Segunda, 01 Março 2021 11:40

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Lélica Lacerda *

Você prefere ter o que comer ou onde estudar? Essa é a pergunta do capitão do mato Bolsonaro e dos grandes conglomerados financeiros aos brasileiros. Só em 2020, essa parceria rendeu um faturamento de R$1,381 trilhões que saíram direto dos cofres públicos a partir do pagamento da amortização dos juros da dívida pública.

Segundo a Oxfam, em 2019, o 1% mais rico do mundo detinha 89% da riqueza mundial. No Brasil, os seis mais ricos - todos amigos do governo - detêm a mesma riqueza que a metade mais pobre da população do país. O resultado desta situação absurda de concentração é que, por mais que estejamos num mundo repleto de riquezas produzidas pelos trabalhadores, a maior parte de nós não tem o mínimo necessário para sobreviver.

No Brasil, estima-se que 10,3 milhões de pessoas não têm acesso regular a comida. Ou seja, num país de dimensão continental, cheio de terras agricultáveis, batemos recorde de exportação de soja a preços recordes pela alta do dólar, mas o povo passa fome.

"Não temos dinheiro" dizem as autoridades (in)competentes. Porém, no início da pandemia, foi autorizado um pacote de salvamento de bancos na ordem de R$ 1,2 trilhões - fora o R$ 1,38 trilhão da dívida pública. Pasmem: bancos! Bancos, que não precisam de respiradores e cujas movimentações seguiram acontecendo durante a pandemia, online, 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Enquanto isso, o pacote de salvamento dos trabalhadores (o orçamento de guerra) foi de R$750 bilhões. Ou seja, para o governo brasileiro, meia dúzia de família de banqueiros internacionais são 2 vezes mais importantes do que a população brasileira.

Cumpre ressaltar ainda que, mesmo durante a pandemia, os investimentos em saúde permaneceram estagnados. O mesmo Sistema Único de Saúde (SUS), empobrecido por sucessivos cortes, teve como recurso extra na pandemia apenas a boa vontade de seus trabalhadores que, após receberem aplausos da população, agora poderão ter seus salários cortados em 25% pela Reforma Administrativa. O pretexto é o mesmo: falta dinheiro para a população, mas sobra para os bancos.

O governo federal não tem dinheiro porque precisa sustentar, primeiro, os banqueiros! Sua prioridade é pagar supostas dívidas seculares – e trilionárias; com o que sobrar, talvez invista na população. Trocando em miúdos, isso é o que impõe a Emenda Constitucional 95. Aprovada em 2016, congela investimentos sociais por 20 anos, haja o que houver, inclusive uma pandemia.

Com os banqueiros surrupiando cerca de 40% do nosso orçamento federal, não sobra dinheiro para nada mesmo! Então, diante de 10,3 milhões de famintos e 11,3 milhões de desempregados, para não tocar no 1% mais rico, o governo apresenta uma nova sugestão: para garantir mais uma etapa do auxílio emergencial, uma lei que retire recursos de Saúde e da Educação.

A serviço de banqueiros, que já não tem mais onde investir tanto dinheiro, em plena pandemia, os governos pedem para que a população escolha ter o que comer, ter onde estudar ou ter para onde ir caso precisem de atendimento médico.

Mas na escolha entre comida, saúde ou educação, eu escolho que os bancos paguem pela pandemia e pela crise econômica que é toda deles! Taxação de lucros, de grandes fortunas, de heranças, cobrança de impostos sobre iates e helicópteros, taxação das milionárias transações financeiras, do Agronegócio, auditoria cidadã da dívida pública! As opções são muitas! Os recursos para combater a miséria precisam vir dos privilégios de quem tem muito, não dos direitos de quem já não tem quase nada.

*Lélica Lacerda é professora do Departamento de Serviço Social da UFMT e diretora da Adufmat-Ssind.

Segunda, 01 Fevereiro 2021 09:13


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Texto enviado pelo Prof. Roberto de Barros Freire.
 
Sempre que o presidente é questionado em seus atos governamentais, ele, para disfarçar suas incongruências, ofende seus interlocutores, em particular a imprensa. Ele esconde seus desacertos fazendo algo mais escandaloso do que o escândalo do seu feito que está sendo indagado. Pego em flagrante aberração em aquisições do seu governo, como a informação sobre compras de alimentos —chiclete, pizza, picolé, bombom, batatas em pacote, vinho e principalmente leite condensado, que deve ser vasculhada, até porque as explicações do governo são confusas, ao invés de explicar o feito, agride aos repórteres. Se é para fornecer leite aos soldados que não tem como refrigerar o leite em natura, como afirma o governo, não seria mais apropriado leite em pó ao invés de leite condensado?

O fato é que, contrariado com uma publicação, o boca-imunda do Planalto despejou seu vocabulário de espelunca contra a imprensa, mais uma vez. Aos gritos, o presidente sem decoro do cargo da presidência da República mandou o jornalismo brasileiro para a “pqp” e que os jornalistas enfiassem latas de leite condensado "no rabo". Ao utilizar tal vocabulário ele nos autoriza a usarmos o mesmo linguajar para se referir a ele. E mais ainda, ele tem que ser censurado para nossas crianças e jovens. Ele serve como um exemplo negativo do que não se deve fazer; não é um modelo para os jovens e crianças, mas uma vergonha para todos. Os estrangeiros estranham como permitimos um governante tão escroto. Aliás, como as autoridades legislativas e judiciárias, o ministério público, não tomam uma atitude contra gesto tão obsceno e indigno praticado pelo presidente? Por que deveríamos tratá-lo com dignidade se ele não trata os demais assim, ofendendo a todos, em particular nossa inteligência e bom gosto?
E o pior é ver uma plateia submissa, um rebanho de brutos e ignorantes aplaudirem tal gesto nefasto, todos achando que Bolsonaro é o máximo, um “macho”, ou ousado, que enfrenta a imprensa, o que na verdade é um gesto de insegurança e fuga, se escondendo atrás dos insultos e dos guardas costas, de uma plateia amiga, num encontro de lambe botas, onde só o seu rebanho pode ter acesso a fala. Se esconde de um debate civilizado porque não tem respostas razoáveis aos seus gestos e deliberações, todas elas fruto de rompantes de um ignorante, um bruto, um estúpido, um idiota, aqueles que os gregos denominavam incapazes de perceberem a situação política e social e deliberarem segundo seu fígado, não com a razão.
Bolsonaro, aliás, esconde seu rabo de suas obrigações, fugindo de seus deveres, não assumindo suas responsabilidades, como ficou mais do que visível no caso recente do Amazonas, na sua incapacidade de suprir com as necessidades mínimas para salvaguardar as vidas. Mas há exemplos desde o início do seu governo (desgoverno), que já promoveram uma enxurrada de pedidos de impeachment no congresso, que alienado, os deixam engavetados.
Um presidente que não sabe se portar como tal, não apenas não sabe o que fazer para governar, se associando ao que há de pior entre as pessoas que comungam de suas idiossincrasias, não sabe nem ao menos ser educado, que deve ouvir as críticas, as indagações e responder, não apenas aos seus capachos e seguidores, esse gado humano sem crítica e capaz das piores barbáries, todos adeptos de golpismos. Um presidente precisa ouvir a todos e não apenas a sua rede de seguidores. Precisa ser magnânimo, não se deixar abater por palavras e gestos dos demais, e principalmente deve cuidar do seu linguajar, pois todos podem ouvir. Boa parte do que Bolsonaro expressa é proibido para menores.
Enfim, um covarde que se esconde atrás de berros e ofensas para não dar explicações de suas deliberações, que foge das perguntas da imprensa, que tem o seu rabo preso, cercado de capachos em todas as instâncias que pode atuar para impor seus seguidores. E ao que parece terá mais o legislativo sobre seu comando, assim como fez com o ministério público e a polícia federal. Bolsonaro quer se resguardar de suas atitudes equivocadas e prejudiciais ao Brasil. Não temos um presidente da república, mas uma criança ensandecida, que não quer dar satisfação a ninguém e se utiliza dos bens públicos para seus interesses privados e de sua família.
Temos muito a nos envergonhar e a história deixará um registro medonho dessa época em que fomos governados por um bárbaro golpista, que se puder mandará prender a imprensa e derrubará as instituições democráticas que tem aparelhado para sua defesa. O futuro nos verá como um retrocesso histórico que demorará muito tempo para recuperar tudo que está sendo destruído por um brutamonte ignorante e sem educação. Seremos lembrados por nossa falta de educação por deixarmos uma pessoa tão imprópria conduzir esse país, alguém inapto para tão alto cargo, que exige no mínimo alguma educação elementar, e não a rudeza e a ignorância que esbanja nosso presidente com orgulho.
 
Roberto de Barros Freire

Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Sábado, 30 Janeiro 2021 16:44

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O PT COMO ZERO À ESQUERDA

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura/UFMT

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Antes da chegada ao poder federal da atual perigosa aberração governista, vivenciamos a produzida e – até “inocente” – dicotomia entre os “mortadelas” e os “coxinhas”.

Ao primeiro grupo, adequavam-se os simpatizantes do PT, bem como os que se aproximavam do pensamento – ainda que apenas teoricamente – mais à esquerda. Ao segundo, os assumidamente neoliberais, como os correligionários do PSDB.

À margem daquela (falsa) dicotomia, sob uma ameaça (É bom JÁ IR se acostumando”) e um conjunto de discursos rasos e moralizantes, capitaneado pelo enunciado vazio “Deus acima de tudo”, logo, por natureza, cínico, corria livre, leve e solta uma perigosa alternativa política, que não foi levada a sério por quase ninguém, principalmente, de ambos os grupos identificados acima.

Por conta desse descrédito, e sedentos pelo poder, fosse a que custo fosse, os líderes partidários “antagônicos” de antes continuavam mandatários, cada qual em seu reduto. Um deles, inclusive, apitava alto de dentro de uma cela. Para sustentar seus interesses, cada qual alimentava de ódio e rancor suas ignaras turbas. Assim, não tiveram (ou não quiseram ter) a perspicácia de antever que estavam prestes a ajudar na confirmação da “incompetência da América católica/ Que sempre precisará de ridículos tiranos...”, conforme já havia cantado a bola Caetano Veloso em “Podres Poderes”; aliás, se fosse hoje, talvez Caetano permutasse o termo “católica” pelo mais abrangente “cristã”. Genial como é, daria conta de resolver as duas sílabas métricas faltantes.

Deu no que deu. A perigosa aberração das aberrações chegou ao poder, alavancada, ao final, pela insistência petista em antagonizar um pleito previamente perdido. Se o PT quisesse, a turma governista, tão próxima de milicianos cariocas, teria “morrido afogada” na própria praia da Barra. Marina ou Ciro ajudaria o país a atravessar este momento, até encontrar algo melhor no futuro.

Agora, as lideranças de mortadelas e de coxinhas, além de outras que orbitavam próximas de ambas, deveriam promover todos os esforços – estratégicos e táticos – para alguma aproximação. Contra o verdadeiro inimigo comum, só a união, ainda que fosse pontual e momentânea. Elementar.

Mas as lideranças petistas são mesmo tão opostas assim a determinados interesses do bolsonarismo?

Antes de tratar dessa indagação, é preciso reforçar que seria elementar a união de todos contra o bolsonarismo. Todavia, não seria tão elementar assim para quem cultiva um antagonismo vazio e hipócrita entre seus seguidores.  

Para tratar desse vazio e dessa hipocrisia, tomo aquele ato – obviamente, político, para marcar a chegada da vacina contra a Covid-19 – que o atual governador de SP – candidato a presidente em 22 – realizou no dia em que seu Estado completou 467 anos. Para as comemorações, foram convidados todos os ex-presidentes pós-golpe/64.

Oportunista aquele ato?

Com certeza. Mas um oportunismo, digamos, oportuno; repleto de sentido. Imersos no degradante quadro social, político, econômico e ético, nenhum ex-presidente deveria ter se ausentado. Querendo ou não, aquele encontro – à lá posse de Biden – era algo que deveria transcender as miseráveis fronteiras de nossos partidos, quase todos iguais em suas abomináveis práticas internas.

Pois, além de Collor, Lula e Dilma recusaram o convite. Ao se ausentarem, ambos se omitiram no difícil processo de suplantação nacional do atual e degradado estágio político. As justificativas “politicamente corretas” de ambos parecem ser hipócritas, pois também são oportunistas. Dilma chegou a dizer que não queria “furar a fila da vacina”.

A essa sua justificativa, lembrou Ricardo Kertzman em Isto é de 22/01:

...Lá pelos idos de agosto de 2016, Dilma teve a aposentadoria de mais de R$ 5 mil (apenas a do INSS) deferida em tempo recorde: 24 horas! Em Brasília, onde seu pedido foi apresentado, o tempo médio de espera, apenas para ser atendido numa agência, é de incríveis 115 dias”.

