Quarta, 18 Julho 2018 10:37

A HORA E A VEZ DO MOÇO - Roberto Boaventura

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT

 

Há poucos dias, Roberto D’Ávila, na Globo News, entrevistou o embaixador Marcos Azambuja para tratar da complexidade deste momento. De início, e já resumindo seu pensamento, o embaixador citara o enunciado de Marx, extraído do “Manifesto Comunista”: “tudo que é sólido se dissipa no ar...”.

Partindo dessa assertiva, Azambuja trata deste momento histórico, pontuando profundas alterações de valores, que são tantas – e em ritmo tão acelerado – que os mais velhos mal dão conta de acompanhá-las, o que tem “gerado medo, insegurança e um desejo de voltar para trás”.

Ao ouvir isso, D’Ávila o interpela, afirmando que antigamente os velhos ensinavam os moços. Agora, indaga o entrevistador, os moços estão nos ensinando?

Como resposta, Azambuja fala do “triunfo da mocidade”, o que de certa forma, consoante sua leitura, nos dá a “sensação de estarmos indo aonde não se sabe exatamente”. Afirma ainda que vivemos “uma caducidade, um envelhecimento das técnicas, dos saberes”.

Para exemplificar a afirmação, recorre à “Oração aos Moços” de Rui Barbosa, escrita no início do século 20, como discurso de formatura de uma turma de Direito da Universidade de São Paulo.

Em seu longo discurso, o Águia de Haia, já como experiente e renomado patriota, compartilha, com os mais jovens, aprendizados adquiridos durante a vida. Centralmente, fala da importância de se cultivar a boa índole para que a Pátria, sempre abençoada por Deus, seja respeitada.

Palavras ao léu, já naquele longínquo tempo?

Seja como for, Azambuja afirma que, hoje, “os moços não querem receber uma oração dos velhos. Pelo contrário. Os velhos é que precisam ter um mapa que eles só podem receber dos moços. Quem conhece o caminho, hoje, é o moço. O mapa do velho não só é inútil, mas é perigoso”.

Adiante, sentencia: “vivemos um momento que não só se aposenta uma geração, mas uma maneira de pensar”.

Particularmente, confesso, entrei no século 21 com inquietações bem próximas dessas observações feitas por Azambuja. Como professor formado no século passado, ficava imaginando como seria lidar com o acadêmico que já tivesse nascido neste século; que já tivesse vindo ao mundo com algum tipo de dispositivo tecnológico “colado” ao corpo.

Esses novíssimos seres humanos, plurais por excelência, que nascem disputando espaços com objetos inteligentes em sociedades empobrecidas intelectualmente, já começam a chegar às universidades. E a maioria não chega pisando “devagarinho”, como é recomendado em “Alguém me avisou” de Ivone Lara.

Uma parte de nossos jovens chega com informações consolidadas, principalmente as pertinentes a direitos adquiridos por grupos sociais ditos minoritários. Chega também com novas concepções comportamentais, como, p. ex., desdenhar de etiquetas básicas do mundo burguês. Pior: muitos chegam com explícito descrédito nos mais velhos.

Uma prova disso pode ser constatada na greve que acadêmicos da UFMT estão realizando. A maioria simplesmente não reconhece a democracia representativa, apostando na experiência da democracia direta. Isso não é pouca coisa. Deveria nos servir para reflexões.

Por si, o exemplo acima pode ajudar na confirmação daquela caducidade, do envelhecimento das técnicas e dos saberes referenciados por Azambuja.

Diante desses moços, com tantas novidades e ousadias mil, dialogar será tão necessário quanto difícil.

Dispensando a experiência da Paideia, os novos tempos chegaram sem que os mais velhos tivessem desaparecidos por completo. Mas isso é questão de tempo, e curto.

Vida que segue...

 

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