Quarta, 09 Novembro 2022 07:46

 

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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JUACY DA SILVA*

 

“Os países que irão participar da COP 27, devem se comprometer realmente a estabelecer as ações climáticas, para combater, de fato, o aquecimento global e as mudanças climáticas, como a primeira e mais importante prioridade para suas politicas públicas pelos próximos anos, a partir de 2023. É urgente que os países passem das promessas e discursos para ações efetivas, só assim vamos atingir as metas estabelecidas e aceitas por todos os países no Acordo de Paris”. António Guterres, em pronunciamento nas Nações Unidas, sobre a questão das mudanças climáticas.

A partir deste domingo, 06 de Novembro de 2022 até o próximo dia 18, as atenções mundiais estarão voltadas para a cidade de Sharm El Sheikh, no Egito, quando e onde estará sendo realizado a COP 27, mais uma reunião internacional para discutir a questão das mudanças climáticas , suas causas e consequências para o futuro do Planeta Terra.

Desde 1972, quando foi realizado a primeira Conferência Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, em Estocolmo, na Suécia, ou seja, há 50 anos, e diversas outras conferências mundiais como a Rio 92; a Rio Mais 20 (em 2012) e outras  mais desde então, esses temas voltam à Agenda Mundial.

Cabe um destaque especial nesta caminhada de enfrentamento mundial deste desafio que são as mudanças climáticas o estabelecimento do Protocolo de Kyoto, em 1997, por ocasião da Conferência das Partes III, (organismo supremo da ONU para as questões das mudanças climáticas), na mesma cidade, no Japão, protocolo este aprovado e firmado por 143 países e territórios.

Participaram daquela conferência, da qual resultou o Protocolo de Kyoto, um marco significativo na luta contra o aquecimento global, contra a degradação ambiental, contra o aumenta da emissão dos gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global e as mudanças climáticas, além dos representantes oficiais dos governos , também a presença de milhares de representantes da organizações da sociedade civil desses países, de ONGs, entidades empresariais, pesquisadores de diversas instituições acadêmicas e centros de estudos e pesquisas do mundo todo, além de milhares de ativistas ambientais, pessoas que lutam por um mundo realmente sustentável.

O Protocolo de Kyoto, apesar de ter sido aprovado em 1997, só entrou em vigor em 2005 e estabelecia metas e prazos para que os países pudessem ajustar suas agendas e politicas nacionais nacionais `as metas globais aprovadas no citado Acordo.

Um dos objetivos do Protocolo de Kyoto constava que um cronograma  deveria ser estabelecidos, para que os países seriam obrigados a reduzir, em 5,2%, a emissão de gases poluentes, entre os anos de 2008 e 2012 (primeira fase do acordo), quando o acordo deveria ser avaliado, o  que acabou acontecendo somente em 2015 através do Acordo de Paris.

Entre as metas do Protocolo de Kyoto constava, por exemplo: aumento no uso de fontes de energia limpas (biocombustíveis, energia solar, eólica, biomassa); proteção das florestas e outras áreas verdes, redução do desmatamento; otimização de sistemas de energia e transportes; redução do uso de combustíveis fósseis; redução das emissões de gases de efeito estufa por todos os setores produtivos, inclusive o gás metano, presentes em depósitos de lixo e oriundos das atividades agropastoris; definição de regras para a emissão dos créditos de carbono (certificados emitidos quando há a redução da emissão de gases poluentes) e definição de mecanismos para regular o mercado de carbono.

A expectativa dos especialistas em clima e meio ambiente era de que o sucesso do Protocolo de Kyoto pudesse diminuir a emissão desses gases de efeito estufa e o aumenta da temperatura media global pudesse ficar entre 1,5 e 2,5º C até o final do século XXI. Desta forma, o ser humano poderia evitar as catástrofes climáticas de alta intensidade que estavam sendo previstas para o futuro, mas que acabou chegando muito antes do esperado e já são uma realidade atual.

Todavia, relatórios posteriores ao que foi definido no Protocolo de Kyoto em 1997, ate os termos estabelecidos no Acordo do Clima de Paris, em 2015 e até a presente data, quando estará sendo realizado a COP 27, a partir deste domingo, no Egito em 2022; ou seja, 25 anos após aquelas decisões, é de que os países que firmaram e firmam tais acordos, comprometem-se livre e soberanamente a cumprir determinadas metas, acabam deixando tudo apenas no papel e pouco ou nada cumprem, com raras exceções.

No último dia 13 de setembro deste ano (2022) quando da apresentação de mais um Relatório da Organização Climática Mundial, o Secretário da ONU, demonstrou, em seu pronunciamento, uma grande preocupação com o aumento constante das emissões de gases de efeito estufa e os poucos avanços quanto `a redução do uso de combustíveis fósseis, ao desmatamento, à degradação ambiental, o aquecimento tanto do planeta quanto dos oceanos, o aumenta da produção de lixo, principalmente de plásticos, enfim, uma série de fatores que estão acelerando o aquecimento global e provocando sérias mudanças climáticas, que, ao que tudo indica, podem ser irreversíveis nos danos causados.

O titulo da matéria divulgada pela mídia da ONU não deixa dúvidas quanto `a esta preocupação quando diz, textualmente, “ONU alerta e diz que o mundo caminha para uma direção errada, quanto às mudanças climáticas’.

Disse então António Guterres, Secretário Geral da ONU, na ocasião: “ Os esforços precisam ser sete vezes maiores que os realizados até aqui/agora, para que as metas estabelecidas no Acordo de Paris (e também no Protocolo de Kyoto), para alcançar, de fato, as metas estabelecidas naqueles acordos e tratados, bem como o que consta dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030), principalmente os seguintes: Erradicação da Pobreza;  Fome zero e agricultura sustentável ; Água potável e Saneamento; Energia Acessível e Limpa;  Cidades e comunidades sustentáveis;  Consumo e produção responsáveis; Ação contra a mudança global do clima;  Vida na água ;  Vida Terrestre;  Parcerias e meios de implementação.

Como podemos perceber, 10 dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável estabelecidos em 2015; dez dos mesmos estão  relacionados, direta ou indiretamente, com a questão das mudanças climáticas.

Em outro trecho de seu pronunciamento, cuja gravidade pode ser percebida claramente, o Secretario Geral da ONU alinha diversos aspectos, que, certamente, deverão estar na pauta das discussões da COP 27.

Vejamos, para ele, é “escandaloso” que os países desenvolvidos, e também os emergentes, como Brasil, não tenham levado a sério a adaptação e tenham “desprezado seus compromissos de ajudar o mundo subdesenvolvido ou em desenvolvimento”.  O secretário-geral das Nações Unidas lembrou que as necessidades de financiamento de adaptação/mitigação devem crescer para pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2030, ou seja, um volume de US$2,4 trilhões de dólares para ações ambientais nos países mais pobres, além do que os países desenvolvidos e emergentes, principalmente os integrantes do G20 deveriam investir diretamente neste setor.

O Secretário Geral da ONU, António Guterres também esteve recentemente no Paquistão, onde disse que testemunhou a destruição causada pelas inundações.

Assim, ele destacou a importância de garantir que pelo menos 50% de todo o financiamento climático seja destinado à adaptação/mitigação.

Níveis atmosféricos de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) continuam a aumentar. A redução temporária das emissões de CO2 em 2020 durante a pandemia teve pouco impacto no crescimento das concentrações atmosféricas - o que permanece na atmosfera depois que o CO2 é absorvido pelo oceano e pela biosfera.

As emissões globais de CO2 fóssil em 2021 retornaram aos níveis pré-pandêmicos de 2019 depois de cair 5,4% em 2020 devido a bloqueios generalizados. Dados preliminares mostram que as emissões globais de CO2 em 2022, de janeiro a maio, estão 1,2% acima dos níveis registrados no mesmo período de 2019, impulsionadas por aumentos nos Estados Unidos, Índia e na maioria dos países europeus.

Os últimos sete anos, de 2015 a 2021, foram os mais quentes já registrados. A média global da temperatura média de 2018–2022 (com base em dados até maio ou junho de 2022) é estimada em 1,17 (cerca de 0,13°C) acima da média de 1850–1900.

Cerca de 90% do calor acumulado no sistema terrestre é armazenado no oceano, o teor de calor do oceano para 2018-2022 foi maior do que em qualquer outro período de cinco anos, com as taxas de aquecimento dos oceanos mostrando um aumento particularmente forte nas últimas duas décadas.

Novas promessas nacionais de mitigação para 2030 mostram algum progresso na redução das emissões de gases de efeito estufa, mas são insuficientes. A ambição dessas novas promessas precisaria ser quatro vezes maior para limitar o aquecimento a 2°C e sete vezes maior para chegar a 1,5°C.”

Outro fator importante que está contribuindo para o aumenta dos níveis de emissão de gases de efeito estufa é a guerra entre a Rússia e Ucrânia, tendo em vista que a Rússia cortou o fornecimento de gás natural (também uma fonte de energia de origem fóssil) obrigando os países europeus a voltarem a usar o carvão como fonte de energia, o que aumenta, sobremaneira as emissões desses gases e impedem que as metas estabelecidas no Acordo de Paris sejam atingidas.

A COP 27, como as demais conferências do clima já ocorridas, inclusive a última, em Glasgov, no Reino Unido em 2021, são grandes eventos, e nesta serão mais de 2000 palestras , conferências, seminários, mesas redondas, encontros bilaterais, sobre diversos temas relacionados com o meio ambiente, com foco principal, nas mudanças climáticas; contará com mais de 35 mil participantes que estarão discutindo mais de 300 temas socioambientais de extrema relevância para o futuro da humanidade e do planeta.

Além dessas discussões, durante dois dias deverão ser realizadas reuniões dos líderes mundiais, chefes de governo e de Estado, com apoio de suas delegações oficiais.

No caso do Brasil, tendo em vista que o atual Governo termina seu mandato no final de dezembro próximo, o Presidente da COP 27 que também é o Presidente do Egito, houve por bem convidar para participar deste mega evento internacional, o ex-presidente e Presidente eleito LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, que iniciará sua gestão a partir de 01 de Janeiro de 2023.

Este, além de um gesto de reconhecimento ao papel que o Brasil ao longo das últimas décadas tem desempenhado nos fóruns internacionais relacionados com questões ambientais e climáticas, principalmente no decorrer das gestões de FHC, Lula e Dilma, representa o retorno de nosso país a esses fóruns e impõe também que um grande desafio se apresenta ao novo Governo (Lula) que é reconstruir a politica, os planos, programas e gestão ambiental, bastante distorcidas, desvirtuadas e sucateadas  nos últimos anos.

O bom senso indica que se os países através de seus governantes firmam um Acordo ou Protocolo internacional isto deveria servir de base para a definição de politicas públicas, planos e programas de governo, com vistas a, realmente, atingir as metas estabelecidas, cujo prazo ficou convencionado que seria 2030, daí o nome desses objetivos como AGENDA 2030.