Com tais justificativas, os dois petistas fizeram sua fiel e escudeira militância morder a língua, pois adoram apontar o dedo no nariz de quem anulou o voto em 2018, ao invés de apostar em Haddad para a continuidade do poderio e desmandos petistas.

Lula e Dilma – não comparecendo ao ato – ficaram mais em cima do muro (tipo anular o voto) do que os próprios velhacos tucanos. Mas não ficaram sem motivos; tampouco porque, de fato, fossem “politicamente corretos”. Lavaram as mãos porque têm interesses em sorrateiras ações bolsonaristas no que tange ao desmonte de operações contra a corrupção no país, que não é problema menor.

Quem duvidar, verifique os meandros das votações internas do PT para deliberar sobre os apoios que darão aos candidatos às presidências da Câmara e do Senado, que ocorrerão no início de fevereiro. Isso sem contar as traições, que virão.

Depois disso, podemos continuar a conversa.

Quarta, 20 Janeiro 2021 08:29

 


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JUACY DA SILVA 

Nesta quarta feira, 20 de Janeiro de 2021, finalmente, tomarão posse o 46º presidente eleito Joe Biden e sua Vice Kamala Harris, pondo fim a um período tumultuado da vida politica e das relações sociais nos EUA, liderado pelo controvertido Donald Trump, um ou Talvez o maior expoente da direita e extrema direita tanto nos EUA quanto ao redor do mundo.

Quando de sua vitória nas primárias do Partido Democrata e homologação de sua candidatura a Presidente, Biden construiu uma Plataforma, unindo praticamente as diversas propostas de outros candidatos e candidatas, de todos os matizes filosóficos e ideológicos do Partido Democrata, possibilitando, assim que seu Partido, apesar de uma acirrada disputa  interna, durante meses em que ocorreram as “primárias”, continuasse unido com um único propósito, derrotar Trump que buscava a reeleição e recolocar um presidente democrata na Casa Branca, o que acabou acontecendo.

O seu slogan tanto nas primárias quanto após ser escolhido candidato do Partido Democrata bem representa as ideias, valores e propósitos que o levaram a obter a maior vitória tanto em termos de votos populares, mais de 81,2 milhões de sufrágios, quanto no Colégio Eleitoral, 306 votos, bem mais do que o mínimo necessário para homologar sua vitória rumo a Casa Branca, que são 270 sufrágios naquele colegiado.

O seu slogan trazia uma mensagem de fé, de esperança e confiança em relação ao future, ao estabelecer, de forma simples, o que a maioria da população norte americana desejava e deseja: Reconstruir melhor o país e contribuir para um mundo melhor, em inglês “Build back better”.

A ideia é reconstruir um país, não apenas em suas estruturas físicas e econômicas, mas principalmente em suas relações políticas, sociais, humanas e institucionais. Todos sabemos que, historicamente, os EUA,  desde a Guerra Civil  que durou de 12 Abril de 1861 até 09 de Abril de 1865, tendo deixado um saldo de 620 mil mortos (algumas estimativas de estudos mais recentes indicam que as mortes podem ser bem superiores, entre 850 mil e 1,2 milhão de pessoas que perderam a vida em uma das guerras mais fratricidas que o mundo já assistiu) e em torno de 476 mil ou mais feridos. Estima-se que entre mortos, feridos e prisioneiros a Guerra civil americana afetou diretamente próximo a 1,8 milhões de pessoas.

Considerando que a população dos EUA em 1.860 era de apenas 31,4 milhões de habitantes aquela Guerra afetou diretamente 5,7% da população daquele país. Apenas para efeito comparativo, em 2020 a população dos EUA era de 331 milhões de habitantes, uma Guerra como a que ocorreu entre 11 estados do Sul que pretendiam separar-se da União e constituir em um país independente, baseado no racismo estrutural e na escravidão, isto significa que uma Guerra com aquela afetaria hoje nada menos do que 18,9 milhões de pessoas, número superior do que a soma de todas as perdas americanas em todas as guerras em que participou ao longo de mais de um século e meio desde então.

Com certeza, boa parte dos conflitos internos, do racismo estrutural, da violência institucional, social e politica e da pobreza que ainda persistem nos EUA até os dias de hoje, em que os últimos acontecimentos que culminaram com a invasão do Congresso americano há poucos dias, por extremistas de direita e de extrema direita, instigados por um discurso falso e de ódio de Trump, insistindo que venceu as eleições, quando o Congresso estava iniciando a sessão conjunta para conferir os votos do Colégio Eleitoral e proclamar, como ato final, a vitória de Joe Biden e Kamala Harris como os próximos presidente e vice-presidente dos EUA, tem sua origem, não apenas no radicalismo politico e ideológico de Trump e de seus seguidores de direita e extrema direita, mas com certeza no divisionismo e violência antes, durante e muitos anos após o término da Guerra civil, há mais de um século e meio, incluindo o assassinato de A. Lincoln em pleno exercício da Presidência.

Parece uma ironia da história, quando da Guerra civil os 11 Estados do Sul eram “comandados”, governados pelo Partido Democrata e os Estados do Norte, a União pelos republicanos, cujo expoente máximo era exatamente A. Lincoln.

Basta um exemplo de como a divisão do Congresso persiste ao longo de séculos. Em 08/06/1868, três anos após o assassinato de A. Lincoln, o Senado dos EUA aprovou a emenda 14 `a Constituição Federal, com 33 votos a favor e 11 contra, sendo que todos os senadores democratas voltaram contra e todos os republicanos voltaram a favor daquela emenda, que impedia que Estados pudessem legislar estabelecendo medidas que atentassem contra a vida, a liberdade e os direitos civis dos americanos natos ou naturalizados residindo em qualquer estado americano.

É interessante notar como o racismo estrutural permeia a politica americana. O democrata, vice presidente da rebelião sulista (confederados) Alexander A. Stepens, da Georgia, em 1861,  assim declarava: “ Nosso governo (dos confederados, democratas) baseia-se na grande verdade de que o negro não é igual ao homem branco (social, cultural, institucional e politicamente) ou seja,  para os escravocratas de então e os racistas da atualidade, o negro, afrodescendente não pode ter os mesmos direitos, como aconteceu e ainda acontece, mesmo após mais de século e meio da abolição da escravidão. Talvez ai esteja uma das origens do racismo estrutural que ainda hoje está presente nos EUA.

O período da reconstrução do país de 1863 até 1877, dizimado pela Guerra Civil,  foi um dos períodos mais significativos da história americana, assemelhando-se muito com o que aconteceu durante final dos anos 50 e a década de 60, quando das grandes marchas, lideradas por Martin Luther King contra o racismo e pelas liberdades e direitos dos afrodescendentes, novamente acessas no decorrer do governo Trump e que contribuíram diretamente para a eleição de Biden/Harris, esta a primeira mulher de origem Indiana e negra a ocupar o segundo posto mais importante da politica americana, dando, como alguns analistas assim pensam, continuidade das politicas sociais e de resgate dos direitos humanos implementadas pelo Governo Obama, o primeiro negro eleito presidente dos EUA.

Entre 1863 e 1884, por seis mandatos consecutivos, o Partido Republicano dominou a politica dos EUA e ocupou ininterruptamente a Casa Branca, solidificando-se como um partido mais aberto `as mudanças, enquanto os democratas continuavam arraigados ao conservadorismo oriundo do período escravagista e dominavam os estados do sul.

Nas últimas décadas o Partido Republicano tem hegemonia em praticamente todos os estados do Sul e do meio Oeste, enquanto os Democratas são maioria em diversas estados do leste, noroeste e oeste dos EUA. Olhando o mapa dos EUA em cores, o vermelho representa os republicanos e azul os democratas, pode-se perceber facilmente esta divisão.

Atualmente,  o Partido Republicano é o porta-voz do conservadorismo social, econômico, politico e ideológico nos EUA, dando guarida a grupos mais radicais `a direita e extrema direita, os quais defendem a posse e porte irrestrito de armas, o estado mínimo, o liberalismo econômico e fiscal, pautas de costumes conservadoras; enquanto os democratas advogam uma pauta mais liberal, tanto em relação aos costumes, passando pela economia e quanto ao papel do Estado enquanto instância para reduzir as desigualdades econômicas e sociais, a defesa do meio ambiente, a proteção dos trabalhadores, saúde publica e universal.
As ações do Governo Biden/Harris tem duas vertentes, em termos de politica: externa e interna, em ambas serão ações bem diferentes, radicalmente diferentes do período Trump.

Em relação à politica externa, enquanto Trump buscou fortalecer os EUA no isolacionismo e uma crítica exacerbada aos organismos internacionais e aos pactos e acordos globais ou regionais que foram implementados nos 8 anos de governo Obama; Biden/Harris e o partido democrata já sinalizaram que os EUA buscarão fortalecer os organismos internacionais, ampliando a participação direta dos EUA nessas organizações; e apoiarão pactos e alianças regionais como o retorno dos EUA ao Acordo de Paris, que deverá ser uma das primeiras decisões do novo governo, a retorno das discussões quanto ao Bloco Transatlântico, entre os EUA, Canadá e a União Europeia, como estratégia de fortalecimento de um mercado comum e uma forma de frear o expansionismo da China.

Neste particular, em relação à China, o Governo Biden terá menos retórica nacionalista, que de prático poucos ganhos trouxe aos EUA, mas sim uma visão e prática mais pragmáticas, com ganhos mútuos e, ao mesmo tempo, os EUA fortalecerão pactos regionais e acordos bilaterais com países asiáticos, como forma de reduzir a dependência daqueles países em relação `a China e também, o fortalecimento politico, estratégico, econômico e militar na região.

O governo Biden/Harris implementará politicas bilaterais importantes com potências regionais e ou emergentes, tanto na Ásia quanto na África e Oriente médio, principalmente com a Índia, Indonésia, Coréia do Sul, Japão e Rússia.

Os grandes desafios estratégicos continuarão sendo o controle de armas de destruição em massa, a questão da nuclearização da Coréia do Norte, do Irã e também dos misseis balísticos intercontinentais, de longo e médio alcance.

A questão dos oceanos, a livre navegação e segurança das rotas marítimas também fazem parte tanto de uma estratégia de contenção da China e de outras possíveis potências militares quanto de fortalecimento do comércio internacional e de projeção de poder por parte dos EUA.

No aspecto de apoio e fortalecimento dos acordos internacionais cabe destaque `a OTAN, que durante o mandato de Trump foi duramente criticada, mas que para Biden reveste-se de uma forma de conter o expansionismo e intervencionismo Russo na Europa e Eurásia.

No que concerne ao programa espacial durante o Governo Biden estão previstas medidas e ações que possibilitem aos EUA a retomada da hegemonia espacial e para tanto é importante o fortalecimento e a modernização da NASA e de outros organismos estratégicos militares e espaciais.

A politica interna representa, talvez, o maior e mais imediato desafio para o governo Biden/Harris, a começar por uma postura mais proativa e efetiva por parte do Governo Federal, em articulação com os governos estaduais e os governos locais para o combate mais eficaz e decisivo à pandemia do coronavírus.

A meta imediata, já anunciada por  Biden é de vacinar CEM MILHÕES de pessoas nos primeiros CEM DIAS DE GOVERNO, além de outras medidas emergenciais de apoio aos trabalhadores, aos desempregados, aos pequenos e médios empreendedores/empresários, aos governos locais e diversas categorias de trabalhadores. Para isso há poucos dias Biden anunciou um pacote de US$1,9 trilhão de dólares, sendo mais de US$400 bilhões de dólares para o enfrentamento da COVID-19, com repercussão direta na economia do país.

Além deste pacote emergencial, Biden comprometeu-se a, tão logo tomar posse encaminhará ao Congresso, que a partir de sua posse terá maioria democrata nas duas casas, já que o Partido Democrata conquistou as duas vagas que estavam em disputa, em segundo turno, no Estado da Geórgia, ficando o Senado com 50 senadores para cada partido e como a presidência do Senado nos EUA é exercida por quem é vice-presidente do País e, neste caso, o mesmo será presidido pela atual senadora e vice-presidente Eleita (do Partido Democrata) Kamala Harris.

O plano a ser encaminhado por Biden ao Congresso teve suas linhas gerais e principais aspectos aprovados pela convenção do partido democrata e abordará questões fundamentais , fiel à sua plataforma de campanha “Reconstruir melhor”.

Entre esses aspectos estão:  um novo acordo voltado ao meio ambiente (Green New Deal), como a retirada e maior taxação sobre combustíveis fósseis; incentivos `as fontes de energia limpa, como solar, eólica e outras; combate `as mudanças climáticas, incluindo tanto medidas internas quanto apoio a medidas internacionais que visem combater as mudanças climáticas e reduzir a poluição do ar, dos solos e das águas, incluindo a poluição dos oceanos e o desmatamento das florestas tropicais ao redor do mundo.

A grande aposta do Governo Biden será na Economia Verde, possibilitando a geração de mais de 20 milhões de empregos e investimentos de mais de US$17 trilhões de dólares.

