Quarta, 08 Agosto 2018 15:18

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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O Bom Dia Brasil (Globo) do último dia 07 – data em que a Lei Maria da Penha completou 12 anos – nada teve de bom, pelo menos em seu começo, pois diversas reportagens referiram-se a violências cometidas contra mulheres.

 

De início, noticiou-se a morte da catarinense Andreia Araújo (28 anos), grávida de 3 meses. O algoz foi Marcelo Kroin, seu companheiro, a quem a jovem, no Face, em 12/06 pp., declarou:

 

“Você é a escolha acertada. Te amo, meu bem. #Tudo perfeito #Eternos namorados”.

 

Engano. A jovem foi assassinada durante uma briga, à noite.

 

Depois, anunciou-se a morte de Simone Souza, mãe de dois filhos e grávida do terceiro. A jovem, de 25 anos, foi asfixiada. Por ciúme, Anderson, o companheiro, a matou na frente do caçula, de 3 anos. Isso foi no Rio.

 

Seguindo a longa lista, em Brasília, Carla Graziele, de 37 anos, caiu de costas do 3º andar do prédio onde morava com Jonas Andonadi. Antes da queda, vizinhos ouviram barulho de mais uma briga; elas eram frequentes. Aliás, contra cada um existiam antigos registros de boletins de ocorrências policiais.

 

A quarta notícia atualizou informações acerca da morte de Tatiane Spitzner, ocorrida no Paraná. O assassino é seu companheiro, Luis Felipe Manvailer, que já foi denunciado pelo MP/PR. Antes de arremessar Tatiane do 4º andar de um edifício, o rapaz cometeu sucessivas agressões físicas contra a vítima. As imagens da tragédia são nítidas, irrefutáveis e revoltantes.

 

Na sequência, informou-se que, em MG, a PM fazia “operação de combate à violência contra a mulher. Ao todo, eram cento e setenta mandados de busca, apreensão e de prisão”. Os casos referiam-se a agressões físicas, verbais e psicológicas, além de estupros de vulneráveis e feminicídios.

                        

Na reportagem, ainda foi dito que, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 503 mulheres sofrem algum tipo de agressão, por hora, no Brasil.

       

Depois desse conjunto, por motivos diferentes dos já expostos, mais duas matérias abordaram agressões contra mulheres: uma se referia ao assassinato – na infernal Favela de Paraisópolis – de Juliane Santos Duarte, assassinada por ser identificada como integrante da corporação da PM/SP; a outra, das ameaças que Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco, vem sofrendo por cobrar, do MP/RJ, resultados das investigações da morte de sua companheira.

 

Excluindo as duas últimas agressões, infiro: os demais assassinatos ocorrerem (e outros ocorrerão) por conta da violenta cultura machista de nossa sociedade judaico-cristã. Por si, a própria Bíblia Sagrada estimula o machismo. Disso decorrem registros comportamentais lastimáveis, à esteira de “sabedorias populares”, tais como:

 

“Ruim com ele, pior sem ele”; "É melhor você chamar um homem para te ajudar com isso"; “Já sabe cozinhar, já pode casar”; “Mulher só é completa quando tem filhos”; “Em briga de marido e mulher, não se mete a colher”...

 

Todos os enunciados acima, numa análise de discursos, têm relação interdiscursiva direta com excertos bíblicos machistas, principalmente, alguns inseridos no Velho Testamento. Sinto muito ter de dizer isso.

 

Do outro lado da mesma moeda, em geral, a mulher, também cristãmente falando e agindo, oferta sucessivos perdões e crença na regeneração do outro, que – sartreamente falando – é o inferno/seu algoz na Terra.  

 

Como o que afirmo acima é forte em nossa sociedade, a saída não é fácil, mas precisamos superar dogmas maléficos. Se não avançarmos, vamos chorar muitas mortes ainda. Infelizmente.

 
 
 
 
 
Quarta, 01 Agosto 2018 14:40

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT

 

Como já se aproximam as eleições presidenciais, hoje, tratarei disso. Para tanto, pontuarei considerações que, ao longo do tempo, expuseram alguns escrivães, escritores e pensadores sobre o caráter do nosso povo, o que influencia em tudo, inclusive em seu voto.

Começo por dois registros do século XVI: um de Caminha, outro de Gândavo. Do primeiro, acerca dos aborígenes, destaco suas considerações sobre a inocência daqueles que andavam nus; que não “cobriam suas vergonhas”. Do segundo, sua observação sobre a ausência das letras F, L e R na língua tupi, o que o levou a concluir que os indígenas não tinham Fé, Lei e nem Rei. Dessa absurda interpretação ideológica, outras iguais e posteriores vêm se sucedendo desde então.

No século seguinte de vida nacional (XVII), o poeta Gregório de Matos denunciou corrupções e promiscuidades de nosso povo. Daí suas críticas aos “negociantes ambiciosos, à nobreza estúpida e vaidosa, aos pretos e mestiços sem valor, à justiça corrupta e injusta, aos religiosos hipócritas, à Câmara (no caso, políticos da Bahia) incompetente e à economia açucareira decadente” (cf. Rafael Julião; Revista Terceira Margem).