O Brasil tem deixado de agir para o cumprimento de vários desses objetivos e suas centenas de metas, o que nos coloca entre os países que continuam poluindo, degradando, destruído o meio ambiente, contribuindo, assim também para o aumenta do aquecimento global e as mudanças climáticas.

Uma meta clara estabelecida, em decorrência da gravidade do Quadro de aquecimento global do planeta e das mudanças climáticas disso resultante seria a limitação até 2060 ou no máximo até final deste século, é a de que seria estabelecido o limite de 1,5 graus ou no máximo 2,5 graus no aumento da temperatura mundial, tomando-se como referência o inicio do período industrial.

O Fórum Econômico Mundial, em Janeiro de 2022, apresentou A 17ª edição do Relatório de Riscos Globais, que afetam a vida dos países e podem colocar em risco a própria sobrevivência humana no planeta. O total desses riscos chegam a 17, com destaque para os dez que maiores impactos podem causar.

Dentre os dez maiores e mais graves riscos, nada menos do que sete, estão relacionados com o meio ambiente. Esses riscos, pela ordem de gravidade, são os seguintes: 1) falência das ações climáticas; 2) mudanças climáticas extremas; 3) perda/destruição da biodiversidade; 5) crise da sobrevivência humana; 6) aumento das doenças infectocontagiosas (epidemias e pandemias); 7) degradação do meio ambiente; 8) crise nos/dos recursos naturais (super exploração e degradação).

Oxalá, o Brasil possa reconstruir sua imagem de uma potência Ambiental e possa incluir todos os compromissos já assumidos desde a ECO 92 até a última COP 26 (2021) e as que serão aprovados neste COP 27, como bases para estabelecer uma nova politica ambiental, visando a justiça socioambiental, a justiça intergeracional e a um processo de desenvolvimento que respeite a um só tempo o crescimento econômico, equidade na distribuição dos frutos desse crescimento econômico, os direitos dos trabalhadores e também `a proteção do meio ambiente, atendendo aos princípios e valores contidos nos tratados internacionais dos quais nosso país faça parte e também no que preconiza a Encíclica Laudato Si e a Exortação Apostólica Querida Amazônia, ambas de autoria do Papa Francisco.

Acabamos de sair de uma eleição geral, quando o povo brasileira, democraticamente elegeu parlamentares estaduais, federais, governadores e o Presidente da República, quando era de se esperar que nas discussões e debates políticos pudessem constar propostas e planos de governos e de ação politica diversos problemas e desafios que afetam o Brasil e sua população, inclusive as questões ambientais.

Mas não foi isso o que aconteceu, essas pautas fundamentais para o presente e futuro do país foram substituídas por “fake news”, calúnias, difamações e ofensas de baixo nível, até com palavras de “baixo calão”, baixarias ou temas que não estão na ordem de prioridade nacional e muito menos internacional, com as questões das mudanças climáticas, aquecimento global, degradação ambiental e outras correlatas.

Não podemos esquecer que só existe um Planeta Terra, não existe “Planeta B”, ao destruirmos este planeta estamos destruindo todas as formas de vida, inclusive a vida humana! Ai não terá como a boiada passar e nem onde viver.

 

*Juacy da Silva, professor titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, articulador da Pastoral da Ecologia Integral, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

 

Sexta, 04 Novembro 2022 10:00

 

 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. em Ciências da Comunicação/USP

 

Desde há muito tempo, diferentes povos e culturas têm correlacionado as cores com significados socialmente construídos. A nós, brasileiros, o vermelho, p. ex., sendo uma das cores quentes, está ligado ao amor, paixão, alegria, desejo, força, poder, calor, fogo, sangue...”; jamais ao silêncio, representado por cores frias.

Todavia, desde a chegada de um belicoso ex-capitão do Exército à presidência da República e, por consequência, da manifestação–igualmente belicosa – de um modo bolsonarista de ser de tantos brasileiros, modo até então escondido dessas próprias pessoas, a cor vermelha foi, aos poucos, subjetiva e objetivamente, sendo censurada no plano de nossas relações sociais.

Literalmente, o tiro da largada desse tipo de censura, na reflexão que faço, se deu no momento em que, “em nome de Deus, da Família e da Pátria”, um bolsanarista, no Paraná, invadiu e matou, a tiros, um aniversariante petista, que realizava uma festa tematizando sua opção política por Lula/PT; isso ocorreu em 10/07/22.

A partir daquele assassinato, muitos brasileiros de caráter “terrivelmente cristão”, ainda que apenas mentalmente, pensaram: “bem-feito! Ele provocou. Pra que fazer uma festa temática com a cor vermelha, e ainda com a cara de Lula estampada em um banner!?”. Como já ocorreu em diversas outras situações criminosas, aquela vítima também se tornou responsável/culpada pela tragédia que lhe interrompeu a vida.

Diante desse tipo de comportamento, considero corresponsável por aquele crime cada brasileiro que assim pensou. A partir daquele assassinato, o recado (literalmente, velado) foi passado: não se atrevam a usar vermelho; agora, essa cor está proibida em nosso país. Quem ousar vesti-la poderá ser o próximo a ser executado, seja aonde for.

E assim se sucedeu. Dali em diante, essa cor, principalmente se identificasse de forma explícita o lulo-petismo, foi desaparecendo de cena, acentuadamente em lugares de predomínio de violentos e imprevisíveis bolsonaristas, muitos armados até os dentes, como, p. ex., Roberto Jefferson e Carla Zambelli, dois bolsonaristas que exemplificam bem esse modo estúpido de resolver eventuais problemas.

Foi assim, pois, que o simples uso da cor vermelha – a partir daquele assassinado, principalmente nos trajes que elegemos para cada dia, sem falar das incontáveis incidências de assédios diversos, que não são coisas irrelevantes –passou a significar risco de morte; risco que se acentuava na proporção em que o verde e o amarelo ganhavam destaque nas ruas, asfixiando qualquer manifestação de oposição ao bolsonarismo, por excelência, autoritário e golpista.

A quem duvidar dessas considerações, tome o período eleitoral, em especial o período entre o primeiro e o segundo turnos, e faça a retrospectiva de quantos automóveis identificados com adesivos do 13 foram registrados por seus olhos; e quantos identificavam o 22. Faça o mesmo, tentando se lembrar de quantos foram vistos com camisetas do 13; e quantos exibiam o 22.

Junte a isso, a exposição da bandeira nacional em qualquer tipo de comércio ou propriedade em geral. Em quantos apartamentos e/ou residências a bandeira nacional, subtraída pela campanha bolsonarista para si, foi vista por você, leitor? Em contrapartida, quantas bandeiras petistas, mesmo aquelas que já disfarçam a forçado vermelho, seus olhos registraram?

Hoje, o líder que contaminou o caráter de tanta gente, ou simplesmente deu espaço à eclosão dos gravíssimos defeitos de personalidade, está derrotado nas urnas; e derrotado não somente pelos vermelhos de carteirinhas, que tiveram de se passar por mortos, como em cenas de filmes de guerra ou de serial killers, mas por brasileiros que, assim como eu, não suportavam mais ver nosso país no mais baixo patamar de sua política; não suportavam mais as ameaças de golpe a cada momento; não suportavam mais ver a demolição de inúmeras políticas públicas. Ninguém, por pior que seja, conseguirá nos dividir e nos rebaixar tanto; e tudo, paradoxalmente, “em nome de Deus!!!”

Com todos os defeitos que o lulo-petismo tem, e que não são poucos e tampouco suaves, o atual presidente (hoje derrotado) é imbatível. Motivo: falta-lhe a essência para alguém de sua espécie: humanidade. O escárnio com que tratou as mortes na pandemia foi “terrivelmente” desumano; foi diametralmente oposto a qualquer ensinamento bíblico. Ademais, o jeito bolsonarista de ser é socialmente impraticável e inaceitável a quem cultiva o exercício da reflexão crítica e conhece o mínimo de nossa história, com ênfase aos períodos em que ditaduras foram vigentes.

Mas se, hoje, o “mito” da extrema direita está derrotado, seu pensamento, construído a partir das mais dolorosas experiências da humanidade, não está. Logo, perguntar é necessário: aonde esse jeito bolsonarista de ser de tanta gente poderá nos levar como país?

Em nome de “Deus, acima de tudo e de todos, da pátria e da família”, com certeza, esse jeito reacionário de ser, que flerta, sem pejo, com o fascismo e o nazismo, nos levará ao lugar ou a um tempo em que a paz social jamais reinará entre nós. A um tempo ou a um lugar onde, “se dois ou três estiverem reunidos”, o risco de ocorrer algum crime será iminente, pois as imposições religiosas –que aprisionam mentes e apagam a condição laica de um estado, até para dele se apropriar e/ou locupletar ainda mais – poderão estar nos regendo. No limite, esse pensamento bolsonaista de ser dará continuidade ao processo de pavimentação já iniciado no Brasil de algo como uma futura “polícia da moralidade”, à lá a iraniana.

Se a sociedade brasileira não entender a gravidade e se desvencilhar desse modo antidemocrático de ser e estar no mundo, num futuro, poderemos ver, no Brasil, mulheres obrigadas a usar véus ou coisas semelhantes. As minorias terão dias bem mais difíceis dos que os que já têm.

A quem possa supor serem absurdas essas reflexões, sugiro não subestimar as forças reacionárias de quem se julgue “terrivelmente cristão”, pois muitos já deixaram o constrangimento de assim pensar nos subterrâneos e, agora, mostram suas caras, geralmente, pintadas de verde e amarelo.

Depois do último dia 30, com a explosão do vermelho nas urnas e nas ruas, praças e avenidas, muitos comemorando a vitória do 13, e outros – assim como eu – apenas a derrota do 22, o país ganha um tempo para respirar e repensar seu futuro pós-Lula/PT. Se isso não for feito desde já, o futuro poderá consolidar uma forma sombria e castradora da existência humana nessas terras macunaímicas. A chance de alterá-lo é pequena e o tempo é breve. Não podemos perder essa oportunidade de buscar nossa qualificação educacional e cultural, além de um amadurecimento político, sem fakesnews, que ludibriam tanta gente inocente, para termos uma existência menos tensa, mais pacífica e verdadeiramente humana em nosso país, desde o princípio, plural. E que assim seja, “pelos séculos e séculos...

 

Segunda, 31 Outubro 2022 09:13

 

 

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JUACY DA SILVA*

 

Esta presença constante da fome sempre fora a grande força modeladora do comportamento moral de todos os homens desta comunidade: dos seus sentimentos dominantes. Vê-los agir, falar, lutar, sofrer, viver e morrer era ver a própria fome modelando, com suas despóticas mãos de ferro, os heróis do maior drama da humanidade – o drama da fome. Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens, contra outros homens." Josué de Castro, no Livro Geografia da Fome, publicado em 1946, há 76 anos.

