Quarta, 06 Fevereiro 2019 16:57

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Em idos tempos, Genival Lacerda perguntava, em uma de suas músicas, quem não conhecia Severina Xique-Xique, que montara “uma boutique (termo usado em sentido dúbio) para a vida melhorar”.

Parodiando Lacerda, pergunto: quem não conhece Severino Cavalcanti, que, um dia, se fez político para a vida melhorar?

Aos que desconhecem a trajetória de Cavalcanti, informo que se tratou de um deputado federal que, em 2005, concorreu à presidência da Câmara dos Deputados com o candidato oficial do Governo Lula, o deputado Luis Eduardo Greenhalgh, um reconhecido advogado.

Contrariando as expectativas/articulações políticas daquele momento, Cavalcanti, à época, sempre invisível e considerado um dos mais anacrônicos de nossos políticos, venceu o indicado por Lula.

Algo de errado nisso?

Não. A não ser o fato de Cavalcanti – que não tinha o menor preparo para presidir coisa alguma – ter sido, das últimas décadas, o primeiro grande registro da ascensão de um parlamentar do baixo clero (muitos deles com os pés na lama da corrupção) a ocupar um lugar de destaque na vida política nacional. Presidir a Câmara é estar diretamente posto na linha da sucessão presidencial do país.

De lá para cá, de quando em quando, o Brasil tem convivido com criaturas que, de uma hora para outra, surgem como se viessem do nada para tudo “consertar”. Anônimos salvadores de uma pátria que parece ter vocação para o lado baixo das coisas.

Nesse sentido, resgato dois políticos que vieram do baixo clero para as alturas na vida nacional.

O primeiro é Jair Bolsonaro. Ele ascende à presidência da República trazendo consigo entes inconfiáveis de sua família, “vendida” no campo político como modelo a ser seguindo.

De sua prole, quase todos já estão tendo de dar explicações sobre coisas “atípicas”, como as indagações do Coaf ao filho Flávio, bem como sua íntima relação com a milícia carioca, assassina por excelência; logo, provocadora da violência que impera no Rio.

Mas baixo clero pouco é bobagem. Domingo (03/02), após acontecimentos deprimentes na sessão de eleição ao novo presidente do Senado, aquela casa deu asas a mais um egresso do baixo clero: Davi Alcolumbre.

Quem já conhecia esse político?

Poucos, pois os seres que compõem o baixo clero de nosso parlamento são políticos inexpressivos, até que, das sombras, alguns cheguem a postos antes impensáveis. Quando chegam, com raras exceções, decepcionam rapidamente.

Com Alcolumbre a história se repete. Esse parlamentar, agora, presidente do Senado, após conseguir fazer naufragar a candidatura do raivoso e ruidoso Renan Calheiros, também já tem pendengas no STF.

Querem mais um alçado do anonimato do baixo clero?

Major Vitor Hugo: aliado de Bolsonaro. É do PSL de Goiás. Será o líder do governo na Câmara.

Por fim, pelo menos para este artigo, sobre mais um ser do baixo clero de nossa política, pergunto: quem conhecia a Sra. Damares, a ministra dos costumes nacionais?

Ate onde se sabia, ela era conhecida apenas no universo pentecostal, do qual não tenho proximidade. Sua existência era por mim ignorada. Agora, não mais. Por conta de inúmeras inserções públicas, antes impensáveis, já a conheço o suficiente para dizer se tratar de um dos principais ventrículos do grupo bolsonarista. Ela, junto com alguns dos filhos do presidente, tem tudo para ajudar em sua queda, que poderá não demorar tanto.

Resultado: militar à vista!

Parece que, à nação, a saída pelo baixo clero, definitivamente, não nos elevará.

Quinta, 31 Janeiro 2019 11:19

 

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Por Fernando Nogueira de Lima* 

Onde estávamos nós, quando o futuro incerto, caracterizado pela união da juventude, assustada e revoltada por causa dessas encruzilhadas da vida em que a imbecilidade se encontra com a insanidade, em que a disponibilidade se encontra com a facilidade de se obter, e dão-se as mãos - que cheiram a sangue - para dar passagem à barbárie, ceifando, nas escolas, vidas inocentes e indefesas com tanto ainda por sonhar e viver, quanto amar e ser amado.

O que fazíamos nós quando nessas encruzilhadas da vida em que a covardia se encontra com a impunidade, em que os interesses escusos se encontram com a desvalorização da vida, e num maldito abraço - com cheiro de morte - ceifam vidas de inocentes indefesos e de policiais desapoiados e mal remunerados, nas calçadas e nas escadarias, nos colégios e nos lares, nos morros e fora deles, no cotidiano deste nosso miserável existir.

O quanto estamos nós, indignados com essas encruzilhadas da vida em que a ganância torna-se irmã siamesa da insensatez, em que a ação potencialmente assassina se encontra com atitudes formais porém imorais,  e chafurdando no lodaçal da maldade humana – na busca de moedas de sangue - ignoram a tragédia anunciada, fazendo jorrar uma torrente de rejeitos de minério de ferro que se move com fúria arrastando tudo que encontra, levando consigo inúmeras vidas e deixando um rastro de desolação, dor e tristeza, além de muita revolta e razões para acreditar que mais tragédias como essa ainda estão por vir.

O que achamos nós dessas encruzilhadas da vida em que a encenação se encontra com a hipocrisia, em que a necessidade de audiência se encontra com a certeza da incapacidade de se saber parte da massa de manobra, e de mãos dadas diante da violência - cientes do malefício para a sociedade - optam por priorizar o emocional coletivo em vez das reais causas que ensejam este genocídio que assola o país, dificultando a compreensão dos porquês da inércia vigente, contribuindo para transformar a vida em trágica e lamentável estatística.

O que pode justificar o nosso conformismo diante das encruzilhadas da nossa vida em que, pela ausência das perguntas certas e de reflexões pertinentes, a mediocridade se encontra com a mesmice, em que o egocentrismo se encontra com a cobiça, e de braços dados - quase que espontaneamente com nossa ignorância - alagam nossos dias de inutilidades, de insatisfações, de desavenças e da incapacidade de desejar e promover mudanças ainda que pequenas, óbvias e necessárias, em nossas vidas e na vida de tantos quantos nos querem bem.