Do mesmo século, temos a vida plural do Pe. Vieira, do qual destaco sua peculiar forma de resolver problemas de ordem moral: os fins justificam os meios. Ele defendia o uso do dinheiro judeu, o que era condenado pela Igreja Católica, para a construção da Companhia das Índias Ocidentais, que poderia – segundo seus conselhos à Coroa Portuguesa – alavancar a economia local. Assim, o “jeitinho” brasileiro pode ter vindo de Portugal, e vestido de batina!

Dois séculos adiante, Manuel Antônio de Almeida, em Memórias de um Sargento de Milícias, narra as lembranças de Leonardo Pataca, menino travesso que, próximo do herói pícaro, se torna um “malandro” – não delinquente – antes de ser sargento de milícias. De resto, as demais personagens, quiçá as mais populares de nossa literatura, ignorando a história de luta dos inconfidentes mineiros no século anterior, ajudam a montar nossas características como um povo que ia se consolidando perante o mundo.

No início do Modernismo (séc. XX), Mário de Andrade publica o Macunaíma, aquele herói sem nenhum caráter, ou seja, desprovido de qualquer valor moral.

Já em perspectiva idealista, a decantada cordialidade do brasileiro, ou seja, “a forma natural e viva que se converteu em fórmula”, foi a centralidade do mote explicativo de nossa gente que Sérgio Buarque de Holanda nos trouxe em Raízes do Brasil (1936).

Essa característica, conforme o autor, originada nos tempos coloniais, faz que as relações familiares continuem a ser o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Como consequência, isso nos dificulta compreender a distinção fundamental entre o público e o privado, resultando na fórmula contemporânea e pop do “tudo junto e misturado”.

Por fim, eu não poderia esquecer de importantes personagens de Jorge Amado, com destaque àquelas, cuja sensualidade está sempre à flor da pele por este país tropical, deitado em berço esplêndido.

Grosso modo, eis um pouquinho do que podemos ser como povo: inocentes, cooptáveis, corruptos, promíscuos, incompetentes, malandros/espertalhões, sem nenhum caráter, sensuais, cordiais...

Para mais ou para menos, pois também vejo qualidades em nós, este é o povo que elegerá o presidente para os próximos quatro anos, a partir de 2019.

Ah, sim! Os candidatos, com as mesmas qualidades e defeitos de fábrica, saíram desse mesmo povo.

Salve(m) o futuro! 
 

 

Quinta, 26 Julho 2018 09:48

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT

 

Poucas coisas são mais humilhantes do que a afirmação desse título. 

Cabresto é o “arreio de corda ou couro, sem freio ou embocadura, e que serve para prender o animal, geralmente o cavalo, para controlar sua marcha”. No plano metafórico, é algo, ou alguém que controla, que subjuga outrem, reprimindo-o, contendo-o, prendendo-o.

Do sentido figurado, nasceu o asqueroso “voto de cabresto”. No Brasil, isso surgiu no início da República, quando coronéis compravam quem estivesse apto ao voto. Assim, eles sempre elegiam candidatos mantenedores de seus interesses.

Como o voto era aberto, os velhacos asseguravam um “curral eleitoral” composto por pessoas dependentes financeiramente, e que viviam amedrontadas por ameaças objetivas e/ou simbólicas. Os capangas controlavam os votos.

Por “curral eleitoral”, entende-se como sendo uma região onde um político exercia influência. Nesses locais, o coronel oferecia ao eleitor, em troca de seu voto, dinheiro em espécie e/ou objetos, como dentaduras e sapatos baratos; por vezes, atividades laborais.

Hoje, “curral eleitoral” é usado para definir a forte intimidação e pressão a eleitores, em geral, de baixa escolaridade e poder aquisitivo.

Mas por que estou falando de voto de cabresto e curral eleitoral?

Porque foi a isso que se prestaram alguns colegas em duas recentes assembleias do Sindicato dos Docentes da UFMT (Adufmat).

Em um dos momentos, um dos itens da pauta era discutir sobre a possibilidade de o Sindicato judicializar duas reuniões de um dos conselhos superiores da UFMT, pois a presidência daqueles trabalhos desrespeitou questões regimentais, tornando suas decisões ilegais e ilegítimas.

Assim, a reitora jogou a Instituição num tipo de caos nunca antes experimentado na UFMT; aliás, longe do final, mesmo com o término da greve estudantil, que foi o estopim para os desarranjos atuais e poderá ser a muralha para eventual desejo de reeleição em 2020.

Diante do quadro, para não correr o risco de uma possível judicilização, e desmoralizar-se por completo, a magnífica reitora parece ter mobilizado seus pró-reitores e asseclas a comparecem à referida assembleia e votar contrários a isso.

Para que seu batalhão de choque se fizesse presente, o que raramente o faz, embora a isso todos tenham direito, mensagens mentirosas, levianas e chulas lhes foram enviadas. Eis uma prova:

Atenção, colegas, reunião da Adufmat para judicilizar a situação na UFMT, hoje às 14h. Reunião na surdina, pois parece que Reginaldo e Alair pretendem ferrar a reitora e a instituição. A reitora pede que avisemos professores para irem votar, pois a assembleia deve ser aberta”.

A expressão “na surdina” é mentirosa. Não há possibilidade de assembleias da Adufmat serem realizadas nos bastidores.
 
Na sequência, a leviandade do(a) remetente se materializa no verbo “parecer”, bem como na citação dos nomes de dois valorosos docentes, que não agem na surdina, mas que, no plano político, estão por ora questionando ações desastrosas da reitoria.