Outra proposta e frente de ação será no combate à violência interna e no racismo estrutural, incluindo a reforma das forças policiais como mecanismo de redução da violência policial, principalmente contra a população afrodescendente e imigrantes, estopim das varias manifestações de rua nos últimos anos nos EUA.

Correlata a esta politica, faz parte também das propostas de Biden/Harris, a definição de uma politica imigratória mais racional e humana, como forma de evitar tantas injustiças e arbitrariedades ocorridas ultimamente.
Diferente de Trump que tentou, de todas as formas, acabar com o OBAMA CARE, Biden propõe a ampliação da atuação na área da saúde que possa ser acessível a todos, de forma universal.

As áreas de educação, da ciência e da tecnologia devem ganhar destaques no Governo Biden como forma de melhorar a qualidade da educação americana, principalmente em relação a diversas países, cujo desempenho tem sido bem superior aos EUA.

Essas três áreas representam a possibilidade também de melhorar a qualidade da mão-de-obra americana e aumento em produtividade para a economia e avançar em setores estratégicos como o militar, o espacial, da biotecnologia, da inteligência artificial, da robótica e, principalmente em relação à internet 5 G e as novas fronteiras do conhecimento.

Quando se fala em reconstrução, logo vem à mente das pessoas, a reconstrução física e, neste aspecto, o plano de governo de Biden/Harris terá um amplo impacto na recuperação de obras de infraestrutura federal e de apoio aos Estado nesta mesma área, incluindo infraestrutura urbana.

Cabe destaque em termos econômicos a proposta de Biden para elevar o salário mínimo federal dos atuais US$7,25 dólares por hora para US$15,00 dólares por hora, cabendo um esclarecimento de que o atual salário mínimo federal está congelado desde 2009, ou seja, ao longo desses últimos 12 anos houve uma grande perda do poder aquisitivo dos trabalhadores que ganham apenas o salário mínimo e isto tem empurrado milhões de trabalhadores para abaixo da linha de pobreza estabelecida pelo próprio governo federal.

Enquanto os republicanos e grupos conservadores criticam tal proposta, Biden justifica a mesma dizendo que isto vai reduzir um pouco a concentração de renda, as injustiças e iniquidade social e, ao mesmo tempo, vai colocar mais dinheiro diretamente nas mãos de milhões de famílias que irão aquecer o mercado interno e estimular a economia.

Outra área importante, também inserida no contexto da saúde coletiva é a prevenção, tratamento e recuperação de dependentes químicos, além de um combate mais efetivo ao narcotráfico e crime organizado, principalmente nas grandes e médias cidades.

Enfim, Joe Biden e Kamala Harris tomam posse em meio ao um país extremamente dividido, com ameaças internas e também externas, mas com uma grande esperança tanto de pacificação internamente no país, quanto ao fortalecimento de laços de cooperação, de negociação como mecanismos de resolução pacífica dos conflitos, onde o papel dos organismos internacionais, como a ONU e seu Conselho de Segurança, a OEA e suas congêneres em outras regiões do planeta devem desempenhar papel fundamental.

Esta é mais uma diferença entre os governos de Trump, que satanizou os organismos internacionais e pautou a atuação internacional dos EUA pelo isolacionismo e um nacionalismo obsoleto e o governo Biden, mais pautado pelo dialogo, fruto de sua experiência de 36 anos como senador, 12 dos quais como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano e também seus 08 anos como vice presidente do Governo Obama, onde e quando desempenhou importantes papeis de negociador internacional representando os EUA.

Mesmo com tanto entusiasmo, a fé e a esperança em dias melhores para os EUA de Biden. Harris, do Partido Democrata e de mais de 80 milhões de eleitores, cabe ressaltar que também politicamente os EUA estão muito divididos neste momento. No Senado são 50 senadores para cada partido; na Câmara Federal os democratas tem 224 deputados e os republicanos 221; quanto aos governadores, 27 são republicanos e 23 democratas; dos senadores estaduais os republicanos tem 1088 e os democratas 884 e dos deputados estaduais os democratas tem 2638 e os republicanos 2773. Isto demonstra que a disputa e luta politica tanto para a Câmara Federal cujas eleições ocorrem a cada dois anos e também as disputas para governadores , senadores estaduais e deputados estaduais vai ser uma verdadeira Guerra, de um lado os democratas tentando ampliar a maioria no senado e de outro os republicanos tentando retomar o controle da politica estadual em diversas estados como forma de retomarem a Casa Branca nas próximas eleições presidenciais, com Trump ou com alguém que possa derrotar os democratas.

Como estratégia de ampliar a representatividade de diversas grupos que o apoiaram e foram decisivos para a eleição o Governo Biden/Harris é o que mais mulheres, negros, Negras, descendentes de imigrantes estarão em altos postos, no comando de cargos estratégicos neste governo que se inicia.

Por isso, mesmo em meio ao maior esquema de segurança jamais visto, que foi criado para garantir a posse de um presidente dos EUA, esta quarta feira pode representar o fim de uma era, mas não do trumpismo e o início de um novo momento de esperança, fé e confiança no futuro dos EUA, com impactos tanto no contexto interno quanto internacional, incluindo o fato de que diversas governos e movimentos de direita e de extrema direita, como de Bolsonaro no Brasil e em outros países, sentir-se-ão como órfãos a partir de agora!

Em um outro momento pretendo realizar uma reflexão/análise sobre o Governo Biden/Harris e suas relações com a América Latina, com destaque para as relações entre EUA e Brasil, já que o alinhamento automático, quase subserviência do Governo Bolsonaro a Trump não terá mais lugar.


JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

Quinta, 29 Outubro 2020 09:35

 

 

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JUACY DA SILVA*


A exclusão de pessoas e grupos sociais, ao longo da história, em todas as sociedades, é uma realidade factual e incontestável e as justificativas ou bases para tal processo e formas de agir podem variar de lugar para lugar, mas em sua essência é a mesma.


Diversos são os tipos e formas de exclusão, sendo que `as vezes tais justificativas estão inter-relacionadas e fica difícil classificar tais razões, tipos ou formas, mas o fato é que podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que existe uma CULTURA DA EXCLUSÃO, da mesma forma que existe uma CULTURA DA VIOLÊNCIA e uma CULTURA DO ESTUPRO, onde estereótipos e preconceitos são formados e passam de geração em geração.


Exclusão, em seu sentido amplo, pode ser considerado o modo, a maneira ou a forma como as pessoas são tratadas na sociedade, baseada em determinadas características pessoais ou circunstâncias e são impedidas, implícita ou explicitamente, de participarem plenamente da vida de sua comunidade, de seu estado ou de país ou da sociedade em geral.


Exclusão é uma forma cruel de rejeição, quando não se reconhece na outra pessoa, devido a determinadas características pessoais, os seus direitos fundamentais, que, de forma inata, todos os seres humanos possuem e por isso devem ser tratados com respeito, igualdade, liberdade, equidade, fraternidade e solidariedade.


Em 1789, logo após a Revolução francesa que aboliu a monarquia e instituiu a República naquele país, foi aprovada a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, que assim estabeleceu: “Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum”, relembrando que a referida revolução universalizou o seguinte tripé: liberdade, igualdade e fraternidade, como base para a construção de uma nova ordem social mais justa e igualitária.


Após os horrores da Segunda Guerra Mundial, diversos países se reuniram e organizaram a ONU – Organização das Nações Unidas e aprovaram, em 10 de dezembro de 1.948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em cujo artigo primeiro, está escrito de forma bem clara “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espirito de fraternidade”.


O artigo segundo estabelece que “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.”


Se atentarmos bem para o conteúdo dessas declarações de direitos humanos, dos cidadãos, percebemos que não deveria existir espaço para a exclusão, qualquer que seja o tipo e forma, porquanto exclusão é incompatível tanto com a dignidade das pessoas quanto com os direitos e garantias individuais, sociais e coletivos, também inscritos, praticamente, em todas as Constituições dos diferentes países, inclusive do Brasil.


Isto porque, na verdade, a exclusão não reconhece a dignidade intrínseca que todas as pessoas devem ter, como filhos e filhas de Deus, dignidade esta que deve ser a base para uma sociedade justa e harmônica e fonte de todo o ordenamento jurídico de um país.


Em diferentes momentos e em diferentes sociedades a cultura da exclusão foi baseada em leis que garantiam direitos para uma minoria e negava esses mesmos direitos a certas categorias ou grupos sociais, vale dizer, a imensa maioria da população. Exemplos são a escravidão/trabalho escravo, o racismo, o apartheid, os manicômios, o sistema prisional, os “guetos”, os campos de concentração, o confinamento e outras formas que podemos facilmente identificar em qualquer sociedade ou país, inclusive no Brasil.


Exemplos típicos de formas de exclusão embasados em Leis, podem ser encontradas na instituição do “apartheid” na África do Sul e do racismo nos EUA, onde negros e afrodescendentes não podiam frequentar os mesmos locais, nem utilizarem os mesmos meios de transportes ou estudarem nas mesmas escolas, nem podiam se casar fora de seu grupo racial. Casamento inter-racial (entre negros e brancos) por muitas décadas era considerado crime nos EUA e sujeitos a penas severas.


Para entendermos  por que a exclusão é considerada um pecado social, devemos buscar a origem  do que é pecado, a começar pelo seu significado religioso, judaico-cristão. Existem diversas passagens na Bíblica Sagrada e na doutrina católica, por exemplo, onde é discutido exaustivamente o conceito de pecado.


Para nosso entendimento do que seja PECADO SOCIAL, vamos nos basear no que consta no Novo Testamento, na primeira Epístola/Carta do Apóstolo João 3:4 onde está escrito “"Todo aquele que pratica o pecado  transgride a Lei; de fato, o pecado é a transgressão da Lei.". Em algumas versões da Bíblia Sagrada encontramos este conceito de forma um pouco diferente quando é afirmado que “qualquer que comete pecado, também comete iniquidade; porque o pecado é iniquidade”.


Neste contexto religioso, a lei referida é a “Lei de Deus”, principalmente, a partir dos ensinamentos de Jesus quando se refere à síntese de todos os mandamentos, ao dizer que os dois maiores mandamentos (resumo dos mencionados no Velho Testamento) são “amar a Deus sobre todas as coisas e ao seu próximo como a si mesmo”, apontando, de forma explícita que o grande mandamento a reger as relações entre a criatura e o criador e também dos seres humanos entre si ou seja, nossas relações em sociedade deve ser o amor, daí um conceito moderno que também tem ocupado o tempo de teólogos, cientistas políticos, sociólogos, filósofos e outros estudiosos que é o que chamamos de “civilização do amor”.


Ora, se todos somos filhos e filhas de Deus, nossas relações politicas, econômicas, sociais, culturais, religiosas e ideológicas e, inclusive, internacionais, devem ser pautadas pelo amor, pela tolerância, pela justiça, pela equidade, pela solidariedade, pela fraternidade, enfim, pela INCLUSÃO, ou seja, ninguém, independente da cor de sua pele, pelas suas condições físicas, origem racial, credo religioso ou filosófico, “status” socioeconômico, gênero ou preferências pessoais, deve ser excluido/excluida da vida em sociedade. As pessoas devem ser tratadas como sujeitos de sua própria história, de sua caminhada e jamais como objetos, como ainda acontece em pleno Século XXI.


Em maior ou menor grau podemos identificar diversas tipos de exclusão, tais como: exclusão politica, ideológica, social, econômica, cultural, religiosa, sanitária, digital, educacional, patológica, de gênero as quais aparecem em diferentes formas que geram a exclusão, como: desemprego/subemprego; trabalho escravo ou semiescravo; analfabetismo (inclusive analfabetismo digital); pobreza/miséria; prostituição; migrações forçadas; deficiências físicas ou mentais; determinadas enfermidades, violência, racismo, encarceramento, preconceitos, abuso de poder, dependência química. fanatismo religioso e outras mais.


Mesmo que aparentemente esses grupos excluídos possam ser considerados como minorias, em seu conjunto, acabam formando a maioria populacional em todas as sociedades, principalmente quando sabemos que apenas uma minoria da população de um país participa das camadas “superiores” da sociedade, que detém a maior ou em alguns casos a quase totalidade da renda, da riqueza, dos bens e das oportunidades que existem em tais sociedades.


No caso brasileiro, por exemplo, existe um grande fosso econômico, de renda, salário, riqueza e propriedades entre a camada dos 10%, dos 5% ou de 1% das pessoas que estão no ápice da pirâmide social e as camadas que não tem renda ou apenas uma renda que as classificam como pobres ou miseráveis, que, em alguns países representam mais de 50% ou 60% da população, que vivem em permanente estado de exclusão.


Nessas sociedades, onde alguns vivem em mansões suntuosas ou imóveis de luxo, muitas vezes mantidos pelo Estado, pelo Tesouro e milhões de sem teto que vivem em favelas, palafitas, sem acesso aos bens e serviços básicos que lhes garantam uma vida digna. Esses conformam o que o Papa Francisco denomina dos três “Ts”: sem terra, sem teto e sem trabalho.


