou de loteamentos clandestinos, enfim, nas regiões periféricas das cidades, a eles pouco importa se milhões de famílias, inclusive crianças, convivem com o lixo , o esgoto e todos os tipos de dejetos e animais peçonhentos.

Existe uma máxima que diz “politico não investe em esgoto porque tal obra fica debaixo da terra e ninguém vê”, pois na verdade políticos gostam mesmo é de colocar placas anunciando obras, muitas das quais faraônicas, dezenas de milhares super faturadas e inacabadas, paralisadas como as do VLT ou do Hospital Universitário, em Cuiabá e em muitas outras cidades e estados. Afora a corrupção em torno das quais muito dinheiro público, bilhões de reais que poderiam resolver ou minimizar a degradação ambiental foram surrupiados dos cofres públicos ou utilizados de forma pouco eficiência, eficaz e transparente.

Por exemplo, apenas nas obras inacabadas do VLT entre Cuiabá e Várzea Grande, no elefante branco denominado Arena Pantanal e que antes era um estádio de futebol que se chamava José Fragelli, foram gastos mais de R$1,5 bilhões de reais, importância esta que se não universalizasse a coleta e tratamento de esgotos em Cuiabá e Várzea Grande, representaria um avanço considerável neste setor.

Assim, sem sombra de dúvida, faltam tanto à nossa população, mas principalmente aos nossos governantes, nossos empresários e demais lideranças politicas e sociais (do terceiro setor) o despertar da consciência quanto `a gravidade da degradação ambiental, principalmente das mudanças climáticas, não apenas o despertar da consciência, mas acima de tudo a falta de responsabilidade para darmos um salto qualitativo, que represente uma mudança radical de paradigma na forma como a questão ambiental deva ser tratada, antes que o desastre seja maior , com graves consequências para o país, não apenas afetando seriamente as atuais gerações, mas principalmente as gerações futuras que irão pagar a conta por esta omissão, irresponsabilidade e obscurantismo quando questões graves são negligenciadas.

Dentro de um ano serão realizadas eleições municipais, quando mais de 5 mil prefeitos  e mais de 65 mil vereadores serão escolhidos, dentre mais de três ou quatro centenas de milhares de candidatos, para darem um novo rumo na definição e implementação de politicas públicas.  Creio que estamos exatamente no momento em que essas questões devam fazer parte não apenas dos famosos “planos de governo”, mas também da agenda das discussões públicas, a partir de agora.

A questão ambiental, em todas as suas variantes, como saneamento básico, desmatamento, queimadas, poluição do ar, poluição urbana e rural,  degradação dos solos, reflorestamento/florestas plantadas, desperdício, segurança alimentar, geração , cuidados e destinação de todos os tipos de lixos, reciclagem, economia circular, agroecologia, agricultura urbana e periurbana, uso de energias alternativas, com destaque para o aumento de geração e uso de energia solar, eólica e biomassa.

Enfim, é fundamental que a questão ambiental seja, de fato, uma prioridade nessas eleições municipais. Se isto não acontecer, se questões de fundo, importantes forem substituídas por acirramento ideológico, intolerância e outras narrativas que atendem aos que pretendem apenas disseminar ódio, intolerância, fanatismo e violência, estaremos perdendo  novamente o “bonde da história” e isto vai se refletir nas eleições gerais de 2020, quando o desastre e retrocesso politico, social e ambiental poderão ser maiores e estaremos cada vez mais longe da sustentabilidade, tão preconizada na Agenda 2030.

Apenas para reforçar o argumento e a importância para que a questão ambiental seja encarada de frente pelos atuais e futuros governantes municipais, estaduais e federais, dados do IBGE, do Instituto Trata Brasil e da Associação das Empresas que atuam no setor demonstram que esta realidade é vergonhosa.

Vejamos o que consta do documento que embasou a definição do marco regulatório desta área: “A tramitação do texto levantou uma discussão sobre as deficiências do Brasil na área: o país tem 57 milhões de residências sem acesso à rede de esgoto, 24 milhões sem água encanada e 15 milhões sem coleta de lixo, de acordo com os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2018, do IBGE. Estudos mostram que essa insuficiência de saneamento pode ter impactos na saúde, na educação e no mercado de trabalho”. Com certeza nesses números não estão incluídos os donos do poder, esta é a realidade de milhões de pobres e excluídos do Brasil.