O que falta acontecer para entendermos que apesar das encruzilhadas que há na vida, é possível vislumbrar oportunidades para espalhar o bem viver e fazer com que  nossas vidas, em retrospectiva, deixem de ser, aos nossos olhos, uma imagem desfigurada de nós mesmos ou reflexos momentâneos e a mercê da ocasião e de hábitos, desejos e dissimulações alheias, impedindo-nos de perceber que não há como colher as dádivas do futuro se insistirmos em cultivar do passado só um punhado de lembranças de tempos mal vividos e não superados, que tolhem o porvir - cotidianamente e repetidamente - fazendo-nos reféns da síndrome de Carolina, tão bem cantada nos versos da canção popular de outrora.

O que pode ser feito para, afinal, constatarmos que na construção de um futuro menos incerto, no trilhar pelas encruzilhadas da vida, devemos ser capazes de dizer sim à autoestima e à clemência, e de dizer não ao egoísmo, ao querer ter desmedido e aos preconceitos - do alheio e de nós mesmos - pois, assim, enxergando o outro e a si mesmo é que despertaremos a capacidade de dizer sim ao amanhã desejado que, embora possível nunca vem e a coragem de gritar não ao amanhã que nunca virá, das vidas covarde e irremediavelmente interrompidas, que não podem ter sido em vão, tampouco devem ficar impunes vida a fora. 

*Fernando Nogueira de Lima é doutor em engenharia elétrica e foi reitor da UFMT.

Sexta, 25 Janeiro 2019 10:52

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT

 

Engana-se quem pensa que os meses não têm suas cores mais marcantes no Brasil. Janeiro, por exemplo, tem as cores que, literalmente, marcam o verão.

Mas, afinal, quais são as cores do nosso verão, a estação climática da luz, por excelência?

Todas; em especial, as cores quentes, que são mais vibrantes aos olhos; que, sob ardentes temperaturas, nos convidam para a liberdade das ruas, das praças, das praias, de todos os lugares reais e inimagináveis...

Assim têm sido todos os nossos janeiros. Todos. Inclusive este que, cheio de novidades, estamos a viver agora. E os nossos janeiros continuarão sendo assim, porque é assim que todos os brasileiros de “mens sana in corpore sano” querem que sejam.

Portanto, não adianta nenhum ministro, ou ministra de Estado, ateu ou “terrivelmente cristã”, tentar reduzir nossa aquarela a apenas duas cores (azul e rosa), suposta e metaforicamente dicotômicas entre nós, humanos, tão diversos e diversificados desde sempre.

No verão, no inverno, no outono e na primavera do Brasil, todos os portadores de todas as cores terão de continuar a ter vez e voz. Também disso ninguém abrirá mão por aqui. A liberdade de nossas escolhas, de nossas preferências, de nossos costumes, hábitos... não será subtraída por ninguém; nem mesmo pelos que se acham enviados e servos do Senhor, até porque de visíveis falsos profetas, o Brasil é o maior celeiro do planeta. Nossa televisão é a prova disso. A qualquer hora, do dia ou da noite, ao ligarmos um aparelho de TV, lá veremos, em sucessivos canais, um enganador da fé alheia. Bizarro.  

Nesse sentido, parafraseio o apóstolo Pedro, que no capítulo 5, versículo 8, já indicava a necessidade da vigilância constante por parte de todos, pois o Diabo parecia andar “ao redor como leão, rugindo e procurando a quem devorar”. Quem puder me entender com essas palavras tão bíblicas, que me entenda!

Após essa compreensão, lembro também que ninguém deve abrir mão de acompanhar os passos (nos discursos e nas práticas) de nossos políticos, gostando ou não, todos eleitos democraticamente. Vale lembrar que a difícil arte da vivência realmente democrática só tem sentido quando todos nos preocupamos com a trajetória cotidiana dos que foram vitoriosos nas urnas.

Nesse sentido, de minha parte, penso que, se as considerações sobre os costumes de nossas práticas diárias são relevantes – e são, como, por exemplo, a fala de alguém que diz que, a partir de agora, menino voltará a usar azul e menina voltará a usar rosinha –, tão ou mais importante é mantermos atenção constante para eventuais tentativas de imposições de perdas (econômicas e sociais) ainda mais complexas do que mexer com as cores de nossas coloridas existências.

Digo isso porque sem as condições econômicas e sociais garantidas a todos os brasileiros, muitos não usarão nem o azul e nem o rosa. Usarão, tão somente, a cor de seus corpos, aliás, por si, também uma linda e plural aquarela brasileira.

Enfim, encerro este artigo lembrando que, neste momento tão tenso da vida política de nosso país, sempre haverá alguém do espaço de poder tentando levantar falsas e vazias polêmicas. 

Assim, concomitante aos devaneios de alguns, muitas vezes, propositadamente produzidos, sempre haverá alguém, do mesmo espaço de poder, baixando medidas, decretos e tentando aprovar leis e emendas constitucionais que poderão nos impedir de ver o mundo, seja da cor rosa ou da cor azul.

 

Quinta, 24 Janeiro 2019 14:34

 

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Por Aldi Nestor de Souza*

Vendemos espíritos empreendedores. Temos de várias cores, idades, nos tamanhos micro, pequeno, médio e grande e estamos com várias promoções: no cartão, em três vezes sem juros, à vista, com 30% de desconto, ou no carnê, para 30 dias. Temos nos modelos individual e social. O espírito empreendedor verde, por exemplo, tá com uma excelente saída. Temos ainda, pra quem é de baixa renda, a opção concedida pelo governo: o espírito empreendedor individual azul.

Na compra de um espírito, a promoção ainda te dá direito de levar de graça uma linda perseverança.  Temos de todos os tamanhos e de vários modelos. Uma perseverança, dizem os especialistas, é indispensável pra quem adquire um espírito empreendedor. Ah, e para sua comodidade, temos também a venda pela internet, com entrega em domicílio e sem cobrança de frete. Entre na nossa loja virtual e confira. Temos certeza de que há em nosso estoque um espírito do tamanho dos seus sonhos.