De forma semelhante, podemos identificar este distanciamento social e exclusão em relação aos serviços de saúde, as camadas que integram os estratos econômicos superiores, com renda/salário mensal acima de R$30 mil; 50 mil, cem mil ou um  milhão de reais podem pagar do próprio bolso ou custeadas pelo Governo sistemas de saúde que são denominados de primeira linha, com diárias de custos elevadíssimos, enquanto os excluídos, os pobres e miseráveis, só conseguem atendimento em um Sistema público de saúde (SUS) totalmente sucateado, onde filas físicas ou virtuais acabam agravando o estado de saúde/doença desses pacientes ou até mesmo provocando a morte, por falta de atendimento ou negligência, em completo desrespeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana.


Mas voltando ao conceito de pecado social aplicado ao processo de exclusão, podemos tomar como referência o contexto da Doutrina Social da Igreja (Católica), cujos princípios fundamentais são: a) o bem comum; b) subsidiariedade; c) solidariedade. Esses princípios tem um significado profundamente moral e remetem `as bases da organização da sociedade, incluindo suas dimensões econômica, social, cultural, politica e religiosa.


Vale a pena transcrevermos e refletirmos sobre o significado do item 118 do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, sobre os pecados sociais, que assim afirma “Alguns pecados, ademais, constituem, pelo próprio objeto, uma agressão direta ao próximo. Tais pecados, em particular, se qualificam como pecados sociais. É igualmente social todo o pecado cometido contra a justiça, quer nas relações de pessoa a pessoa, quer nas da pessoa com a comunidade, quer, ainda, nas da comunidade com a pessoa. É social todo o pecado contra os direitos da pessoa humana, a começar pelo direito à vida, incluindo a do nascituro, ou contra a integridade física de alguém; todo o pecado contra a liberdade de outrem, especialmente contra a suprema liberdade de crer em Deus e de adorá-lo; todo o pecado contra a dignidade e a honra do próximo. Social é todo o pecado contra o bem comum e contra as suas exigências, em toda a ampla esfera dos direitos e dos deveres dos cidadãos. Enfim, é social aquele pecado que «diz respeito às relações entre as várias comunidades humanas. Estas relações nem sempre estão em sintonia com o desígnio de Deus, que quer no mundo justiça, liberdade e paz entre os indivíduos, os grupos, os povos”.


Em setembro de 2003 a Conferência Episcopal portuguesa (similar à CNBB no Brasil), aprovou um documento de grande repercussão tanto na época quanto na caminhada da Igreja Católica naquele país até os dias atuais.


O citado documento intitulado “Responsabilidade para o bem comum”, menciona sete PECADOS SOCIAIS e recomenda a necessidade de “uma conversão `a solidariedade responsável” como forma individual e coletiva para se redimir desses pecados, ou seja, o pecado social em si, decorre de uma ação individual; mas `a medida que se enraíza na cultura e na sociedade, surge o que chamamos de cultura da exclusão ou o pecado social.


Os sete pecados sociais definidos e mencionados pela Conferência Episcopal portuguesa são: 1) egoísmo individualista, pessoais e coletivos representado pela falta de solidariedade humana, diante a situação de marginalização em que vivem milhões de pessoas em diferentes países e bilhões ao redor do mundo; 2) consumismo desenfreado, que gera desperdício e degradação ambiental; 3) a corrupção, que é, na verdade a matriz geradora de todos os demais pecados sociais, que gera descrédito para as autoridades e para as atividades públicas e privadas, contribui para o surgimento da pobreza, da miséria, da fome e falta de acesso aos bens e serviços fundamentais para que a dignidade humana seja respeitada; 4) A injustiça tributária e desarmonia do sistema fiscal e tributário, (principalmente quando tal Sistema fiscal e tributário é regressivo como no Brasil penalizando de forma injusta os já excluídos) que gera sonegação consentida, corrupção e evasão de receitas públicas;  5) falta de responsabilidade nos sistemas de trânsito e transporte públicos, gerando acidentes e mortes; 6) exagerada comercialização esportiva, retirando dos esportes seu caráter lúdico e de lazer, transformando-os em negócios bilionários, estimulando, inclusive distorções e corrupção; e, finalmente, 7) Exclusão social, gerada por preconceito, racismo, homofobia, desemprego, subemprego, trabalho escravo ou semiescravo, fanatismo politico partidário, ideológico e religioso, que, por sua vez geram violência, injustiça e morte.


Em entrevista ao jornal L’Osservatore Romano de 07 de janeiro de 2014, o Monsenhor Gianfranco Girotti, da Cúria Romana, assim se manifestou sobre os pecados sociais, como sendo originários de “ manipulações genéticas antiéticas; degradação ambiental, desigualdades sociais; injustiças, eis as novas formas de pecado que fazem parte do atual contexto social gerado pela globalização”.


Bem antes dessas manifestações, em 1968, o Documento de Medellin, intitulado “A presença da Igreja na transformação da América Latina” (II Conferência do Episcopado Latino americano”), definiu o pecado social como “situações presentes na realidade socioeconômica e politica que geram injustiças”.


De forma semelhante, em 1979, o Episcopado latino americano reunido em Puebla, no documento intitulado “A evangelização no presente e no futuro da América Latina”, é afirmado que “A igreja reconhece e discerne na angustia e na dor que afeta as pessoas uma situação de pecado social”.


Vale a pena também refletir quando a Doutrina social da Igreja (Compêndio da DSI 169) ao afirmar que “para assegurar o bem comum, o governo de cada país (e, por extensão , todas as instâncias governamentais regionais e locais) tem a tarefa específica de harmonizar, com justiça e justiça social, os diversas interesses setoriais, (evitando-se, imagino eu, a exclusão de amplas camadas populacionais, como acontece na maioria desses países, inclusive no Brasil).


No caso brasileiro, estudos, pesquisas, reportagens especiais e o noticiário dos meios de comunicação tem demonstrado que a cultura da exclusão esta extremamente enraizada em nossa formação social, econômica, politica, cultural e religiosa.


Certos grupos ou categorias de pessoas são as vitimas constantes deste processo de exclusão social, tais como as mulheres, as pessoas e grupos afrodescendentes (negros/pretos, mulatos; quilombolas), indígenas, as pessoas deficientes, as pessoas que fazem parte do grupo LGTB; os praticantes de cultos de origem afro; as pessoas obesas e, principalmente, os pobres em geral.


Existem pessoas que integram ao mesmo tempo diferentes grupos excluídos e discriminados e, em decorrência dessas situações, sofrem de uma forma mais aguda as mazelas do processo de exclusão: por exemplo, uma mulher, negra e deficiente sofre três formas de exclusão, preconceito e até violência, primeiro por ser mulher, segundo por ser afrodescendente (negra ou mulata) e terceiro, por ser deficiente e, se for pobre, como a imensa maioria desses grupos, sofrerá mais ainda esta exclusão.


Como existe o que se chama de cultura da exclusão, o combate a tais práticas,  além de um novo ordenamento jurídico que coloque fim a tal processo, cabe ao Estado (todos os organismos públicos) definir politicas, estratégicas  e ações afirmativas e reparadoras, para que, de fato, o círculo vicioso contido na cultura da exclusão, seja rompido de forma mais rápida e mais efetiva.


Não bastam leis que definam os direitos desses grupos e camadas que sofrem com a exclusão, mas que permanecem apenas como letra morta, no papel, como se diz “para inglês ver”, é fundamental que os  bens e serviços públicos atendam realmente esta “demanda contida”, por melhor qualidade de vida e também respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça verdadeira e do rompimento de todas as barreiras que continuam presentes no país e na sociedade que  propiciam a reprodução histórica da cultura da exclusão.


O filósofo Aristóteles afirmava que “ tratar os desiguais de forma igual gera mais injustiça”, ou seja, precisamos de leis e ordenamento jurídico especiais, diferenciados, que realmente protejam os excluídos, os quais são também excluídos do acesso ao judiciário, basta vermos o número e percentual de pessoas Negras, pobres e de baixa escolaridade, que permanecem longos períodos em presídios sem conseguirem a mesma assistência judicial que presos de outras camadas possuem, inclusive os delinquentes de colarinho branco que quase nunca são condenados, apesar de roubarem milhões e bilhões de reais ou dólares, enquanto outros são trancafiados por anos a fio por delitos de baixo poder ofensivo.


Não tem sentido, por exemplo, que a abolição (legal) da escravidão no Brasil, o último país do continente a decidir pelo fim da escravidão, ocorrida há mais de 132 anos, os descendentes de escravos (os afrodescendentes) ainda sejam discriminados como aconteceu com um entregador de pizza há poucos dias em Goiânia, quando a moradora, impediu que o mesmo adentrasse o edifício, chamando-o de macaco e exigindo, de forma explícita ao estabelecimento que outro entregador branco atendesse seu pedido. Casos como este são bastante recorrentes ultimamente no Brasil e, ao que consta, tais manifestações de racismo explicito acabam não sendo punidas.


Inúmeros casos de racismo e preconceito racial tem sido testemunhados no Brasil e em diversas outros países, como nos EUA e em países europeus, o que exige de todas as pessoas uma reflexão mais profunda sobre o que realmente seja uma democracia ou um “Estado democrático de direito”, onde a exclusão esteja bem presente.


Este tema, que na verdade pode ser mencionado como “a cor da exclusão social”, que será objeto de uma outra reflexão oportunamente, tendo por base, as condições de vida e as barreiras que existem no Brasil em relação `as pessoas Negras, pretas ou mulatas.


Se o Brasil é um  país laico, mas  de maioria esmagadora de cristãos, bem como outras religiões que professam princípios que enaltecem a dignidade da pessoa humana, que todas as pessoas são filhos e filhas de um mesmo Deus e, portanto, “todos somos irmãos e irmãs”, como atestou recentemente em sua nova  “CARTA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI, o Papa FRANCISCO, sobre a fraternidade e a amizade social”, não podemos aceitar e nem nos omitir ante tantas demonstrações de práticas consideradas pecados sociais, onde a exclusão social é sua matriz geradora.


Existe um longo caminho a ser percorrido, que acontecerá se e quando as pessoas e massas excluídas resolverem lutar pelos seus direitos e conquistarem seus espaços na sociedade. Nada é conseguido através da benevolência por parte dos opressores e dos donos do poder, mas sim a partir do despertar da consciência de quem é excluído, ao descortinar um novo mundo onde a exclusão seja algo do passado.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

 

Sexta, 02 Outubro 2020 15:03

 


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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 

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JUACY DA SILVA*


Há décadas, talvez séculos, os centros de estudos, as organizações internacionais, as universidades, os grandes conglomerados privados transnacionais e, principalmente, as instituições militares do mundo inteiro, cada qual limitadas pelas dimensões geopolítica, científicas, tecnológicas, econômicas, financeiras e orçamentárias tem dado passos significativos no que é chamada de “modelagem do futuro”, ou, `as vezes também denominados de “estudos do futuro”.

Tais estudos são um pouco diferente do que até hoje entendermos por planejamento estratégico ou planejamento de longo prazo, pois a sua principal finalidade é despertar a capacidade crítica e analítica em relação ao que no momento nem sempre é conhecido em sua plenitude, no caso das instituições militares isto se aproxima mais do que é descrito como “Hipóteses de Guerra”.

Essas “modelagens” e “estudos do futuro”, ou planejamento prospectivo, utiliza diferentes metodologias e com o advento do que hoje chamamos de era digital, com o surgimento da internet e dos super computadores, tem dado passos muito rápidos, trabalhando na construção de variáveis complexas e as interações entre essas variáveis, onde são construídos diversas matrizes com a ajuda da inteligência artificial, uma verdadeira miríade de informações.

A cada ano ou dentro de uma certa periodicidade esses cenários vão sendo ajustados, inseridas novas variáveis ou descartados alguns fatos e fatores que não provocaram os efeitos desejados ou previstos, determinado o grau de acerto ou de erro quando da construção do cenário original.

O interessante em tudo isso é que mesmo que não haja um trabalho conjugado, principalmente devido `as dimensões geopolíticas, onde cada país, principalmente em se tratando das grandes potências ou dos grandes blocos de poder mundial, tem suas variáveis secretas, pois afinal o que sempre existe em termos de relações internacionais é a busca ou manutenção não apenas das soberanias nacionais, mas também uma corrida frenética no que concerne à hegemonia, seja global, em que apenas poucos países possuem o caráter de superpotência mundial, mas também nessas modelagens podemos identificar uma luta ora aberta ora encoberta por hegemonias regionais ou sub-regionais.


Todavia, independente desses aspectos geopolíticos, em todos esses estudos pode-se perceber uma certa “coincidência” de referência aos riscos, ameaças e desafios que pairam sobre o planeta terra e que afetam direta ou indiretamente todos os demais países.