Josué de Castro aprofundou suas ideias sobre as origens e impactos da fome tanto sobre as pessoas quanto enfatizou os liames geopolíticos e estruturais que a fome e a pobreza muitas vezes escondem dos olhares menos argutos. Isto é o que podemos observar no livro de sua autoria Geopolítica da Fome, escrito em 1951, poucos anos depois de sua primeiro obra sobre o tema (Geografia da fome).

Apesar de o Presidente da República e seu ministro da Economia (o posto Ipiranga) não reconhecerem as mazelas sociais que maculam a imagem do Brasil ao redor do mundo, a começar pela fome e, com certa frequência dizerem que “ a nossa economia esta bombando”, dados estatísticos oficiais apontam que deste Brasil “maravilhoso” para uma minoria, fazem parte também deste país que esta “bombando” nada menos do que 36 milhões de aposentados do INSS que ganham apenas o salário mínimo que mal é suficiente para sobreviverem; em torno de 57,7 milhões de família inscritas no programa Auxilio Brasil, que totalizam mais de 160 milhões de pessoas sobrevivendo, até dezembro com este socorro momentâneo; somam-se a esses mais 65,2 milhões de pessoas endividadas, que não conseguem pagar suas contas de água, energia, comunicações, despesas médicas e hospitalares, medicamento e o que ganham, incluindo essas migalhas oficiais que caem das entranhas do orçamento secreto, mal dá para comprar alguns alimentos para cada dia, sem perspectivas se terão comida no dia seguinte.

Não podemos esquecer também dos 9,5 milhões de desempregados, dos 13,5% trabalhando regularmente sem carteira assinada e sem qualquer garantia social e mais de 39,5% da força de trabalho ou 39,1 milhões de trabalhadores na informalidade ou seja, subocupados, que, para o atual governo, fazem parte do universo dos “empregados”, mas cujo rendimento também gira pouco mais do que um salário mínimo, `as vezes até menos, os quais não tem qualquer benefício social ou previdenciário.

Diante deste Quadro, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil recolocou a FOME como tema da Campanha da Fraternidade para o Ano de 2023, retomando a mesma preocupação que foi foco da referida Campanha em 1985. Ao anunciar o tema a CNBB, pela voz do coordenador de Campanhas da referida entidade religiosa, assim se pronunciou “Quase 40 anos depois contemplamos um triste e semelhante cenário. A cada dia fica mais evidente que a pandemia sanitária da Covid-19 agravou a situação de insegurança e vulnerabilidade social”.

Todavia a pandemia é apenas um fato conjuntural, passageiro. O que de fato explica este triste Quadro social em que estamos afundados é a dinâmica geopolítica e as estruturas injustas de nosso país, incluindo o racismo estrutural e a degradação de nossos biomas.

Por essas mesmas razões , mencionadas nesta reflexão, o Papa Francisco não tem cansado de criticar os modelos econômicos vigentes, como economias que geram a morte e não a vida e que precisamos colocar “alma”, solidariedade, justiça social e amor ao próximo em nossos sistemas econômicos e sociais e não apenas o lucro, a exploração dos trabalhadores e a degradação dos ecossistemas/ecologia integral.

Em lugar desta economia que gera pobreza, exclusão, fome, violência e morte; o Sumo Pontífice propõe um novo modelo, com diferentes paradigmas, o que já é bastante conhecido como “A Economia de Francisco e Clara”, onde estão incluídos os também já bem divulgados, os seus três “Ts”: TERRA, para ser cultivada para produzir alimentos saudáveis, sem o uso e abuso de agrotóxicos que degradam o solo, as águas, o ar e matam as pessoas; TETO, para que todos possam ter uma moradia em que possam viver com dignidade e não debaixo de pontes, viadutos, ruas e avenidas de nossas cidades; e TRABALHO, com salário digno, garantia social e previdenciária, para proteção dos trabalhadores ao atingirem uma idade em que não tem mais força e vigor físico para garantirem seus sustentos. Neste último “T” cabe esclarecer que há mais de um século, em 1891, na Encíclica “Rerum Novarum”, o Papa Leão XIII, já advogava a defesa dos trabalhadores das amarras desumanas a que eram submetidos pelo patronato da época.

Muitas pessoas, algumas desavisadas ou por desconhecimento dos fatos, outras por falta de capacidade para analisar a realidade socioeconômica e política de forma crítica e, outras ainda, por vinculação ideológica e até má fé, tentam imputar aos pobres, excluídos e famintos as verdadeiras causas de suas desgraças e não percebem que esses problemas decorrem da formação das sociedades em classes, castas, estamentos ou formas como são apropriados os meios de produção e se desenvolvem as relações de classe, principalmente as relações de trabalho, antes baseadas no trabalho escravo e depois, chegando até os dias atuais, com salários baixíssimos, que beiram ao trabalho semiescravo, não sendo suficiente sequer para alimentação saudável dos trabalhadores/trabalhadoras e suas famílias, além da questão do racismo estrutural que também continua sendo uma das causas da fome, da pobreza, da miséria e da exclusão socioeconômica e politica em nosso país e diversos outros.

Este quadro de miséria e exclusão completa-se com o chamado “exército de reserva de mão de obra”, representado pelos elevados contingentes de desempregados e subempregados, que contribuem para perpetuação da exploração da classe trabalhadora e o aviltamento das condições de trabalho e de salários, aliados à falta de garantia quanto ao futuro (falta de cobertura previdenciária e aposentadorias).

A fome e suas irmãs gêmeas siamesas que são a pobreza, a desigualdade e a exclusão socioeconômica e política, em suas diferentes formas e graus, representam alguns dos mais sérios e vergonhosos problemas mundo afora, inclusive no Brasil que, após ter sido retirado do MAPA DA FOME MUNDIAL, graças a um grande esforço e programa do Governo Federal, durante a gestão de Lula, em parceria com governos estaduais, municipais e inúmeras entidades representativas da sociedade civil organizada, novamente esta nódoa que tanto sofrimento  traz ao nosso país, está de volta e atingindo mais de 33 milhões de famílias, além de mais de 60 milhões que vivem em situação de insegurança alimentar.

Conforme dados do Relatório “A fome e a insegurança alimentar avançam em todo o Brasil”, da Rede PENSSAN, em 2021/2022 (II VIGISAN), 125,2 milhões de brasileiras não tinham certeza se teriam o que comer no futuro próximo, limitando a qualidade ou quantidade de alimentos para as refeições diárias – um aumento de 7,2% em relação a 2020. Se compararmos os dados de 2018, última estimativa nacional antes da pandemia de Covid-19, quando a insegurança alimentar atingia 36,7% dos lares brasileiras, o aumento chega a 60%.

De acordo com o mesmo relatório os dados revelam que mais da metade da população brasileira (58,7%) convive com a insegurança alimentar em algum grau leve, moderado ou grave. A pesquisa aponta que apenas 4 entre 10 famílias conseguem acesso pleno à alimentação. Trata-se de uma regressão de 32 anos, equivalente à década de 1990 ou em certos aspectos `a mesma situação denunciada por Josué de Castro há quase um século.

Nas últimas quatro décadas, de 1980 até o corrente ano de 2022, o crescimento do PIB brasileiro foi fantástico, com raras exceções em alguns anos, passou de US$571 bilhões para US$3,7 trilhões de dólares, ou seja, o PIB cresceu 6,5 vezes. Enquanto isso a população cresceu bem menos, de 120,7 milhões de habitantes para 215,4 milhões de pessoas, apenas 1,8 vezes.

O raciocínio é que se o PIB (bens, serviços, alimentos etc.) cresceu nesta proporção, os frutos desse crescimento, se o Brasil fosse um país justo e com distribuição equitativa dos frutos do crescimento econômico, o nível de renda, de bem estar da população teria que ter melhorado. Não era para tanta gente estar passando fome, vivendo na miséria e excluída social e economicamente.

Ai é que surge o que muita gente chama de “pulo do gato’, ou seja, as camadas que estão no ápice da pirâmide social, econômica e politica, os 1%, 5% ou no máximo 10% da população, que detém os meios de produção e ocupam os vários postos na estrutura do poder, abocanham uma parcela muito maior dos frutos do crescimento econômico, aumentando a distância social entre essas camadas privilegiadas e a grande massa dos trabalhadores e excluídos que são os 50% da população que estão na parte mais de baixo da pirâmide social.

Esta realidade da concentração de renda, riqueza e oportunidades que gera fome, miséria, violência, sofrimento e exclusão social, econômica e politica é mensurada, por exemplo, pelo coeficiente ou índice de Gini, que mede a concentração de renda. Em 1960 este índice era de 0,560; em 1964 passou para 0,571; depois subiu para 0,582 em 1980, quase no final dos governos militares; baixou para 0,510 no final do Governo Lula; subiu para 0,539 em 2018 e atualmente em 2022, quase no final do Governo Bolsonaro tornou a subir para 0,580, ou seja, praticamente o mesmo patamar de 1980.

O prognóstico é que se não forem efetuadas mudanças que alterem o padrão de distribuição de renda, riqueza, propriedade e oportunidades no Brasil nos próximos quatro anos, ou no máximo em uma década, a tendência é que a desigualdade social e econômica seja ampliada e com isso, com certeza também os problemas como fome, miséria, desemprego, subemprego, violência, sofrimento e morte.

Por isso, politicas meramente assistencialistas ou a chamada caridade emergencial, apenas minoram esta situação, este sofrimento a curtíssimo prazo. Somente políticas que representam reformas mais profundas, que verdadeiramente sejam sociotransformadoras podem e conseguem combater as causas da fome e da miséria. Isto é o que propõe a Caritas Brasileiras quando fala em “caridade libertadora”.

Para tanto, precisamos agir e lutar para colocar esses temas na agenda das discussões públicas e na agenda politica nacional, estadual e municipal, buscando a integração de esforços entre todas as organizações públicas e não governamentais, inclusive as Igrejas, como no caso da Igreja Católica, através da CNBB e da Campanha da Fraternidade para 2023.

Combater a fome em suas causas estruturais e consequências é um dever ou mandamento cristão e uma bandeira da cidadania plena! Isto é o que significa quando a Igreja faz a “opção preferencial pelos pobres” e sendo uma Igreja Sinodal, Samaritana e profética.

 

*JUACY DA SILVA, professor titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral em Mato Grosso. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Quinta, 27 Outubro 2022 13:43

 

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.

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Por José Domingues de Godoi Filho

UFMT/Faculdade de Geociências

 

“Os camaradas não disseram que havia uma guerra
e era necessário trazer fogo e alimento...”

(Sentimento do mundo, Carlos Drummond de Andrade)

 

Dia 30 de outubro será um dia decisivo para que a população brasileira decida se quer manter o repugnante, abominável, abjeto e autoritário governo atual, que as alianças políticas e partidárias geraram depois do golpe de 2016; ou, se prefere continuar construindo e fortalecendo o regime democrático, dando uma chance para um ano novo. “É certo que o atual presidente é um mal em si mesmo, mas ele é sobretudo a expressão brasileira de um processo social e histórico que tem âmbito mundial, suscitado por uma revolução científico-tecnológica que tem subvertido em profundidade – e numa velocidade vertiginosa – todas as dimensões da vida social, envolvendo a economia, a política, a cultura”. (1). Fazendo com que “tudo que é sólido se desmanche no ar”(2).