Os nossos espíritos empreendedores, além de modernos e versáteis, são totalmente éticos e compromissados com o bem estar da humanidade e vem acompanhados de diversos acessórios, como por exemplo: ideias para você por em prática e exercitar seu espírito; lista de consultores e coaches, altamente capacitados, em todo o Brasil, que irão te auxiliar e dar treinamento; lista de empreendimentos de sucesso para lhe servir de inspiração; lista de empreendimentos que fracassaram para você aprender com os erros deles; e uma linda caneta esferográfica, grafada  com seu nome.

Um bom espírito empreendedor, como é do conhecimento de todos, pode mudar a sua vida.  Não apenas a sua. Com ele, você pode mudar a realidade da sua rua, do seu bairro, da sua cidade, do seu país e até do mundo. Portanto, esta é a grande oportunidade de você fazer a diferença e mudar os rumos da história. Corra até uma de nossas lojas e aproveite as promoções.

Ter um espírito empreendedor é fundamental nos dias de hoje. O empreendedorismo parece ser a saída pra todos os problemas das relações de trabalho. Sobre isso, disse recentemente, numa entrevista em rede nacional, o senhor Guilherme Afif Domingos, presidente do Sebrae: “se você quer um emprego, crie um.” O termo Empreendedor, aliás, é o correspondente e substituto do antiquado termo “Trabalhador”, que está completamente superado.

 A saudosa “classe trabalhadora” agora é a classe dos empreendedores. E uma das grandes vantagens de um empreendedor é o fato de ele ser, ou cuidar de, uma empresa e, portanto, mesmo que preste serviço para alguma outra empresa, não cria vínculos com esta, exceto os acordados em contrato, não engessa as relações de trabalho, não faz incidir direitos ou deveres trabalhistas, não cria dependência, e os contratos são por tempo limitado.

Uma coisa fundamental, ao se tornar um empreendedor e deixar de ser trabalhador, é que você imediatamente migra pra classe das pessoas que governam o mundo e são donas dos meios de produção. Portanto, ser empreendedor é poder, por conta própria, administrar seu décimo terceiro, suas férias, seu salário e sair de uma vez por todas da dependência de terceiros. Empreendedorismo é liberdade. E mesmo que você não detenha meio algum de produção, e continue vendendo sua força de trabalho, o simples fato de você não ser da classe trabalhadora, já te faz pensar diferente, se sentir diferente, agir diferente.

Esse processo de mudança de termos é natural e fundamental. Por exemplo, você ouviu, nos últimos anos, alguma notícia, nos meios hegemônicos de comunicação, em que aparece a expressão Classe Trabalhadora? Não. O termo simplesmente não aparece, é um termo em desuso, como dissemos.  Sobre empreendedorismo, por outro lado, tem até programa de rádio e de Tv.

E agora temos uma grande novidade, um lançamento que é um grande sucesso: o kit zen.  O Kit zen é uma coletânea de vídeos e apostilas, todos muito bem ilustrados, com técnicas de meditação. A meditação é uma importante arma que pode ser útil pra você e pra toda sua equipe. Ela deve ser feita diariamente e é entendida como um suporte para os inevitáveis e inoportunos momentos de dificuldade.

Meditar até atingir um estado zen, juntamente com o uso diário da sua perseverança, vão lhe dar a calma necessária para você seguir tranquilo, firme e acreditando nos seus sonhos e no seu espírito, sem desanimar e, ainda por cima, com a consciência de que está no caminho certo.

Comprando dois espíritos empreendedores, além de duas perseveranças,  você leva de graça um kit zen e um pacote de biscoito de água e sal.

 

*Aldi Nestor de Souza

professor do departamento de matemática- UFMT/Cuiabá.

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Quinta, 24 Janeiro 2019 09:48

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT

 

Longe vai o tempo em que – na visão de Mário de Andrade, mais especificamente em Macunaíma – se podia dizer literariamente que “pouca saúde e muita saúva” eram os males do Brasil. Hoje, a lista de nossos dissabores é mais longa e complexa. Nossos males estão também na educação, habitação, saneamento etc.

Em meio a tanta mazela, lembrando a “Canção do Exílio” de Murilo Mendes, que parodia a homônima de Gonçalves Dias, além de continuarmos não podendo “dormir com os oradores e os pernilongos” (proliferados como nunca), ainda convivemos com inúmeras informações, geralmente dignas de investigações policiais, sobre performances de muitos dos membros das famílias tornadas nobres dentre nós, reles mortais.

Como a nossa decadência é geral e abrangente, é claro que, hoje, os “sururus em família” não têm mais “por testemunha a Gioconda”, como podíamos “saber” pelos versos do já citado Murilo.

Se fosse hoje, no lugar da Gioconda, também conhecida como Mona Lisa, talvez o poeta registrasse a grosseira figura do Tio Sam, que recrutava jovens para as forças armadas dos EUA para atuarem na I Guerra Mundial.

Concluído o introito, deliberadamente irônico, o cerne é pensar sobre as consequências que poderemos ter por conta dos problemas que começam a vir à tona, assim como m... em águas poluídas: a contradição entre os discursos e as práticas do ex-deputado federal, e hoje senador, Flávio Bolsonaro, filho de Jair, presidente da República e imperador da moral cristã no Brasil.

Flávio está no centro de uma encrenca daquelas; tudo foi originado por conta de uma investigação do MP e da Polícia Civil/RJ sobre problemas de corrupção na Assembleia Legislativa. Por aí, chegou-se ao nome de um de seus ex-assessores. Por conta de complicações financeiras que envolvem o ex-assessor, Flávio já tem de explicar coisas bem complexas sobre a parte que lhe cabe em seu já encorpado latifúndio.

A contragosto, concedeu “entrevistas” em emissoras amigas de sua família, e a cada dia Flávio emite notas à imprensa (e nas redes, claro), tentando explicar o inexplicável. Por isso, o jovem político, dizendo-se ser vítima de perseguição, já tentou recursos até no STF, pretendendo não ter de dar explicações a ninguém.

Mas errou quem supunha que os problemas de Flávio seriam apenas esses. Há mais. Agora já se sabe que ele sempre atuou politicamente para consolidar milícias no Rio.

Como?

Dentre outras, condecorando milicianos com as principais honrarias do Estado. Houve condecoração até para investigado em chacina, aliás, um possível envolvido no caso das mortes de Marielle e Anderson. 