Ao longo dos últimos cinco anos, houve uma “agudização” da questão ambiental, com destaque para as mudanças climáticas e todas as consequências atreladas ao aquecimento do planeta, alterações profundas no clima, no regime das chuvas e outras derivadas dessas que afetam diretamente a economia e a sociedade, tanto em nível nacional quanto regional e mundial.

Em alguns desses estudos, pode-se perceber a presença de uma variável que pouca atenção estava despertando, tanto entre a população quanto entre governantes e empresários e outras lideranças, que era a questão da saúde pública e suas relações com algumas variáveis como a precariedade do saneamento básico, o surgimento ou recrudescimento de algumas epidemias, inclusive relacionados com animais silvestres.

Foi preciso surgir uma epidemia que fugisse ao controle das autoridades sanitárias, diante da baixa qualidade dos serviços públicos de saúde, mesmo em países desenvolvidos, para que o mundo viesse a entrar em um grande pânico, simplesmente pelo fato de que não havia e ainda não existe medicamento para tratamento e nem vacina para controlar e combater a pandemia que já infectou, até o último dia 30 de setembro de 2020, quase 34 milhões de pessoas ao redor do mundo e matou mais de um milhão de vitimas, principalmente integrantes de grupos mais vulneráveis e excluídos social e economicamente. Refiro-me ao “novo” coronavírus ou COVID 19.

Esta pandemia, com certeza não estava bem definida e identificada nos radares desses grandes centros e instituições que tentam, sempre, desesperadamente, perscrutar o futuro, na tentativa de controlar fatores, variáveis ou fatos que possam impactar negativamente o mundo todo ou os interesses nacionais ou de grandes corporações transnacionais, são os chamados fatores disruptivos ou portadores de futuro.

O fato é que a COVID-19 desarticulou todos os governos, toda a economia mundial, enfim, todas as atividades humanas e sociais e até que esteja disponível alguma vacina que possa, de fato, imunizar a população mundial, continuamos vivendo um verdadeiro sufoco, principalmente as consequências sociais como o aumento do contingente de pessoas sem trabalho e sem renda, dependendo da caridade pública (medidas e fontes de renda emergenciais) ou da solidariedade das pessoas e instituições com preocupações humanitárias.

Mesmo que praticamente todos os países já estejam “flexibilizando” as restrições impostas durante esses últimos seis meses e estejam “retornando” ao que estão chamando de “novo normal”, ainda assim, diversas outras ameaças e desafios pairam sobre nossas cabeça, inclusive a possibilidade do surgimento de novas epidemias e pandemias relacionados com animais silvestres ou catástrofes decorrentes da crise climática e ambiental.

O Fórum Econômico Mundial há 15 anos realiza e publica estudos relacionados com fatos portadores de futuro, denominado de “Relatório dos Riscos Globais”, classificados em duas dimensões: a) probabilidade de ocorrência de cada risco/ameaça e, b) impacto que cada risco produz no mundo ou em determinadas regiões ou países.

Alguns desses riscos são substituídos ao longo desses anos, o mesmo acontecendo tanto em relação `a probabilidade de acontecerem e seus impactos, tudo na forma de um “ranking”/classificação, em ordem de gravidade e do tamanho do impacto produzido, caso tais riscos/ameaças venham a se concretizar.

No Relatório relativo ao corrente ano (2020) os dez riscos com maiores probabilidade de ocorrerem são os seguintes: 1) clima extremo/mudanças climáticas; 2) fracasso das ações para combaterem as mudanças climáticas; 3) ocorrência de desastres naturais; 4) perda da biodiversidade; 5) desastres naturais provocados pela ação humana (exemplo das queimadas na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, demais biomas e centenas/milhares  de outros locais no Brasil ou em outros países); 6) fraudes e roubos cibernéticos; 7) ataques cibernéticos; 8) crise da água; 9) falência global de governos nacionais e, 10) bolhas econômicas e financeiras.

Já os impactos, desses ou de outros riscos/ameaças não mencionadas, entre os de maiores probabilidades de ocorrência, o mesmo relatório apresenta o seguinte “ranking”/classificação: 1) fracasso  das ações de combate às mudanças climáticas, ou seja, fracasso do Acordo de Paris, em que diversas países ou abandonaram o acordo, como aconteceu com os EUA ou alguns que simplesmente firmaram os compromissos e não os cumprem, como o caso do Brasil, cuja politica, estratégias e ações e omissões na área ambiental tem sido motivo de críticas dentro e fora do país, prejudicando, sobremaneira, a imagem no país, principalmente no exterior.

Os demais riscos/ameaças que causam os maiores impactos são os seguintes: 2) ameaça de armas nucleares e de destruição em massa; 3) a perda acelerada da biodiversidade mundial; 4) a ocorrência de mudanças climáticas extremas; 5) a crise aguda da água, que pode, tanto matar milhões de pessoas quanto provocar conflitos entre nações; 6) desarticulação total de redes e da infraestrutura de informação, o que colocaria em risco iminente tanto a soberania nacional quanto a oferta de serviços públicos essenciais; 7) o aumento de desastres naturais, como furacões, tornados, tsunami, secas prolongadas, chuvas torrenciais, boa parte dos quais decorrentes da ação do ser humano que continua destruindo a natureza e degradando o meio ambiente; 8) ataques cibernéticos, comandados por países ou organizações terroristas internacionais; 9) desastres naturais provocados pela ação humana, incluindo o aumento do desmatamento, das queimadas, da poluição do solo, do ar e das águas; e, 10) doenças infectocontagiosas e pandemias.

Neste último caso, mesmo que na época da produção do relatório a COVID 19 ainda não estava em seu auge, vislumbrava-se que suas consequências sanitárias, econômicas, financeiras e na gestão pública poderiam ser desastrosas.

Todavia, mesmo com tantos alertas, inclusive de inúmeros cientistas, diversas países e seus governantes, incluindo o Brasil, pouco fizeram para se anteciparem e reduzirem os impactos dessa ameaça.

Resumindo, em termos de probabilidade de ocorrência, cinco ameaças/riscos foram classificadas como ambientais;  e uma em cada variável, a saber: econômica; geopolítica, social e tecnológica. Considerando os impactos, também cinco foram classificados na dimensão ambiental; dois na social; um na econômica e dois na tecnológica.

Um outro estudo de grande repercussão foi realizado pela ONU, durante quase nove meses, tendo iniciado em janeiro de 2020 e apresentado seus resultados há poucas semanas, por ocasião das comemorações dos 75 anos do surgimento da ONU,  denominado “UN75 2020 e depois”,  com o lema “construindo/modelando nosso futuro juntos” e o tema “O futuro que queremos e a ONU que precisamos”.

Na ocasião do lançamento da pesquisa que iria embasar o Relatório, o Secretário Geral da ONU António Guterrez, assim resumiu o desafio que estava sendo proposto “Juntos nós devemos ouvir o mundo e juntos nós precisamos agir”.

Foram entrevistadas mais de 1,0 milhão de pessoas em, praticamente todos os países, uma amostra da população mundial incluindo gênero, raça, faixa etária, local de residência, status socioeconômico e outras mais, além mais 50 mil entrevistas em 50 países por um grupo independente “Edelman Inteliggence”, em parceria com a Pew Research Center, para, finalmente, ser elaborado um relatório de 94 páginas que a ONU disponibilizou há poucas semanas por ocasião da abertura da Assembleia Geral em comemoração aos 75 anos da mesma.

As principais conclusões e os principais desafios, ameaças e riscos que esta pesquisa mundial chegou, dentro do contexto de uma visão de futuro, sem perder de vista a existência dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ou a chamada AGENDA 2030, para os próximos anos ou talvez algumas décadas foram resumidos em 10 dimensões.

De forma sintética, esses desafios são os seguintes: 1) tem havido uma redução da cooperação internacional para, de fato, conseguir atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e suas mais de 160 metas; 2) Aceleração da crise climática com danos irreversíveis e irreparáveis; 3) ameaça cada vez maior da proliferação e possibilidade de uso de armas nucleares e de destruição em massa; 4) alteração do perfil demográfico, aumento populacional e envelhecimento rápido da população em diversas países, migrações internas e internacionais forçadas, gerando crise humanitária; 5) ameaças cibernéticas e desarticulação de grandes sistemas produtivos, de comunicação, afetando, inclusive sistemas de transporte, de abastecimento e a segurança nacional e internacional; 6) aumento das tensões geopolíticas e surgimento ou agravamento de conflitos bélicos regionais, colocando em risco a paz regional e internacional; 7) aumento acentuado dos diversas tipos de violência, desde a violência doméstica e de gênero, a violência social, politica, a proliferação do terrorismo e do crime organizado transnacional; 8) aumento da desigualdade social, econômica, regional e de gênero, aumentando a pobreza, a miséria e a fome; 9) aumento da chamada “rebelião das massas”, com grandes “ondas” de protestos como tem ocorrido na Europa, nos Estados Unidos, em Hong Kong e diversas outros países e regiões; 10) aumento da exclusão digital, ampliando o fosso entre países e grupos sociais em relação ao domínio e acesso `as tecnologias de última geração, contribuindo para o surgimento de conflitos de interesse, como, por exemplo, a questão da Internet de alta velocidade, o 5G.

A ONU identificou três grandes prioridades que deveriam nortear as ações dos diversos países, sem o que, o futuro do planeta e da humanidade está em jogo: a) prioridade global e urgente  - ampliar o acesso aos serviços públicos essenciais de qualidade e sua universalização como educação; saúde, saneamento básico e alimentação; b) ampliar as medidas de solidariedade e apoio `as áreas em crise, onde vivem  mais de 2,8 bilhões de pessoas; c) combater de forma efetiva as desigualdades e injustiças que geram pobreza, fome, miséria e degradação humana.

Além dessas três prioridades o Relatório também destaca como desafios urgentes a serem enfrentados, os seguintes: a) proteção efetiva ao meio ambiente e combater/controlar/reverter as mudanças climáticas; b) garantir os direitos humanos, incluindo o acesso aos serviços públicos de qualidade e uma melhor distribuição da justiça.

Consoante com suas atribuições que é de também analisar as tendências e tomar medidas de controle do Sistema financeiro, em novembro de 2019, em uma conferencia sobre “A economia das mudanças climáticas”, um dos integrantes do Conselho Diretor do FED/Banco Central Americano, falou com todas as letras sobre os impactos das mudanças climáticas na economia dos EUA, enfatizando que “projeta-se (estudos de futuro) que os riscos climáticos tenham profundos efeitos sobre a economia e o sistema financeiro norte americano”.

E há poucas semanas, nesta mesma linha de alerta, o Relatório da Comissão Federal (do próprio Governo e Congresso dos EUA) também declarou publicamente que as mudanças climáticas podem desestabilizar todo o Sistema financeiro e mercado futuro dos EUA.

Uma última observação que devemos ter em conta é que mesmo que todos esses estudos se refiram a riscos, ameaças e desafios globais, as ações humanas que provocam essas ameaças são realizadas ou deixam de ser realizadas em cada localidade do planeta, razão pela qual todas as pessoas devem observar o que está acontecendo no planeta a partir de sua inserção no território e agir de forma mais responsável.

Por exemplo, uma pessoa que provoca queimada, seja por ato criminoso, por descuido ou acidente, deve pensar que sua ação pode redundar em uma grande ou várias imensas queimadas como as que estão acontecendo no Pantanal, no Cerrado, na Amazônia ou em qualquer outro bioma brasileiro. Só no Pantanal este ano já foram destruídos mais de 3,7 milhões de ha, com perdas irreparáveis para a biodiversidade, além dos prejuízos econômicos e sociais.

De forma semelhante, governantes, sejam no âmbito federal, estadual ou municipal que se omitem ou fazem vistas grossas para crimes ambientais ou promovem o sucateamento de órgãos de fiscalização ambiental também estão contribuindo para a degradação do meio ambiente ou de outros fatores que reforçam riscos e ameaças globais.

De forma semelhante, empresários que teimam em destruir a natureza, provocando danos ambientais, imaginando que suas ações nada tem a ver com as mudanças climáticas, também contribuem para a destruição da biodiversidade, para o aquecimento do planeta e outras mazelas que bem conhecemos.

Como podemos perceber, existe uma grande preocupação com as diversas ameaças globais que pairam sobre todos os países, com destaque para as questões ambientais, que, em outros estudos tem sido consideradas como os novos paradigmas do desenvolvimento ou o que o Papa Francisco tem exortado quando fala da “Nova Economia” e que um desenvolvimento realmente humano, precisa estar focado não apenas ou exclusivamente na “saúde” das empresas e na busca desenfreada pelo lucro, sacrificando/destruindo, inclusive  a natureza, mas sim, ter como base o respeito ao meio ambiente, `a dignidade da pessoa humana, onde a exclusão social que atinge mais de 80% da população mundial seja algo de um passado muito triste que deve ser superado.

