Sexta, 26 Abril 2024 10:39

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Aldi Nestor de Souza*

 

      Eu costumo desafiar os meus alunos pedindo a eles que me deem um exemplo de um posto de trabalho para o qual se exige, do trabalhador, que este saiba matemática. Ou seja, um posto de trabalho que tenha como pré requisito e como parte integrante do ofício, o saber e o manuseio com os conteúdos de  matemática. Claro que tenho a precaução de avisar-lhes que não valem os exemplos do pequeníssimo e óbvio grupo de postos de trabalhos que inclui professores de matemática, de física, etc., pesquisadores nessas áreas e afins. Também explico que me refiro a matemática básica, aquela sistematizada e ensinada nos ensinos fundamental e médio nas escolas.


    O desafio acima certa e facilmente se estende a outras áreas do conhecimento e uma forma de comprovar isso são os corriqueiros questionamentos, por parte de estudantes, de todas as áreas, que costumam perguntar “ onde vou usar isso na minha vida ou no trabalho, professor?”  ou que afirmam, ao chegar no mercado de trabalho, que grande parte do que aprenderam na escola e/ou na faculdade não é usado na empresa.

   Qualquer adolescente, ao sair do ensino médio, já se deparou com parte substancial do que a humanidade produziu, em termos de conhecimento, ao longo de milênios. Sai com noções de ciências, matemática, geografia, química, física, etc., Enfim, sai com uma bagagem intelectual que, 100 anos atrás, só cabia à “meia dúzia” de gente. No Brasil, por exemplo, 100 anos atrás, quase 70 por cento da população não sabia ler nem escrever. Há ainda milhões de estudantes que ingressam nas faculdades, fazem cursos superiores, até mestrado, doutorado e especializam-se, portanto, ainda mais, em certas áreas.

  Concomitante a esse avanço na área da educação, com a universalização da escola básica, corre em sentido contrário a qualificação referente e exigida pelos postos de trabalho. Sim, com o avanço da tecnologia e da automação, os postos de trabalho tendem a ser cada vez mais simples e a exigir cada vez menos habilidade e conhecimento dos trabalhadores. Um trabalhador, por exemplo, do qual, no passado, se exigia que soubesse as quatro operações básicas da matemática, não se exige mais e tal conhecimento, para fins do trabalho, é confiado às máquinas.  O trabalhador, nesse caso, apenas aperta botões.

   Os trabalhadores hoje em dia podem mudar, sem grandes dificuldades de adaptação e aprendizagem, de um posto de trabalho para outro totalmente distinto, tanto dentro da mesma empresa, quanto em empresas diferentes. Um vendedor vira supervisor, vira gerente, que vira recepcionista de hotel, que vira frentista de posto de gasolina, que vira auxiliar de escritório, que vira atendente de telemarketing, que vira programador de computação, que vira motorista por aplicativo, que vira auxiliar de serviços gerais, que vira representante comercial, que vira garçon, que vira dono de uma barraquinha de cachorro de quente. Na indústria de ponta, por exemplo, é abundante o número de postos de trabalho que consistem simplesmente de apertar um botão.

   Para encarar essa escalada de simplicidade dos postos de trabalho, as empresas costumam se defender e disfarçar esse descalabro atacando ideologicamente os trabalhadores e  dizendo que, com o avanço da tecnologia e as mudanças no mercado de trabalho, o que se exige hoje em dia dos trabalhadores é que eles sejam “flexíveis”, “versáteis”, que  tenham disposição para “inovar e experimentar o novo”, que “aceitem desafios”, que “vistam a camisa da empresa,” que “não sejam acomodados” e que queiram “aprender constantemente e pro resto da vida”
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   A avalanche de trabalhadores bem formados para um mercado de trabalho que não exige qualificação correspondente é tão visível que não para de ser notícia nas páginas dos jornais.  Matéria do Portal G1, na internet, de 06 de dezembro de 2019, apontou que “ o Brasil tem 18,3 milhões de pessoas que terminaram a faculdade para 14,5 milhões de ocupações com exigência de curso de Ensino Superior”.  Só aí são quase quatro milhões de pessoas bem formadas que são sujeitas a aceitar postos de trabalho que não exigem a qualificação correspondente.

   Na mesma direção e talvez como reflexo da notícia acima, pesquisa divulgada pelo Portal R7, em 23/12/2021, apontou que 51% dos motoristas por aplicativo da empresa Uber tem curso superior.   Como diz Mariano Enguita, no livro A Face Oculta da Escola: “Jovens que saem da escola com uma formação cada vez mais elevada veem-se obrigados a ocupar empregos escassamente desafiantes, se não simplesmente embrutecedores.”

   Curiosamente, e apesar de todos esses dados, há um poderoso discurso ideológico forçando as pessoas a pensarem exatamente o contrário. Isto é, de que falta mão de obra qualificada, que a escola e as universidades devem fazer reformas e se adequarem ao mercado de trabalho, que faltam profissionais capacitados para certas áreas. Ou seja, é o conhecido e velho modus operandi de culpar os trabalhadores, de pressioná-los e fazê-los reféns das empresas.

   E é um grande equívoco a escola querer regredir e se adaptar, sem nenhuma discussão ou questionamento, ao mercado de trabalho. Sim porque com a constatação de que os postos de trabalho, e não os trabalhadores, é que são desqualificados, é um erro brutal querer condenar os trabalhadores, do ponto de vista da formação, ao nível dos postos de trabalho existentes. Além disso, para trabalhos embrutecedores, que pouca capacidade cognitiva exigem, por que a escola, que avançou, deve regredir? Não é um sinal de derrota da escola, como foi notícia nos jornais, ensinar a fazer brigadeiro como sendo um “ Projeto de Vida” e de “ Empreendedorismo” para os estudantes? Não é um risco para os trabalhadores ver as escolas tirarem parte substancial do conteúdo básico universal e colocar, no lugar deles, penduricalhos para atender a sanha inconsequente do mercado de trabalho?

   É importante esclarecer que não existem reclamações atestando que os trabalhadores não conseguem ou têm dificuldades de executar as tarefas para as quais foram contratados. Não há notícias sobre isso. Por outro lado, chovem notícias de reclamações, por parte dos trabalhadores, que sofrem diariamente com assédio no ambiente de trabalho, pressão adoecedora para se cumprir metas, salários baixíssimos, ausência de direitos trabalhistas, jornadas de trabalho sem fim. Enfim, um diagnóstico que se tem do mercado de trabalho é que ele é um ambiente hostil, composto de trabalhos simples, que não exigem qualificação.

   Não seria o caso, aliás, não está passando da hora, para o bem da humanidade, de se discutir o modo de produção e distribuição de riqueza no qual estamos metidos? Discutir, por exemplo, qual o futuro que a classe trabalhadora espera para si diante de trabalhos cada vez mais estúpidos, embrutecedores e ambientes de trabalho hostis e adoecedores?  Não seria o momento de a escola e a universidade cumprirem a tarefa de questionar em vez de simplesmente resignar-se e adaptar-se?

   O desafio do início desse texto, que apresento a meus alunos, é a entrada que sempre uso para, nas aulas de matemática, discutir a sociedade e, fundamentalmente, discutir o trabalho. Eles costumam coçar a cabeça, buscar desesperadamente um exemplo e nunca acham. Afirmo, então, que muito mais difícil do que aprender as contas de matemática, que aliás qualquer computador é capaz de fazer, é entender os desdobramentos do desafio apresentado, o que ele esconde e como matemática e seus conteúdos são fundamentais para entender essa sociedade e suas as contradições.

 

*Aldi Nestor de Souza
Professor do Departamento de Matemática da UFMT, campus Cuiabá
Membro do GTPFS-Grupo de Trabalho em Política e Formação Sindical da ADUFMAT Ssind
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Quinta, 25 Abril 2024 15:34

 

 

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Juacy da Silva*

A Pastoral da Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá vai promover mais um Curso para a formação de Agentes, multiplicadores, a ser realizado nos dias 26 de Maio, 02 e 16 de Junho, no Auditório da Livraria Paulinas, no Centro de Cuiabá.

O objetivo deste curso é preparar pessoas com os fundamentos, valores, princípios da espiritualidade ecológica e da conversão ecológica para poderem atuar como equipes nas diversas paróquias e comunidades da Arquidiocese de Cuiabá a desenvolverem ações socioambientais.

O Movimento mundial Laudato Si, tem enfatizado que as ações em defesa do meio ambiente e um melhor cuidado com a Casa Comum e com a ecologia integral, devem estar fundadas, ancoradas em três pilares: Espiritualidade ecológica - Oração; Ações de sustentabilidade sociotransformadoras e Mobilização profética e que as Igrejas Cristãs, Católica e Evangélicas tem uma grande responsabilidade no enfrentamento das questões e problemas socioambientais.