O que isso significa?

O de pior que possa vir de um político. As milícias – que são um dos tipos de organizações criminosas – são irmãs do tráfico, ou seja, a organização por excelência do crime.

Portanto, grosso modo, já podemos compreender que esse filho do presidente é, por tabela, um dos maiores responsáveis pela violência no Rio.

Lembrando Drummond, pergunto: e, agora, Jair?

Incertezas no ar.

Não basta dizer “se Flávio errou, tem de pagar”, pois sua grande família se ofertou politicamente como exemplo do moralismo cristão para salvar o país das mazelas, incluindo a violência.

Pois bem. Como todo moralismo é falso, a parte da mídia execrada pelos Bolsonaro nos oferecerá, a cada dia, um dado a mais de uma pantanosa novela. Desceremos às profundezas do inferno. Agora, é só o começo.

Pior: no plano ético, ninguém pode sequer sentir saudades de nosso passado político recente, também organizadamente criminoso.

Tragédia completa.

Segunda, 21 Janeiro 2019 16:29

 

 

O principal suspeito de assassinar Marielle Franco e Anderson Gomes é um ex-policial militar, capitão do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope).  A informação foi divulgada pelo portal Intercept Brasil.

Segundo a matéria publicada nesta sexta-feira (18), o suspeito teria sido expulso da PM por envolvimento com a máfia do jogo do Bicho no Rio de Janeiro. Desde então, passou a trabalhar exclusivamente como mercenário de bicheiros, políticos e quem mais estivesse disposto a pagar por seus serviços. Ele comanda um grupo em Rio das Pedras, Zona Oeste da capital fluminense, do qual ainda fazem parte ao menos dois outros ex-policiais. Ambos também tiveram participação no extermínio da vereadora e seu motorista.

O Intercept Brasil teve acesso ao inquérito do caso, o mesmo que a Justiça proibiu que a Rede Globo divulgasse. No processo, ao menos seis testemunhas citam o ex-policial como assassino de Marielle e Anderson. O veículo não divulgou o nome do suspeito, por considerar que poderia atrapalhar nas investigações.

Em maio do ano passado, dois meses após o crime, o mesmo portal já havia antecipado a possibilidade de que o assassino teria ligações com o Bope. Agora as investigações da Delegacia de Homicídios, através de coleta de depoimentos e inquéritos de outras execuções, apontaram o nome do suspeito.

Além disso, as apurações também apontam a possibilidade do envolvimento de milicianos na grilagem de terras e exploração de saibro na zona oeste no crime. Segundo o Intercept Brasil, pela linha de investigação, Marielle seria um entrave aos negócios do grupo. No entanto, a polícia ainda não apresentou provas que sustentem essa hipótese.

Marielle, Presente!
No dia 14 de março, a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes, foram executados no centro do Rio de Janeiro (RJ). Desde então, trabalhadores brasileiros e militantes de movimentos sociais têm se mobilizado para exigir a investigação dos assassinatos e a responsabilização dos culpados.

Marielle era mulher, negra, da favela e lésbica. Nasceu e foi criada na Favela da Maré. Com 18 anos, entrou em um cursinho popular do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, mas teve que abandonar os estudos por conta da gravidez.

Dois anos depois, voltou ao cursinho e passou no vestibular da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) para cursar Ciência Sociais, com bolsa integral. Cursou mestrado em administração pública na Universidade Federal Fluminense (UFF). Sua dissertação teve o tema “UPP: a redução da favela a três letras”. Seus últimos anos foram vividos ao lado da arquiteta Monica Tereza Benício, a quem considerava “minha companheira de vida e amor”.

Militante do PSOL há mais de uma década, Marielle trabalhou no gabinete do deputado estadual Marcelo Freixo, atuando na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias e na Comissão de Direitos Humanos. Ela recebia denúncias de violações de direitos humanos no Rio de Janeiro e acolhendo famílias vítimas da violência, fossem civis ou policiais.

Em 2016, Marielle se candidatou a vereadora na capital fluminense. Foi a quinta candidata mais votada da cidade, e a segunda mulher mais votada para o legislativo em todo o país, recebendo 46 mil votos. Marielle foi a terceira mulher negra eleita vereadora do Rio de Janeiro em toda a história.

 

Fonte: ANDES-SN (com informações do Intercept Brasil. Foto: Mídia Ninja)

 

Quinta, 06 Dezembro 2018 18:49

 

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Depois da derrota de Fernando Haddad para Jair Bolsonaro, ocorrida nas eleições de outubro deste ano, o Diretório Nacional do PT se reuniu em São Paulo, nos dias 01 e 02 de dezembro, para fazer um balanço do processo eleitoral 2018.

Em uma primeira versão da “Resolução política sobre balanço eleitoral”, documento saído da reunião mencionada, mesmo que timidamente, alguns pontos que poderiam ser vistos como algo próximo à autocrítica foram mencionados. Assim, reconheciam-se erros no governo Rousseff, bem como na campanha de Haddad.

Mas autocrítica feita sem vontade e sinceridade políticas não dura. A de que estou tratando não resistiu 24 horas.

No segundo dia de reunião da cúpula petista, decidiu-se excluir as poucas autocríticas da “Resolução”, a ser distribuída à sua base, que deverá apenas ler e seguir o pensamento – somente em tese, “gauche” – dos líderes iluminados, aliás, há pouco tempo, apeados do poder.

Para Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, o Partido não fará autocrítica para a mídia e para a direita; fará apenas na prática. É mais um erro.

De substancial, mais do que detalhar os “equívocos dos governos petistas”, ditos “en passant” na “Resolução”, a cúpula do PT preferiu continuar imputando os problemas existentes à imprensa, ao judiciário e à elite”.

Que a imprensa, o judiciário e a elite, na qual insiro todos os “companheiros” graúdos do próprio PT, têm problemas, ninguém desconhece. Todavia, imputar o desastre anunciado das eleições apenas a agentes externos é forçar qualquer análise política; ou, então, é ter medo de enfrentar as verdades internas, que, no caso do PT, são mesmo doloridas.

Mas de todos os problemas da análise petista na tal “Resolução”, o pior foi a centralidade que Lula ganhou no texto. Só deu ele, do começo ao fim. Todos os problemas do país e do mundo, por conta do “avanço do neoliberalismo”, e que são reais, acabam girando em torno de Lula. Impressionante!