Enfim, todos esses estudos servem de alerta para que passamos refletir de uma maneira mais consciente e responsável em relação à natureza e que a mesma deve ser um patrimônio não apenas da atual geração, mas, fundamentalmente, um legado a ser deixado para as futuras gerações. Se assim não for, vamos deixar um passivo ambiental impagável para o futuro!

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  twitter@profjuacy

Quinta, 18 Junho 2020 15:28

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Roberto de Barros Freire*


O vírus que pegou o mundo de surpresa, manifestou uma doença muito mais séria em solo nacional. Tivemos tempo para nos prepararmos, nos antecipamos a sua implantação, mas não o fizemos. Tivemos exemplos positivos e negativos para nos espelharmos ou para nos afastarmos, mas não aprendemos nada com eles. Nem realizamos um isolamento decente, nem abrimos a economia de forma competente, no tempo certo, com a queda na infecção, pelo contrário; estamos flexibilizando a economia com números ascendentes de infectados, com diminuição de leitos de UTI, com o acréscimo de caso de mortes.

Sem uma direção nacional, cada Estado e cada município faz o que acha necessário, e cada cidadão acata ou não os ordenamentos da saúde pública.
 
Ora, quem obedecer e que ordens, visto a multiplicidade de supostas “autoridades”, cada uma delas ordenando coisas distintas? Temos um presidente que até hoje nega a doença e impede que o ministério da saúde faça o seu dever, utilizando-o como divulgador de suas loucuras pessoais, defendendo a universalização de remédios perigosos, e querendo esconder os números de infectados e de mortos. E as pessoas, sem bons exemplos, só acreditam na doença quando alguém próximo fica doente ou morre. A maioria age como se nada estivesse ocorrendo, basta ver os jornais mostrando a aglomeração de pessoas para comprarem quinquilharias desnecessárias pelos centros comerciais.

Empresários lutam para que a atividade econômica volte ao período normal, como se houvesse normalidade possível num mundo pandêmico. Pouco importam com o país ou com as pessoas, mas apenas com seus negócios e lucros. Não estão preocupados com a economia como alardeiam, mas com queda de suas vendas. E boa parte da população não obedecendo as diretrizes dos agentes de saúde, fica passeando ou circulando pelas ruas.

Bolsonaro e bolsonaristas sem gratidão pela medicina e enfermagem, pelo heroísmo desses seres humanos mais sujeitos a se infectarem por estarem na linha de frente de combate ao vírus, apenas zombam dos mesmos, ou os desafiam, ou destratam, e invadem hospitais, ou negam os apontamentos dos mesmos às estatísticas médicas. E esses, além do vírus tem que vencer também pessoas atrasadas, reacionárias, ignorantes, negacionistas das evidências nacionais e mundiais. O Brasil está se tornando um país que ameaça a saúde pública do planeta e será excluído do mundo civilizado.

Seremos os últimos a sair da pandemia, provavelmente só quando houver a vacina. A depender do governo federal que deveria governar o país e direcionar a sociedade civil, jamais sairemos, pois luta contra Estados e municípios e contra a população brasileira, que sem bons exemplos, acaba seguindo o seu bom senso pouco instruído e culto, incapaz de distinguir uma informação científica do dito de dirigentes políticos incultos.

A verdadeira doença é a ignorância das autoridades governamentais, da população pouco escolarizada e instruída, e a falta de civismo dos agentes públicos e do povo, mais preocupados em realizar desejos mesquinhos, ou realizar uma vontade ou desejo, como cortar o cabelo ou fazer academia, do que evitar a propagação da doença.

 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Terça, 09 Junho 2020 12:37

 

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Por José Domingues de Godoi Filho
Professor da UFMT/Faculdade de Geociências

 

As degradações e ameaças ambientais geradas ou agravadas pela espécie humana estão crescendo em frequência e intensidade; sendo a atual pandemia um exemplo cabal do resultado que chegamos com o desenvolvimento desembestado e o desrespeito às mais comezinhas normas de preservação ambiental. Um desrespeito claramente intencional das normas ambientais, para que a “boiada passe”, via precarização ou omissão na fiscalização e aplicação das penalidades previstas em lei.

Com exceção de alguns estranhos seres humanos terraplanistas e negacionistas, a comunidade internacional tem claro que as ameaças ambientais, que também estão contribuindo com as mudanças climáticas, mudarão o futuro da sociedade e do planeta, tal como conhecemos nos dias de hoje. As expectativas são de profundas modificações no mundo do trabalho e com graves implicações nas relações sociais e no aumento da atual escandalosa desigualdade de concentração de riqueza.

Segundo a OIT, um em cada três empregos assalariados nos países do G20 dependem diretamente de uma “gestão eficaz e da sustentabilidade de um ambiente saudável” e que 35% dos empregos da OCDE se encontram diretamente relacionados com a “saúde dos ecossistemas”. Estima-se, por exemplo, que o aumento da temperatura e o stress gerado pelo calor, reduzirão o número de horas de trabalho em 2,2% em todo o mundo, destruindo 80 milhões de empregos.

Para enfrentar o problema, haverá a necessidade de políticas públicas que dependerão da rapidez e determinação em sua abordagem e busca de alternativas. O que nos impõe comprometermos com a manutenção dos ecossistemas; algo que o atual governo brasileiro e o seu ministro do Meio Ambiente não assumiram, de fato, como compromisso. Muito menos reconhecem o que ficou claro desde a I Conferência Mundial de Meio Ambiente – Estocolmo 1972, isto é, os recursos naturais são finitos; contudo, a exploração e consumos continuam desenfreados e sem limites. E mais, sobre o atual ministro de Estado do Meio Ambiente pesam ainda, dentre outros, as seguintes denúncias:

a) O ministro do Meio Ambiente foi condenado por improbidade administrativa pela justiça de São Paulo.

b) O presidente da comissão do Meio Ambiente do Senado protocolou uma denúncia por crime de responsabilidade, contra o ministro do Meio Ambiente, fazendo pedido de impeachment deste ao STF.

c) O aumento do desmatamento, desde 2019, é um fato insofismável e comprovado por instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais.

d) O ministro do Meio Ambiente tem promovido um desmonte da estrutura do ministério, impedindo o funcionamento dos órgãos de fiscalização e controle, como o Ibama.

e) O descumprimento do dever funcional relativo à Política Nacional do Meio Ambiente e à garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225).

f) Atos incompatíveis com o decoro, honra e dignidade da função ao perseguir agentes públicos em razão do mero cumprimento da função.

g) Expedir ordens de forma contrária à Constituição Federal ao promover alterações da estrutura do CONAMA.

Ante o exposto, rever a Política Nacional de Meio Ambiente do atual governo e apurar rigorosamente os atos e manifestações do ministro do Meio Ambiente é o mínimo que a sociedade brasileira deve exigir para impedir que a “boiada continue passando”.
 
Segunda, 08 Junho 2020 13:40

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

Há 90 anos, ou seja, em 1930 acontecia uma das mudanças mais significativas que ocorreu na história politica, econômica e social do Brasil e que passou a ser um marco na história republicana de nosso país. No bojo da crise econômica e financeira de 1929/1930, que abalou as estruturas do Sistema capitalista mundial, ocorreu o que na época passou a ser chamada de revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que durante longos 15 anos, incluindo o período ditatorial do Estado Novo, se manteve no Poder.

O que se costuma chamar de crise brasileira vem de longe. Ao longo de nossa história Republicana já convivemos com diversas períodos críticos, sendo que em alguns, quase o país chegou à Guerra civil generalizada, como aconteceu em 1932 com a “revolução constitucionalista” em que houve um embate cívico-militar entre os governos de São Paulo e da União, este liderado por Getúlio Vargas e, depois, novamente, em 1961 quando da renúncia de Jânio Quadros e a tentativa de parte das Forças Armadas, a serviço de grupos conservadores de direita, de impedir a posse do vice João Goulart, que só não se efetivou em decorrência do “racha” em suas fileiras com a oposição das tropas aquarteladas no Rio Grande do Sul que se aliaram às forcas da Brigada Militar (hoje PM) daquele estado, sob o comando do então governador Leonel Brizola, cunhado de Jango, garantindo o retorno do mesmo que estava na China e a sua posse.

Ao longo desta longa série de crises tivemos alguns embates quando alguns grupos pegaram em armas como aconteceu com a Coluna Prestes, a tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek com as revoltas de Jacareacanga e Aragarças por parte de unidades da Força Aérea Brasileira.

Após o esgotamento do pacto que foi feito para permitir a posse de Jango, através da implantação de um parlamentarismo, a crise continuou. De um lado um presidente eleito democraticamente (naquela época os eleitores votavam no Presidente e separadamente no vice presidente, podendo, como aconteceu com Jânio e Jango, serem de partidos diferentes) mas manietado pelo sistema parlamentarista lhe imposto pelos militares e de outro forças que desejavam o retorno do presidencialismo com o avanço das chamadas reformas de base, entre as quais se incluíam a reforma agrária, a reforma administrativa, a reforma constitucional, a reforma eleitoral, a reforma bancária, a reforma tributária (ou fiscal) e a reforma universitária (ou educacional).

Essas reformas tinham como o grande objetivo estratégico a transformação do país e como metas, a redução das desigualdades regionais, setoriais e sociais; a democratização das estruturas econômicas e sociais e um desenvolvimento mais harmônico e justo.

Por serem consideradas de esquerda, tais reformas sofriam constantes ataques por parte das forças conservadoras de direita tanto no Congresso quanto no empresariado e na sociedade, isto tudo, em meio ao clima da guerra fria em que o mundo vivia e era dividido, de um lado o “mundo” capitalista liderado pelos EUA e seus aliados e de outro a União soviética e o que eram chamados, seus satélites.

Rapidamente esses setores conservadores começaram a brandir as armas do anticomunismo, dizendo que Jango era comunista e pretendia implantar o comunismo no Brasil, ato continuo ocorreu a mobilização de uma grande parte da Igreja Católica, que era dominada amplamente por grupos conservadores, através de protestos contra o comunismo, em defesa dos valores considerados tradicionais e cristãos, culminando com a célebre Marcha da Família, com Deus, pela liberdade e propriedades privada, que no entender dessas forças conservadoras de direita estavam sendo colocados em risco pelo governo Jango que era dominado, segundo essas forcas de direita, por comunistas, socialistas e sindicalistas de esquerda.

Este movimento não demorou a contaminar as Forças Armadas e alguns governos estaduais, principalmente de São Paulo e Minas Gerais e a partir do retorno do sistema presidencialista a conspiração tomou conta do país, culminando com a derrubada de Jango e a implantação de uma ditadura militar, com os generais presidentes, com a duração de 21 longos e tenebrosos anos.

Ao longo do regime militar ocorreram diversas manifestações de massa, contra a ditadura, sempre reprimidas com violência, principalmente a partir do momento em que o Governo Federal passou a considerar as forças militares estaduais (atualmente as polícias militares) como forças de reserva do Exército, incluindo a nomeação de oficiais do Exército como Comandantes das Polícias Militares e instrumentalizando-as, bem como as demais forças policiais estaduais, no combate à “subversão da ordem”, incluindo e transformando essas forças em apêndices não apenas das forcas armadas mas também do tão temido  SNI – Serviço Nacional de Informações e seus aparelhos repressivos como o DOI/CODI, onde os “inimigos internos” eram encarcerados, torturados e alguns mortos.

Ainda durante o regime militar a crise brasileira se tornou muito aguda, incluindo tentativas de luta armada por parte de partidos e grupos de esquerda, como o PCdoB, com escaramuças como as guerrilhas de Caparaó e a mais longa e mais cruel que foi a Guerrilha do Araguaia, cujas narrativas ainda estão bem presentes na memoria histórica nacional, com algumas cicatrizes ainda não curadas.

Houve também, durante o Governo Geisel que sucedeu ao período mais duro do regime militar comandado pelo General Médici, um recrudescimento quando o mesmo fechou literalmente o Congresso Nacional e cassou diversas parlamentares de esquerda e colocou uma grande pressão sobre o Sistema judiciário, principalmente os tribunais superiores, tudo sob o manto protetor do AI-5 e da Lei de Segurança Nacional.

O retorno do país à democracia ocorreu em meio a grandes manifestações de massa que demandavam por eleições diretas para Presidente da República, Governadores e Prefeitos de Capitais e municípios considerados de interesse da segurança nacional.

Aos poucos, mesmo em meio `as eleições extremamente controladas, graças aos diversas expedientes, como o bipartidarismo , que castravam a plenitude democrática, incluindo um controle rígido sobre o sistema politico partidário, com a presença dos senadores biônicos, que visavam garantir ao governo militar maioria no Senado e o controle rígido da censura do movimento sindical, da mídia e de outros movimentos sociais, digo, aos poucos as forças de centro e de esquerda conseguiram vencer tais barreiras e ganharam as ruas, apressando o fim da ditadura militar.

O fim do regime militar se deu em meio a um pacto das elites politicas, econômicas e militares, ou seja, foi um processo gradual e controlado, conforme dizia o presidente General Geisel “uma abertura lenta, gradual e segura”, tanto para a eleição do sucessor do último General Presidente (João Figueiredo) quanto da eleição e trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte.

Tanto isto é verdade que o vice presidente na chapa que venceu a eleição indireta  no Congresso era José Sarney, que durante todo o período do regime militar foi um fiel escudeiro dos governos comandados pelos Generais presidentes. Quando de sua eleição na Chapa Tancredo/Sarney, era simplesmente o presidente do PDS, sucessor da ARENA, tendo se desfiliado pouco antes da convenção que homologou a chapa oficial (do PDS) partido do Governo que esmagava a oposição consentida dentro do MDB.

Quis a ironia do destino que Tancredo Neves presidente eleito, que havia sido Primeiro Ministro de Jango nos anos sessenta, viesse a falecer antes de sua posse como presidente. Assim, a presidência caiu como uma luva no colo de Sarney, que de apoiador da ditadura virou da noite para o dia em democrata de carteirinha, filiando-se, inclusive, ao MDB e bandeou-se para o centro com afagos à esquerda. Entre seus ministros estava nada menos do que Dante de Oliveira, o estopim das Diretas Já, quando deputado federal e sabidamente antes filiado ao MR-8, movimento de base ideológica comunista e que advogava a luta armada para derrubar a ditadura.

A Constituinte e seu fruto que é a Constituição Cidadã, como a denominava o seu Presidente e o Comandante maior das manifestações de massa pelas Diretas Já, Ulysses Guimarães, representou diversos avanços em termos de direitos sociais, individuais e abria perspectivas para mudanças mais profundas e , supostamente duradouras, na ordem politica, social, econômica, ambiental e diversas outros setores.

Todavia, ao longo de seus quase 32 anos, a completar em 05 de Outubro próximo, a nossa Carta Magna até 07 de Maio último (2020) já foi emendada nada menos do que 106 vezes. Quando comparada com o texto original promulgado em 1988 não podemos ignorar que o atual texto está totalmente desfigurado, principalmente no que concerne aos direitos e conquistas sociais ocorridas ao longo das últimas seis ou sete décadas, razão pela qual o Brasil ainda continua sendo marcado pelas injustiças, exclusão social, enorme concentração de renda e de oportunidades, enorme nível de discriminação racial e social, fome, miséria e toda sorte de violência de um lado e um grupo, a quem denominados dos donos do poder e marajás da República, extremamente minoritário, nas mãos de quem estão concentradas mais de 80% da renda nacional, inúmeros privilégios e benesses

Nesses mais de 30 anos, a crise brasileira continuou acontecendo, ora latente ora abertamente, com conflitos sociais e políticos, com violência generalizada, incluindo violência institucional e repressão, sempre que manifestações de massa questionam politicas públicas levadas a cabo pelos governantes de plantão, os donos do poder, politicas essas que geram ou contribuem para a preservação do “status quo” e dos privilégios das camadas dominantes. O Brasil está entre os dez países com maior concentração de renda, riqueza e propriedades no mundo.

Um dos momentos agudos desta crise foi o impeachment do então Presidente Collor, quando, novamente grandes massas, principalmente a juventude, os “caras pintadas”, foram `as ruas exigindo o fim de um governo corrupto e ineficiente.

Posteriormente, ocorreu novamente um período de relativa “calmaria” durante o período de transição do Governo Itamar Franco que conseguiu vencer o grande inimigo que durante décadas rondou o Brasil que era a inflação, em alguns momentos “galopante”, se aproximando de mil por cento em alguns anos.

Com o Plano Real e a transformação da moeda nacional mais uma vez e diversas Leis que tentaram dar mais transparência e eficiência aos gastos governamentais e gestão publica, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, houve uma certa trégua no cenário nacional.

O fato que alterou muito o quadro politico foi a Emenda Constitucional que permitiu a reeleição de FHC que, mesmo sendo considerado um dos pais do Real, acabou realizando um governo, em seu segundo mandato, muito mais medíocre do que o primeiro mandato.

Com a crise politica, social e econômica dando sinais de acirramento e ante indicadores negativos como aumento do desemprego, aumento do endividamento público e aumento da inflação, não foi difícil para que o PT e os partidos de oposição, ou as chamadas forças de esquerda chegarem ao poder através da quarta tentativa de eleger Lula.

Entre a eleição de Lula e sua posse, setores conservadores iniciaram uma tentativa de desmoralizar o que seria seu governo, veiculando mentiras e estimulando o pânico cambial e financeiro, que acabou exigindo que Lula tentasse acalmar os ânimos através da famosa “carta ao povo brasileiro” em que garantia aos setores econômicos (sempre conservadores e mais alinhados com as forças da direita) de que não iria “virar a mesa” e nem promover mudanças radicais como temiam esses setores conservadores.

Durante o governo Lula, o Brasil retomou o caminho da recuperação econômica, com o crescimento do PIB, a geração de empregos formais, a queda da inflação, o combate `a fome e diversas politicas públicas que estimularam a participação popular e combate às desigualdades.

Mesmo diante de denúncias de corrupção envolvendo figuras centrais do PT e de alguns partidos aliados, boa parte dos que sempre estiveram com todos os governos, inclusive atualmente com Bolsonaro, aglutinados no Centrão; repito, mesmo diante de denúncias de corrupção inicialmente com o MENSALÃO que atingiu em cheio o homem forte do Governo Lula que era o Deputado/ministro da Casa Civil José Dirceu e depois, com a OPERAÇÃO LAVA JATO, a crise brasileira estava, digamos, hibernada sem grandes manifestações de massa.

Só em 2013 quando as passeatas e manifestações de rua contra a CORRUPÇÃO e o Governo Dilma, ainda em seu primeiro mandato é que a crise começa a se tornar mais aguda e bem visível, com as massas ocupando as ruas de inúmeras cidades.

Mesmo assim, Dilma, através de uma grande aliança do PT com diversas partidos de esquerda e de centro, tendo o PMDB como aliado majoritário, o mesmo PMDB que durante os oito anos de FHC também esteve participando do Governo Tucano, conseguiu se reeleger contra o candidato Tucano, em aliança com setores da direita, tendo como candidato Aécio Neves, que nos últimos tempos também passou a ser investigando por corrupção nas operações da LAVA JATO, cujo Juiz Sérgio MORO, que ganhou transparência e prestígio popular graças `a constante exposição na mídia, como afirmam setores e partidos de esquerda, sempre teve réus de esquerda, principalmente Lula e outros quadros “ilustres” do PT, como seus alvos preferidos, acabou sendo nomeado ministro de Bolsonaro.

As manifestações de massa contra o Governo Dilma ganharam corpo e em um determinado momento até seu vice-presidente, Michel Temer, conspirava abertamente pela sua queda, o que aconteceu com o Impeachment, tendo as “pedaladas” fiscais e orçamentárias como o motivo principal.

Como o avanço das operações da LAVA JATO, um verdadeiro terror se abateu sobre a classe politica, culminando em um momento com a cassação e prisão do então presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha, do Governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, do Governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, todos do PMDB e também de outros políticos graúdos do PT, do PP e de outros partidos.

Foi neste contexto que aconteceram as eleições presidenciais, de governadores, de dois terços do Senado, da Câmara Federal e das Assembleias Legislativas, cujos resultados representaram um avanço enorme, jamais imaginando, de candidatos de extrema direita.

A renovação no Senado foi a maior já vista na história daquela casa, o mesmo acontecendo na Câmara Federal e nos Estados. O PSL, na época o partido que ofereceu sua legenda para o Candidato Bolsonaro, deixou de ser um partido nanico, com apenas alguns deputados federais e pouca expressão nos estados, para surgir como a segunda legenda mais votada na Câmara Federal e com alguns de seus deputados conseguindo expressivas votações, com milhões de votos como foram os casos da Deputada Joyce Hasselman, que de líder do Governo Bolsonaro no Congresso hoje é uma de suas críticas mais mordazes; o Deputado Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente e da Deputada Estadual Janaina Paschoal, que consegui uma visibilidade nacional graças ao papel de principal acusadora de Dilma no processo de impeachment, também que deixou a base de apoio de Bolsonaro.

A eleição de Bolsonaro representou o aglutinamento das forças de direita, apoiadas por partidos e candidatos de centro que abandonaram os tucanos e o PMDB, incluindo diversas parlamentares das bancadas da Bala, da Bíblia (evangélicos), do Boi (agronegócio), observando-se o crescimento de candidaturas e eleitos oriundos das forcas armadas, das polícias militares e civis dos estados, da policia federal, policia rodoviária federal, a grande maioria senão a totalidade políticos de extrema direita, acomodados em diversas partidos deste espectro.

Todavia, aos poucos boa parte dos parlamentares federais e alguns governadores como os de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Goiás que se elegeram por partidos diferentes, mas que estiveram umbilicalmente grudados em Bolsonaro, abandonaram o barco ou foram abandonados por Bolsonaro que preferiu, em um primeiro momento abraçar mais ainda a chamada “ala ideológica”, onde se abrigam os militantes da extrema direita, inclusive os grupos que atualmente se opõe abertamente contra as instituições como o Congresso Nacional e o Poder Judiciário, personalizado na figura do STF e vociferam slogans antidemocrático e de cunho nazifacistas.

É preciso entendermos que a chegada de Bolsonaro ao centro do poder nacional inaugurou uma nova fase na politica brasileira. Diferente de governantes conservadores que chegarem ao poder através de um golpes de estado ou de autogolpes (como no caso de Getúlio Vargas com o Estado Novo), Bolsonaro foi eleito dentro das regras democráticas ou o que se chama “as regras do jogo” e sagrou-se vencedor no segundo turno e, portando, legitimado no poder, ou seja, representa a vontade de mais de 57 milhões de eleitores. Isto é um fato.

Todavia, esta legitimidade não lhe  garante o poder absoluto, precisa entender que existe um ordenamento jurídico e constitucional que ele próprio jurou cumprir e fazer cumprir, ou seja, nem o Congresso Nacional, nem o Poder Judiciário, nem a sua mais alta instância que é o STF, nem os governadores e muito menos as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais lhe devem obediência como acontece nas ditaduras e monarquias. São instâncias independentes tanto do Estado quando da sociedade, tem vida autônoma e que devem agir em harmonia pelo bem comum da sociedade brasileira.

Parece, no entanto que o Presidente Bolsonaro  não entende isto e desde antes de ser eleito sente uma necessidade imensa de criar as figuras de inimigos, como corolário de seu pensamento autoritário, talvez criado e alimentado desde os tempos de caserna.

Por isso, Bolsonaro tenta agir de forma totalitária, autoritária `a semelhança de tantos ditadores como Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Stalin, Stroesner, Pinochet e todos os generais presidentes. Ditadores não aceitam o diálogo, a controvérsia, a divergência, o pluralismo político e ideológico, a matriz do pensamento autoritário é baseada no uso da força, do arbítrio, da tortura, das ameaças, das prisões e até na eliminação física de todos/todas que se lhes  opõe.

Para todas as pessoas que pertencem ou atuam orientados pelos aparelhos ideológicos ou de repressão do estado, é fundamental a figura do inimigo, inclusive adoram criar os inimigos internos, contra os quais não titubeiam em usar da violência institucionalizada do Estado, através de seus organismos de repressão, voltados quase sempre contra a população.

Durante a Guerra fria e ainda na cabeça de muitos grupos e pessoas conservadoras,  de direita, o mundo é divido entre o bem e o mal; e o bem está sempre do lado de quem tem `a sua disposição a possibilidade de usar a violência como instrumento de ação politica.

Para conservadores e adeptos do pensamento de direita, o perigo vem do comunismo, do socialismo, do anarquismo e é contra esses grupos ou seus aliados é que procuram dirigir seu ódio, suas ameaças e suas formas de violência.

Entre as formas de violências, na atualidade, as “fake news”, criadas e dirigidas/comandadas pelas MILÍCIAS VIRTUAIS, são as armas mais ponderosas tanto para denegrir, difamar e ameaçar quanto tentar manipular a opinião pública através das redes sociais, como aconteceu nas últimas eleições presidenciais e que estão sendo investigadas pelo Poder Judiciário.

Além das fake news surgem também as ameaças veladas ou abertas contra quem esses adeptos da extrema direita escolhem como inimigos. Há bastante tempo Bolsonaro, seus aliados e seguidores elegeram o STF e por extensão  o Poder Judiciário, como seu inimigo número um; em alguns momentos o inimigo pode ser o Congresso Nacional, a “velha politica”; mas após perceber que vai precisar de ter uma base sólida para escapar de qualquer processo de impeachment, Bolsonaro contradizendo todo o seu discurso de campanha e durante esses primeiros meses de mandato, não titubeou a instalar novamente no Palácio do Planalto o BALCÃO DE NEGÓCIOS, para acertar o “toma lá, dá cá”, oferecendo cargos e mais cargos e outros favores a parlamentares, dirigentes do Centrão e seus indicados.

Enquanto domestica a maioria do Congresso com essas benesses, fortalece seu poder de fogo ao inimigo que não lhe dá tréguas que é o Poder Judiciário/STF, a quem tem cabido e continuará cabendo estabelecer os limites para que o Presidente e seus ministros respeitem a Constituição e o ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de incorrerem em  crimes de responsabilidade e outros mais e serem responsabilizados, politica, civil e criminalmente por tais crimes.

Neste rol de inquéritos estão os que investigam as MILICIAS DIGITAIS/FAKE NEWS, o que investiga as acusações sobre sua interferência politica na Polícia Federal, apresentadas por Moro, seu, outrora, homem forte no combate à corrupção e crime organizado e que ao cair/sair do Ministério da Justiça saiu atirando; outro que investiga quem articula, cria e financia as manifestações antidemocráticas das quais tem participado o Presidente da República, como as que pedem o fechamento do Congresso, do STF, a intervenção militar com Bolsonaro no poder (autogolpe); e as denúncias em relação `as ameaças aos membros do STF, feitas por diversas bolsonaristas com ou sem mandato, inclusive ministros como da Educação.

Algumas ações recentes determinadas por alguns ministros do STF (Alexandre de Moraes e Celso de Melo) tem dado margem ao histerismo, verborragia e violência verbal ou simbólica tanto por parte de Bolsonaro, seus filhos e também diversas aliados no Congresso e seguidores, esses últimos que integram uma verdadeira tropa de choque virtual ou física, como as SA Nazistas, "Tropas de Assalto" ou "Secções de Assalto", que foi a milícia paramilitar durante o período em que o Nazismo surgiu e depois exercia o poder na Alemanha; ou os CAMISAS NEGRAS de MUSSOLINI, que formavam “um grupo paramilitar da Itália fascista que mais tarde passou a ser uma organização militar. Devido a cor de seu uniforme, seus membros ficaram conhecidos como camisas negras. Foram também uma violenta ferramenta militar do movimento político, eles eram muito violentos a medida que o poder de Mussolini aumentava, e usavam da violência, intimidação e assassinatos contra opositores políticos e sociais”.

Essas formas de ação politica e paramilitar já fazem parte dos adeptos de Bolsonaro, inclusive, já foram identificados grupos de treinamento que eles chamam de “autodefesa”. O próprio Bolsonaro, em um dos trechos de sua fala na malfadada reunião ministerial falou claramente “eu quero armar a população” para que possa defender-se contra os inimigos, sem mencionar quais são esses inimigos, mas que aos poucos a opinião publica identifica. Como complemento surgiu a modificação de uma portaria do Exército que permitia a venda de 200 cartuchos passando 600 cartuchos a que um portador de arma tem direito.

Notícia/reportagem da BBC Brasil de 19 de maio último, há duas semanas, informa que “O novo decreto sobre armas do governo de Jair Bolsonaro (PSL) autoriza a compra de pelo menos 2,1 bilhões de munições, a partir deste ano, por brasileiros que já possuem registro de arma de fogo. Essa quantidade é suficiente para que 5,7 milhões disparos sejam efetuados por dia no país.

Atualmente, há 350 mil armas registradas para defesa pessoal no Brasil e mais 350 mil para caçadores, atiradores e colecionadores, segundo dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação pelo Instituto Sou da Paz. No caso das armas para defesa pessoal liberadas pelas regras anteriores, o decreto nº 9.797/19 aumentou de 50 para 5.000 o limite de projéteis que podem ser adquiridos por ano.

Já no caso de armas de caçadores, atiradores e colecionadores, que têm um registro especial, o teto cresceu de 500 para 1.000 balas por arma - dependendo do calibre, o limite também pode chegar a 5.000.

Dessa forma, os novos limites permitem que pelo menos 2,1 bilhões de projéteis sejam comprados por quem já tem autorização para ter armas. Sob as regras anteriores, a quantidade máxima de munições autorizada seria de 193 milhões - menos de 10% do total liberado pela nova norma”.

Se a população inteira for armada como deseja Bolsonaro, estamos, na verdade preparando uma Guerra civil sem precedentes em nosso país, vamos transformar o Brasil no que já acontece em alguns países da América Central e da África, onde grupos rivais armados estão há décadas em conflito aberto, fazendo dezenas ou centenas de milhares de mortes todos os anos.

As ameaças aos membros do STF é o fato mais grave desta crise politica e institucional, grupos bolsonaristas já ameaçaram, até mesmo fisicamente, além de moralmente, os ministros em geral ou alguns de forma particular.

Depois das investigações determinadas tanto pelo Ministro Alexandre de Moraes, incluindo busca e apreensão envolvendo parlamentares e outros ativistas e o Ministro Celso de Melo encaminhar `a PGR uma notícia crime apresentada por um partido politico, para se pronunciar sobre a busca e apreensão do Celular do Presidente da República, essas ações incentivaram manifestações agressivas e fora de propósito por parte do Ministro-Chefe da Segurança Institucional da Presidência da República , no que foi apoiado até mesmo por diversas militares da reserva e também pelo ministro da defesa.

Quanto ao Ministro Celso de Melo, uma Deputada do PSL do DF o chamou de “juiz de merda” há poucos dias, em um vídeo que ainda circula pela internet. Uma ativista bolsonarista o tempo todo continua desafiando e denegrindo a imagem do Ministro Alexandre de Moraes.

O próprio Presidente confrontou publicamente com palavras despropositadas tanto o Ministro Celso de Melo quando o mesmo levantou o sigilo da gravação da reunião ministerial quanto o Ministro Alexandre de Moraes quando através de liminar impediu a posse do nomeado por Bolsonaro para Diretor Geral da  Polícia Federal; e recentemente no bojo das investigações de fake news e ameaças aos membros do STF determinou busca e apreensão em gabinetes parlamentares e também em imóveis de aliados de Bolsonaro.

Há poucos dias militantes bolsonaristas, carregando tochas incendiárias, alguns mascarados, à semelhança dos membros do grupo racista americano KU KLUX KLAN (KKK), fizeram uma manifestação noturna em frente ao STF, o que não deixa de ser uma ameaça grave e extremamente perigosa. Parece que queriam mandar uma mensagem ameaçadora aos integrantes da Suprema Corte.

Mas essas ameaças e esta escalada começaram um pouco antes do segundo turno das eleições presidenciais de 2018, quando o deputado Eduardo Bolsonaro afirmou em uma palestra em um cursinho no Paraná que para fechar o STF bastava um cabo e um soldado e mais recentemente disse em uma transmissão em suas redes sociais de que a questão não é “se”, mas “quando”  haverá uma ruptura institucional (ou seja, um autogolpe) e quando isto ocorrer vão chamar seu pai (presidente Bolsonaro) de ditador.

Na mesma palestra no  citado cursinho, afirmou ainda “se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter manifestação em favor do ministro do STF”? Ai fala também “o STF vai ter que pagar para ver, será ele contra nós”.

Faz parte deste contexto da agudização da crise brasileira as palavras do ministro da educação, que de educação tem pouco, quando afirma, em tom raivoso, apontando das janelas do Palácio do Planalto, onde transcorria a referida reunião ministerial, em direção à praça dos três poderes, onde ficam o STF e Congresso “eu por mim prendia todos esses vagabundos. A começar pelo STF”.

Mesmo diante de tantas ofensas gratuitas, em uma reunião ministerial em que, conforme relato de organismos de imprensa, foram proferidos mais de 35 palavrões, palavras chulas que saem da boca de pessoas a quem a população imagina a cordialidade, os interesses coletivos e as necessidades do povo, principalmente neste período de coronavírus, quando estão sendo infectadas mais de 20 mil pessoas e  mais de mil estão morrendo diariamente, nada foi dito para coibir esses exageros e ofensas verbais à honra de autoridades da mais alta corte de justiça do país.

A persistir este clima, ante o surgimento e recrudescimento de manifestações de massa nas ruas, temos certeza que o Brasil está para explodir em uma grande onda de violência politica.

Para que isto ocorra, está faltando apenas um cadáver, para que tudo seja encoberto por fogo, chamas e mais violência como está acontecendo nos EUA. Tudo, parafraseando o Deputado Bolsonaro, não é se vai acontecer, mas quando vai acontecer.

O estopim está aceso e a espoleta está prestes a ser destravada, Talvez isto aconteça com o andamento das investigações que envolvem Bolsonaro, seus filhos, seus seguidores, as milicias digitais e sua interferência politica na policia federal. As consequências serão as mais nefastas que jamais imaginamos!



*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo e mestre em sociologia. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy

 

Sexta, 05 Junho 2020 16:22

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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 Por Fernando Nogueira de Lima*

 

Estão enganados os que afirmam ou acham que o mundo já está no avesso. Basta um olhar em retrospectiva, aqui e alhures, para constatar que ele está girando como sempre girou e continua sendo movido pelos mesmos interesses e forças propulsoras de sempre. Nele, a humanidade caminha como sempre caminhou, ou seja, o mundo nunca este no avesso. E quanto a isso, seja lá por qual motivo for, somos testemunhas, quando não, réus confessos.

 

Ao exercitar dia a dia o egoísmo existencial estamos ficando, uns menos e outros mais, insensíveis à dor dos que são injustiçados diante dos nossos olhos, ao vivo e em cores. Por isso, mesmo diante de tantos absurdos praticados o nosso protestar, assim como o nosso prantear tem local e hora para ocorrer e terminar. E assim, temos nos acostumado a viver e a conviver com a crueldade do ser humano revelada em inúmeras práticas abomináveis.

 

Ao que parece, a fúria e a maldade são características congênitas da espécie humana. Nascemos com elas, seguimos vivendo e até mesmo morrendo sob a égide e por causa delas. Somente assim, para explicar as atrocidades perpetradas pelo homem contra o homem, desde os primórdios da humanidade, denunciando a dificuldade que tem para abrir mão da liberdade, aqui abarcada como a coisa mais importante no estado de selvageria.

 

Diante de tantas barbaridades, aqui e mundo afora, busco e abraço o saber e a sabedoria, a arte e a cultura, a tolerância e a paciência, a retidão e a paz de consciência, o silêncio e a introspecção, para enclausurar a ira e a perversidade que habita em mim, evitando que eu me situe no lugar comum onde, para uns, a vida de muitos outros não tem valor algum.

 

Erguer bandeiras brancas ou coloridas, caminhar em silêncio ou bradando palavras de ordem, empunhar cartazes ou faixas com frases de efeito, levantar #hashtags ou viralizar blackout no instagram, não tem sido suficiente para que sejamos ouvidos e atendidos. Em síntese: agindo por ingenuidade, comodismo, oportunismo, omissão ou por meio de estratégias equivocadas nos tornamos, inevitavelmente, cúmplices e, portanto, culpados.

 

Não meu amigo. Não é por medo que ficamos imóveis ou nos mexemos na direção errada. É pela indiferença e ausência de compromisso social mesmo. É por descaso em relação ao sofrimento alheio. É por ser conivente com a injustiça e com a iniqüidade. É pela busca do poder pelo poder. É por hipocrisia e incapacidade de se indignar. É por outras razões desprezíveis, como a dita supremacia branca. Enfim é por não dar valor à vida de outrem.

 

Esta é a realidade que estamos lidando e não se trata de fatos isolados. Há, sim, motivos para justificar a revolta das pessoas que instigadas pela impunidade estão frustradas, com raiva e com sede de justiça, clamando com palavras e com ações violentas para que se dê um BASTA! a esta afronta cotidiana ao direito à vida. De todas as vidas, indistintamente.

  

Pairam sobre nós, de há muito, nuvens sombrias devido à ausência de justiça. Urge, portanto, que se faça justiça. Não para os mortos, pois para eles a justiça já não se presta. Justiça destinada aos vivos para que uns fiquem em paz e outros sejam punidos exemplarmente, e sempre. Não há dúvidas: somente a justiça poderá nos salvar da selvageria, mormente porque a transitoriedade é uma das características de seus agentes.

 

No mais, estou cansado deste isolamento social. De não poder abraçar quem eu quero abraçar. De não poder ir e vir livremente. De ter que ouvir repetidamente números absolutos de mortos e de acometidos. De presenciar o debate democrático se restringir a quem apóia ou é contra determinado governante. De ouvir tanta verborragia, bravatas, idiotices e insultos descabidos. Estou cansado de quem diz ser de esquerda ou de direita, sem saber do que está falando nem das atrocidades já cometidas por causa desta ou daquela ideologia.

 

Por fim, na ausência de palavras mais apropriadas para concluir estas linhas, eu recorro aos versos da canção que inspirou o título deste texto, para dizer: E eu quero é que esse canto torto feito faca, corte a carne de vocês.

 

*Fernando Nogueira de Lima é Engenheiro Eletricista e foi reitor da UFMT