Para dar uma chance a um ano novo, as possibilidades e acontecimentos, que o futuro nos reserva, é fundamental ter como referência o conhecimento do passado. Os acontecimentos e lutas futuras guardam alguma relação com o passado; há necessidade de se considerar os elementos importantes do passado para fazer previsões. A história é crucial para melhor entender o que acontece no mundo e possui “não leis, pois isto lembra demais o positivismo tradicional, mas uma estrutura e um padrão, os quais constituem a narrativa da evolução da sociedade humana através de um longo período de tempo”. (3)

Um ano novo será possível, afinal, a sociedade humana é capaz de mudança e, portanto, “o presente não é seu destino final” (3).

A sociedade humana onde as pessoas vivem num nível de subsistência, sem garantia dos elementos básicos para sua sobrevivência como espécie – alimento, vestuário e habitação – é fundamental que saiam dessa situação. Quando se vive acima da linha da pobreza, a situação é bem diferente. Não é o que está acontecendo com milhões de brasileiros, como a história e o momento do atual governo não deixam dúvidas.

O acesso a educação, com o incremento dos padrões educacionais, da alfabetização até os cursos secundários e superiores, tem se mostrado como uma das principais alavancas para o desenvolvimento. Frente a possibilidade de, no século XXI, se eliminar o analfabetismo, propiciando à população brasileira ler e escrever, bem como assegurando que um percentual crescente de jovens tenha a formação universitária, o Ministério da Educação do atual governo foi destruído e “tocado” por ministrosmal-intencionados e adeptos dos métodos de adestramento das denominadas escolas cívico-militar.

Não há dúvidas que as principais e reais fontes de riqueza de um país – “e consequentemente, dos aumentos de produtividade e padrão de vida – são o conhecimento, o aprendizado e os avanços em ciência e tecnologia. São eles, mais que qualquer outra coisa, que explicam por que os padrões de vida hoje são mais altos do que eram há duzentos anos, não só em termos de bens materiais, mas também de expectativa de vida e saúde ao longo da vida (4).

A economia do conhecimento e inovação tem como ponto crucial a pesquisa básica, financiada pelo Estado, para produzir conhecimento como um bem público que, se disponível, beneficie a todos. Por outro lado, as empresas privadas quando produzem conhecimento, elas tentam mantê-los em segredo e blindados por patentes; limitando os benefícios que a sociedade pode obter, aumentando o risco do poder do mercado. Daí, a necessidade de investimentos públicos em pesquisa, especialmente a básica, no sistema educacional que pode apoiar o avanço do conhecimento e no fortalecimento de um sistema nacional de ciência e tecnologia. O governo Bolsonaro não reconhece isso, tem sido hostil e destruidor das instituições de pesquisa e, sua campanha à reeleição, indica a continuidade do desmanche do sistema nacional de ciência e tecnologia.

Esta postura do governo Bolsonaro aumentou a abissal concentração de riqueza e ampliou a escandalosa desigualdade social. Com isso, possibilitou que alguns tenham uma melhor qualidade de vida; além de permitir que influenciem demais na direção da sociedade e da política. “São os ricos e os poderosos que vencem quando se implementa a lei da selva” (4). Para evitar essa distopia, há a necessidade de “criar uma sociedade mais igualitária, sem perigosas concentrações de poder. Mas aqui, chegamos ao dilema fundamental da política democrática em sociedades com desigualdades extremas (4), como é o caso do Brasil. Para superar essa situação e ter um ano novo engajados em movimentos sociais de resistência e enfrentamento dos interesses do capital, há necessidade de dar um primeiro passo derrotando Bolsonaro no domingo 30 de outubro.

A “Receita de Ano Novo”, para estimular a disposição para a luta, é de autoria do poeta Carlos Drummond de Andrade, que, se estivesse vivo, faria 120 anos, no dia 31 de outubro:

“Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

mas novo nas sementinhas do vir-a-ser

...............................................................

Não precisa

fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

...............................................................

nem parvamente acreditar

que por decreto de esperança

a partir de janeiro as coisas mudem

...............................................................

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre”.

 

(1)      Reis, D.R. A reta final. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/a-reta-final/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2022-10-26 – Acesso em 26/10/2022.

(2)      Berman, M. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Ed. Schwartz, 1986.

(3)      Hobsbawm, E. O novo século. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

(4)      Stiglitz, J.E. Povo, poder e lucro. Rio de Janeiro: Record, 2020.

Quarta, 26 Outubro 2022 09:06

 

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Ciências da Comunicação/USP.
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            Desde o princípio, explicar o povo das veras cruzes tropicais tem sido tarefa dificílima. O êxito de todos quem tentam dizer quem somos tem sido relativo. Das incursões intelectuais que conheço, destaco o trabalho já antigo “Brasil, terra de contrastes”, de Roger Bastides. Por si, o título desse trabalho explora a centralidade de como nos constituímos desde os primeiros contatos oficias dos portugueses com os indígenas.
            Vale marcar que o primeiro grande contraste forjou-se na desigualdade das tecnologias de ambos os povos, a partir de então, frente a frente para cruéis embates sem-fim. Enquanto os portugueses, financiados pela Coroa e “abençoados” pelo Deus do cristianismo, encarnado, sobretudo, em figuras de padres jesuítas, dispunham de embarcações para singrar “mares nunca dantes navegados”, além de pólvoras, que apavoravam qualquer inimigo, o indígena dispunha apenas de instrumentos rudimentares, como arcos, flechas e outros eventuais “artefatos” ofertados pela própria natureza.
            De lá para cá, os contrastes foram se acentuando até ganhar corpo de agressiva desigualdade, logo, de exclusão, quando não, de eliminação pura e simples do outro mais frágil. Nos dias atuais, aliado aos históricos contrastes e às desigualdades sociais, culturais, econômicas de nosso povo, surge um paradoxo grotesco, quase inexplicável, por conta de sua origem, como mais um item que dificulta a explicação de quem realmente somos como um povo.
            O paradoxo a que me refiro centra-se no comportamento explosivo e odioso de muitos brasileiros, de diferentes classes e níveis de formação educacional, que se intitulam cristãos. Acima de todos os brasileiros, neste momento, um deles transportou o mote de sua inexpressiva existência para o universo de sua campanha política, sob o seguinte lema: “Deus acima de tudo”. Parece, mas isso não é piada, caro leitor.
            Sob o guarda-chuva desse enunciado, que, em tese –mesmo lunática –, estaria no campo das boas ações promovidas e vivenciadas pelos humanos, uma legião de fanáticos – à lá digladiadores da Idade Média – tem agido de forma odiosa, como “nunca antes vista na história deste país”. Essa legião de criaturas, humanamente mal-acabadas, tem conseguido a proeza de me espantar mais do que normalmente eu poderia supor.
            Dito isso, passo a listar alguns dos episódios recentes que insiro no bojo dos absurdos ocorridos.
            Bem diferente do comportamento submisso a que os indígenas brasileiros foram expostos já na primeira missa aqui realizada, uma mulher – dessacralizando a missa – interrompeu o sacerdote após a citação do nome de Marielle Franco durante homilia em Jacareí-SP:
            "O senhor não vai falar de Marielle Franco dentro da casa de Deus... uma homossexual, envolvida com o tráfico de drogas... esquerdista do PSOL, que quer a ideologia de gênero dentro da escola das crianças", disse. (https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2022/10/18/mulher-interrompe-missa-e-discute-com-padre-apos-ele-citar-marielle-franco-durante-homilia-em-jacarei.ghtml).
            Depois dessa espuma bucal fedendo a ódio, em outra matéria jornalística também foram destacadas outras intolerâncias dentro das igrejas católicas, intensificadas após a ida de Jair Bolsonaro ao santuário de Nossa Senhora Aparecida no feriado do dia 12. (https://veja.abril.com.br/brasil/padres-sofrem-novos-ataques-de-apoiadores-de-bolsonaro/).
            A intolerância tem chegado ao cúmulo de apoiadores de Bolsonaro, no Twitter, se incomodarem “por conta da roupa vermelha na foto de perfil de Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, que teve de explicar que a cor, erroneamente associada ao PT, se trata de uma norma na Igreja Católica para cardeais, como ele”. Aliás, por medo e precaução, ultimamente, o vermelho tem sido evitado até por petistas roxos. Inadmissível.
            Na mesma matéria acima citada, é relatado que “Padre Zezinho, conhecido na música religiosa, também foi vítima de ataques bolsonaristas, na sexta-feira, 14. Ele anunciou que vai se ausentar das redes sociais até 31 de outubro. O motivo seriam ofensas contra ele, o Papa Francisco e bispos, além de calúnias, palavras de baixo calão e xingamentos. Ele conta que foi chamado de ‘comunista’ e ‘traidor de Cristo e da pátria’ por bolsonaristas”.
            Também se registrou nessa mesma matéria que “um outro padre foi hostilizado durante missa em Fazenda Rio Grande (PR), no dia 12. Durante a homilia, o padre citou que ‘o Deus da vida nunca vai pactuar com as forças da violência, nunca vai estar do lado daquele que prega o armamentismo, porque Deus é amor, solidariedade’. O pároco foi interrompido aos gritos por uma mulher que o questionou. ‘O Deus da vida é a favor do aborto, padre? Ele é a favor da ideologia de gênero? O senhor está pedindo voto para o Lula’, afirmou a mulher. O padre negou e as pessoas aplaudiram”.
            Mas nada mais paradoxal e inadmissível, superando, pois, a dessacralização de ritos sagrados, posto vir também de outro “agente de Deus”, do que o que se lê em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/10/21/mpf-investiga-deputado-bolsonarista-que-defendeu-estudantes-queimados-vivos.htm. Aqui, é relatado que o deputado bolsonarista Bibo Nunes defendeu que estudantes das universidades federais de Santa Maria e Pelotas, ambas no RS, fossem queimados vivos, como em uma das cenas do filme Tropa de Elite.
            A crueldade do desejo criminoso desse cristão bolsonarista, consoante a mesma matéria jornalística, será apurada pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no RS e pela Procuradoria da República do município onde ocorreu a tragédia da Boate Kiss (Santa Maria), que deixou 242 mortos (asfixiados e/ou queimados vivos) em 2013.
            Enfim, em nome de (um estranho) Deus, de um modelo questionável de família bíblica, de uma Pátria (que nos pariu e nos tem deixado ao léu), irracionalidades sem limites e sem pudor são exibidas a cada momento, com apoio de milhões de brasileiros igualmente despossuídos de humanidade, liderados e conduzidos pela estupidez e pelo ódio.
            Por isso, aproprio-me da indignação e indagação inseridas no início do poema “Vozes d’África”, de Castro Alves. Espantado com os horrores cometidos contra os negros, trazidos à força para o Brasil, o poeta questionava a inércia divina. O poeta não compreendia a ausência de ação por parte de Deus diante da descomunal barbárie à vista de todos.
            Agora, com a devida licença de Castro Alves a um descrente das coisas lá do céu, para o contexto histórico que estamos vivendo, encerro este artigo fazendo a mesma pergunta, mas movida pelas barbáries cometidas no campo de nossa política, que parece ter descido à camada mais profunda e imunda do inferno, se ele existisse: “Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?/ Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes/ Embuçado nos céus?...”