O lado chulo, que deve ser a cara do(a) remetente, se concretiza por meio do verbo “ferrar”: termo inadequado a um(a) docente, até mesmo em mensagens inescrupulosas, como a que se lê acima.

Mesmo diante de mentiras, leviandades e chulices, algumas criaturas cumpriram a ordem que “veio de cima”. Encabrestados, votaram como mandado. Foram servis. Assim, alguns mantiveram cargos e/ou seus micropoderes. Outros, apenas a fidelidade canina. Só não mantiveram a dignidade. Ela se foi à frente dos colegas e das câmeras.  

 

Quarta, 18 Julho 2018 10:37

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT

 

Há poucos dias, Roberto D’Ávila, na Globo News, entrevistou o embaixador Marcos Azambuja para tratar da complexidade deste momento. De início, e já resumindo seu pensamento, o embaixador citara o enunciado de Marx, extraído do “Manifesto Comunista”: “tudo que é sólido se dissipa no ar...”.

Partindo dessa assertiva, Azambuja trata deste momento histórico, pontuando profundas alterações de valores, que são tantas – e em ritmo tão acelerado – que os mais velhos mal dão conta de acompanhá-las, o que tem “gerado medo, insegurança e um desejo de voltar para trás”.

Ao ouvir isso, D’Ávila o interpela, afirmando que antigamente os velhos ensinavam os moços. Agora, indaga o entrevistador, os moços estão nos ensinando?

Como resposta, Azambuja fala do “triunfo da mocidade”, o que de certa forma, consoante sua leitura, nos dá a “sensação de estarmos indo aonde não se sabe exatamente”. Afirma ainda que vivemos “uma caducidade, um envelhecimento das técnicas, dos saberes”.

Para exemplificar a afirmação, recorre à “Oração aos Moços” de Rui Barbosa, escrita no início do século 20, como discurso de formatura de uma turma de Direito da Universidade de São Paulo.

Em seu longo discurso, o Águia de Haia, já como experiente e renomado patriota, compartilha, com os mais jovens, aprendizados adquiridos durante a vida. Centralmente, fala da importância de se cultivar a boa índole para que a Pátria, sempre abençoada por Deus, seja respeitada.

Palavras ao léu, já naquele longínquo tempo?

Seja como for, Azambuja afirma que, hoje, “os moços não querem receber uma oração dos velhos. Pelo contrário. Os velhos é que precisam ter um mapa que eles só podem receber dos moços. Quem conhece o caminho, hoje, é o moço. O mapa do velho não só é inútil, mas é perigoso”.

Adiante, sentencia: “vivemos um momento que não só se aposenta uma geração, mas uma maneira de pensar”.

Particularmente, confesso, entrei no século 21 com inquietações bem próximas dessas observações feitas por Azambuja. Como professor formado no século passado, ficava imaginando como seria lidar com o acadêmico que já tivesse nascido neste século; que já tivesse vindo ao mundo com algum tipo de dispositivo tecnológico “colado” ao corpo.

Esses novíssimos seres humanos, plurais por excelência, que nascem disputando espaços com objetos inteligentes em sociedades empobrecidas intelectualmente, já começam a chegar às universidades. E a maioria não chega pisando “devagarinho”, como é recomendado em “Alguém me avisou” de Ivone Lara.

Uma parte de nossos jovens chega com informações consolidadas, principalmente as pertinentes a direitos adquiridos por grupos sociais ditos minoritários. Chega também com novas concepções comportamentais, como, p. ex., desdenhar de etiquetas básicas do mundo burguês. Pior: muitos chegam com explícito descrédito nos mais velhos.

Uma prova disso pode ser constatada na greve que acadêmicos da UFMT estão realizando. A maioria simplesmente não reconhece a democracia representativa, apostando na experiência da democracia direta. Isso não é pouca coisa. Deveria nos servir para reflexões.

Por si, o exemplo acima pode ajudar na confirmação daquela caducidade, do envelhecimento das técnicas e dos saberes referenciados por Azambuja.

Diante desses moços, com tantas novidades e ousadias mil, dialogar será tão necessário quanto difícil.

Dispensando a experiência da Paideia, os novos tempos chegaram sem que os mais velhos tivessem desaparecidos por completo. Mas isso é questão de tempo, e curto.

Vida que segue...

 

Terça, 10 Julho 2018 10:29

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Como todos já souberam pela mídia, os estudantes da UFMT deflagram uma greve, gerada por conta do anúncio do aumento dos preços praticados no Restaurante Universitário. Nos campi do interior, o início foi em abril. No campus/Cuiabá, em maio.

Do começo da greve até este momento, algumas tentativas de diálogo foram ensaiadas, mas sem o sucesso pretendido. Durante esse período, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE) aprovou a suspensão do calendário acadêmico, em uma de suas reuniões realizadas em maio (Decisões CONSEPE Nºs 10 e 11/2018).

A decisão mencionada acima expôs um reconhecimento institucional da greve. Todavia, junho chegou sem que as negociações avançassem, mas não sem as pressões por parte daqueles – em geral, anônimos – que não respeitam as decisões dos estudantes, ainda que devidamente respaldadas em suas instâncias deliberativas, incluindo assembleias gerais.