A “Resolução” do PT, na essência, não passa de um panfleto para tocar nas almas caridosas, desejando, antes de tudo e de todas as coisas, conquistá-las para a continuidade da luta pela liberdade de Lula, que ao PT e a seus próximos, é preso político.  

Uma vez tomado esse caminho, a “Resolução” conclui que a prisão de Lula foi responsável por viabilizar a vitória de Bolsonaro.

Não foi.

Lula estava preso desde abril, e sem a menor chance de reversão. Todos sabiam disso, mas a cúpula petista usou o clima das eleições, até com apelações internacionais, como tentativa desesperada de ver seu líder disputando a presidência.

Ao tomar essa decisão, o PT fez da própria democracia nacional questão secundária. Resistiu até o limite dos prazos para passar o bastão a Haddad, que já entrou derrotado.

Em momento algum, o PT foi capaz de abrir mão da disputa para outro partido. E havia candidato que venceria Bolsonaro. Ciro, o rifado, mesmo longe de ser o ideal, era o principal dentre os demais. Todas as pesquisas registravam a mesma tendência. Se o PT tivesse grandeza política, e de fato quisesse a vitória da democracia, e não apenas a sua vitória, hoje, Bolsonaro continuaria a ser um deputado do baixo clero. Nada mais.

Agora, por conta dos erros e da tentativa de manter a supremacia do PT naquilo que se pode caracterizar como oposição política ao avanço ultraconservador no Brasil, Bolsonaro agigantou-se, podendo apequenar nossa democracia, pois na mala que levará do Rio a Brasília, ele já organizou o seu “grande armée”; ou melhor, o seu Grand Army of the Republic.

Segunda, 03 Dezembro 2018 09:34

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT

 


Este artigo foi produzido ainda sob o impacto de saber que Ricardo Vélez Rodríguez é quem comandará o MEC. Que ele seja um “hermano” nascido na Colômbia, sem problemas. A questão é outra.

Aos poucos, vamos conhecendo os integrantes do novo governo. Dentre todos, e muitos oriundos do militarismo, o que lembra Bonaparte compondo seu “Grande Exército” (“La Grande Armée”), o novo ocupante do MEC – que poderá abarcar outras secretarias e ministérios, como o da Cultura – é o mais intrigante, embora sem surpresas. As escolhas de Bolsonaro correspondem a sua postura político-ideológica.

De cara, Rodríguez – que é professor de Filosofia, logo, que para existir, precisa pensar sobre o que existe de fato – optou, ideologicamente, pensar de forma diferente dos acontecimentos de nossa história. Em muitos pontos, seu pensamento assemelha-se a narrativas de ficção, que só não são hilárias porque a tragédia do real ainda pesa.

Eufemisticamente, Rodríguez – assim como outros bolsonarianos já recrutados para um tipo peculiar de “guerra santa” – pensa que o golpe de 64 foi um “movimento” ou uma “revolução” abençoada por Deus.

Em geral, as crianças daquele momento também pensavam como Rodríguez. Todavia, os niños daqueles que sofreram com a tortura tiveram de compreender logo como, de fato, tudo aconteceu.

Mas por que Rodríguez é o mais intrigante dentre os homens (e as poucas mulheres) do presidente eleito?

Porque Bolsonaro vigiará o MEC. Antes de Rodríguez, vale lembrar, Mozart Ramos é quem ocuparia o ministério. Todavia, a bancada evangélica protestou; e não protestou no viés do pensamento e práticas de Lutero, mas no bojo da lógica pentecostal.

Portanto, muito mais do que a tão falada “verdade” contida em João 8:32, será o viés pentecostal que se tentará impor à educação. Na essência, a moral cristã dos rígidos códigos do Velho Testamento. Códigos que sequer são compatíveis com o tipo de amor referido no evangelista João, mas no cap. 15; 12- 17. Confiram a contradição. 

Mas isso não é tudo, pois tudo isso está no campo do simbólico. Paralelo às ações moralizantes (socialmente, sempre ideológicas), que condenam ao inferno até o uso de termos, como “gênero”, estarão presentes, no campo do concreto, as tentativas de privatizações de nossas redes, com ênfase à privatização das universidades federais.

Nesse sentido, o ensino federal deverá ser um dos alvos preferidos para ataques do MEC, que encontrará, por irresponsabilidade de governos anteriores, pavimentado o campo para tais ações.

Como isso ocorreu?

Ao longo do tempo, foi imposto às universidades o mesmo “toma-lá-dá-cá” da política nacional. Assim, a autonomia universitária (Art. 207 da Constituição) foi aviltada, em especial nos governos petistas. Sob a larga bandeira da inclusão, ainda que necessária, as federais foram obrigadas a aceitar programas de expansão (como o REUNI), mesmo sem as condições adequadas. Dentre outras mais, o ENEM também foi arte de mandonismo.

Em contrapartida, para facilitar as imposições político-partidárias, foi mantida a lista tríplice para a escolha de reitores. Fazendo parte de jogadas políticas, a escolha do reitor eleito pelas universidades era confirmada pelos presidentes da República.

Agora, daqui pra frente, tudo vai ser diferente, pois a onda conservadora é imensa. Isso demandará das universidades muitas reflexões e ações que facilitem a unidade na luta para a permanência desse espaço ainda público, laico, gratuito, de qualidade e socialmente referenciado.
 

 

Sexta, 23 Novembro 2018 13:57

 

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Por Aldi Nestor de Souza*

 

Expulsaram Tuca e seus dois irmãos da rodoviária. Os três vendiam Pipoca e Jujuba por lá. Cada um carregava seu próprio tabuleiro, lotado dos produtos, rente ao umbigo e preso ao pescoço por uma cinta de pano velho. Tinham entre 12 e 15. Pelo cansaço, pareciam estar ali há 30. Trajavam calções, camisetas e chinelos de dedo. Invadiam a noite. Bocejavam.