O conteúdo a ser ministrado é objeto de diálogo entre os participantes inclui sínteses das principais Encíclicas do Papa Francisco, principalmente da Laudato Si, Laudate Deum, Fratelli Tutti, Espiritualidade Ecológica, Conversão Ecológica, metodologia e principais ações socioambientais de natureza transformadoras e uma síntese dos principais problemas e desafios socioambientais do Brasil, de Mato Grosso e da Baixada Cuiabana, proporcionando aos participantes conhecimento e uma mística do cuidado com a natureza e também com todas as pessoas, principalmente os pobres e excluídos, em favor dos quais a Igreja faz uma opção preferencial, por serem vítimas das estruturas que geram pobreza, miséria, fome, violência e a degradação ambiental.

O Território da Arquidiocese de Cuiabá, que tem 31 Paróquias e 410 Comunidades em diversos municípios da Baixada Cuiabana, incluindo Nobres, Rosário Oeste, Acorizal, Jangada, Cuiabá, Várzea Grande, Santo Antônio do Leverger e Barão de Melgaço, onde existem inúmeros problemas e desafios socioambientais, incluindo degradação de córregos, nascentes e o seu maior curso d’água que é o Rio Cuiabá extremamente degradado, incluindo também seu principal afluente que é o Rio Coxipó, lixo urbano, poluição, falta de arborização urbana, falta de saneamento básico, ocupação irregular do solo urbano e rural, desmatamento, queimadas, uso abusivo de agrotóxicos, mineração e garimpo irregular, precariedade de infraestrutura urbana, municípios e uma grande percentagem de população vivendo na pobreza, um dos maiores bolsões de pobreza do Estado, insegurança alimentar e muitos outros.

Dentre os Objetivos da Pastoral da Ecologia Integral podemos destacar: estimular o exercício da espiritualidade, a conversão ecológica visando um melhor cuidado com o meio ambiente, a Casa Comum, estimular mudança de hábitos, estilos de vida sustentáveis, combatendo o consumismo, o desperdício e a chamada economia do descarte; fomentar a economia solidária, a agroecologia, hortas domésticas, escolares e comunitárias, arborização urbana, a reciclagem, a economia circular, motivação para o uso de energias de fontes alternativas, como a energia solar e outros mais.

 

Um dos objetivos de maior relevância que está na mira da Pastoral é o desenvolvimento de um projeto de EDUCAÇÃO AMBIENTAL, chamado também de EDUCAÇÃO ECOLÓGICA, visando atingir crianças, adolescentes e jovens, tanto na Igreja quanto e, principalmente, nas Escolas Católicas, outras Escolas confessionais, de outras Igrejas e também Escolas públicas, visando despertar a consciência ecológica nesta população, que serão as maiores vítimas da degradação ambiental generalizada que está destruindo o Planeta, a crise climática, a destruição da biodiversidade, o uso abusivo de agrotóxico e tantos outros problemas que afetarão as próximas gerações e que estão presente nesta parte do nosso Estado que é a Baixada Cuiabana e também nos territórios das demais Dioceses de Mato Grosso, onde também espera-se que em breve possam ser organizadas pastorais ecológicas.

Para enfrentar esses problemas e desafios é fundamental que as ações da Igreja sejam pautadas por Leigos e Leigas preparados e preparadas, conscientes da responsabilidade dos cristãos com o meio ambiente, com uma base sólida tanto na Doutrina Social da Igreja quanto nos principais documentos e exortações do Papa Francisco voltados `as questões socioambientais e isto só acontece se eventos como este forem realizados de forma continuada e permanente.

De acordo com a Coordenação da referida Pastoral espera-se que cada Paróquia possa indicar duas ou três pessoas para participarem deste Curso de Formação de Agentes, Multiplicadores que, após o Curso formarão as Equipes Paroquiais para atuarem nessas localidades, seguindo a metodologia da Igreja: VER, JULGAR E AGIR, fazendo um diagnóstico da realidade socioambiental do território das paróquias, identificando os principais problemas e desafios socioambientais e definirem projetos de ação, em parceria com organismos públicos e também ONGs e outras organizações que já realizam algum tipo de ação ambiental.

Para estimular a participação neste Curso a Coordenadora da Pastoral da Ecologia, Olindina Bezerra, o Vigário Geral e orientador espiritual da referida pastoral, Pe. Deusdedit Monge de Almeida e o Arcebispo Matropolitano da Arquidiocese de Cuiabá, Dom Mário Antônio, estão mantendo contatos com padres, vigários, párocos, dirigentes de escolas católicas, religiosos, religiosas, coordenadores de outras pastorais, movimentos e organismos da Igreja para que divulguem este evento de forma ampla.

Os fundamentos que dão rumo às ações da Pastoral  são as Encíclicas Laudato Si, que no dia 24 de Maio estará completando 09 Anos de publicação, Laudate Deum, Fratelli Tutti, a Exortação Apostólica Querida Amazônia, todas que fazem parte do Magistério do Papa Francisco, que tem sido um apóstolo, verdadeiro profeta ecológico/ambientalista, impulsionando e exortando a Igreja Católica, tanto Leigos, Leigas quanto sua hierarquia eclesiástica para que também despertem para a responsabilidade de cuidarmos melhor das obras da criação, da natureza.

Este curso insere-se também no planejamento das ações não apenas da Pastoral da Ecologia da Arquidiocese de Cuiabá, com vistas ao restante deste ano de 2024 e, fundamentalmente, mirando o ano de 2025, quando alguns marcos ecológicos significativos estarão ocorrendo no Brasil, como a Campanha da Fraternidade cujo tema será “Fraternidade e Ecologia Integral”, as comemorações do décimo aniversario da publicação da Encíclica Lautado Si e a realização da COP 30, em Belém, no Estado do Pará.

Com certeza a Igreja Católica e as demais Igrejas cristãs, principalmente, começam a se preparar para participarem de forma ativa e efetiva nesses eventos, verdadeiros marcos ecológicos na história, não apenas do Brasil, mas principalmente na caminhada dos cristãos no cumprimento de suas responsabilidades no que concerne a um melhor cuidado com a Casa Comum, no processo de combate `a degradação ambiental e suas consequências, inclusive à crise/mudança climática.

O importante é “pensar globalmente e agir localmente”, de forma sociotransformadora, com coragem, comprometimento na defesa da Mãe Terra e do Bem Comum!

 

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Segunda, 22 Abril 2024 09:51

 

 

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JUACY DA SILVA*

Hoje, 22 de Abril, estamos “celebrando” , mais um DIA DA TERRA. Na verdade não temos nada a celebrar, mas sim, um dia, um momento para pararmos e refletirmos como as ações humanas, irracionais, pautadas pela ganância, pelo espírito do lucro a qualquer preço que estão destruindo a natureza e, ao mesmo tempo, vilipendiando as relações de trabalho, desrespeitando as mínimas condições que possam garantir a dignidade humana.

Desde que surgiu o DIA DA TERRA, em 1970, inúmeros eventos importantes já ocorreram tentando  estabelecer parâmetros, paradigmas mais racionais no que concerne às relações dos seres humanos com a natureza, principalmente quanto aos sistemas produtivos.

Vale a pena recordar alguns desses eventos ou marcos significativos da LUTA AMBIENTALISTA MUNDIAL tais como: 1972 – Primeira Conferência Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em Estocolmo, Suécia;  2011 – Assembleia Geral da ONU, que aprovou a Resolução 65/161, declarando a Década das Nações Unidas para a Biodiversidade, a vigorar entre 2011 e 2020, com uma série de objetivos e metas, que, para variar, como em tantos acordos e tratados internacionais e um “sem número de leis nacionais”, não saem do papel, ficam apenas no que é considerado “para inglês ver”’  e 1992, com a ECO 92, no Rio de Janeiro.

Em 2012 aconteceu outra conferência internacional a “Rio mais 20”, também no Rio de Janeiro, quando foi aprovada a CARTA DA TERRA, com inúmeros alertas e rumos a seguir se de fato desejássemos cuidar melhor do planeta; 2022 – COP 15, realizada na China e no Canadá, quando foi estabelecido o Marco Global da Biodiversidade pós 2020.

Desde 1988 quando foi realizada a primeira Conferência do Clima até atualmente, quando será realizada a 29ª COP, em novembro em Baku, no Azerbaijão, com certeza, no próximo ano quando será realizada a 30ª COP, em Belém do Pará, em pleno coração da Amazônia, um bioma em risco permanente de destruição, degradação e extinção, como já aconteceu com outro bioma que foi totalmente destruído, que é a Mata Atlântica; tem havido um “consenso”, pelo menos nas análises da realidade socioambiental global de que as emissões de gases de efeito estufa deveriam ser “neutralizadas”, consideravelmente.

Diante dessas constatações é que surgiu o Painel Intergovernamental das mudanças climáticas, articulado, criado e coordenado pela ONU, para produzir conhecimento científico sobre a realidade climática e orientar, estimular os governos nacionais, regionais e locais a agirem de forma integrada, se quisermos, de fato mudar radicalmente o rumo da historia humana no planeta terra.

Tudo isso nos leva `a necessidade de uma reflexão mais critica e profunda sobre o que estamos fazendo e que tem contribuído para esta tragédia anunciada. Se pararmos uns minutos e refletirmos podemos perceber que estamos destruindo as florestas, que, com as queimadas estão também destruindo a biodiversidade animal e vegetal; estamos destruindo os solos, contribuindo para o processo acelerado de desertificação; estamos poluindo as águas, com lixo urbano, lixo hospitalar, lixo doméstico, lixo industrial, lixo tecnológico e, pior do que tudo isso, o lixo plástico que tem transformado nossos córregos, nossos rios, nossos lagos, lagoas e, pasmem, até os mares e oceanos, em uma GRANDE LIXEIRA PLANETÁRIA.

O uso dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) como fonte SUJA de energia, inclusive para alimentar uma imensa frota de veículos, tem contribuindo para aumentar a cada dia a poluição do ar, acarretando inúmeras doenças respiratórias, tornando o ar irrespirável, principalmente nas grandes cidades, nas megalópoles, imensas áreas metropolitanas.

Nossas cidades estão cada vez mais poluídas, desnudadas, sem arborização urbana, contribuindo também para o surgimento de ondas de calor, uma das consequências mais terríveis que podem se abater sobre o planeta que é a MUDANÇA CLIMÁTICA, fruto do aquecimento global e aumento da temperatura média da terra.

O “recente” Acordo de Paris, firmado e homologado por mais de 190 países e territórios, traz um alerta de que precisamos, de maneira urgente, cuidar melhor do PLANETA TERRA, nossa CASA COMUM e, neste cuidado precisamos limitar o aumento da temperatura média da terra, tendo como referência o período pré-industrial a 1,5º graus centígrados, “podendo” chegar a no máximo a 2,0o  graus centígrados em 2050.

Todavia, as previsões de milhares de cientistas convocados pela ONU para acompanhar este processo de aquecimento global e crise climática, cujo trabalho vem sendo disponibilizado  amplamente, o chamado PAINEL INTERGOVERNAMENTAL  SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS – IPCC  está nos alertando que já estamos no limitar de romper esses limites muito antes do prazo estabelecido, anos de 2030 e de 2050.

O último relatório do IPCC, de 23 de Março de 2023, além de uma profusão de dados e informações alarmantes, destaca que “ O tempo (para agirmos) é curto, mas há um caminho a seguir para que as temperaturas médias sejam mantidas em 1,5 graus Celsius (centígrados) acima dos níveis pré-industriais (Meta do Acordo de Paris, homologada por todos os países, inclusive o Brasil), serão necessárias reduções profundas, rápidas e sustentadas das emissões de gases de efeito estufa em todos os setores (da economia e da sociedade), no decorrer desta década, para tanto, as emissões precisam cair IMEDIATAMENTE e ser cortadas quase pela metade até o ano de 2030, data limite da AGENDA DA ONU, quando foram estabelecidos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”.

O Relatório traz ainda um alerta em relação ao que JÁ ESTÁ ACONTECENDO, os danos já constatados para a saúde do planeta, que está cada ano mais doente, afetando tudo que nele existe, a biodiversidade e todas as formas de vida, inclusive a vida humana, quando “traz a tona as perdas e danos que vem sendo causados pela mudança global do clima/ CRISE CLIMÁTICA e quais tendências devem continuar no futuro. O IPCC alerta que os desastres naturais relacionados ao clima vem atingindo especialmente as pessoas mais vulneráveis e os ecossistemas mais frágeis, como manguezais, áreas costeiras e semidesérticas e (também as florestas e os oceanos, cuja temperatura da água dos mesmos também tem aumentado rapidamente), provocando inúmeros desastres naturais”

Neste mesmo sentido o Papa Francisco faz inúmeros alertas tanto nas Encíclicas Laudato Si,  Laudate Deum e também na Exortação Apostólica Querida Amazônia, esta última publicada após o encerramento do Sínodo dos Bispos para a Pan Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, em que mais de 60% está em território brasileiro, também maior bacia hidrográfica do planeta cujos rios caudalosos já estão experimentando secas, que está sendo ocupada de forma desordenada, criminosa e destruída impiedosamente, seja pelo desmatamento e pelas queimadas, mas também por atividades mineradoras e de garimpo ilegal, onde o mercúrio tem sido utilizado, contaminando as águas e afetando a saúde e a vida da população em geral e os povos indígenas em particular.

Além de tudo isso, outra fonte de degradação e fator de destruição do planeta tem sido a questão dos plásticos, chegando a tal ponto que a ONU, além de dedicar o DIA DA TERRA DE 2024 à questão dos plásticos, cujo tema sintetiza de forma clara esta preocupação quando estabelece PLANETA X PLÁSTICOS e desde 2022 vem enfatizando que o mundo, os países precisam entrar em um acordo para acabar com o uso de plásticos, um sub produto do petróleo, um combustível fóssil sujo e que tanto degrada o meio ambiente.

Diversos temas já foram objeto de reflexões no DIA DA TERRA, tais como: poluição do ar, dos solos, dá água; mudanças climáticas, biodiversidade, florestas, oceanos, água, desertificação e seca, aquecimento global e camada de ozônio, resíduos sólidos, destacando o aumento da produção dos vários tipos de “lixo”: doméstico, urbano, industrial, hospitalar, tecnológico e outros mais.

Neste ano de 2024 o tema é também um tipo de lixo que está contribuindo para a degradação do planeta, que é o lixo plástico. Assim, o tema do DIA DA TERRA em 2024 é “PLANETA X PLÁSTICOS” e também uma reflexão e acompanhamento das discussões que a ONU vem coordenando visando a aprovação em 2025 de um TRATADO INTERNACIONAL para acabar com a poluição, fruto da produção e do uso de todos os tipos de plásticos.

Em 2022, na Assembleia da ONU sobre meio ambiente, realizada em Nairóbi, Quênia, o debate sobre a crise global dos plásticos conseguiu aprovar uma resolução, em que 175 países, inclusive o Brasil, um FATO HISTÓRICO SIGNIFICATIVO  na luta ambientalista mundial e nacionais em todos os países, uma Resolução para acelerar o andamento das discussões para a aprovação de um Tratado Internacional/global que possa ser aprovado no máximo até o ano de 2025.

Foi criada uma Comissão intergovernamental que está concluindo o conteúdo até dezembro deste ano (2024), em tempo de ser incluído o assunto na pauta da Assembleia Geral da ONU no próximo ano.

A meta aprovada tanto pela Assembleia do Meio Ambiente em Nairóbi, quando “trabalhada” pela comissão é conseguir reduzir em 60% a produção e o uso de plásticos no mundo até 2040.

A produção e uso de plásticos no mundo tem aumentado de forma drástica, alarmante e preocupante em relação `as suas consequências para o planeta, para a saúde humana e demais aninais, para o aumento da degradação e poluição do ar, das águas e dos solos e, também, pela contribuição para o aquecimento global e mudanças/crise climática.

Dados estatísticos de organismos nacionais e internacionais demonstram esta volúpia por plásticos que está contagiando todos os países e todos os segmentos da economia, tanto na produção quanto no consumo.

Em 1950, início da chamada “civilização dos plásticos”, o mundo produziu 2 milhões de toneladas; em 2017 este volume atingiu 348 milhões de toneladas, em 2023 chegou a 462 milhões de toneladas. As previsões indicam, se nada for feito para acabar com a produção e uso de plásticos, em 2030 serão produzidas 512 milhões de toneladas e em 2040, mais de 600 milhões de toneladas.

O problema é que 90% dos plásticos produzidos e utilizados não são reciclados e vão acabar em lixões, abandonados nas vias publicas, nos córregos, rios, lagos e acabam chegando também nos oceanos.

A situação e tão critica que recentemente o Secretario Geral da ONU, António Guterres alertou que atualmente, em algumas regiões, existem mais plásticos nos oceanos do que peixes, isto é algo extremamente preocupante e que tem merecido a atenção e alimentado a luta do movimento ambientalista mundial, no sentido tanto de um tratado internacional quanto de legislação nacional proibindo a produção e uso de plásticos, dentro de um horizonte de no máximo duas ou três décadas, antes que este problema se torne insolúvel e contribua para a destruição do planeta.

Os maiores produtores, usuários e poluidores por resíduos/lixo plástico no mundo são: China responsável por 32%; Estados Unidos por 17%; Europa 14%; África 9%. O Brasil, como país já é o quarto maior produtor e gerador de lixo plástico no mundo, portanto somos parte do problema e que precisamos agir para ser também sermos parte da solução. Este é um dos nossos grandes desafios socioambientais no momento que não pode ser ignorado. Quem sabe pode ser pauta para as discussões nessas eleições municipais e em 2026 nas eleições gerais em nosso país.

A meta de reduzir ate 2040 em torno de 60% da produção e uso de plásticos passa tanto por parte das ações governamentais no  sentido de uma legislação que proíba a produção, quanto de um amplo programa de educação ambiental para que a população deixe de usar bens plásticos e, claro, também por parte do setor produtivo para buscar soluções tecnológicas que substituam os produtos plásticos por outros que não causem tantos problemas e consequências para a população e para o planeta.

Sem esta conjugação de esforços nacionais e um tratado internacional que coloque um limite na produção e uso de plásticos, da mesma forma que outras medidas já acordadas nas Conferências do Clima e outros tratados e acordos internacionais, inclusive o abandono do uso de combustíveis fósseis, do desmatamento e degradação do uso do solo e das águas, dificilmente, o planeta vai estar em condições de manter a vida, tanto vegetal quanto animal, principalmente a vida humana a partir da década de 2050 ou 2010.

Precisamos pensar que as próximas gerações tem o direito de viverem em um planeta saudável e sustentável e perceber que a ganância humana, principalmente do setor produtivo não podem continuar com este modelo predador e destruidor como atualmente está acontecendo.

Por isso, volto a repetir a exortação do Papa Francisco, precisamos “realmar” a economia, substituir a atual economia da morte por uma economia da vida, mais solidária, com  menos concentração de renda, riqueza e propriedades, que em vez de gerar pobreza, fome, miséria, exclusão gere bem estar, inclusão e uma justa distribuição dos frutos do desenvolvimento nacional e mundial. Este é o significado quando o Papa Francisco, líder máximo da Igreja Católica no mundo diz que “os gemidos da terra são também os gemidos dos pobres”.

Neste dia  da Terra, em 2024 e nos demais dias do ano inteiro, precisamos refletir com  mais profundidade e seriedade sobre os desafios socioambientais que já estamos enfrentando e que, se não forem encarados como compromisso em defesa da vida, tanto por parte da população quanto dos governantes, a tendência é piorarem e tornarem insolúveis!

 

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Sexta, 19 Abril 2024 08:13

 


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Aldi Nestor de Souza*

 

No próximo semestre darei aulas de uma disciplina que, entre várias outras coisas, se ocupa de explicar ou fornece a teoria matemática do movimento dos robôs. Aparentemente não há nada de estranho em se fazer isso. Afinal de contas, é tarefa de qualquer disciplina repassar para as novas gerações parte do conhecimento acumulado pela humanidade. Além disso, os robôs, há muito, saíram da ficção e meteram-se na vala comum do diário. Tem robô até para passar pano no chão. Porém, há vários elementos que insistem em se apresentar, pelo menos para mim, como potenciais problemas.

Antes de entrar neles, pontuo o fato de que as disciplinas de matemática gozam do curioso prestígio de, aparentemente, poderem prescindir da realidade, de suas contradições, se esconderem tranquilamente debaixo do guarda chuvas da abstração e da “neutralidade” e se manifestarem apenas do ponto de vista teórico e “lógico”: “Um robô é feito disso, ele se movimenta assim, assim, e assado e isso se dá por isso, por isso, por isso e ponto final.”

Para começo de conversa, e já abrindo mão do sossego teórico fornecido pela disciplina, convém esclarecer qual é mesmo essa vala comum do diário na qual os robôs se meteram e que tipo de chão é esse no qual eles andam passando pano. Para essa finalidade, é sempre bom ter em mente que um robô não é um bem da natureza, tipo o ar que respiramos, mas é algo construído socialmente e apropriado privadamente. Em consequência disso, a vala comum e o chão aos quais eles servem, são selecionados pela inevitável luta de classes que, até o presente momento, definiu as sociedades.

Por falar em chão e em luta, é emblemático o caso aqui da universidade, instituição que se ocupa de ensinar o movimento dos robôs e outras diversas e avançadas formas de tecnologia, mas que tem seu chão limpo e passado o pano por mãos bem humanas, munidas de vassouras e rodos e submetidas a regimes de trabalho precários e a salários escorchantes. A sala de aula que vai servir de palco para o ensino do movimento dos robôs vai ser limpa por essas mãos. Diferentemente do ar que respiramos, a posse dos robôs é uma posse de classe.

Convém também esclarecer, na perspectiva da soberania dos povos, que moramos num país que não produz robôs. Aliás, o Brasil não produz (apesar de já ter produzido), sequer, um mísero computador. E é desconfortável constatar que esse mesmo país vê, diariamente, há séculos, sair de suas entranhas e viajar pro exterior (para os países que fazem robô), milhares e milhares de toneladas da matéria prima, dos minerais, utilizados justamente na fabricação dos robôs em particular e dos computadores em geral. O que uma universidade pública, que sem nenhum pudor ensina o movimento dos robôs, tem a ver com o destino de um país como esse? Ela pretende ensinar o movimento dos robôs para quê, exatamente?

Meses atrás o jornal O Globo publicou uma matéria, cujo título sugeria que, finalmente, o Brasil entrava como protagonista nesse mundão da tecnologia. Dizia a matéria: “Como é o supercomputador brasileiro que está entre os mais rápidos do mundo?”. Ao ler a reportagem descobri que, na verdade, o supercomputador foi apenas comprado pelo Brasil, pelo preço de 50 milhões de reais e que o mesmo foi desenvolvido e produzido na França. O supercomputador, chamado de Santos Dumont, é usado para pesquisas científicas e encontra-se abrigado no Laboratório Nacional de Computação Científica.

É também conveniente esclarecer que os trabalhadores convivem com a ameaça diária de perder seus empregos para algum tipo de tecnologia. Em particular, para os robôs. É possível, inclusive, que isso tenha ocorrido ou venha a ocorrer com algum aluno da turma da futura disciplina. E como fica uma aula sobre o movimento dos robôs nessas circunstâncias? Seja como for, as perspectivas que a disciplina apresenta são, contrariando o conforto de uma teoria fria, as do mais acirrado embate da velha e boa luta de classes e seus intermináveis desdobramentos.

Como encarar uma disciplina como essa, num país como esse, se parte dos alunos engenheiros, advogados, professores, etc, inclusive formados nessa universidade, por falta de emprego em suas áreas, tornam-se motoristas ou entregadores por aplicativos? A força da ideologia da tecnologia, sabemos bem, é muito grande. Mas ela consegue dar conta desse transbordamento de contradições?

E o que dizer, finalmente, da alta taxa de evasão nas graduações brasileiras que, somente nos cursos de Tecnologia da Informação, que ironia, segundo matéria do Jornal O Estado de São Paulo, de 8 de julho de 2023, é de quase 70%?

As contradições acima parecem tão pujantes que mesmo que a disciplina se esforce para se esquivar da realidade, não consegue. Por exemplo, como muitas vezes ocorre, a sensação de que a disciplina não passa de mera notícia de um mundo distante, de um noticiário do mundo dos impérios, apresentado a uma espécie de colônia distante, e que, em função disso, os estudantes não conseguem vislumbrar que lugar da fila do pão dos robôs eles poderão ocupar parece um inequívoco e ensurdecedor barulho dessas contradições.

Tudo isso nos leva a acreditar que, por mais festivo que seja o movimento dos robôs, por mais que a ideologia por trás deles seja poderosa e por mais que a teoria fria, pronta, inquestionável, precisa e lógica que os explica, tente se impor, a realidade insiste em se mostrar maior e indiferente a todos esses elementos. E disposta a atacar por todos os lados e a expor todas as fraturas sociais, políticas, econômicas, educacionais, etc., presentes. A matemática do movimento de um robô é a parte mais simples de todo esse processo. Entender como os robôs movem e são movidos pela sociedade é a parte mais fascinante dessa história.

*Aldi Nestor de Souza
Professor do Departamento de Matemática da UFMT-Campus Cuiabá
Membro do GTPFS, Grupo de Trabalho em Política e Formação Sindical da ADUFMAT-Ssind
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Segunda, 15 Abril 2024 08:24

 

 

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Juacy da Silva*

“Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus, quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra de suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas úmidas; quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar, tudo isso é pecado (ecológico)” Porque um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus”. Papa Francisco, Encíclica Laudato Si, 8, 2015.

Ao escrever e publicar a Encíclica Laudato Si (Louvado seja), em 24 de Maio de 2015, mesmo ano em que foi firmado o Acordo de Paris e a ONU aprovou a Agenda 2030, com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o Papa Francisco estava dirigindo suas exortações, suas preocupações quanto aos rumos do processo acelerado de destruição do Planeta Terra, não apenas aos cristãos católicos, mais de 1,6  bilhão ao redor do mundo, de quem é o líder religioso; mas também aos demais cristãos evangélicos que totalizam 800 milhões e, também, aos 1,9 bilhão de fieis mulçumanos, 1,2 bilhão de hinduístas e meio bilhão de budistas, quase um bilhão de adeptos de outras religiões, inclusive religiões de matriz Afro ou de povos tradicionais, que, da mesma forma que os cristãos creem que a natureza, a biodiversidade, enfim, todas as formas de vida animal e vegetal são Obras da Criação (de um criador) e pertencem `a humanidade como um todo e têm uma destinação universal para todas as gerações e não podem ser consideradas propriedade de uns poucos que explorem o planeta em busca do lucro imediato, ignorando os limites da natureza.

Apesar de em breve estarmos celebrando nove anos da publicação desta importante Encíclica que sintetiza a evolução e consolidação das preocupações e ações da Igreja Católica em relação ao meio ambiente, em um contexto global, daí a ênfase de que esta não é uma “Encíclica Verde”, mas uma encíclica que nos remete `a dimensão da integralidade da vida no planeta (ECOLOGIA INTEGRAL), a mesma ainda é pouco conhecida ou até mesmo DESCONHECIDA no seio da própria Igreja Católica e até mesmo rejeitada por alguns setores conservadores que julgam que a Igreja e as religiões não devem se “meter” ou se preocupar com as chamadas questões socioambientais (ecologia integral), e que a missão precípua das religiões é salvar as almas, como se nós seres humanos vivemos fora do planeta terra. Isto é uma demonstração de uma alienação profunda em relação `a dimensão teológica do que é considerado o Evangelho da Criação, muito bem refletido no Capítulo II da Encíclica Laudato Si.

Fiéis, hereges, ateus e agnósticos, enfim, pouco importa no que cremos ou deixamos de crer, somos afetados pela degradação do planeta e, lamentavelmente, para saciarmos nosso estilo de vida consumista, ganancioso e perdulário, também somos responsáveis por esta destruição da natureza e pelas consequências que daí advém para as atuais e futuras gerações.

Na Laudato Si, logo em suas páginas iniciais nos deparamos com dois pensamentos chaves do Papa Francisco, o primeiro quando ele afirma “Esta irmã (assim, como São Francisco, também Papa Francisco, considera a terra e tudo que nela existe como nossa irmã) clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nos colocou....A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado (pecado ecológico), vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos....Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada que esta “gemendo como em dores de parto....O gemido da terra é também o gemido dos pobres”

O alerta de Francisco nos impõe uma reflexão mais profunda, de maneira crítica e criadora, não apenas no sentido de nossa responsabilidade pessoal, comunitária e universal quanto `as formas como nos relacionamos com a natureza e como a ganância humana está presente na origem dos problemas que estão acarretando a destruição do planeta e de todas as formas de vida na terra, inclusive a vida humana.

Outro destaque na Laudato Si que nos chama a atenção é quando Francisco nos exorta dizendo “Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas “nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas de poder consolidadas que hoje regem as sociedades”.

Isto significa que todos os modelos econômicos, capitalistas, socialistas, comunistas ou pouco importa o nome que se lhes darmos, agem com um espírito de rapina em relação aos “recursos” da natureza e também, em relação às relações de trabalho.

Todos esses sistemas alimentam uma máquina de propaganda e marketing que estimulam o consumismo, o desperdício, a obsolescência prematura dos bens produzidos, enfim, estimulam a chamada economia da morte e do descarte, onde o que mais importa é a acumulação do capital e dos meios de produção, seja nas mãos dos barões da economia ou do Estado, quando este passa a ser o dono dos meios de produção, seja diretamente ou através de companhias estatais, que em nome da coletividade, na verdade são apropriadas pela elite política, pela classe dominante ou pelos burocratas de partidos únicos que se apropriam do Estado e dele usufruem para a criação de privilégios e mordomias, enfim, a busca doentia por lucros e privilégios cada vez maiores, em detrimento da exclusão, pobreza e fome de bilhões de pessoas ao redor do mundo.

Com certeza que o rompimento deste círculo vicioso que está colocando em risco todos os tipos de vida no planeta passa por mudanças profundas nos paradigmas econômicos, políticos e sociais, incluindo a mudança de hábitos e estilos de vida individuais, mas, principalmente, na definição de políticas públicas que promovam mudanças também profundas nos sistemas de produção e na apropriação dos meios de produção, inclusive em relação `a questão da propriedade, como bem enfatiza o Papa Francisco em outra Encíclica, a Fratelli Tutti (03/10/2020) quando afirma “O direito `a propriedade privada só pode ser considerado um direito universal secundário e derivado do princípio do destino universal dos bens criados (por Deus) e isto tem consequências muito  concretas, que se devem refletir no funcionamento da sociedade.

Na esteira desta reflexão o Papa nos exorta que “por conseguinte, ninguém pode ser excluído/excluída, não importa a nação onde tenha nascido, e, contam menos ainda os privilégios que outros possam ter por nascerem lugares com maiores possibilidades.

Para bem cuidarmos do Planeta, da biodiversidade, das águas, dos solos, dos rios, mares e oceanos, das florestas , enfim, de todas as obras da criação que estão sendo destruídas impiedosamente, precisamos de esperança e de novas utopias, para além de nosso imediatismo e ganância.

Entre essas novas utopias podemos alinhar a proposta contida na Economia de Francisco e Clara, com a ênfase de que precisamos realmar a economia, substituir a atual economia da morte por uma economia que valorize e respeite a vida; e, “pari passu” (ao mesmo tempo), precisamos também “Encantar a política”, através de uma ética do bem viver, do bem comum, do fortalecimento das Instituições democráticas que representam a garantia dos direitos humanos e também dos direitos da natureza e os direitos que as próximas gerações tem para poderem viver em um mundo socialmente mais fraterno e solidário, ecologicamente sustentável, economicamente mais igualitário e justo e politicamente mais transparente, participativo e inclusivo.

Este é o caminho que precisamos trilhar enquanto á tempo. Amanhã pode ser tarde demais. Neste contexto as religiões, as Igrejas tem um papel importante para mudar esta trajetória de destruição, sofrimento e morte!

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 


Quarta, 10 Abril 2024 17:21

 

 

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Juacy da Silva*

Na próxima semana, entre 15 e 22 de Abril, teremos quatro dias especiais para o movimento ambientalista brasileiro e mundial. Esses, da mesma forma que diversos outros ao longo do ano, são oportunidades para refletirmos com mais seriedade e de forma crítica o que estamos fazendo com o Planeta, com a mãe terra, com a nossa Casa Comum.

Assim, devemos refletir e “celebrar” em 15 de Abril o DIA NACIONAL DO SOLO, 17 de Abril o DIA NACIONAL DE LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA; 19 de Abril o DIA DOS POVOS INDÍGENAS e em 22 de Abril, o DIA DA TERRA.

Tudo isso e muito mais, nos remetem para o maior desafio que é a CRISE CLIMÁTICA, que, a persistir, estará inviabilizando a vida no planeta, todas as formas de vida, inclusive a vida humana.

É neste contexto que precisamos refletir em relação `as exortações do Papa Francisco, principalmente quando ele diz e escreve que “As mudanças climáticas são um problema global, com graves implicações  ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade”. Fonte: Papa Francisco, Encíclica Laudato Si, 25. (2015).

Desde 1989 , anualmente em 15 de Abril “comemora-se” o DIA NACIONAL DO SOLO. Esta data foi instituída em homenagem a Hugh Hammond Bennett (1881 – 1960), pioneiro americano nos estudos e pesquisas sobre a importância da conservação dos solos, como condição necessária tanto para a saúde do planeta quanto para a produção e produtividade da agricultura e da pecuária e demais setores da economia, tanto capitalista quanto outros “modelos”, todos praticando verdadeira rapinagem contra a natureza.

Da mesma forma que a camada de ozônio protege o planeta terra da destruição provocada pelos raios ultravioletas, também a vegetação (florestas) protege o solo, que pode ser comparada à pele humana em sua função de proteção do corpo humano.

Assim, na volúpia da produção de matérias primas, alimentação e recursos minerais a ganância humana e a busca de lucro que não respeita a natureza e nem os limites do planeta, assistimos um processo intenso de degradação do solo, cujas consequências recaem sobre todas as formas de vida no planeta, principalmente a vida humana.

Costuma-se dizer que a chamada “expansão das fronteiras agrícolas e econômicas”, em todos os países, principalmente na América Latina, na África e na Ásia, respondendo `as necessidades e a mudança de estilo de vida no mundo todo, onde o consumismo, o desperdício, a obsolescência, enfim, a chamada economia do descarte, a economia da morte estão deixando um rastro de destruição das florestas, da biodiversidade vegetal e animal, com repercussões tanto no solo quanto nas águas, incluído a degradação dos mares e oceanos. Por isso é que o Papa Francisco tem-nos exortado com a mudança de paradigma, substuindo a economia da morte pela economia da vida, o que ele chama de “realmar” a economia e encantar a política.

A humanidade, nesta volúpia consumista e de desperdício está “matando a galinha dos ovos de ouro”. Neste sentido, tanto pesquisadores quanto cientistas e também líderes religiosos, com destaque para o Papa Francisco, tem alertado sobre esta corrida maluca rumo ao “amargedom”, estamos deixando uma “herança maldita” em termos ecológicos para as próximas gerações.

Por isso, o líder mundial da Igreja Católica, não titubeia ao afirmar que na origem do processo de degradação ecológica, da destruição das obras da criação, de todas as formas de vida na “Casa Comum”, estão as ações (irracionais) humanas, com seus paradigmas econômicos e tecnocráticos, os quais devem ser substituídos urgentemente, se queremos salvar o nosso planeta.

É neste contexto de que “tudo esta interligado, nesta Casa Comum”, que a degradação do solo precisa ser analisado, entendido e também alteradas as formas como são produzidos todos os bens e matérias primas que tem origem na natureza, inclusive a produção de alimentos e de matérias primas para a indústria, pois, praticamente todos esses “recursos naturais” são finitos e não renováveis, se destruirmos tudo em poucas décadas, as próximas gerações serão extremamente prejudicadas. Ai se aplicam os princípios da JUSTIÇA INTERGERACIONAL e também da JUSTIÇA SOCIAL.

Conforme relatório, relativamente recente, da ONU de 2016, com certeza que o panorama atual é muito pior do que há oito anos,  nada menos do que 33% dos solos do planeta estavam degradados pela erosão, assoreamento, salinização, compactação, acidificação, e ou contaminação por lixo urbano, resíduos químicos, industriais e agrotóxicos.

Diversos estudos de organismos nacionais e internacionais, que gozam de credibilidade científica vem alertando governantes, empresários, produtores e a população em geral sobre a gravidade deste processo.

“O planeta perde 33 mil hectares de terra fértil (solos) por dia, ou seja, mais de 12 milhões de hectares por ano, de 30 a 35 vezes mais do que a proporção histórica de décadas e séculos anteriores.

Estudos científicos calculam que a superfície terrestre em condições de seca (solos áridos) passou de 10% para 15%  no começo dos anos de 1970, para mais de 30% no início de 2.000, e que esses números continuarão crescendo”. Fonte: artigo de Baher Kamal Do IPS, traduzido pelo Envolverde 25 de agosto de 2016 , reportagem publicada em Brasil de Fato.

Na América Latina, por exemplo, 50% dos solos estão degradados. No mundo, somente a erosão, sem mencionar as demais formas de degradação dos solos já apontadas anteriormente, é responsável pela destruição/degradação de 25 a 40 bilhões de toneladas de solos por ano, que são carreados para os cursos d’água (rios, córregos), mares e oceanos.

Para se ter uma ideia do volume dos solos degradados por erosão por ano, isto equivale `a capacidade de 702 milhões de caminhões bi-trem, com sete eixos, que podem transportar 57 toneladas cada um. O comprimento de um bri-trem de sete eixos é de 30 metros.

Assim, se colocados em fila, esses 702 milhões de caminhões equivalem a 2,1 milhões de km ou seja, 52,6 voltas ao redor da terra  ou 2,7 vezes a distância de ida e volta a lua. Imaginemos em duas ou três décadas o que esta destruição de solos férteis representa em termos de degradação do planeta e o impacto que isto está tendo ou terá em termos de produção de alimentos e de outras matérias primas, considerando que o planeta tem um limite?

No Brasil, segundo diversas fontes a extensão das áreas com solos degradados, somente no que concerne `as pastagens variam de 30 milhões de ha a 95,5 milhões de ha, em graus variados, para um total de 159 milhões de ha utilizados com pastagens.

Se aliarmos as demais áreas degradadas pela agricultura, mineração, garimpo ilegal, expansão urbana, o total de áreas degradadas no Brasil ultrapassam a 150 milhões de ha. Em seu “esforço” de enfrentar este desafio, o Governo Federal tem uma meta para ser atingida até 2030, com a “recuperação” de 12 milhões de ha, menos da metade do que é degradado em apenas uma década.

Entre 2001 e 2021 a expansão das fronteiras agrícolas e econômicas no Brasil teve um aumento de 33% em relação ao total da área até então ocupada, com desmatamento e queimadas, que contribuem para a degradação do solo.

Existe um círculo vicioso neste processo de degradação e destruição do planeta. Tendo em vista o crescimento populacional, de forma mais intensa o crescimento urbano, o aumento da renda per capita mundial, aliados ao consumismo e ao desperdício, percebe-se claramente uma pressão sobre a natureza, tanto em relação à necessidade de produção de alimentos, quanto os demais bens e serviços para atender tais demandas.

Assim, existe um “incentivo” à ocupação de novas áreas, tendo como consequência o desmatamento e as queimadas, que estão na base da degradação dos solos, principalmente em áreas que, pela sua natureza não comportam esses processos produtivos, como na Amazônia e no Centro Oeste do Brasil e de inúmeras outras regiões na África, América Latina e Ásia.

Este processo acarreta, não apenas a perda de solos/terras férteis, mas também tem outros impactos como degradação das nascentes, afetando as diversas bacias hidrográficas, como, por exemplo, no Brasil, as Bacias dos rios da Amazônia, Bacia do Paraná/Paraguai, do São Francisco, do Parnaíba etc.

Da mesma forma, este processo afeta o regime de chuvas, aumentando o período de seca e também chuvas torrenciais, que por sua vez afetam a produção agropecuária pelo aumento da desertificação.

Outra consequência deste processo é o aumento da temperatura média das regiões que passam por processo intenso de degradação ambiental, principalmente dos solos, tornando inférteis tais áreas, cujos custos de “recuperação” são exorbitantes.

Entre 2018 e 2020, durante parte dos governos Temer e Bolsonaro foram desmatados 12,9 milhões de ha, e apenas durante os quatro anos do Governo Bolsonaro, estima-se que foram desmatados e ou afetados por queimadas nada menos do que 16 milhões de ha. Boa parte desta área contribuiu para o aumento da área degradada no Brasil, principalmente na Amazônia, no Centro Oeste e Nordeste, com destaque para a região denominada de MATOPIBA, que também passa por um processo bem intenso de degradação dos solos.

Enfim, precisamos buscar um ponto de equilíbrio entre os sistemas produtivos, a busca por lucro imediato, o respeito pela natureza e o equilíbrio dos biomas e dos ecossistemas. Sem isso, estamos apressando o agravamento da crise socioambiental e condenados a destruir o nosso planeta.

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

 

Terça, 09 Abril 2024 16:09

 

 

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Danilo de Souza*


A prática de compra de produtos pela internet (e-commerce) tornou-se rotineira no mundo globalizado. Atualmente, a China tem se destacado na liderança das vendas desse tipo de comércio, representando mais de 50% de toda a comercialização no varejo em todo o mundo.

Não só o e-commerce, mas aproximadamente 80% das mercadorias comercializadas globalmente são transportadas em navios. Esse transporte representa, atualmente, cerca de 14% das emissões anuais (incluindo gases não-CO2) e aproximadamente um quarto das emissões de CO2 provenientes da queima de óleo diesel.  Então, quais são os maiores desafios para descarbonizar o transporte marítimo?

Tendo em vista que a eletrificação dos meios de transporte terrestres surge como a melhor forma de descarbonização do setor, uma pergunta quase óbvia emerge em um primeiro momento: por que não adotamos navios contêineres elétricos? A ideia parece promissora à primeira vista, especialmente quando consideramos os avanços significativos alcançados em outros meios de transporte, como trens, metrôs, ônibus e carros. A expectativa cresceu ainda mais desde que o Yara Birkeland lançou um navio autônomo de porta-contêineres de mesmo nome, com capacidade para 1,7 mil toneladas, especializado no transporte de fertilizantes, navegando entre os portos noruegueses de Herøya e Brevik. O Yara Birkeland, além de ser o primeiro navio contêiner elétrico do mundo, também pode ser considerado o primeiro veículo comercial autônomo nesta modalidade.


      

Contudo, esse navio contêiner elétrico ainda possui uma série de limitações. Por exemplo, os navios de carga médios tradicionais podem carregar mais de 290 mil toneladas, cruzando os oceanos com velocidades de aproximadamente 28 km/h, enquanto o Yara Birkeland viaja a 11 km/h.

Avançando para a matemática da questão nos deparamos com números ainda mais desanimadores. Os modernos navios a diesel, em uma única viagem transcontinental, consomem uma quantidade de combustível que carrega uma densidade energética quase 40 vezes maior do que as melhores baterias de lítio disponíveis hoje. Para um navio elétrico cobrir a mesma distância com a mesma carga, ele precisaria transportar uma quantidade de baterias que ocuparia uma parcela significativa de sua capacidade de carga, tornando a operação economicamente inviável.

Essa realidade nos leva a uma conclusão inescapável: para que os navios elétricos possam competir de igual para igual com os gigantes a diesel de hoje, precisamos de uma revolução tecnológica nas baterias que as torne capazes de armazenar energia numa densidade mais de dez vezes superior à atual. Tal proeza, embora desejável, enfrenta o duro teste da viabilidade técnica, considerando que a densidade energética das melhores baterias comerciais que, mesmo aumentando 8x nos últimos 15 anos, apesar de todos os nossos esforços, ainda assim, estão muito longe de serem o suficiente para a navegação de carga.

Assim sendo, esse panorama nos coloca diante de um paradoxo: embora o desejo por uma indústria marítima mais limpa e sustentável seja grande, as limitações tecnológicas atuais nos obrigam a navegar com cautela rumo a esse futuro ideal. O caminho à frente exige não apenas inovação em baterias, mas também uma reconstrução das práticas e estruturas que sustentam o comércio global marítimo. À medida que buscamos soluções, o Yara Birkeland surge como um exemplo de que talvez o caminho não seja por aí.

Dessa forma, a questão continua colocada: Qual pode ser a alternativa para descarbonizar a navegação?

A ideia de navios nucleares navegando os mares do mundo não é mais uma visão restrita aos poderosos arsenais das marinhas militares (apenas submarinos, porta-aviões e alguns navios quebra-gelo possuem propulsão nuclear). Um estudo conduzido recentemente pela American Bureau of Shipping (ABS) e pela Herbert Engineering Corp. (HEC) se aprofundou na pauta da propulsão nuclear em navios comerciais.

Nesse contexto, a pesquisa explorou o impacto da implementação de reatores modernos de alta tecnologia em dois tipos de embarcações: um navio porta-contêineres de 300 mil toneladas e um petroleiro Suezmax. A descoberta de que tais embarcações, quando equipadas com propulsão nuclear, não só poderiam de baixa emissão de CO2 na etapa de uso, mas também aumentar a capacidade de carga e a velocidade operacional, ressalta o potencial transformador da tecnologia nuclear. Esses benefícios vão além das questões ambientais, abordando eficiências operacionais e reduzindo a necessidade de reabastecimento, o que pode significar uma revolução na logística marítima global.

Entretanto, o caminho para a adoção generalizada da propulsão nuclear em navios comerciais está longe de ser direto. Desafios significativos permanecem, tanto em termos de aceitação pública quanto de regulamentações. A utilização de fissão nuclear para produção de energia para usos finais, apesar de suas vantagens em termos de capacidade de geração de energia de baixa emissão, ainda enfrenta preocupações significativas relacionadas à segurança, ao tratamento de resíduos nucleares e aos custos iniciais de implementação.

Além disso, para que essa visão de navios comerciais nucleares se torne uma realidade prática, são necessários um apoio significativo do setor público e um compromisso contínuo da indústria marítima. Isso inclui não apenas investimentos em pesquisa e desenvolvimento, mas também a criação de um quadro regulatório internacional que possa acomodar a operação segura dessas embarcações em águas globais. A colaboração internacional será essencial, dadas a natureza transfronteiriça da navegação marítima e a necessidade de normas consistentes que regulem a segurança, a operação e o descarte de resíduos.


A iniciativa da ABS, reconhecida pelo Departamento de Energia dos EUA (DOE) através de contratos para investigar as barreiras à adoção da propulsão nuclear, representa um passo promissor nessa direção. A parceria com instituições acadêmicas, como a Universidade do Texas, para pesquisar a integração termoelétrica de sistemas de propulsão nuclear em embarcações comerciais é um exemplo de associação entre indústria e universidade para aumento da produtividade do trabalho que pode resultar em ganhos coletivos.

Outras soluções para redução das emissões na navegação também estão em pauta, como por exemplo, o Gás Natural (seriam emitidos entre 70% e 85% menos poluentes que a gasolina e a diesel) como combustível de transição, Hidrogênio a partir de fontes renováveis, biocombustíveis etc. Todas estas soluções possuem seus desafios intrínsecos, sendo que no caso da propulsão nuclear para a navegação, já existe uma indústria desenvolvida para fins militares.

A possibilidade de navios comerciais navegarem com baixa emissão de CO2 graças à propulsão nuclear não é apenas uma oportunidade para a indústria marítima reduzir sua pegada de carbono; é uma declaração audaciosa de compromisso com um futuro menos impactante, até o desenvolvimento de tecnologias que culminarão na fusão nuclear.

 
*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.
Terça, 02 Abril 2024 14:56

 

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Ciências da Comunicação/USP

Professor de Literatura; aposentado da UFMT

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Embora possa parecer algo novo para muita gente, as tais “disputas de narrativas” sempre fizeram parte de qualquer contexto social. Mikhail Bakhtin, com outras terminologias e reflexões teóricas do real concreto, antes de qualquer acadêmico da pós-modernidade, já tratara isso em seus trabalhos, muitos focados no período medieval.

Portanto, no plano coletivo, como seres sociais que somos, estamos sempre disputando a hegemonia – à lá proposição de Gramsci –para fazer valer a força de nossas construções discursivas. Logo, tudo normal e legítimo em sociedades democráticas. O anormal é abrir mão dessa disputa, ainda mais se se tratar de sujeito político que dispõe de indiscutível projeção social acima de tantos “meros mortais”.

A quem ainda não captou a noção indireta deste meu discurso até aqui, agora, serei direto: o presidente Lula, que gosta de “falar até pelos cotovelos”, a menos que venha a mudar de ideia, preferiu se calar a falar qualquer coisa que fosse sobre o 31 de março de 1964, que é um dos momentos mais trágicos de nossa história recente, pois nos impunha, há 60 anos, um golpe militar, com todo tipo de crueldade (de censuras a torturas) que esse dispositivo militar tão bem sabe fazer alhures contra civis que não lhes lambam as botas.

Conforme foi noticiado pela Folha de São Paulo, setores do governo chegaram a ensaiar pedidos de desculpas por essa tragédia. Todavia, Lula teria vetado (logo, censurado) qualquer tipo de manifestação por parte de quem quer que fosse de seu governo. Em outras palavras, sem palavras. Só o silêncio, onde impera a mordaça, como bem apreciam todos os antidemocratas, dos mais explícitos aos enrustidos, de direita e/ou de esquerda.

De minha parte, que circunstancialmente votei em Lula nas últimas eleições, mas apenas para ajudar a interromper um tipo de aberração política então em curso, afirmo que nenhum motivo do veto desse camaleônico mito de nossa política poderia ser maior do que a necessidade do forte embate discursivo. Infelizmente, o seu silêncio pode dar espaço para que a perigosíssima extrema direita revigore suas forças políticas para, mais uma vez, tratar cinicamente o golpe como ato revolucionário, e mais adiante tentar um retorno à presidência.

Mas por que a fala de Lula e, por extensão, a fala de todos os cidadãos verdadeiramente democráticos seriam tão importantes?

Porque, mesmo o país estando sob a égide de um momento democrático, censuras ainda se encontram bem presentes. Para dificultar o trânsito social das pessoas realmente críticas, a censura em nosso país tem se manifestado de formas diferentes, e por sujeitos sociais, em tese, também diferentes.

E, aqui, talvez, resida um dos maiores nós sociais que temos para desatar, qual seja, o abraço, ou o encontro mesmo, por meio de práticas antidemocráticas, de supostos esquerdistas com genuínos e assumidos extremistas da direita.

Para ser mais objetivo, tomarei o espaço escolar (em todos os níveis do ensino formal) como exemplo desse dificílimo caminhar social no fio da navalha. Sob a ótica do atual ambiente escolar brasileiro, como um microcosmo social, à lá O Ateneu, de Raul Pompéia, podemos ver como se tornou difícil escapar das censuras que se nos apresentam.

De um lado, extremistas da direita, que sempre vislumbram a ditadura, além de nos censurar com o que equivocadamente chamam de “ideologia de gênero” e seus congêneres, censuram-nos também com um tipo de “queima” de livros, como, por exemplo, o que estão a fazer com o romance O Avesso da Pele de Jeferson Tenório.

Do lado que se pensa ser oposto a isso, as censuras não são menos agressivas. Defensores de determinadas pautas de grupos sociais (principalmente, os afros, os feministas e os LGBTQIAmais...) nos impõem censuras que vão do uso – ou do impedimento do uso – de determinados termos linguísticos, do constrangimento público – que é um tipo de assédio moral –,a ameaças de agressões físicas, como uma pela qual passei em um evento do ANDES-SN (Sindicado Nacional do Docentes), ocorrido há alguns anos em Curitiba. Portanto, do “meu lugar de fala social”, do qual me faço valer neste momento, não estou a falar de coisas abstratas.

Por tudo isso, que realmente não é pouca coisa, o dia 31 de março deste ano, como os subsequentes também, jamais poderia(m) passar (ou ter passado) em branco, sem um discurso contundente do atual presidente da República, que se vende politicamente de mais democrático do que o antecessor, este, explicitamente um golpista, por ora, fracassado.

As memórias dessa fatídica data deveriam nos servir de embasamento para profundas reflexões e autoavaliações necessárias. Este momento, deveria ser (ou ter sido) um momento didático, de muito aprendizado, principalmente para as novas gerações.

Em tempo: assim que dei por concluído o artigo acima, com muita satisfação, li, no Correio Brasiliense, de 29 pp., que o “PT ignora Lula, condena golpe e cobra volta da Comissão de Desaparecidos”. Era o mínimo.

Segunda, 01 Abril 2024 13:03

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Publicamos a pedido do professor Breno Santos 


É com alegria e esperança de mudança que nós, docentes do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso que subscrevem esta carta, nos colocamos publicamente em apoio à CHAPA 1 - UFMT QUE QUEREMOS!

A CHAPA 1 representa para nós uma candidatura construída coletivamente, plural na sua composição e firme nos seus compromissos em defesa da UFMT, da universidade pública brasileira e das humanidades, tão duramente atacadas e desvalorizadas, tanto externamente quanto (e isso é mais revoltante) internamente à nossa comunidade.

A professora Marluce e o professor Silvano carregam uma longa história de luta contra os desmontes das Universidade Públicas, e em defesa do serviço público e dos direitos sociais. Se localizam no campo que combate firmemente o negacionismo, a precarização e o privatismo desenfreado, e que defende sem hesitação uma universidade democrática, melhores condições de trabalho para docentes, TAEs e estudantes, além do direito fundamental ao acesso e permanência do nosso corpo discente.

UFMT QUE QUEREMOS é uma universidade que, diferentemente do que temos enfrentado nos últimos anos, cumpra sua função social com a prioridade do público sobre o privado, com orçamento coletivamente construído e coerente com as necessidades locais, com integração real e qualitativa entre os campi universitários, com uma graduação e uma pós-graduação de qualidade em todas as áreas do conhecimento.

À frente do nosso Instituto, o ICHS, a professora Marluce tem sido incansável na defesa da ciência, das humanidades, da gestão transparente e da democracia dentro e fora da universidade. Para muitos e muitas de nossas discentes, a professora Marluce sempre foi um referência na disputa por condições dignas de trabalho e estudo, e a grande adesão do estudantado à CHAPA 1 no primeiro turno demonstra isso. E não tem sido diferente sua relação com os e as servidoras técnicas e docentes da UFMT.

Por essas e outras razões, apostando em um futuro melhor para nossa universidade, no dia 02 de abril vamos de CHAPA 1, para construir coletivamente a UFMT QUE QUEREMOS!

Assinam este manifesto os/as docentes:

Breno R. G. Santos
Sara Juliana Pozzer da Silveira
Beatriz Sorrentino Marques
Maria Cristina Theobaldo
Angelo Zanoni Ramos
Rodrigo Marcos de Jesus
Mario Spezzapria
Roberto de Barros Freire
Alécio Donizete

Quarta, 27 Março 2024 17:29

 

 

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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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José Domingues de Godoi Filho*


O ANDES-SN , via Circular nº 067/2024, convocou  reunião do setor das federais, para o dia 22 de março de 2024 e indicou a realização prévia de rodada de assembleias gerais das seções sindicais, no período entre 11 e 21 de março. Solicitou, ainda,  que as seções sindicais pautassem  em suas assembleias:

a) A construção de uma greve do ANDES SN e do setor da educação, no primeiro semestre de 2024, tendo como horizonte a construção de uma greve unificada no funcionalismo público federal em 2024.

b) Constituição dos comitês locais de mobilização como passo fundamental para ampliar a mobilização da categoria e construir as pautas locais com agendas e ações de mobilização, buscando a articulação com os demais trabalhadores e estudantes das universidades, institutos federais e CEFETs.

A ADUFMAT realizou sua assembleia no dia 14 de março e aprovou o indicativo de construção de uma greve no primeiro semestre de 2014, tal como decidido no 42º Congresso, em Fortaleza, de 26 de fevereiro até 01 de março.

A reunião do setor das federais teve como pauta e proposta de programação:

22/03/2024 (sexta-feira)

9h – Abertura;

9h15 – Informes Nacionais;

9h30 – Informes das Seções;

11h – Conjuntura e Construção da Greve: Discussão sobre as deliberações e indicativos vindos das assembleias de base sobre a construção da greve e constituição dos comitês locais de mobilização;

13h30 – Almoço;

15h – Encaminhamentos;

18h – Encerramento.

Participaram, presencialmente, da reunião 37 seções sindicais e outras enviaram informações sobre o indicativo de greve. A partir das informações e discussões ocorridas na reunião foram definidos os próximos passos(Circular 106/2024) e convocada a reunião do setor das federais para o dia 10/04/2024.(Circular 107/2024).

A proposta aprovada, na reunião do setor das federais, foi a seguinte:

Rodada de assembleias - 26 de março a 09 de abril 

Reunião do Setor - 10 de abril

Tempo de 72h para informar governo e reitorias

Indicativo para deflagração - 15 de abril

A pauta das assembleias gerais deve abordar os seguintes temas:

1. Deflagração de greve para o dia 15 de abril.

2. Criação e estratégias de organização de comitês locais de mobilização.

3. Construção de pautas locais .

PROPOSTAS GERAIS DE ENCAMINHAMENTOS.

Após amplo debate, foram apreciadas e encaminhadas as seguintes questões:

• Intensificar a produção de material do ANDES-SN e material unificado com as entidades da Educação sobre a greve e suas pautas;

• Reforçar o dia 03/04 como Dia Nacional de Mobilização e Paralisação com foco em ações nos estados e locais de trabalho em articulação com os demais servidores públicos federais e que sejam realizadas ações de mobilização como universidade na rua, panfletagem, passagem nos departamentos, etc. Reforçar a orientação para paralisação onde for possível.

• Construir a jornada de lutas do FONASEFE de 16 a 18 de abril com atividades em Brasília: 16/04 - Audiência Pública na Câmara Federal; 17/04 - Caravana e Marcha em Brasília dos servidores; 18/04 - Atividades setoriais - Perspectiva de construção de Ato no MEC com entidades da Educação.

• Incorporar em nossa agenda de mobilização possíveis dias de luta que venham a ser construídos pelos comandos de greve da FASUBRA e SINASEFE.

• Que os comitês locais ampliem a articulação com as demais categorias de trabalhadores e estudantes, criando comitês onde ainda não existe.
As discussões durante a reunião do setor das federais reforçaram: “o acerto da decisão do congresso de construção da greve e a mobilização que isso provocou em nossas bases, visto que as assembleias foram mais expressivas do que no último período; necessidade de avançarmos na luta em defesa da universidade pública, pelas nossas condições de trabalho, pelo orçamento e salário, com isso a necessidade de construção de um bom calendário de luta para a construção da greve. Várias manifestações colocaram a diferença de estágios de mobilização de cada uma das seções, devido aos calendários, a capacidade de mobilizações das universidades, a articulação com a greve dos técnicos.

Também foi ressaltada “a diferença de calendário com as demais entidades e avaliado algo mais adequado à realidade do ANDES e das nossas seções sindicais; a importância de não abandonar a mobilização, às ruas e nosso instrumento da greve em virtude do avanço fascismo, mas mobilizar para disputar a consciência. Nossas conquistas são resultado de lutas e de greves e não temos que ter medo de dizer que o fundo público está sendo destinado ao grande capital e aos grupos privados, independente de partidos ou lideranças políticas.

A ADUFMAT marcou assembleia geral para o dia 04 de abril, às 13:30 horas, para deliberar sobre a deflagração da greve. A participação dos sindicalizados será fundamental para a tomada de decisões, tendo em vista o histórico de luta da entidade. Vamos todos para a luta.

*Professor da UFMT/Faculdade de Geociências, foi o representante da assembleia geral da ADUFMAT na reunião do setor das federais.