Terça, 25 Outubro 2022 09:08

 

 

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Leonardo Santos

Prof. de Serviço Social - UFMT e militante da Corrente Sindical Unidade Classista.
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"Se a ordem civil é fraca, como acontece por motivos diferentes nos países tomados como ponto de referência, a ausência de oposição organizada ou de oposição organizada bastante eficiente, o caráter ocasional e a impotência relativa da resistência cívica permitem quer fascistizar certas funções essenciais e estratégicas do Estado (sem tocar em outras condições, estruturas e funções), quer atingir uma rápida fascistização de todas funções do Estado (e mesmo de todo o Estado) se as circunstâncias o exigirem. As aparências são mantidas; a relação entre meios e fins políticos é que se altera, para dar lugar a controles políticos que colocam a mudança, a “defesa da ordem” e o esmagamento de toda e qualquer oposição sob o arbítrio das minorias dominantes e privilegiadas. A constituição e os códigos se mantem, porém eles só permanecem funcionais para aquelas minorias, e se for imperativo, recebem inovações que neutralizam suas garantias políticas e legais, de acordo com algum modelo da “democracia autoritária”, “corporativa” e “nacional” (usualmente, a influência dos regimes franquistas e salazaristas é mais forte que a do nazismo alemão ou do fascismo italiano). A liberdade é preservada, nesses termos, como identificação ideal, consentimento e apatia."

Florestan Fernandes, 1971


            Certos conceitos, ao serem amplamente usados na luta política, perdem a precisão, e, portanto, seu papel de explicação da realidade. Isso tem acontecido historicamente com o fascismo. Mas tal fato não quer dizer que o conceito tenha perdido serventia, pelo contrário, volta a ganhar notoriedade justamente por retomar a função de arma importante do grande capital na sua sanha de aumento das taxas de lucro em um momento de crise. E é por isso que explicá-lo e enfrentá-lo no Brasil é tarefa de primeira ordem.

            A conjuntura atual é muito distinta das lutas interimperialistas que levaram à II Guerra Mundial, ou do momento de redivisão geopolítica do Globo que possibilitou as ditaduras de Franco e Salazar, mas novamente os grupos de extrema-direita, defensores de um nacionalismo chauvinista, ganham espaço na arena política e são financiados por agencias ligadas ao imperialismo. E, acrescente-se, não se trata de um fenômeno isolado em um país só, basta observar Trump nos EUA recentemente e os contextos políticos da Itália, França, Grécia, Ucrânia, além das recorrentes tentativas (algumas delas exitosas) golpistas na América Latina.

            E por falar em América Latina e nas suas veias abertas, vale mencionar a clássica análise de Florestan Fernandes sobre a fascistização nos países da nossa pátria grande. A despeito da polêmica sobre a validade de usar o conceito de fascismo para as ditaduras latino-americanas, em especial as do cone Sul, é bastante certeira a análise do grande sociólogo brasileiro sobre como essas ditaduras transformaram os seus Estados nacionais, possibilitando a sua abertura ou fechamento gradual – sem necessidade de novos golpes - de acordo com as necessidades políticas do capitalismo monopolista.

            Acontece que, a partir da crise financeira de 2008/2009, o capitalismo entrou em um novo momento de acumulação, com uma rapinagem completa das riquezas nacionais e o desmonte das legislações sociais construídas pelas lutas dos trabalhadores ao longo do último século, além do financiamento de grupos e políticos de extrema-direita que pudessem operacionalizar essa política a despeito dos interesses das massas trabalhadoras desses países.

            É nesse contexto que Bolsonaro, político de segunda ordem, pequeno representante do setor mais reacionário dos militares no Congresso Nacional e com relações explicitas com as milícias cariocas, ganha viabilidade eleitoral no Brasil e se torna presidente, apelando para uma crescente indignação popular que, na falta de organizações populares fortes e de uma análise profunda do passado recente de golpes no País, aderiram a um discurso chauvinista, de saudosismo da ditadura e de combate à “esquerda” como um todo, representada no PT.

            É certo que o Governo Bolsonaro não teve uma ruptura institucional, não transformou o regime político do país. Contudo, entendemos, assim como o comunista italiano Togliatti (1978), o fascismo como sendo um processo mais heterogêneo, que toma as formas necessárias de acordo com a correlação das forças sociais em disputa, ou,

[...] uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração de capital; é um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma máscara 'modernizadora', guiado pela ideologia de um pragmatismo radical, servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos racionalistas-formais de tipo manipulatório. O fascismo é um movimento chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antissocialista, antioperário. (KONDER, 2009, p. 53).


            Assim, Bolsonaro pode não ter realizado sua sanha ditatorial, mas mais por ausência de condições sociopolíticas do que por falta de vontade ou convicção. Adaptou-se às principais exigências do grande capital para ser aceito como o substituto do petismo, que por conta de sua base social não mais podia, naquele momento, cumprir as funções que as classes dominantes do país exigiam.
            (Pode-se argumentar que o fascismo clássico era defensor de um Estado forte e intervencionista, mas basta pensarmos nas diferenças de orientações econômicas hegemônicas nos anos 1930 e agora no século XXI para entendermos essa mudança. Além do mais, os partidos fascistas em ascensão na Europa atual já são adeptos dos ditames neoliberais.
            As miudezas (inclusive morais) desse processo no Brasil todos nós conhecemos. O país teve uma média quase 4 vezes maior de mortes pela pandemia do que a média mundial, voltou ao mapa da fome, vive uma inflação galopante, tem um desmatamento nunca visto antes, os salários reais estão ou congelados ou, em sua grande maioria, com perdas reais, o desemprego cresce a níveis altíssimos, o emprego precário e extenuante se torna a regra, aumentam os casos de feminicídio, racismo e lgbtfobia... Em um país que nunca viu efetivar-se um Estado de Bem-Estar Social ou pleno emprego, os efeitos da crise do capital são desoladores, mas não naturais. São forjados pela extrema-direita com inclinações fascistas que ganhou espaço na arena pública, na presidência da república e no Congresso Nacional.
            As organizações populares do Brasil não conseguiram se reerguer e disputar hegemonia sob o Governo Bolsonaro. Resistiram como puderam aos inúmeros ataques que sofreram e, a bem da verdade, em grande medida continuam reféns da estratégia eleitoreira de conciliação de classes. Inclusive não jogaram todo o peso que podiam na possibilidade concreta de derrubar Bolsonaro antes das eleições, por conta dos muitos casos de corrupção e prevaricação do seu Governo.
            Mas, como já nos disse Lenin, o marxismo é a analise concreta de situações concretas. O que está posto pra nós é a possibilidade de vencer Bolsonaro no dia 30 e retirá-lo da máquina do Governo, frustrando inclusive a sua possibilidade de seguir ameaçando as frágeis liberdades democráticas do país, mas não só, evitando uma destruição completa dos direitos conquistados pela classe trabalhadora e consolidando melhores condições para a reorganização da nossa classe. Assim, não pode haver vacilação, temos que construir a campanha de Lula 13 no segundo turno das eleições presidenciais, virar votos e eleger Lula como presidente do Brasil!
            Já virou quase lugar comum dizer que o Bolsonarismo seguirá mesmo com a derrota de Bolsonaro, e é verdade. A fascistização sociopolítica do Brasil se expressou inclusive numa tendência ainda mais reacionária do novo Congresso. A história nos mostra que derrotar o fascismo (seja como regime de Governo, seja como movimento organizado na sociedade), passa pela retomada das lutas sociais com caráter classista e numa perspectiva de transformação radical da sociedade. Pode parecer um horizonte ideal e distante, principalmente nesses tempos de supremacia incontestável do neoliberalismo e do individualismo, mas não só é uma perspectiva possível, como efetivamente é aquela que tem experiência histórica em vencer o fascismo.
            Iremos construir essa última campanha de Lula 13, comemorar muito a derrota de Bolsonaro no Domingo e, a partir de segunda, continuar a nossa luta política independente e autônoma.
            Recua, fascista, recua! É o poder popular que está na rua!

 

Sexta, 21 Outubro 2022 10:52

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

Todos os países, ao longo da história, principalmente quando se tornam independentes de outros que os colonizaram, espoliaram, escravizaram ou mudam de regime politico ou forma de governo costumam criar, mudar ou recriar suas bandeiras e outros símbolos nacionais, como hinos, brasões e coisas do gênero.

Desde cedo, as crianças são ensinadas a cultuarem e respeitarem os símbolos nacionais e em alguns países, principalmente em regime totalitários isto está ligado diretamente aos organismos de repressão, `as forças policiais e as forças armadas, desfiles patrióticos, ganham uma dimensão quase semelhante a idolatria nos cultos religiosos.

Ai daqueles que discordarem dessas práticas, podem em alguns casos,  pagarem com a perda da Liberdade/prisão ou mesmo chegando `a pena de morte.

Existem grupos sociais, organizações, governantes ,partidos políticos e pessoas que se julgam mais patriotas do que os demais cidadãos e, na verdade, sequestram os símbolos nacionais, criam slogan e estandartes que fazem parte desses símbolos, como no atual governo federal do Brasil que sequestrou parte do hino nacional como seu slogan de governo, refiro-me ao pedacinho “Pátria amada, Brasil”.

Tanto o governo atual quanto seus seguidores, muitos que já se tornaram tão fanáticos quanto pessoas recém convertidos a credos religiosos, com certo fanatismo, que precisam aparentar um fervor acima dos comuns mortais, enrolam-se na bandeira nacional, querendo com isso demonstrar que são mais patriotas do que quem não seja adepto do atual presidente e de suas ideias, por mais estapafúrdias que sejam.

Ao assim fazerem, na verdade o que tentam demonstrar é a desqualificação dos adversários, principalmente os integrantes do PT e partidos aliados, cuja bandeira partidária tem o vermelho ou o MST, em  cuja bandeira ou bonés também ostentam a cor vermelha. Com isto, tentam enfatizar que a cor vermelha é a cor do socialismo ou do comunismo, esquecendo-se de que todos esses e outros partidos cumprirem os requisitos legais e são reconhecidos pela Justiça Eleitoral.

Criaram um slogan que encima o título desta reflexão quando dizem “nossa Bandeira jamais será vermelha”, querendo com isto dizer que abominam a cor vermelha e que esta é a cor do comunismo, do socialismo e de outros “ismos” que possam ser usados para desqualificarem seus adversários, associando-os a regimes não democráticos, totalitários ou autoritários.