Não podemos deixar que a incompetência, o descaso, a insensibilidade, a falta de consciência e de responsabilidade de nossos governantes e empresários sejam os pilares da gestão pública e da economia, principalmente quando se tratar da degradação ambiental, das mudanças climáticas e dos desafios que daí surgem.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação.Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy Blog www.professorjuacy.blogspot.com

 

Sexta, 22 Novembro 2019 12:42

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Roberto de Barros Freire*
 

Confesso que sinto vergonha das nossas autoridades políticas, jurídicas e governamentais. Todos bem pouco republicanos; se são, não parecem honestos. Dá vergonha assistir aos votos duvidosos dos ministros do STF, seja monocromático, seja colegiado: é difícil saber o que é pior. Dá ânsia ver determinados procedimentos presidenciais rústicos e mal-educados. É triste ver o congresso deliberando, principalmente a seu favor ou a favor dos políticos. É vergonhoso ver os presidentes desses poderes viajando pelo mundo às nossas custas e no interesse pessoal deles próprios, não da república ou da população.


Juízes que deveriam ser discretos, são tagarelas, e não resistem a uma câmera de televisão. Os políticos, mais preocupados com seus interesses próprios do que com os interesses nacionais, que por sinal poucos deles conhecem, usam das verbas públicas para interesses privados, e faz da política um empreendimento econômico. Obrigam a sociedade civil financiar suas atividades privadas partidárias. Como igreja e time de futebol, devem buscar seus financiadores entre seus adeptos e seguidores. Assim como não pode o Estado financiar clubes esportivos ou igrejas, também não pode, nem deve, financiar a política, que deve se autofinanciar, como igrejas e clubes esportivos. Como eles, são associações livres e voluntárias de cidadãos que comungam do mesmo interesse comum, mas não podem obrigar o resto da sociedade a financiar as atividades políticas partidárias.


É vergonhoso termos vários ex-governadores presos, um ex-presidente ex-presidiário, vários políticos presos ou processados. É vergonhoso ter tantos maus exemplos nas nossas autoridades, e poucos bons exemplos a serem imitados. Aliás, bons exemplos são raros no Brasil, e mesmo esses ocorrem ou nas artes ou no esporte. Na política e na cidadania são desconhecidos. Se buscarmos heróis, veremos que nossa galeria além de pequena, é também duvidosa. Não ponho a mão no fogo por nenhum.


Há heróis anônimos, aqueles que sobrevivem apesar dos pesares nacionais, apesar dos políticos e dos governantes, buscando sua felicidade. Aquele honesto que sem ressentimento vai levando sua vida própria, sem esperar nada de bom, belo ou justo das autoridades. Há a grande maioria de nós que sobrevive graças aos seus elos pessoais, que garante a sobrevivência com o mínimo de ajuda mútua. Mas, esses nem são vistos ou notados, nem serão glorificados como grandes no mundo efêmero e ruidoso da internet.


O fato é que temos que contar com a sorte, pois não há competência, civilidade, republicanismo ou honestidade nas autoridades. Nossas instituições são de pouco serventia pois que falta bons cidadãos para ocupar os grandes cargos, distribuídos por critérios politiqueiros, miúdos e mesquinhos, onde a grande maioria de nós não interfere. De fato, até mesmo a nossa sociedade civil é motivo de vergonha, pois não fica indignada por sermos uma das últimas nações do mundo em nível educacional, mas fica por não ser a campeã no futebol.


Está na hora da sociedade civil tomar a direção do seu destino nas mãos e cobrar das autoridades que haja como autoridades republicanas e não como autoritários monárquicos que criam privilégios de nobreza para os políticos e juízes. Se a sociedade civil não quiser continuar a ficar se envergonhando das nossas autoridades, é preciso colocá-la sobre atenta observação e controle da população.
 
*Roberto de Barros Freire

Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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