"poca é 10, juba é 10 ;  poca é 10, juba é 10; poca é 10, juba é 10. Moço, compre uma jujuba pra me ajudar!”

cantavam ao longo do dia, em todos os recantos da rodoviária. 10 centavos a unidade. O dia inteiro, todos os dias, de segunda a sábado. 100 jujubas vendidas, por exemplo, significava um faturamento de 10 reais, cinco de lucro. Mesma coisa com a pipoca. Às vezes almoçavam um milho cozido. Ás vezes uma tapioca. Às vezes, jujuba com pipoca. Às vezes esqueciam.

No domingo desapareciam. Descansavam.

Nenhum dos três conheceu o pai. E não sabem do paradeiro da mãe. Foram criados pela tia que não teve o que lhes oferecer, exceto os tabuleiros e um crédito na mercearia do bairro pras jujubas e pipocas. Era assim que funcionava: toda manhã eles prestavam conta do dia anterior, realimentavam os estoques e chispavam pra rodoviária.  

"poca é 10, juba é 10 ;  poca é 10, juba é 10; poca é 10, juba é 10. Moço, compre uma pipoca pra me ajudar.” Insistiam, com olhar em lugar nehum.

Quando o time deles ganhava, uma alegria lhes conferia dignidade e um certo brio, temperado com desdém, lhes dava a possibilidade e a disposição para zoar com os outros comerciantes e com os demais trabalhadores do recinto. Sonhavam ser jogadores de futebol. Sonhavam até ser soldados de polícia ou bombeiros. Mas quase todo sonho era interrompido pelo dever de cantar as pipocas e as jujubas e para atender aos imprescindíveis clientes.

Sonhavam se livrar dos tabuleiros.

Às vezes arriscavam olhar pra uma menina bonita, dessas arrumadas pra viajar. E teciam lá seus comentários e sorrisos, típicos da idade das espinhas. Mas não ousavam além disso. Era só mesmo a voz dos hormônios e a flor da meninice que não resistem aos encantos da beleza e que ignoram tabuleiros, calções puídos e chinelos de dedo. Era só mesmo um grito do amor que dá em todos, que transcende e estar acima de qualquer miséria humana. 

A primeira expulsão foi do local de embarque. E aconteceu sem que eles recebessem qualquer aviso prévio. Na época os meninos estavam acostumados a atravessar a catraca e ir ter dentro dos ônibus de motores ligados, prestes a darem a partida. E ficavam por lá até o último minuto, negociando com o motorista,  esgueirando-se entre poltronas, malas e passageiros: “ poca é 10, juba é 10;  poca é 10, juba é 10; poca é 10, juba é 10”. Insistiam. Numa segunda feira, sem perder muito tempo, o moço da catraca lhes avisou. Não pode mais!

Não havia a quem reclamar. A gerência era coisa distante de mais dos tabuleiros. Até tentaram, em vão, subornar um vigilante ou outro. E acabaram reduzidos ao resto da rodoviária. Pelo menos estavam livres dos olhares de chateação dos motoristas e dos passageiros e não precisavam mais equilibrar os tabuleiros em cima de suas cabeças.

Com uma reforma, que mexeu na estrutura do comércio inteiro, veio a sentença definitiva: nenhum ambulante é permitido e só alguns dos comércios antigos, os que conseguiram se adequar, sobreviveram . A rodoviária se encheu de tecnologia, de vigilantes jovens, soturnos e de coturnos, e de comércios de donos desconhecidos: subway, bob’s, robert’s, mcdonald´s e vários outros apóstrofos, mostrando o alcance, a frieza e as consequências da intermitente globalização. Agora é preciso pegar senha pra comprar pipoca e jujuba e aguardar a chamada numa tela fria.

Desapareceu o cantar dos meninos. Não se ouve mais, nem de longe, o "poca é 10, juba é 10; poca é 10, juba é 10, poca é 10, juba é 10". Ninguém sabe do paradeiro deles. Nada, como da vez das catracas, lhes disseram sobre mais essa novidade. Não lhes deram um novo local de trabalho. Não lhes deram qualquer explicação. Apenas lhes comunicaram, numa segunda feira qualquer: Não pode!

Talvez, como sonhavam, tenham finalmente conseguido se livrar dos tabuleiros.

 

*Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática/ UFMT-Cuiabá
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Segunda, 22 Outubro 2018 09:01

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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Wescley Pinheiro
Professor do Departamento de Serviço Social da UFMT

 

É chegada a hora do eclipse da potência e do ato. O ovo foi chocado e a serpente está solta, sua pele não é mais a mesma e seu rastejar não precisa exatamente das estruturas corriqueiras. O veneno explode no cotidiano e se naturaliza na histórica repressão e no aprofundamento do estado penal-policial. Seu veneno vem de diversas formas, poderá ser mais forte a depender do sufrágio mas ele já é bebido por aí.

Ébrios de todo o ódio possível, o/a trabalhador/a objetifica a vida, coisifica relações, enxerga coisa em outro/a trabalhador/a, enxerga objeto no diferente, normaliza a desumanização e ataca a superfície diante da degradação da vida que somente sobrevive. Sem referências coletivas, sucumbido numa política que parou no moralismo e separou-se da realidade concreta ele perdeu a crença nos instrumentos de sua classe e a fé na sua própria humanidade, aposta tudo no nada, no discurso vazio de conteúdo, mas assertivo na forma. A cobra sabe gritar. A serpente sabe mentir, sabe acalentar desesperos e temperá-los com as desigualdades mais diversas que alimentamos por aí. A serpente se alimenta de medo.

O seu veneno e o seu rastejar perfuram pessoas, potencializam históricas opressões, dilapidam a racionalidade e cresce da inoperância da aparente oposição cibernética, performática, identitária. Enquanto o saudosismo reacionário romantiza os anos de chumbo, obscurece suas contradições, relativiza sua concretude, a abstração da maior parcela supostamente contra-hegemônica romantiza a resistência, fantasiando estratégias e táticas de um outro tempo ou mistificando sua política numa bolha culturalista, obscurecendo suas ações para um autoritarismo muito mais complexo! A cobra trocou de pele.
 
Para sabermos o que fazer é necessário saber onde estamos e para onde iremos nesse barco à deriva no mar de raiva e incoerência. Para sabermos o que fazer é importante entender como chegamos aqui, como alimentamos essa serpente e como seus ovos foram espalhados e chocados por aí. As difíceis perguntas respondidas com respostas simplistas tendem aos desvios. É fundamental questionarmos o óbvio: como uma importante parcela de nossa classe pode espontaneamente abrir mão da democracia e, pelo caminho “democrático”, defender a desestruturação das mínimas conquistas que atingiu?
 
É preciso nos perguntarmos mais: a conjuntura atual demonstra o esgotamento da emancipação política ou somente desvenda seus limites? Seria o Estado penal-policial o amadurecimento do estado capitalista? A violência que nos atinge e que parece nos perseguir em sua radicalização num futuro próximo se dará pelos mecanismos formais ou estamos pintando o inimigo olhando para o passado e não para o presente? Muitas perguntas e poucas respostas materiais. No entanto, há caminhos para entendermos tudo isso.
 
Compreendermos as raízes históricas do nosso país, sua modernização conservadora, seu processo de revolução burguesa pelo alto e o desenvolvimento dependente e combinado com o imperialismo é o primeiro passo. Refletirmos sobre nossa história recente e como reproduzimos nossa estrutura não sendo capazes de acertarmos as contas com a última ditadura que aqui se colocou, também é importante. Por fim, é fundamental perceber como potencializamos o avanço do conservadorismo ao perdermos a capacidade da disputa de hegemonia, fazendo algo que partisse da vida concreta dos sujeitos de nossa classe e que não caísse no pragmatismo do status quo.
 
Perpetua-se na imagem estereotipada do Brasil elementos curiosos de uma formação repleta de contradições. Seja em importantes episódios de sua história, na própria conjuntura atual ou mesmo nos valores culturais, a simbiose de diferentes setores sociais em suas negociações políticas, a permanência de pensamentos arcaicos sob roupagens modernas e, por fim, elementos do cotidiano de brasileiras e brasileiros explicitam o limiar de uma constituição social peculiar.
 
Os conhecidos sinais de cordialidade e alegria do povo brasileiro vêm acompanhados pela naturalização de contradições e incoerências: a propagada característica de um povo pacífico, oculta processos de autoritarismo das elites ante levantes populares, o famoso “jeitinho brasileiro” explicita estratégias de sobrevivência ante as desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, a reprodução delas com a banalização do patrimonialismo e de tradições antidemocráticas.
 
O país do carnaval e da fé, do sagrado e do profano, do povo trabalhador e do mito da malandragem disfarça, em seus estereótipos, as cisões que se construíram a partir da processualidade histórica de uma nação formada como colônia de exploração, calcada na escravidão dos povos africanos, na matança dos povos originários, no desenvolvimento rural a partir da monocultura, na industrialização precária e atrasada, no desenvolvimento regional irregular e desproporcional, na construção da cultura com fortes elementos do patriarcado, do machismo e do racismo.
 
Essa estrutura fundamentará a questão social no Brasil perpetuando uma dimensão de classe muito mais complexa. É essa lógica que moralizará a questão social e irá patologizar comportamentos contra-hegemônicos, justificará o encarceramento e o extermínio de uma parcela da classe trabalhadora, objetificará corpos, naturalizará violências e mercantilizará tanto os sujeitos historicamente oprimidos como buscará capitular e mercantilizar suas resistências coletivas e individuais.
 
No entanto, o autoritarismo burguês não é somente uma particularidade brasileira ou latino-americana. Na crise estrutural do capital a tendência de universalização das práticas fascistizantes se asseveram. A ideia de uma característica antidemocrática como exceção da sociedade capitalista reproduz a visão dualista entre democracia x ditadura, coerção x consenso, quando, na verdade, dentro da história, o processo elástico da emancipação política conflui num processo de unidade de contrários, de continuidade na descontinuidade e no processo de pressão de classe que esbarra em limites estruturais desta sociedade. A dimensão autoritária da burguesia faz parte do seu amadurecimento político oriundo de sua consolidação com seus projeto de sociedade e sua hegemonia política.
 
O que se apresentou como novo imperialismo foi na verdade a manifestação atual dos mesmos fundamentos que determinaram o modelo imperialista de todo o modo capitalista enquanto totalidade, que não se furtou de abarcar as particularidades para explorar ainda mais parcelas da classe trabalhadora, a partir de questões de gênero, raça/etnia, cultural, política e geográfica arregimentando a acumulação dos países centrais e a possibilidade de reprodução do capital.
 
O fascismo clássico, radicalização do poder do estado burguês como alternativa violenta, explícita e evidente às crises do capital da época foi articulado por uma necessidade histórica que perdeu hegemonia frente ao keynesianismo-fordismo, mas que nunca morreu enquanto possibilidade, muito menos sufocou seus elementos ideológicos e, por fim, não impossibilitou que o autoritarismo e a agressividade com os oprimidos permanecesse nos países democráticos no pós-guerra.
 
O fascismo contemporâneo revela nuances importantes que manifestam a agudização do papel do estado para o capitalismo destrutivo, que consolida a minimização para os direitos e políticas sociais e a maximalização para a repressão à resistência coletiva e estruturação do lucro do capital, seja pelo financiamento direto com o fundo público, seja como base estruturada para ampliação da mais valia absoluta e relativa. Ovo da serpente multiplica formas clássicas, mas também convive com as novas características do capital.
 
Há outros elementos importantes. A diluição das práticas autoritárias vão para além da estrutura formal do Estado. O binômio força-consenso se faz presente no cotidiano. O veneno se espalha na violência autorizada contra a diferença e a divergência. Não precisamos de um golpe clássico para que ela ocorra. A trágica forma limitada da democracia representativa e as distorções potencializadas pela mídia, pelo fundamentalismo religioso e pelo mercado já carregam de bandeja uma consciência coletiva reificada que legitima o autoritarismo. As forças armadas não precisam de Ato Institucional, podem marchar por aí para combater o tráfico de drogas, o crime organizado e, sem quebrar a institucionalidade, fazer uso da lei anti-terrorismo que foi aprovada dentro dos trâmites do estado democrático de direito.
 
E fica pior. A serpente do fascismo não tem seu principal exército no estado, o para-militarismo é e será a tônica principal! O problema maior não é “o guarda da esquina”, mas o vizinho, o colega de trabalho, o desconhecido que te olha na rua. A autorização da violência potencializará milícias, autorizadas pelo clima construído, pela inoperância e permissividade dos homens de toga, pela potência incoerente, mas imponente da grande parcela dos pastores inescrupulosos e do sensacionalismo midiático com sede de dinheiro, poder e ódio.
 
O agravamento da repressão virá com o armamento desmedido da lógica obscura, abjeta e objetificada de uma elite historicamente autoritária, de uma classe média rancorosa, e, de modo informal ou ilícito, de uma parcela da classe trabalhadora despolitizada, que reproduz o desencanto com a coletividade e se encontra em coletivos alienantes e alienados, que servirão de ponta de lança do capital, do genocídio da juventude negra, do feminicídio, da LGBTfobia, da xenofobia interna e externa e da morte quem buscar defender as liberdades democráticas, falseada pelo moralismo como defesa do comunismo ou como exclusividade da esquerda.
 
Contra a serpente não há para onde correr. Não há exílio. O levante autoritário é internacional. A particularidade brasileira é perversa, no entanto, o crescimento da barbárie é evidente e incendeia na “guerra ao terror”, na tragédia dos refugiados, na potencialidade da xenofobia e na divisão despolitizada de uma classe trabalhadora que vê o capital mundializado, o alto desenvolvimento das forças produtivas, a constituição de novas formas de exploração, mas que naturaliza tudo isso e quando as coisas se agravam e, no seu cotidiano, só enxergam inimigos tão próximos quanto falsos.
 
Quando naturalizamos o possibilismo, quando fingimos que a saída eleitoral é a única possível, quando perpetuamos a lógica do fim da história, quando abandonamos o trabalho de base, deixamos de disputar os espaços da cultura do povo, quando apontando somente reparos e não uma lógica emancipatória, deixamos espaço para o fascismo tomar de conta, aparecer como o encanto da sua serpente dizendo que remediará os problemas da contradição capital-trabalho pela força.
 
Quando o reformismo tardio e requentado apontou sua institucionalização forjada nas regras do jogo das elites e saiu das periferias, voltando somente com as políticas sociais do Banco Mundial, consolidou um artifício que não se sustentaria por muito tempo diante da crise iminente. Quando a lógica da política pós-moderna abstraiu a vida das pessoas e ofereceu apenas o campeonato das opressões e a caricatura de disputas privilégios, sem pensar a lógica interseccional e consubstancializada, perdeu força diante da potência moralista de nossas raízes históricas. Quando os coletivos autônomos e classistas sucumbiram em pequenos focos de resistência, distantes também da vida cotidiana, dos aparelhos ideológicos, da cultura e das bases populares, deixamos lacunas ocupadas por aqueles que tem fórmulas mágicas, discurso fácil e o vazio que cabe toda forma de opressão.
 
Enquanto se jogava para debaixo do tapete às contradições do “pacto social”, da “conciliação”, da coalização com sujeitos individuais e coletivos representantes do capital, se abandonava a capacidade de organização, de formação e de aprofundamento de uma cultura contra-hegemônica nos setores populares e se caçava de forma cruel e efetiva qualquer crítica séria.
 
Achar que as diversas expressões conservadoras e protofascistas surgem do nada, voltam de modo anacrônico ou por meio de devaneios faz parte de uma lógica que quer continuar crendo no jogo marcado da estrutura social vigente. Não estamos voltando para a idade média, isso é capitalismo, isso é decadência ideológica da burguesia, isso é a reprodução social buscando saídas dentro de uma crise estrutural e as caricaturas expressas em Temer´s, Bolsonaros, Dórias e afins são assustadoramente do nosso tempo, o tempo da barbárie. Não nos esqueçamos que o combate aos golpistas, aos fascistas, aos autoritários que estão no poder ou que almejam o poder passará necessariamente por quebrar a lógica atual e isso não se fará com atalhos.
 
Quando potência e ato se unem na língua da serpente a violência se exacerba e as possibilidades mais irracionalistas se consolidam. Explicitar a responsabilidade de cada força política que age em nossa sociedade para que tenhamos chegado até esse ponto é importante, colocar nossos desafios, idem. Isso não se remete em sermos irresponsáveis, abrindo mão de uma unidade imediata com todos os setores democráticos do país, sejam eles liberais e/ou reformistas. Não há como se abster: na agudez do tempo histórico não podemos titubear na tarefa frente as eleições presidenciais. Barrar a legitimação do fascismo é fundamental e qualquer posição abstrata, seja ela sectária ou moralista é perder o chão da história.
 
No plano mediato precisaremos conquistar corações e mentes frente ao (desen)canto da serpente, nos posicionando nos nossos espaços coletivos, ampliando as estratégias e táticas de autocuidado, endurecendo sem perder a ternura, cultivando lucidez frente a barbárie e reaprendendo à disputa de consciências.
 
A serpente está viva. Para além da tragédia das urnas ela continuará rastejando e o que temos pela frente serão anos de ascensão da violência. Enquanto transformam os instrumentos de luta da classe trabalhadora (sindicatos, partidos, etc) em palanques para promoções privadas, espalha-se ainda mais o seu veneno: o recrudescimento do conservadorismo e os riscos da instauração de um governo autoritário militarizado e também paramilitar.
 
Precisamos frear o fascismo nas urnas e esgotá-lo nas ruas. A regressão de direitos exige dos sujeitos coletivos comprometidos com a emancipação humana uma visão certeira, madura e estrategicamente firme dos limites da emancipação política, sem reducionismos e sectarismos, mas sem cair na condescendência minimalista e naturalizadora da reprodução do binômio exploração-opressão.
 
A serpente rastejará por dentro e por fora do estado. O veneno será bebido por todos os lugares. Aquilo que já era regra contra a classe trabalhadora empobrecida, negra, moradora da periferia e que também se expressava publicamente contra os setores autônomos, combativos e organizados contra o desmonte dos direitos hoje galopa de modo evidente, mais profundo, violento e apressado para dilapidar tudo e todos.
Qualquer alternativa que não busque o difícil, tortuoso, complexo e fundamental caminho para uma ruptura com a essência disso tudo será apenas a perpetuação do mesmo. Um dia chega o vendaval e a poeira sob o tapete vem para os nossos olhos. A serpente tem medo da verdade e seus ovos apodrecem com a força coletiva, por isso não há outro caminho que não seja o da luta emancipatória.