Interessante é que em nenhum momento, em qualquer instância judicial em nosso país ou em qualquer outro que se tem notícia proibiu o uso da cor vermelha seja nas bandeiras, nas roupas, nos vestidos das mulheres, nos uniformes escolares, nas bandeiras estatais, municipais ou em quadros (obras de arte), nas fachadas de edifícios, enfim, a cor vermelha é apenas uma cor como as demais, não podendo associa-la a aspectos negativos, quaisquer que sejam, muito menos em termos ideológicos.

Assim, Podemos dizer que, a nossa Bandeira é verde amarela, mas a cor da Bandeira não tem nada a ver se o pais vive sob democracia ou ditadura, das 224 bandeiras de países e territórios no mundo, 178 ou seja, 79,5% , inclusive a maioria dos países da Europa, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Rússia, Austrália, Inglaterra e inúmeros países da África e da Ásia tem a cor vermelha nas mesmas.

Até a Bandeira da Itália, inclusive durante o período fascistas e da  Alemanha nazista tinham a cor vermelha, bem destacada e os regimes nazista  e fascistas eram o oposto do comunismo e socialismo, que aparecem como os únicos ligados à cor vermelha.

Nos EUA, além da Bandeira nacional que é hasteada diariamente em todos os edifícios públicos, privados e atém residências, também 75% das bandeiras dos estados tem a cor vermelha.

No Brasil, por exemplo, 15 dos 26 estados e Distrito Federal tem a cor vermelha em suas bandeiras e 15 também das 27 capitais tem o vermelho em suas bandeiras. Será que isto diminui o patriotismo nesses estados e capitais? Ou será que estados e capitais deveriam ser obrigados a mudarem as cores de suas bandeiras e terem outras cores, para que suas bandeiras jamais tenham o vermelho? Porque amaldiçoar a cor vermelha?

Podemos mencionar também a Entidade Internacional que todos conhecemos, a Cruz Vermelha, símbolo da solidariedade que salva vida em tempos críticos, de desastres ou em áreas conflagradas, ostenta galhardamente a cor vermelha.

Outros exemplos de  símbolos, inclusive sagrados que tem a cor vermelha, podemos mencionar que o Sagrado Coração de Jesus é vermelho, será que deveria também ser verde amarelo?

O sol é vermelho, o palio da Opus Dei é vermelho, o sangue humano e dos animais não racionais é vermelho e estamos acostumados a associa-lo, ao dizer que  sangue é vida. Será que o sangue também deveria ser verde amarelo?

Também podemos ressaltar que na Bandeira Imperial do Brasil muito antes de haver socialismo ou comunismo no mundo a Bandeira do Império, que perdurou desde a nossa independência até a Proclamação da República tinha a cor vermelha nela.

Enfim, associar cores de bandeiras, verde, amarelo, Azul, branco, preto, marrom, vermelho, verde, lilás em diferentes tonalidades e formatos com questão ideológica, com patriotismo, com cristianismo é uma grande bobagem, uma besteira sem sentido.

Tem muitos países islâmicos, ditaduras religiosas sanguinárias e países totalitários, regimes ditatoriais civis ou militares, de esquerda ou de direita que não tem a cor vermelha em suas bandeiras e outros símbolos nacionais, mas sim outras cores como o verde, o amarelo, o preto, o azul, o branco ou outras cores e nem por isso seus governantes são democráticos  e respeitam os direitos humanos de seus cidadãos e cidadãs.

O Slogan "nossa Bandeira jamais será vermelha" utilizado por seguidores atual presidente, tenta passar uma mensagem de que seus integrantes e seguidores são mais patriotas ou talvez os únicos patriotas que existem no Brasil, isto não tem sentido. A Bandeira nacional não é propriedade dessas pessoas apenas, ela é símbolo do país e pertence a todas as pessoas nascidas ou naturalizadas brasileiras, ponto final.

Cabe aqui uma referência que o Brasil, desde a proclamação da República, há 133 anos, já passou por períodos críticos, já mudou de Constituição Federal por mais de 6 ou 7 vezes, Constituições aprovadas por Assembleia Nacional Constituinte, como foi a de 1988; ou outorgada de forma autoritária por governantes não democráticos.


 Nunca alguém, algum partido , governo ou governante propuseram trocar as cores ou formato da Bandeira brasileira, esta ideia de reforçar que nossa Bandeira jamais será vermelha é pura bobagem de quem não ter o que fazer ou uma forma bem distorcida de insinuar que o PT ou Partidos de Esquerda, inclusive socialistas ou comunistas queiram mudar as cores da Bandeira nacional.


Isto é manipulação grosseira do imaginário coletivo. Querer associar a cor vermelha a algo ruim, nefasto ou a regimes ditatoriais, de esquerda, é uma forma grosseira de fugir ao debate dos reais problemas e desafios que fustigam nosso país e que tanto sofrimento trazem ao povo brasileiro, principalmente os pobres, excluídos, marginalizados e injustiçados, para quem os governos e o Estado brasileira são grandes ausentes.


Até mesmo os meios de comunicação, de forma subliminar, enveredam para esta distorção, como por exemplo, quando colocam no mapa do Brasil, os estados e municípios em que Lula ou o PT e partidos aliados venceram a cor vermelha e onde Bolsonaro  e seus aliados venceram a cor azul, demonstrando que o Brasil esta totalmente dividido, alguns estados e regiões com a cor vermelha e outros com a cor azul, só faltou substituir o azul pelo verde amarelo para reforçar esta manipulação ideológica.


As cores de nossa Bandeira nacional não são e jamais serão as cores e os símbolos a serem de propriedade de um governo ou partido politico, não podemos aceitar que governantes  e seus seguidores manipulem e mistifiquem as massas com mensagens subliminares.


A Bandeira brasileira é um símbolo nacional, do Estado Brasileiro e de sua população, jamais deve ser apropriado por qualquer governo, partido ou grupo populacional como arma politica e ideológica, como está acontecendo em nosso país nesses últimos quatro anos.


Os reais problemas do Brasil não  são as cores de nossa Bandeira nacional, mas a miséria, a fome, a corrupção, a burocracia paquiderme, a pesada carga tributária, o contrabando de mercadorias, o tráfico de armas, o banditismo,  os privilégios dos donos do poder, dos marajás da República, a desigualdade regional, setorial, econômica, social e cultural, a degradação socioambiental; a poluição, a insegurança alimentar, hídrica e energética, a falta de saneamento básico, o desmatamento e as queimadas, a sonegação de impostos, principalmente por parte de grupos econômicos poderosos;  o tráfico de influência, a violência, o crime organizado, a falta de acesso à saúde, a educação de baixa qualidade, a falta de planejamento nacional e nas demais esferas de governo, a violência contra a mulher, as crianças ,os idosos  pessoas com deficiência, o desemprego, o subemprego, o endividamento das famílias, o atraso científico e tecnológico, o analfabetismo, o analfabetismo funcional, a discriminação, o racismo estrutural, a falta de apoio para a agricultura familiar, o uso abusivo de agrotóxicos que está envenenando o solo, as águas, o ar e nossos alimentos, o desrespeito aos direitos humanos, inclusive dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e populações primitivas e tantos outros mais que deixo de mencioná-los nesta oportunidade.

Esses sim, são problemas e desafios que o povo gostaria que os candidatos a presidente da republica, governadores de estado, deputados federais, estaduais e senadores e seus correligionários  e seguidores tivessem debatidos ou estivessem  debatendo e não a baixaria em que se tornaram essas eleições.


Não podemos permitir que a agenda pública seja desviada de seu foco que deve ser os reais problemas e desafios nacionais que afetam mais diretamente a vida da população, para questões inexistentes ou de menor significado que, como a questão das cores da nossa Bandeira, jamais foram ou estão sendo objeto de discussão ou propostas de mudança, a não ser em mentes vazias de preocupações com o que afeta realmente o povo.



*JUACY DA SILVA, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Quinta, 20 Outubro 2022 09:32