Dessas pressões, um fato se materializou: a convocação de uma reunião extraordinária do CONSEPE, em 18/06, para tratar da revogação da decisão acima transcrita; fato que deu início ao caos institucional de que me refiro no título.

Motivo: independentemente do resultado da reunião, que acabou aprovando a revogação da suspensão do calendário acadêmico, a reunião, em si – portanto, na forma – foi eivada de vícios, pois a Mesa dos trabalhos, dirigida pela magnífica reitora, atropelou o regimento do CONSEPE. Ninguém contestou isso, até porque tudo foi transmitido ao vivo. As imagens são tão explícitas quanto lamentáveis.

Diante desse fato, duas conselheiras (uma docente e uma discente) formalizaram o pedido de anulação da reunião viciada nas formalidades.

Pois bem. Na reunião do CONSEPE do dia 09/07, o referido pedido de anulação foi apreciado, tendo por base um relatório de autoria de uma docente do Médio Araguaia.

O referido relatório, tão frágil quanto dúbio, embora reconhecesse vícios formais na condução da reunião em pauta, indicou o indeferimento do pedido de sua anulação. Logo, o relato induz o coletivo ao erro, o que não é admissível, conforme as leis que regem o servidor público federal. 

Mesmo assim, um rico debate sobre a matéria foi garantido. Detalhe: novamente, ninguém contestou a afirmação da existência dos vícios apontados um a um. Todavia, outro paradoxo se deu: o relatório foi aprovado. Em cima dessa decisão, o erro coletivo foi confirmado, ou seja, a revogação da suspensão do calendário foi reafirmada. Os fracos venceram!

Paralelo a isso, a Pró-reitoria de Graduação já se movimentava no sentido de reorganizar o calendário. Tarefa difícil de ser feita, uma vez que os diferentes campi tiveram entradas e saídas de uma greve em tempos distintos. Mais: que diferentes unidades viveram a mesma dessemelhança.

Pior: no campus de Cuiabá, a greve estudantil sequer foi encerrada. Portanto, a recente decisão do CONSEPE atropelou o movimento dos acadêmicos, num ato de força institucional. Ato que não constrói o dialogo com uma juventude determinada em termos de experiência cidadã.

Agora, a UFMT corre o risco de forças externas serem invocadas. Se houver o protocolo de algum pedido judicial, todos que compõem a comunidade universitária viverão a experiência inédita da perda de sua autonomia, já suficientemente atacada pelos sucessivos governos federais. Será uma situação que poderia ter sido evitada.

Por ora, o que nos resta é aguardar pelos próximos capítulos de uma novela, cujo final está mais próximo do ápice de uma tragédia, pelo menos no plano das relações pessoais.

Sexta, 06 Julho 2018 08:24

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP; prof. de Literatura/UFMT

 

Hoje, deliberadamente, farei um escapismo. De quando em quando, é preciso voar da realidade brasileira, sempre cruel, e desde sempre. Nessa pausa de pautas pesadas, no último final da semana, subi à Chapada dos Guimarães, onde se realiza a edição do 33º Festival de Inverno.

Sexta-feira (30/06), fui assistir à apresentação da Orquestra Paulistana de Viola Caipira, mesmo sabendo que Paula Fernandes, que não me apraz como cantora, estaria junto. Não me agrada porque, além da maior parte de seu repertório estar aquém de minhas expectativas, ela, embora afinada, exagera nas tremulações e nasalizações da voz. Pior: Paula nem a única a usar tais recursos no gênero musical em que está inserida.

Quando digo isso, estou me lembrando de cantoras maravilhosas desse mesmo gênero, como a Inhana, da dupla Cascatinha, Teca Calazans, Inezita Barroso... Além de suas vozes marcantes, o repertório, sempre indispensável, não perdia as raízes; tinha a terra fofa do chão como berço. Até seus regozijos e mágoas pareciam vir da mesma fonte que fazia, por exemplo, um “cafezal em flor”.

Mas para a felicidade, aquela cantora só se juntou à Orquestra apenas nas duas últimas músicas. Logo, a qualidade dos violeiros pôde ser conferida sem maiores poluições urbanas travestidas de sertanejas.

Por isso, um pouco das raízes de nosso vasto sertão, o mesmo “cantado” magistralmente por Guimarães Rosa, Lins do Rego, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, Patativa do Assaré, Rachel de Queirós et alii pôde ser compartilhado com o público, que, infelizmente, parece ter sido atraído, pelo menos em sua maioria, para ver a cantora e não, necessariamente, a Orquestra. Inversões do tempo?

De um jeito ou outro, fomos todos presenteados com uma bela apresentação de violeiros caipiras, alguns jovens, inclusive. Com eles, foi possível apreciar clássicos de nossa música de raiz, como a canção “Maringá”, de Joubert de Carvalho, composta pouco antes dos anos 50, que, liricamente, “fotografa” um dos processos migratórios mais dramáticos já ocorridos em nosso país, motivado pelos duríssimos períodos de seca no Nordeste e suas longevas e devastadoras consequências.

Das modas de violas apresentadas, todas muito poéticas, destaco a beleza de “Porta do Mundo”, de Peão Carreiro e Zé Paulo, na qual, de início, o cantador antecipa que seu aprendizado se dá na vida, feito “sem nenhum professor”:

Em versos se fala e canta// o mal se espanta e a gente é feliz// No mundo das rimas e trovas// eu sempre dei provas das coisas que fiz// Por muitos lugares passei,// mas nunca pisei em falso no chão// Cantando interpreto a poesia,// levando alegria onde há solidão”.

Depois de se colocar como um intérprete da poesia, na segunda estrofe, o cantador –homem simples excluído da formação escolar, assim como a maioria de nosso povo ao longo dos séculos de nossa história – dirá que seu “dicionário é a inspiração”: termo que, nesta canção, por conta da sensibilidade do cantador, extrapola sua semântica mais convencional, ou seja, aquela capacidade criativa que parece ser inerente ao artista.

Em “Porta do Mundo”, a “inspiração” poderia ser traduzida ou permutada por algo como “humanidade”, posto que “A porta do mundo é aberta”. Por isso, a alma do cantador “desperta buscando a canção”, que é encontrada com sua viola no peito; e com ela, seus “versos são feitos pro mundo cantar”.

E aqui se chega ao ponto central desse lindo presente: a arte que se oferta como arma para amenizar as dores de um “povo marcado, povo feliz”. 

Sexta, 29 Junho 2018 16:42

 

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Cuiabá, 29 de junho de 2018.

 

 

Magnífica Reitora,

Diante do momento caótico pelo qual atravessa a UFMT, respeitosamente, tomo a liberdade para oferecer algumas contribuições que julgo pertinentes.

O caos a que me refiro agravou-se por conta da condução da Mesa, presidida por Vossa Magnificência, da reunião do CONSEPE, de 18/06/2018, que revogou a suspensão do Calendário Acadêmico/2018, aprovada em reunião extraordinária do mesmo Conselho Superior em 14/05/2018.

Como desdobramento, encaminhou-se – por orientação da pró-reitoria responsável pelo ensino de graduação – que as aulas fossem retomadas, a partir do dia 25/06/2018, e que cada unidade refizesse seu calendário para posterior análise do CONSEPE, respeitando-se as férias docentes previamente agendadas.

Após essa sequência de fatos, duas conselheiras (uma discente e uma docente) solicitaram, via SEI, a suspensão da mencionada reunião do CONSEPE, apresentando nove itens para justificar o pleito. Detalhe: todos os tópicos destacados pelas requerentes podem ser comprovados pelas imagens produzidas pela própria Instituição. Cada um dos nove itens demonstra algum tipo de desconsideração das normas existentes à condução democrática de uma reunião de um Conselho Superior na UFMT.

No afã de tudo encerrar, mas sem nada resolver, ou sequer conseguir encaminhar algo que pudesse ser dialogado com os discentes em greve, aliás, legal e legítima, Vossa Magnificência, sem pretender, obviamente, colocou toda a Instituição em profundo constrangimento, podendo redundar ainda em situações inimagináveis, o que não pode ser concebível.

Em outras palavras, temos:

  1. uma resolução que deveria ser inquestionável, posto ter sido emanada por um dos seus conselhos superiores, ou seja, um dos sustentáculos dos espaços da democracia representativa nas instituições públicas de ensino superior do país. Contudo, a atmosfera da democracia na condução da Mesa, àquela reunião, tornou-se poluída, irrespirável, exceto a quem compartilha atitudes antidemocráticas. Infelizmente, há seguidores!
  2. uma construção de vivência democrática, pela qual temos aprendido, dentro da Instituição, ao longo de décadas, a respeitar decisões dos diferentes segmentos. Em termos concretos, temos uma greve estudantil que não foi ainda encerrada. Ao contrário, foi reforçada em sua última Assembleia Geral, ocorrida em 20/06/2018; logo, não podendo ser desconstruída por atos que atropelam as ações/movimentos do outro. Isso não é didático em termos de cidadania. A truculência – seja física e/ou simbólica – não pode ter vez nas universidades. Portanto, somente aos estudantes cabe a decisão de finalizar a paralisação por eles iniciada. Elementar.

 

A situação acima é límpida: estamos diante de questões inconciliáveis. A quem respeitar? A um conselho, que atropelou a dinâmica da democracia, perdendo legitimidade pontual, ou a uma vivência de décadas da experiência democrática?

Eis o dilema ético vivido, hoje, por todos nós, mesmo àqueles que desdenham o dilema em si. Infelizmente, há quem o faça.

Eis, portanto, Magnífica Reitora, a cara do caos na instituição da qual Vossa Magnificência é a principal dirigente.

Na vigência do caos, a importância do coletivo se esvai pelos dedos das mãos. Ao se esvair, cede lugar às subjetividades, tão em voga em tempos da suprema fragmentação da pós-modernidade; ou seja, atolamo-nos no império do labirinto de mentes brilhantes e/ou opacas. Infelizmente, ambas existentes. Pior, presumo que, com certa vantagem, em termos de número, a essas em detrimento daquelas. Posso estar enganado.

Assim sendo, de tudo se vê aqui e agora: há cursos que decidiram retomar as aulas, custasse o que custasse; há cursos que decidiram o contrário.

A situação é inaceitável. Não poderíamos ter chegado a esse ponto de tamanho desgoverno, Magnífica Reitora. Mas chegamos. E não podemos ficar assim por mais tempo. Agora, ele, o tempo, é nosso inimigo comum.

Por isso, peço licença à Vossa Magnificência para, respeitosamente, apresentar minhas sugestões, já na desesperada tentativa de ajudar, mesmo ciente de que o que apresento não contempla in totum a reivindicação central dos estudantes:

  1. antes que ações externas à Instituição se proliferem ainda mais, podendo ofuscar nossa autonomia, Vossa Magnificência precisa convocar o CONSEPE, em caráter de EXTREMA URGÊNCIA (o dia 09/07 poderá ser tarde demais), para apreciar o pedido formal de anulação da reunião de 18/06/2018;
  2. convidar, urgentemente, o Comando de Greve dos Estudantes para apresentar a seguinte proposta:

 

  1. levar à apreciação do CONSUNI a incorporação de nove nomes do Comando de Greve dos Estudantes a serem incorporados à Comissão já deliberada, institucionalmente, por aquele órgão superior;
  2. demonstrar aos estudantes que, se isso for aprovado pelo CONSUNI, o segmento estudantil passaria a ter 50% dos membros na Comissão;
  3. abrir/explicar o orçamento da forma mais explícita e didática possível à Comissão;
  4. facilitar a transparência, à Comissão, de todo e qualquer tipo de contrato/licitação com a empresa que ora presta serviços ao Restaurante Universitário;

 

Se houver sucesso nesse conjunto de encaminhamento perante os estudantes, convocar o CONSUNI, extraordinariamente, para deliberar sobre a incorporação de que trata a letra “a” dos itens acima elencados, afinal, a referida incorporação seria uma medida de exceção a um órgão democraticamente já constituído para garantir a representação dos segmentos institucionais.

Magnífica Reitora, mesmo longe de supor que o que apresento acima venha resolver, de vez, o mote central da presente greve estudantil, que é a política de alimentação na UFMT, eis o que tenho a oferecer neste momento.

Aproveito para, publicamente, renovar meu profundo respeito por Vossa Magnificência, a quem desejo a necessária serenidade para poder continuar na direção de nossa UFMT.

Atenciosamente

Roberto Boaventura da Silva Sá

Quinta, 28 Junho 2018 15:17

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP; prof. de Literatura/UFMT

 

A vida útil da opinião emitida em artigos de jornal e revistas quase sempre dura o tempo da circunstância de sua publicação. Logo, não se pode perder um segundo do que acontece aqui e agora.

Para o artigo de hoje, o clima do “aqui” vem de lá da Rússia, país que sedia agora a Copa do Mundo de Futebol masculino. A quem não sabe, existe a copa do feminino, mas sem glamour algum por parte da mídia.

Discriminação?

Sim. Prova disso é que poucos brasileiros saberiam dizer a escalação da Seleção Brasileira de Futebol feminino. Poucos conheceriam outro nome que não fosse o da Marta. Já a biografia de cada jogador da seleção masculina, incluindo os nomes de seus tataravós e outras coisas mais, a maioria saberia. Saberes inúteis.

Essa discriminação resvala no viés das cifras inimagináveis do universo masculino. As cifras do feminino são trocadinhos perto daquelas. Mas não quero falar disso. Tudo até agora serviu como introdução para tratar do clima de Copa.

Em tal clima, sou observador das peças de publicidade e propaganda veiculadas nesses períodos, sempre muito criativos. Por isso, agora, eu não poderia perder esse time.

Dos anúncios que estão sendo veiculados, destaco um da operadora Vivo: “O que é ‘fúlgido”?

Refiro-me àquele anúncio, no qual um garotinho, em idade de fazer todas as perguntas imagináveis e inimagináveis, lendo o “Hino Nacional”, se depara com a palavra “fúlgido”, inserida na passagem do terceiro para o quarto verso, de sua primeira estrofe:

E o sol da liberdade, em raios fúlgidos// Brilhou no céu da pátria nesse instante”.

Diante da dúvida, o garotinho sai correndo para buscar a resposta junto a seus familiares. Começa pelo irmão adolescente, que, desconhecendo o significado, responde: “tu é muito criança pra saber disso...”

O garotinho não desiste. No jardim, encontra a mãe, a quem faz a mesma pergunta. Ela sequer entende a sonoridade da palavra, passando a bola ao avô. Ele, diferentemente de viver na lógica da Paideia dos gregos, também não sabe, mas é salvo pela netinha, que lhe faz companhia na cozinha da casa. A pequenina, que sequer tem idade para saber tal significado, mas portando um tablete, literalmente, lhe dá a cola, assoprando a resposta:

Fúlgido... é uma coisa que tem luz! Uma coisa que brilha, assim como você”, diz o avô.

Curioso que fiquei, passei os olhos em algumas considerações de leitores sobre o referido anúncio. Do que vi, destaco a opinião de um leitor que ficou irritado com a peça, pois não gostou de ver aquela empresa chamar o povo de “burro”.

Na verdade, não me parece que o anúncio tenha chamado o povo de burro, até porque seus criadores devem saber que os burros são, por natureza, burros; logo, sem as condições elementares para saber ou ignorar aprendizados que passam de geração a geração dos humanos. Ademais, em defesa dos burros, nenhum deles precisa de escola. Seus saberes são naturalmente passados.

Ao contrário, naquela família, nitidamente de classe média, todos convivem com a mesma ignorância: não saber o que é “fúlgido”; e certamente também desconhecem o significado de outros termos ou expressões contidas no mesmo Hino, como o famoso “impávido colosso”, que poderia ser compreendido por uma gigantesca estátua adormecida.

Querendo ou não, a publicidade toca em um ponto que nos é recorrente: nossa frágil educação formal, que, a partir da massificação das tecnologias, nos obriga cada vez mais a saber menos de tudo. Assim, nossas existências vão ficando cada vez mais próximas do fosco, não do fúlgido. 

 

Quinta, 21 Junho 2018 16:54

 

 

 *Texto publicado a pedido do professor Roberto Boaventura da Silva Sá.

 

 

 

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Professor do Departamento de Letras/IL/Cuiabá

 

 

Magnífica Reitora

 

Como é do conhecimento público, exposto no Espaço Aberto n. 73/ADUFMAT, de 21/06/2018, no qual publiquei “Paradoxos de uma greve”, reflexionando sobre este tenso momento vivenciado por todos nós na UFMT, passei a defender publicamente a despersonalização de nossos representantes institucionais. Os motivos, penso, estão ali suficientemente desenvolvidos.

No lugar das personalizações, reafirmando o crédito na vivência dos espaços da democracia representativa, chamei à responsabilidade pelas políticas da Instituição, incluindo sua política de alimentação, os órgãos colegiados superiores. Por muito tempo, tais órgãos não passaram de meros espaços de chancelar interesses personificados por dirigentes, ainda que democraticamente eleitos.

Todavia, nessa defesa que faço dos órgãos colegiados não há espaço para nenhum tipo de manobras e/ou atropelamento de suas reuniões. O exercício pleno da democracia deve ser o fio condutor em cada segundo em que tais órgãos estiverem reunidos. Nada que fuja disso terá minha conivência.

Digo isso porque, em documento assinado pelas conselheiras do CONSEPE Sophia Leitão Pastorello de Paiva e Alair Suzeti da Silveira, e amplamente divulgado na Instituição (20/06/2018), foram expostas denúncias gravíssimas de condução por parte da “Mesa” da Reunião Extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), realizada no dia 18/06/2018.

Infelizmente, cada um dos nove itens registrados no documento em questão pode ser comprovado pelas imagens geradas pela própria UFMT. Todos são absolutamente graves e inadmissíveis.

Sem desconsiderar a importância de nenhum dos elementos expostos na totalidade do irrefutável documento-denúncia, destaco o tópico 1 do item 7. Por si, ele não resolveria a complexa questão, mas também não pioraria a situação:

“7. A única proposta substitutiva ao ponto de pauta original foi apresentada verbalmente e, também, por escrito, por uma conselheira. E, mais uma vez, a Mesa ignorou a apresentação da proposta, recusando-se a submetê-la à apreciação do Pleno. A proposta substitutiva apresentada consistia em: (1) Reunião do CONSEPE no dia 02 de julho para a avaliação de revogação do calendário...”

Com base no senso comum e na esteira dos clichês, não poucas vezes na vida temos exemplos de que a pressa é inimiga (aliás, podendo ser mortal) da perfeição, sempre inatingível. Eis um lamentável exemplo acima.

Não ter encaminhado democraticamente à apreciação do Pleno o que solicitavam os acadêmicos, por meio de sua representante, pode ter induzido o CONSEPE a um erro e a um atropelamento desnecessário do curso das negociações com os acadêmicos legitimamente em greve. Atropelamento que pode estar nos jogando no espaço profundo do caos institucional. Se não vejamos.

Como resultado prático do atropelamento da Mesa, o CONSEPE deliberou por revogar a suspensão do calendário acadêmico, decisão anteriormente tomada, e indicar às unidades da Instituição o reinício das atividades a partir do dia 25/06/2018.

Com a deliberação acima, entra em choque frontal outra decisão: a continuidade da greve dos acadêmicos do campus de Cuiabá. Reunidos em Assembleia Geral (20/06/2018), por ampla maioria dos presentes, foi deliberado que o Movimento Discente continuará a greve iniciada em abril, fortalecendo-a, inclusive.

Eis o cenário do caos: de um lado, os docentes, que não estão em greve e nem podem, democraticamente, desrespeitar decisões de órgãos superiores; de outro, nossos acadêmicos que continuam em greve por tempo indeterminado.

Diante desse cenário absolutamente inconcebível, e que pode nos colocar em situações inimagináveis dentro da UFMT, faço coro às respeitáveis vozes que já estão apelando à Vossa Magnificência pela “...anulação da Reunião realizada no dia 18 de junho de 2018, às 08h30, no auditório do SETEC, no prédio do STI do Campus de Cuiabá da Universidade Federal de Mato Grosso, e, até a decisão deste pedido, a suspensão de todos os seus efeitos”.

 Saudações Acadêmicas

 

 

Atenciosamente

Roberto Boaventura da Silva Sá

 

Quinta, 21 Junho 2018 10:36

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP; prof. de Literatura/UFMT

 

A Universidade Federal de Mato Grosso, desde o dia 20/04, convive com uma greve estudantil, depois que a Administração Superior (AS) anunciou o aumento de 550% dos preços do Restaurante Universitário (RU). Para o almoço, de 1 real, pagar-se-ia 5,50.

Mercadologicamente, os preços são baixos. Contudo, isso é exorbitante a uma instituição pública que deve manter seus acadêmicos com dignidade.

Esse erro da AS foi responsável pela paralisação, apoiada por todos. Hoje, não muito mais do que 20% dos acadêmicos podem dispensar todo e qualquer tipo de auxílio. Cerca de 60% dos estudantes têm renda familiar que não ultrapassa 1,5 salário.

Diante da força e justeza da greve, a AS recuou. Até dezembro, nada muda.

O tempo é curto?

Sim, mas é um recuo que poderia abrir diálogo, até por conta de explicações orçamentárias demandadas e denúncias feitas em torno de contratos existentes com as terceirizadas.

Contudo, a liderança da greve não avaliou assim, pois não tem sintonia política com o Diretório Central dos Estudantes, e qualquer diálogo, fora da greve, pressupunha ocorrer também com representações estudantis. Por isso, manteve-se a paralisação, passando-se a exigir novos diálogos diretos com a reitoria, que, por sua vez, não recuava.

Diante de métodos e ações antagônicas das partes envolvidas, alguns docentes – dentre eles, me incluo – tentaram viabilizar a realização de diálogos. Em vão. A reitoria aceitava dialogar com as lideranças da greve, mas com mediadores dos conselhos e representantes sindicais. O ME recusa mediações.

A insistência no diálogo direto com a reitoria, desconsiderando os conselhos e outros, ainda que se pudessem ter todas as razões para desconfianças, querendo ou não, exalta a personalidade de alguém em detrimento dos coletivos, lembrando os tempos dos monarcas apeados do poder.

Compreensível. Fizemos história nesse percurso do culto à personalidade na Instituição.

No tocante à política de alimentação, a gestora anterior, por conta própria, bateu o martelo e manteve inalterados os preços do RU durante seus dois mandatos. Falou e cumpriu. Todos, silenciosamente, aplaudiram-na. Os conselhos não foram consultados para nada; aliás, o CONSUNI, raramente, sequer era convocado. Aquele coletivo lhe foi subserviente o tempo inteiro. A lógica da barganha da política externa à Instituição foi a mesma impregnada dentro da Instituição. Pergunto: foi positiva a “força” daquela gestora?

Pelo sim, pelo não, parece que, pelo menos naquele caso, à lá Padre Vieira, os meios justificavam o fim. Logo, aquela atitude “forte” tinha o consentimento geral. Ninguém (estou me incluindo nisso, não sem dar a mão à palmatória agora) fez relação daquela “força do bem” com outras forças nada benéficas, como a aprovação do ReUni, na sede OAB, e a imposição do Enem; tudo à revelia dos debates promovidos.

Estou trazendo à tona essa história recente da UFMT, pois, diante dos embates deste tenso momento, ponderar se devemos empoderar alguém em detrimento das construções e deliberações dos coletivos é o melhor caminho para todos na construção de universidade pública, laica, de qualidade e socialmente referenciada.

Em minha opinião, vivemos um paradoxo. Em meio a ele, na justíssima luta, o ME promove ações contundentes, fechando guaritas e ocupando prédios. A reação tem sido imediata, com ordens judiciais de desocupações, além de incriminações individuais e coletivas contra essas ações.

Perante visível dificuldade de se efetivar diálogos, fui percebendo o quanto a democracia representativa, base de nossa estruturação social e institucional, encontra-se abalada, pelo menos dentre o segmento estudantil.

O descrédito dos estudantes em relação a seus representantes (administradores, professores, sindicalistas e os próprios estudantes) é tão visível quanto chocante. Mais: o fundo de tal descrédito é complexo e plural, pois muitos dos líderes – além da luta pela política de alimentação, que a todos une – carregam bandeiras de grupos sociais diversos (negros, feministas, LGBTT et alii).

Sinais das lutas em tempos pós-modernos. Isso, inclusive, redundou em uma pauta de quase 40 itens, todos justos, além da centralidade da greve: “RU universal e a 1 real”, entregue nas mãos do vice-reitor, momentos antes de uma oficial da justiça chegar para ver se Reitoria ainda estava ocupada, posto ter havido ordem de desocupação.

Diante desse quadro, em recente reunião do Conselho Superior Universitário, foi aprovada a proposta da formação de uma comissão paritária para tratar à exaustão de tudo o que envolvesse a política de alimentação na UFMT. Por sua vez, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão revogou a suspensão do calendário acadêmico, a partir do dia 25 próximo.

Com essas duas deliberações, por meio da tentativa de se resgatar as funções dos conselhos representativos, a greve tendia a ser diluída, sem que um ponto final tivesse sido posto. Aliás, os estudantes, em Assembleia Geral, na noite de 20/06, por maioria, deliberaram por continuar a greve.

A partir de agora, o que virá por diante, é uma imensa incógnita. Até aqui, em minha opinião, a luta dos estudantes já é bem vitoriosa.

Todavia, penso que se conseguíssemos fortalecer os conselhos superiores, resguardando os marcos de como a Instituição encontra-se estruturada, ou seja, pela democracia representativa, mesmo que cheia de problemas, mas ainda não superada, todos ganharíamos. Retiraríamos de cena todo tipo de personificação na Instituição para o fortalecimento e crescimento democrático dos coletivos, todos eleitos por nós.