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Ciências da Comunicação/USP.
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         Em 1989, quando ainda não dispúnhamos das redes sociais, a mídia teve relevância, em especial a Rede Globo e a Revista Veja, no resultado final da primeira eleição pós-golpe militar de 64. Esses veículos foram grandes pilares para a imposição, por aqui, do projeto neoliberal em implantação alhures; para tanto, puseram-se a favor de Collor de Mello, o pai no neoliberalismo no Brasil, em detrimento de Lula, ambos finalistas daquele pleito. Detalhe: por incontáveis vezes, a mídia lançou mão do que hoje é identificado e condenado como “fake news”.
        Da parte da Globo, a manipulação do editorial do JN, contra Lula, do último debate com Collor, tornou-se uma “antológica” desonestidade jornalística, que, depois, seguida do impeachment de Collor, ajudou a Globo a fazer um explícito “mea-culpa”, ainda que somente em 2015, como se pode conferir no endereço que segue: https://www.facebook.com/watch/?v=268431057531087.
        Da parte da Veja, da qual não me lembro de desculpas pelos absurdos que cometeu para ver Collor eleito, em inúmeras matérias, construídas para desconstruir o projeto político – à época, popular – do PT/Lula, sentenças do tipo “Quem avisa amigo é” eram constantemente inseridas nos textos daquele semanário, que apostou no medo do eleitor contra o petista. Semanalmente, Veja sentenciava, conforme seus interesses, o desastre a que o país estaria submetido se o “esquerdista/comunista/ateu/demônio”, chamado Lula, fosse o vencedor.
        Claro que as sentenças, à lá “formas simples” de André Joles, não vinham isoladas no trabalho daquele condenável tipo de jornalismo. Em Veja, capas, charges, fotografias e outras artimanhas de matérias preconceituosas, além de muitas propagandas políticas – disfarçadas, em suas páginas, de publicidade – ajudavam na formatação final dos seus apelos em prol do triunfo da direita brasileira.
        Hoje, com um Lula já bem “endireitado” e disputando o segundo turno com o atual presidente da República, resgato, e já fazendo sua adaptação, uma outra sentença: “quem te leu, quem te lê”, caríssima Veja!
        Explico: no último dia 11, no site https://veja.abril.com.br/politica/por-que-lula-esta-ampliando-o-placar-contra-bolsonaro/, foi possível ler a seguinte manchete: “Por que Lula está ampliando o placar contra Bolsonaro”, conforme as pesquisas daquele momento.
            Em seu desenvolvimento, a matéria afirma que tudo tem como base o comportamento de um e de outro candidato. Para Veja, Lula tem acertado “ao dizer que vai respeitar o resultado das urnas e governar para todos. Já Bolsonaro tem feito ameaças contra a democracia, como a ampliação do número de ministros do STF”.
        Veja fez mais. Registrou que, assertivamente, Lula, “Durante seu discurso (pronunciado no dia 10/10), descreveu de forma muito certeira quem é Jair Bolsonaro. “Esse cidadão é anormal, o comportamento dele é anormal. Ele não teve nenhuma formação civilizatória. Ele pensa no Brasil para ele. As Forças Armadas são dele, a Suprema Corte é dele, o Congresso é dele, o país é dele”.
        E Veja ainda completou: “E dá até para dizer: Errado não tá”!
        Nesse mesmo sentido, a matéria, nitidamente pró-Lula, não poderia ter sido melhor elaborada em seu epílogo, ao dizer que, “A 19 dias do segundo turno, Lula abre espaço para conselhos, faz declarações democráticas e faz questão de reafirmar seu respeito às instituições e ao país como um todo. O ex-presidente sabe exatamente como sinalizar que está pronto para voltar a comandar o país”.
        Claro que Veja também sabe o que está fazendo. Conhece Lula de outros carnavais. Sabe que os dois períodos de seu governo foram bem mais do que as condenáveis corrupções (Mensalão, Petrolão etc). Sabe que “nunca antes na história deste país os banqueiros e empresários (portanto, os ricos) lucraram tanto”, conforme já disse o próprio ex-presidente, e, agora, candidato Lula, que, de sua parte, sempre soube, de forma eficiente (cooptando lideranças estudantis, de trabalhadores e de movimentos sociais), lançar mão de políticas compensatórias, ou seja, distribuir migalhas consentidas pelo capital para os pobres e – à lá Victor Hugo – para “les misérables”.
        Agindo assim, Lula sempre inibiu qualquer ameaça de inquietação social que pudesse surgir em seus dois mandatos; e mais: populista por excelência, consolidou-se como o maior mito político da nossa atualidade, até que um certo Messias, “atirando” para todos os lados, chegasse no pedaço para a disputa de um lugar no bizarro panteão dos mitos de nossa política.
        A despeito da força do mito político emergente, Veja (a Globo também) sabe que Lula é o candidato melhor talhado no processo de conciliar as classes sociais tão desiguais. O novo mito não tem (também) essa habilidade. A cada momento, diz algo de estarrecer e estremecer pessoas e mercados; só não estarrece, tampouco estremece, seus iguais, que, convenhamos, não são poucos dentre nosotros.
        Nesse cenário polarizado, para uma parte da mídia, novamente destacando a Globo e a Veja, a questão agora é salvar os seus dedos, pois os anéis, deles, podem escorregar de vez. Seja como for, a conclusão da Veja, há pouco transcrita, é o “aviso” dessa revista neste momento recheado de absurdos promovidos pelo pensamento e ações da extrema direita nacional, que deu sinais de vida, à lá um monstro que estava adormecido, desde sempre, em muitos irmãos patrícios. Dios mio!
        E por conta de uma montanha de aberrações da extrema direita, das quais destaco a constante ameaça de golpe, portanto, ao regime democrático, mesmo ciente de que Lula e Bolsonaro se igualam no compromisso de aprofundamento do neoliberalismo, não poderei anular o meu voto. Votarei no 13, não sem registrar que a aposta desse agrupamento político, em disputar o atual pleito, de forma direta, com Bolsonaro, é de altíssimo risco e exposição do país a uma incerteza institucional que, desde 2018, poderia ter sido evitada. Como não foi, o bolsonarismo já saiu vitorioso do primeiro turno, pois as urnas já reformataram, à direita mais retrógrada possível, a Câmara e o Senado Federal. Espero que esse avanço pare por aí, mas ventos e trovoadas estão no radar.
        Por isso, daqui para o dia 30, como estão mostrando as pesquisas, até os ateus terão de aprender alguma reza braba para livrar o país de mais um período de extremismos empreendidos pelo atual governante mor, absolutamente desumano. E só por isso, Lula, que, paradoxalmente, tem sido o maior cabo eleitoral de Bolsonaro – claro que a recíproca é simetricamente verdadeira –, poderá voltar a presidir o Brasil...Quem diria?
        Se isso ocorrer, já antecipo minha oposição ao 13, pois, nas pesquisas, pertenço àqueles que não comemorarão a vitória do vencedor, mas, sim a derrota do perdedor.
        Tempos difíceis! Paradoxais!

Segunda, 17 Outubro 2022 14:38

 

 

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JUACY DA SILVA*


Ser educador ou educadora não é apenas a escolha de uma profissão ou ocupação, antes de tudo, é um ato de amor revolucionário, de dedicação ao bem comum e `a verdade, baseado sempre no sonho e na esperança de uma sociedade justa, igualitária, fraterna e inclusiva. É isto que deve ser enfatizado neste dia dedicado aos professores e professoras em nosso país.


Parafraseando Paulo Freire, um dos, ou talvez o maior educador brasileiro de todos os tempos, podemos dizer que “Ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, ai daqueles que em lugar desta constante viagem ao amanhã, se atrelem a um passado de exploração, de opressão, de miséria e de rotina.”


Como Podemos “comemorar” o dia do educador, da educadora, do professor, da professora?  Creio que refletindo sobre alguns aspectos críticos da educação, como um processo transformador das consciências e das estruturas que oprimem a grande maioria das pessoas que vivem em cada sociedade, inclusive em nosso Brasil.


Quando do surgimento deste dia dedicado a quem escolheu e tem como missão a carreira docente em todos os níveis, desde a alfabetização que, `a semelhança de uma criança a quem seguramos as mãos para poder dar seus primeiros passos, também quem ensina segura, literalmente, as mãos de quem começa a escrever as primeiras letras e a partir de um momento, mesmo sem segurar as mãos, acompanha os passos seguintes dos educandos/alunos e alunas, ao longo de suas vidas, alguns e algumas por muitos anos até chegarem ao mestrado, doutorado ou pós-doutorado, sempre terão um professor ou uma professora para orienta-los, critica-los, enfim, tentar caminhar juntos, neste trajeto transformador, rumo a uma utopia.


É por isso que, falando do papel do educador, Paulo Freire costumava dizer e escreveu “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens (e as mulheres) se educam mediatizados pelo mundo”, ou seja, se a educação é entendida “como prática da Liberdade”, ela será sempre uma educação libertadora e, jamais, um mero processo de transmissão de conhecimentos já existentes e codificados pela sociedade, muitas vezes com uma dimensão alienadora, justificadora e reprodutora das estruturas sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais dominantes e dominadoras.


Quando isto ocorre, é necessário questionar qual o verdadeiro papel da educação, do educador e da educadora, frente a tais estruturas e de que lado está ou deve estar o educador, sendo apenas um agente do Estado, que é e está aprisionado pelas classes e camadas dominantes, pelos donos do poder ou ao lado de quem sofre, é oprimido e, as vezes, completamente escravizado física, mental, religiosa, política, econômica e socialmente?


Como resposta a este questionamento, reportamos, novamente, aos ensinamentos de Paulo Freire quando o mesmo afirma “nenhuma pedagogia que seja verdadeiramente libertadora pode permanecer distante dos oprimidos, tratando-os como infelizes e apresentando-os aos seus modelos de emulação entre os opressores. Os oprimidos devem ser sempre os seus próprios exemplos na luta pela sua redenção (libertação).


Cabe ressaltar que foi durante a década de 1960, período de grande ebulição política e ideológica na sociedade brasileira, quando o foco do debate nacional eram as “REFORMAS DE BASE”, quando houve um golpe de estado e os militares tomaram o poder, que Paulo Freire discutia e formulava suas ideias e ideais revolucionários para a educação, primeiro, voltadas para a alfabetização de adultos, com seu método que além de alfabetizar adultos em 40 horas, também estimulava o despertar da consciência crítica e libertadora por parte dos educandos/alfabetizandos.


Tive a oportunidade e a honra, ainda como aluno de primeiro ano do curso de sociologia e política, em São Paulo, em 1963, com apenas 21 anos de idade, ter conhecido Paulo Freire e me hospedado em sua residência no Bairro de Casa Amarela, em Recife, quando da realização do I Congresso Brasileiro para a Alfabetização de Adultos e Cultura Popular, no qual participei.


Juntamente com alguns e algumas outras estudantes de São Paulo, estávamos nos preparando para realizar a primeira experiência de Alfabetização de Adultos, no Bairro Helena Maria, em Osasco, utilizando o “método Paulo Freire”, experiência desafiadora e maravilhosa que jamais esqueço.


Naquele tempo, jovens estudantes, mas também educadores em formação, seguíamos atentamente as ideias e a metodologia de Paulo Freire, inclusive a de que “ quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é tornar-se opressor e que, lavar as mãos (ficar “neutro”) no conflito entre poderosos e os oponentes (os oprimidos, pobres e excluídos) significa ficar ao lado dos poderosos, dos opressores, isto jamais é neutralidade. O educador não pode omitir-se, tem o dever de definir o seu lado diante desta realidade que oprime e mata”.


Assim agindo, o educador e a educadora, agem como agente de mudança, principalmente, no aspecto do pensar, sentir e agir dos educandos/educandas `a medida que desperta a capacidade crítica e criadora, questionadora dos alunos e alunas, sejam crianças, adolescentes ou adultos, reduzindo o espaço da alienação, do medo e do desinteresse pelo diálogo e questionamento sobre a realidade concreta que nos cerca.


Para Paulo Freire, “A pessoa conscientizada (que despertou para a complexidade da realidade e como as estruturas sociais, econômicas, religiosas e políticas injustas e opressoras se reproduzem) passa a ter uma nova e diferente compreensão da realidade, da história e de seu papel como agente de transformação do mundo, a partir de sua realidade”.


Por isso, a pessoa que desperta para a complexidade desta realidade, entende que a mesma pode, precisa e deve ser transformada, para que a opressão, a injustiça, a miséria, a fome e a violência não tenham lugar em nossa sociedade, procura juntar-se a outras pessoas, a mobilizar-se, a organizar-se em movimentos e luta para mudar e  transformar a realidade, a sociedade e o mundo, em todas as dimensões em que as relações societárias ocorrem.


Bem sabemos o quanto a educação brasileira esta distante de ser uma educação libertadora, transformadora que seja, realmente, um mecanismo de mudança e de transformação profunda da realidade nacional.


Como costuma-se dizer, tudo passa pela educação, não por uma educação alienada e alienadora, mas por uma educação do diálogo, participativa, questionadora, libertadora, só assim consegue ser uma educação criadora de novos paradigmas e não apenas reprodutora do saber já existente.


Costuma-se dizer que, por saber o potencial revolucionário, transformador que a educação  libertadora possui, é que os donos do poder, os governantes, as classes dominantes fazem belos discursos sobre a importância da educação e pouco ou nada a valorizam. Essas são as falas intituladas de “belas mentiras” de nossos governantes e seus apoiadores ao longo de décadas ou séculos, ainda bem presentes nos dias de hoje.


O Brasil, apesar de ser uma das dez maiores economias do mundo, ostenta índices educacionais medíocres, semelhantes aos de países pobres da África e da Ásia, nosso país sempre está nos últimos lugares entre os países do G 20 quando se trata de índices educacionais, continuamos com um enorme contingente de analfabetos (ainda em torno de 8% da população acima de 15 anos e em alguns estados chegando a mais do que isto, são 14 milhões de analfabetos ; além de aproximadamente 29% de analfabetos funcionais, que em 2022 são 49,7 milhões de pessoas com 15 anos ou mais, ou seja, pessoas que não conseguem ler uma, duas ou três páginas e entender realmente o conteúdo das mesmas.


Somando-se analfabetos com analfabetos funcionais estamos Diante de uma realidade vergonhosa e vexatória de 64,3 milhões de pessoas, três quartos das quais fazem parte do mercado de trabalho. São pouco mais de 50 milhões de pessoas sem qualificação e sem capacidade crítica a engrossar este “exército de reserva de mão de obra”, subempregada, desempregada e extremamente explorada em nosso país, praticamente vivendo de programas assistenciais e sujeitas a todas as formas de manipulação política e eleitoral, principalmente pelos donos do poder.


Nossas escolas, tanto urbanas e principalmente rurais, de pequenos vilarejos e cidades menores estão caindo aos pedaços; o transporte escolar nas escolas públicas é uma lastima, verdadeiros “paus de arara” quando se trata de alunos que reside na área rural, a alimentação escolar as vezes advém apenas de bolacha e água. Creches públicas ainda representam privilégio para poucos brasileiros, o que não deixa de ser uma vergonha, pois impossibilita que as mães da classe trabalhadora possam trabalhar, pois não tem com quem deixar seus filhos pequenos.


Professores mal pagos, sem as mínimas condições de exercerem o papel de educadores e educadoras em sua plenitude, com jornadas de trabalho acima de sua capacidade física e emocional, desvalorizados, tanto é verdade que quando da escolha das carreiras universitárias, enquanto os chamados “cursos” nobres, que abrem perspectivas de melhor remuneração e prestígio social, como Medicina, odontologia, direito, comunicação social, engenharia, arquitetura, a competição por uma vaga nesses cursos é extremamente acirrada, chegando a ser de mais de 50 candidatos por vaga oferecida pelas universidades públicas ou mesmo privadas de  melhor qualidade, enquanto cursos que “levam” ao magistério, como pedagogia, letras, geografia, linguagem, matemática, física, química, etc., sobram vagas ou a competição pouco acima de uma ou duas pessoas por vaga.


No início da década de 1960, a Coréia do Sul e a China ostentavam índices educacionais semelhantes ou piores do que o Brasil. Enquanto aqueles países investiram de verdade em educação, o Brasil continuou enganando a si mesmo e hoje podemos ver, como em alguns setores , como da ciência e tecnologia, infraestrutura, percentual da população com instrução superior, onde existe uma grande distância entre nosso país e aqueles países asiáticos.


Enquanto a Coréia do Sul e a China produzem tecnologia de ponta, nós continuamos a nos orgulhar de sermos grandes produtores de matérias primas (as chamadas commodities) exportando soja em grão, madeira bruta, minérios, carnes in natura e a importando alta tecnologia. Somos um grande importador de produtos manufaturados, principalmente eletrônicos e um grande exportador primário, igualzinho ao que ocorria durante o Brasil colônia, império e república. Somos uma colônia em ciência e tecnologia.


Nem mesmo mão de obra mais sofisticada , qualificada e domesticada nosso sistema educacional consegue produzir e muito menos educandos com capacidade crítica, criadora e transformadora.


Apesar de tanto discurso, belas mentiras, ufanismo em relação ao papel da educação, tanto professores, educadores e educadoras, quanto a escola, em seu sentido amplo (do Ensino infantil até o nível de doutorado ou pós-doutorado) no Brasil continuam como párias da sociedade, a valorização dos professores e professoras é apenas um mero discurso, razão pela qual temos pouco  ou quase nada a comemorar neste dia 15 de Outubro de 2022.


Oxalá, no próximo ano, quando novos governantes estarão ocupando as estruturas de poder, tanto a nível federal quanto estadual, possam os mesmos colocarem a educação, pública, laica e de qualidade como a principal prioridade das ações governamentais. Isto só será possível em lugar de ORÇAMENTO SECRETO, tivermos ORÇAMENTO PARTICIPATIVO, com recursos suficientes para que o Brasil possa promover uma verdadeira revolução educacional.


Recentemente o Arcebispo da Brasília de Aparecida, Dom Orlando Brandes, em sua homilia no último dia 12, dedicado a Nossa Senhora Aparecida, tornou a dizer  que “Pátria amada” não  pode ser confundida com “Pátria armada”, no que foi ofendido por pessoas que não desejam que o Brasil seja um lugar de fraternidade e não de ódio, preconceitos e discriminação.


Talvez deva ser realizada uma grande campanha nacional pelo desarmamento  nacional, inclusive o desarmamento espiritual, em que o slogan poderia ser “troque sua arma por um livro”, pois “a arma mata e o livro liberta e salva”.


Vamos sonhar para que o DIA DO PROFESSOR/PROFESSORA em 2023 seja bem diferente do que este que pouco se tem a comemorar em 2022.


*JUACY DA SILVA, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

Quarta, 05 Outubro 2022 10:09

 

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Por Paulo Wescley Maia Pinheiro*


Décadas atrás, versando sobre um Brasil dividido de fato, Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova fizeram o poema "Nordeste Independente" como um protesto contra a desigualdade e o preconceito regional. 

Como esse é um fenômeno tão atual e fortalecido nesses tempos de intolerância, eu fiz um caminho diferente, imaginando quebrar as cercas e construir "um Brasil não dividido com o povo liberto das correntes". 

Veja o vídeo; Poema Povo Independente (imagine o Brasil NÃO dividido...) - YouTube
 


Povo Independente**

https://www.youtube.com/watch?v=tS6ke_1p0jg&lc=Ugxex0xdt3oyVYoAQpV4AaABAg

Wescley Pinheiro

Já que há no país o preconceito 
Mascarado de meritocracia 
Espalhando cruel xenofobia
É preciso quebrar esse preceito
O Nordeste exige mais respeito 
Contra o abismo criado e tão presente
Provocando a barbárie contundente
Pra deixar nosso povo enfraquecido
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

Mesmo com o poder dessa quadrilha 
Que comanda a nação pela discórdia
Vou trazer união nesta paródia
E mostrar toda a farsa desta trilha 
Quando os ricos fizeram armadilha 
Para o povo odiar o diferente
Propagando essas dores tão ardentes
Contra todo explorado e oprimido 
Imagine o Brasil não dividido 
E o Nordeste liberto das correntes

Perderemos talvez só os grilhões 
Nossos pés andarão tão livremente 
Se os elos de nós forem somente 
Nossos ritmos, sotaques e canções 
Quando unirmos peoas e peões
Nosso olhar será tão clarividente 
Viveremos emancipadamente
Todo o povo será nosso partido 
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

É do povo a cultura nordestina 
É orgulho, é disputa, é resistência 
É história e é experiência
Pra viver superando essa sina 
De um Brasil que até hoje discrimina 
Para fazer do seu povo indigente 
E viver um racismo tão potente
E o machismo que tem prevalecido
Imagine o Brasil não dividido 
E o Nordeste liberto das correntes

Eu não quero aqui dizer que não
Pois tem hora que raiva, nojo e ânsia 
Prevalecem contra a intolerância
E aí nós queremos divisão 
Mas sabendo que quem sofre de antemão
É aquele que trabalha até os dentes
E a elite desse nosso continente 
Não tem pena e só tem nos espremido
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

É mulher, nordestino, preto e pobre 
Que até hoje ainda são discriminados 
Já o rico acumula o seu legado
De burguês que se assume como nobre 
Acumula suor, sangue e cobre 
Todo ouro, criação, planta e semente 
Vai secando e cercando enquanto mente 
Nos chamando de burros e bandidos
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

O Brasil é bem mais que capital
É bem mais que o eixo soberano
O conceito sul-metropolitano
Tem herança na história desigual
E com essa questão estrutural
Que é tão viva e está em nossa frente
Que o Sudeste parece independente
E que o Sul aparece tão cindido 
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

Para haver abundância lá embaixo 
Foi preciso a pobreza aqui do norte
Esquecer o país à própria sorte 
E montar na ganância e no esculacho
Explorando pessoas por escracho
De um jeito combinado e dependente
Não deixando ficar tão consciente 
Tudo aquilo que o povo tem sofrido
Imagine o Brasil não dividido
E o Nordeste liberto das correntes

Quando a gente viver em união
Periférico então será o meio
Quando margens virarem o recheio 
Do poder decisório da Nação  
Lutaremos contra a exploração
As barreiras serão tão decadentes 
Nossa arte será incandescente
Com o mote do poema enlarguecido 
Imagine o Brasil todo unido 
Com seu povo liberto das correntes  

Imagine as distintas regiões 
Com justiça, direito e igualdade 
Norte a sul, leste a oeste, de verdade
Convivendo com iguais condições 
Abraçando migrantes e anfitriões
E vivendo de forma que acalente 
Onde a discriminação seja ausente
E o que nos é comum seja acolhido
Imagine o Brasil todo unido 
Com seu povo liberto das correntes

O vaqueiro, a lavadeira, o agricultor
O Operário, a enfermeira e a artista 
Estudante, ambulante, jornalista
A docente, o gari e o entregador 
Todo povo que é trabalhador
Tem a força de quem pega no batente 
Com sotaques que tão diversamente
Fazem deste um país mais colorido
Imagine o Brasil todo unido
Com seu povo liberto das correntes

Imagine união por todo lado
Com o país só vivendo à partilhar 
Com um Centro e um Oeste popular
Nosso Norte sendo bem preservado 
Com o Sul e sertão articulados
O Sudeste não mais tão excludente 
Um Nordeste também suficiente 
Para nós o direito garantido
Imagine o Brasil todo unido
Com seu povo liberto das correntes

Um lugar que acabe as besteiras
Que definem a nossa sociedade
Onde pulse toda diversidade 
E não seja cercado por fronteiras
Que a vida do povo seja inteira  
Com projeto diverso e coerente
Onde o ser que trabalha viva rente
Com aquilo que ele tem produzido
Imagine o Brasil todo unido
Com seu povo liberto das correntes

Imagine o trabalho dividido
E o produto sempre compartilhado 
O amor para sempre espalhado 
Sem haver um sujeito suprimido
Imagine um país reconhecido
Tão plural, corajoso e combatente 
Regiões convivendo tão contentes
E não mais desiguais como tem sido
Imagine o Brasil todo unido
Com seu povo liberto das correntes

 



*Wescley Pinheiro é professor, assistente social e poeta popular, autor de ebooks como “A Chegada do Pastor Mala e da Cachorra Laica no Além” e “Curral da Conjuntura e outros cordéis" (kindle/amazon). Contato: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. 

**Esse poema é uma versão que dialoga com  “Nordeste Independente” de Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova