Sexta, 24 Fevereiro 2023 16:23

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Vicente Machado de Avila

Professor aposentado da UFMT


 

                       I.            YANOMAMIS – O “HOLOCAUSTO” BRASILEIRO

JANJALINDA: Quais os principais crimes cometidos na reserva yanomami?
BRASILINO: Foram praticados crimes por ação e omissão. O governo BOLSONARO praticou crimes de indiferença/conivência. Os indígenas ficaram expostos às ações criminosas de garimpeiros, madeireiros, pescadores grileiros. Até vacinas foram desviadas para os agressores. Os órgãos de proteção foram desmantelados. 570 crianças morreram de desnutrição e muitas indiazinhas foram estupradas. Toneladas de ouro foram ilegalmente extraídas; os rios ficaram lamacentos e o mercúrio destruiu a saúde do povo nativo; muitos indígenas foram assassinados e também pessoas que defendiam a causa indígena. Por exemplos: BRUNO e DOM PHILIPS.

                    II.            A RETOMADA

BRASILINO: Felizmente, a justiça tarda mas não falta e “Deus é brasileiro”. No dia 30/10/2022, os brasileiros retomaram a nação das mãos do crime organizado, os mal-feitores estão sendo expulsos, os yanomamis estão recebendo a necessária e merecida ajuda humanitária.

                 III.            JANJA TRIUNFARÁ!

BRASILINO: JANJA está sendo xingada. É vítima do mau-caratismo, cafajestagem e baixaria trazida pelo “gabinete do ódio”. A justiça tarda mas não falta e “Deus é brasileiro”. Avante JANJA e sua luta! O Brasil está no seu caminho histórico de país esportivo, alegre, amistoso e amigo da paz.

 

Cuiabá, 20/02/2023
BRASILINO SAKATUDO
JANJALINDA BRASUCA
LULAHUMANO DA SILVA

Quinta, 23 Fevereiro 2023 13:44

 

 

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Juacy da Silva*
 

Apesar dos “avanços” ocorridos com a promulgação da Constituição de 1988, em relação aos direitos dos povos indígenas, como destaca o professor de direito Gustavo Proença, parece que na prática a realidade é bem outra, muito diferente do que consta no texto constitucional.

Vejamos esta reflexão, sob a ótica da Jornalista Cristiane de Oliveira - Repórter da Agência Brasil, Rio de Janeiro, em artigo publicado em 19/04/2017, por ocasião do DIA DO ÍNDIO/ DOS INDÍGENAS: “A Constituição de 1988 pode ser considerada um marco na conquista e garantia de direitos pelos indígenas no Brasil. A afirmação é do professor de direito Gustavo Proença, pesquisador da área de direitos humanos. Para ele, a Carta Magna modificou um paradigma e estabeleceu novos marcos para as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas.

Enquanto o Estatuto do Índio (Lei 6.001), promulgado em 1973, previa prioritariamente que as populações deveriam ser "integradas" ao restante da sociedade, a Constituição passou a garantir o respeito e a proteção à cultura das populações originárias. “O constituinte de 1988 entende que a população indígena deve ser protegida e ter reconhecidos sua cultura, seu modo de vida, de produção, de reprodução da vida social e sua maneira de ver o mundo”, destaca Proença”.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo diversos dispositivos que se aplicam, diretamente aos povos indígenas e outros dispositivos gerais, principalmente garantias individuais e coletivas que, de forma indireta, também se aplicam a esses povos tradicionais, garantindo, inclusive, suas ancestralidades.

Vale a pena destacar nesta reflexão alguns desses dispositivos constitucionais: “Art. 20. São bens da União: XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XIV - populações indígenas; Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: XI - a disputa sobre direitos indígenas. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1.º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 2.º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

CAPÍTULO VIII Dos Índios Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1.º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2.º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3.º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4.º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5.º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6.º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7.º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3.º e 4.º. Art. 232.

Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. (ou seja, esta determinação constitucional que deveria ter sido executada ate 1993, praticamente foi ignorada, principalmente no último período governamental, em que nenhuma demarcação de território indígena foi realizada). Apesar deste artigo constar explicitamente na Constituição nem mesmo o STF, que é considerado o “Guardião” da Constituição parece ignorar este dispositivo.

No entanto, apesar desses marcos legais/constitucionais, vejam que absurdo, parece que estão colocando a raposa para tomar conta do galinheiro ou o vampiro para administrar o banco de sangue. Reflitam sobre o que já aconteceu, o que está acontecendo e o que ainda pode acontecer em relação a esta tragédia anunciada e perpetrada ao longo de séculos, décadas, mas, principalmente, nos últimos quatro, sete ou dez anos em relação aos diferentes povos indígenas no Brasil, uma verdadeira calamidade, uma tragédia humanitária, uma vergonha nacional e mundial.

Acabo de receber em meu correio eletrônico (E-mail) uma notícia, se não estarrecedora, pelo menos inusitada. Trata-se de uma Comissão constituída no âmbito do Senado Federal para “Acompanhar e fiscalizar” as providências que estão sendo tomadas, principalmente pelo Governo Federal e também outros organismos públicos, para enfrentar a chamada crise do povo indígena Yanomami, que na verdade é um genocídio contra este e tantos outros povos indígenas que, ao longo de séculos foram e continuam sendo dizimados, literalmente.

Transcrevo aqui parte do teor do e-mail contendo a notícia a que me refiro, cuja fonte é o Site Climainfo (https://www.climainfo.org.br 17/02/2023) “O Senado Federal instalou, nesta 4ª feira (15/2), uma comissão temporária para acompanhar a situação dos Yanomami, que vivem uma grave crise humanitária e sanitária decorrente da presença ilegal de garimpeiros em seu território, e observar os esforços do governo federal em retirar os invasores. Para a presidência da comissão, uma escolha insólita, se não imprópria: o senador Chico Rodrigues (PSB-RR),aliado do governo Bolsonaro, de quem foi vice-líder no Congresso Nacional, tem laços públicos e notórios com atividades de garimpo em Roraima e defensor de garimpeiros, a quem chegou a elogiar essas atividades criminosas como um “trabalho fabuloso”.

Ao ser escolhido para Presidir a referida Comissão, o Senador  fez uma declaração claramente preconceituosa. Em entrevista à Globonews, o mesmo disse que os garimpeiros são “vítimas” da situação e classificou os Yanomami como “a última etnia do planeta no século XXI que ainda é primitiva, totalmente primitiva”.

Voltando `a minha reflexão, gostaria de enfatizar que a crise humanitária, a fome que já matou centenas de crianças e também adultos do povo Yanomami é apenas a parte visível deste que pode ser considerado como um “iceberg”, que a sociedade brasileira e o resto do mundo tem tomado conhecimento apenas agora, pois o genocídio e tantas outras formas de violência, inclusive assassinatos de inúmeras lideranças indígenas já vem ocorrendo no Brasil há décadas, sem que providências concretas tenham sido ou estejam sendo tomadas para garantir, como a Constituição Federal estabelece, não apenas os territórios desses povos, mas também sua cultura, suas tradições, enfim, suas formas de viver, integrados com a natureza/meio ambiente.

Integração e enculturação forçadas representam um verdadeiro atentado contra todos os povos tradicionais, os quais tem o direito vivem conforme os costumes, tradições e crenças culturais e não as normas e formas culturais impostas de forma autoritária pelos “donos do poder” e seus agentes.

Inúmeros estudos, pesquisas tem demonstrado que os povos indígenas, ao longo dos tempos, de décadas e séculos foram e continuam sendo os verdadeiros guardiões das florestas, da biodiversidade, dos biomas, das águas, enfim, da biodiversidade tão ameaçadas e ameaçados nos últimos tempos, que tem causado preocupação e indignação ao redor do Planeta.

Portanto, garantir os direitos dos povos indígenas, como constam não apenas em nossa Constituição, mas também em inúmeros tratados articulados e aprovados pela ONU, dos quais o Brasil tem sido signatário é obrigação, dever legal dos organismos públicos nacionais e fundamentos para o estabelecimento de políticas públicas que garantam a vida, incluindo a saúde, o bem estar e as culturas dos povos indígenas.

Mas isto praticamente não tem ocorrido, a não ser quando verdadeiras calamidades são reveladas publicamente, como está sendo este genocídio do povo Yanomami.

Diante disso, podemos nos perguntar: onde estavam os Podres da República, os governos e as autoridades federais, estaduais e municipais que se omitiram e silenciaram diante de uma tragédia anunciada?

Onde estavam os MPs (Ministérios Públicos) Federal e Estaduais, principalmente os localizados em Roraima e na Amazônia ou de outros estados onde povos indígenas tem sido vítimas de muita violência, desrespeito e exploração?

Onde estavam a Câmara Federal, o Senado da República, principalmente os senadores e deputados federais dos estados da Amazônia Legal que nada fizeram,?

Onde estavam as Forças Armadas, o Conselho da Amazônia, a Funai, o IBAMA e outros órgãos públicos que deveriam cuidar do Meio ambiente?

No Congresso Nacional existem as Frentes Parlamentares ou as bancadas da Bala, do Boi, da Bíblica, dos Evangélicos, das mulheres, da Educação, da saúde e tantas outras, indagamos, porque não uma bancada, uma frente parlamentar em defesa dos povos indígenas, dos quilombolas, remanescentes da escravidão, enfim, grupos étnicos e raciais tão vilipendiados e excluídos dos “frutos” do crescimento econômico e do “desenvolvimento nacional”?

Onde estavam os veículos de comunicação que se calaram? Onde estavam o “deus mercado”, os “defensores” da liberdade, que se omitiram ante a negação do direito que é o mais importante para um ser humano que é a própria vida?

Da mesma forma que os Yanomamis, também todos os demais povos indígenas no Brasil inteiro estão sendo vítimas de violência, dizimados, suas terras invadidas, suas culturas destruídas. Os povos indígenas no Brasil há décadas estão se transformando em verdadeiros párias de nossa sociedade e com o avanço das fronteiras agropecuárias, mineração legal e ilegal, a grilagem consentida, a ação ilegal e criminosa de madeireiros, o desmatamento, a construção de grandes barragens, este processo está, na verdade sendo financiado grandes grupos econômicos nacionais e internacionais, mas também pelos Governo Federal e Estaduais através de crédito subsidiado, renúncia fiscal, sonegação consentida, “incentivos fiscais”, enfim, este genocídio faz parte de políticas públicas, custeadas com o suado dinheiro dos contribuintes.

O caso dos Yanomamis é apenas pontual, ou como se diz, “a bola da vez”, onde a luz, os holofotes dos meios de comunicação produzem um efeito momentâneo; precisamos refletir, discutir a questão indígena brasileira por inteira, analisar a situação de todos os povos, como, por exemplo, os guarani-kaiowá, os ticunas, os terena, os xavantes, os bororos, os pataxós, os caetés, os caiapós, os nhabiquaras, os macuxis, os caigangue e tantos outros que também estão sofrendo ameaças de toda sorte, inclusive de extinção enquanto grupos demográficos com identidade própria.

Este é o foco da discussão e não apenas medidas emergenciais e assistencialismo, que, cessada a “onda” da publicidade tudo volta `a mesma situação e o genocídio continua!

Em boa hora o Governo Lula criou o Ministério dos povos indígenas. Oxalá tanto este Ministério quanto todos os organismos a ele vinculados como a FUNAI e também o Ministério do Meio Ambiente e do Clima, tenham recursos orçamentários suficientes para não apenas definirem mas de fato implementarem políticas públicas que defendam a um só tempo tanto o meio ambiente quanto a vida e direito dos povos indígenas existentes no Brasil, dentro do conceito de Ecologia Integral, como tanto tem enfatizado o Papa Francisco, “onde tudo está interligado, nessa Casa Comum”, que é o nosso Planeta Terra.

Neste sentido, precisamos também de Igrejas, Católica e Evangélicas e de outras crenças, não apenas as que representam o cristianismo, que promovam uma evangelização “enculturada”, que tenham também a cara e o olhar dos povos originários, que respeitem suas culturas, suas línguas, suas tradições, suas crenças e não apenas a cara dos colonizadores e destruidores das culturas desses povos.

Enfim, a questão indígena no Brasil não é um tema ou um assunto de interesse exclusivo dos povos indígenas, mas da sociedade como um todo, não podemos fazer coro com quem imagina e vocifera o tempo todo que no Brasil “existe muita terra para poucos indígenas” ou que esses povos e a defesa do meio ambiente sejam empecilho ou obstáculo para o desenvolvimento, local, estadual ou nacional.

Precisamos repensar nossos conceitos, nossas atitudes e nossas ações, os povos indígenas representam vidas e precisamos defender todas as formas e tipos de vida, inclusive ou principalmente dos povos indígenas, que são excluídos social, econômica e politicamente e que continuam ameaçados em todos os aspectos tão caros/importantes para essas pessoas, que também, como diz o adágio, “são filhos e filhas de Deus”!


*JUACY DA SILVA, 80 anos, professor titular aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Sexta, 17 Fevereiro 2023 10:48

 

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Alair Silveira
Profa. Depto. Sociologia e Ciência Política
Profa. PPGPS/ICHS
Membro MERQO/CNPq
Membro GTPFS/ADUFMAT/ANDES-SN
 

 

            De longínquos tempos, ensina o ditado popular que uma andorinha não faz verão.O ANDES-SN, apesar dos seus mais de 40 anos, parece ter regredido quanto à compreensão das consequências da solidão sindical. Afinal, no 41º Congresso Nacional, realizado em Rio Branco/AC, entre os dias 06 e 10 de fevereiro/2023, ratificou decisão do 14º CONAD Extraordinário; isto é, deliberou pela desfiliação da CSP-Conlutas. Placar de 262 votos favoráveis, 167 contrários e 07 abstenções.
            Mais do que um balanço da atuação da CSP durante o período em que o ANDES-SN esteve filiado à Central, os delegados do 41º Congresso nortearam suas críticas sob uma contraditória argumentação que oscila entre declarações sobre uma experiência que [supostamente] se esgotou, acusações de erros sobre política nacional e internacional, e rechaços quanto ao radicalismoisolacionismo e hegemonismo.
            Como o GTPFS foi pródigo na recuperação da história, das disputas políticas em torno da CSP e nos esclarecimentos quanto aos instrumentos de luta dos trabalhadores ao longo da Série Organização e Filiação Sindical, além da análise que publiquei recentemente no Espaço Aberto n. 01/2023 (02/02/2023), irei me ater somente aos episódios evidenciados no 41º Congresso.
            Primeiramente, há que se registrar a profunda contradição entre a acusação de isolacionismo da Central e a decisão congressual, na medida em que o ANDES-SN, a partir da saída da CSP, torna-se um sindicato bastante sui generisa) aprova uma longa e abrangente pauta de reivindicações, mas, ao mesmo tempo, delibera por manter-se sem vínculo a qualquerCentral durante tempo indeterminado;b) reclama do hegemonismo do PSTU, mas, ao mesmo tempo, reflete as disputas partidárias organizadas dentro do Sindicato; c) declara acúmulo de discussões sobre o assunto e, ao mesmo tempo, aprova a desfiliação para fazer a discussão com a based) reafirma seu compromisso e solidariedade de classe, mas, ao mesmo tempo, reclama da organização popular e sindical da classe dentro da Central; e) denuncia a estrutura organizativa da CSP, mas, ao mesmo tempo, também foi protagonista do seu Estatuto e tem assento na Coordenação Geral; f) rechaça a política nacional e internacional aprovada em Congresso da Conlutas, mas, ao mesmo tempo, é criterioso quanto ao cumprimento dos ritos e deliberações congressuais do próprio ANDES-SN; g) defende a democracia, mas, ao mesmo tempo, evidencia dificuldades em conviver com o resultado das decisões com as quais têm diferenças; h)proclama a luta das ruas, mas, ao mesmo tempo, demostra particular preferência pelas lutas institucionais; enfim...
            Não bastasse o isolamento organizacional objetivo a partir dessa decisão congressual - enquanto discute amadurece os rumos do Sindicato -, o ANDES-SN também aprofundou determinadas práticas e tendências que remetem a uma espécie de refundação: 1)o recurso da ADUFMAT (aprovado em Assembleia) contra a expulsão de Reginaldo Araújo sequer foi para discussão em Plenária, apesar de pedido de esclarecimento à Mesa da Plenária (alertando para a gravidade e ineditismo do processo);2) as manifestações pautadas pelo identitarismo tomaram proporções impressionantes, numa avalanche que desconsidera princípios básicos do classismo e da democracia.
            Em ritmo acelerado, o ANDES-SN tem se transformado em um Sindicato intolerante, retoricamente classista, objetivamente discriminador e politicamente persecutório. De maneira sintética, esse Congresso se transformou na síntese dos três ‘T’: Terrível, Triste e Trágico.
            Para sustentar minha análise (para além do que já expus em diversas oportunidades), registro quatro ocasiões deploráveis: (a) no Tema I (Conjuntura), um companheiro de longa data (e luta) iniciou sua intervenção pedindo desculpas àquelas/es que, de alguma forma, tivesse ofendido no 40º Congresso[1]. Apesar da intervenção ter iniciado com o pedido de desculpas, algumas mulheres se levantaram e viraram as costas, em clara manifestação de repúdio. Na sequência, inúmeras mulheres e homens seguiram-nas, em profundo desrespeito ao companheiro, desconsiderando não somente o direito de expor seu ponto de vista, mas expondo sua profunda intolerância para com o contraditório e a divergência.
            Qual o fundamento da hostilidade? “Assediador”. Por que? Porque exigiu retratação de uma “mulher”. Não por acaso, a mesma mulher que no 65º CONAD foi denunciada, publicamente, por assédio a outra companheira. Essa denúncia, entretanto, não prosperou.
            Na abertura de outro turno de atividades, homens fizeram uma manifestação, empunhando cartazes contra o machismo e o assédio. Para essa manifestação também não faltaram mulheres reclamando o lugar de fala...
            Sob algumas circunstâncias, o ANDES parece ajustar-se mais ao nome de OLHES, dada a intensidade com que olhares hostis e/ou constrangidos se expressam contra aqueles/as que julgam “inimigos” da pauta de luta contra as opressões.
            Triste, Trágico, Terrível! Vamos nos esfacelando aos poucos...
            Assim foi, inclusive, quando da informação, em Plenária, sobre(b) supressão do TR da ADUFMAT. Embora a expulsão seja inédita na história do ANDES-SN e o processo que redundou em punição tenha sido eivado de problemas (especialmente pelos procedimentos e elucidação dos fatos), a exclusão do companheiro Reginaldo Araújo foi ratificada sem qualquer discussão! Mesmo assim, euforia e palavras de ordem contra machistas e assediadores foram entoadas na Plenária. Puxadas, inclusive, por companheiras que atuam na própria Seção Sindical que aprovou Recurso em Assembleia Geral.
            Mas, as tragédias não encerraram aí: outros dois episódios lamentáveis compõem esse Relatório. No último dia, (c) outro sindicalizado experimentou a revolta de muitos, após usar uma expressão inadequada e infeliz, típica do seu tempo histórico. Objeto de muitas manifestações furiosas e emocionadas, o professor precisou se comprometer em usar seu tempo para retratação (exigência da Mesa) para poder fazer uso da palavra. Inaugurando uma prática inadmissível sob qualquer ótica democrática (em que a Mesa arbitra a concessão da palavra mediante censura prévia), o docente não apenas pediu desculpas pela expressão infeliz, mas, também, esclareceu que ele próprio é homossexual. Seu questionamento tinha por objetivo, tão somente, discutir a recomendação para composição de chapas, nas Seções Sindicais, observando representação de gênero, raça, LBGTQIAP+ etc.
            Desta forma, um dos primeiros organizadores do Movimento Gay na Bahia (muitos anos atrás) foi – mais uma vez – julgado sem qualquer diálogo, tolerância ou respeito às trajetórias políticas pessoais. Trata-se da consolidação de uma prática sindical que interdita a fala divergente, é intolerante com aquele que pensa e/ou manifesta-se fora dos padrões linguísticos estabelecidos pelos movimentos militantes, desconhece a história e a dedicação sindical dos companheiros e, por fim, tem um senso persecutório inacreditável.
            Nesse processo de descolamento da história e de presunção de inovação pelo engajamento pessoal, o ANDES-SN vai cindindo-se e, por óbvio, se fragilizando e se desconhecendo. Mais grave ainda: vai perdendo a capacidade de se reconhecer como categoria que compõe uma classe heterogênea, cujos inimigos não estão na classe, mas fora dela.
            Para coroar esses eventos terríveis, trágicos e tristes, próximo do encerramento do 41º Congresso, (d) uma professora denunciou ter sido assediada por um homem. Esse homem, no caso, era um estudante indígena da UFAC. Descontrolado, esse estudante provocou situações graves e constrangedoras.
            O impressionante, contudo, foi a reação de uma diretora bastante atuante nas causas identitárias contra opressões. Diferentemente das posturas habituais para com quaisquer denúncias e intervenções, a Diretora não apenas defendeu uma posição educativa e não punitivaem razão do estudante ser indígena, senão que sugeriu que aqueles que o retiraram do ambiente buscavam uma espécielixamento, classificando a demanda por chamar a Polícia como uma atitude escravagista. Mais uma vez, repetiu-se a lógica dos dois pesos e duas medidas.
            No mais, o 41º Congresso Nacional do ANDES-SN aprovou uma extensão pauta de lutas, majoritariamente reiterou expectativas no Governo Lula e, por fim, apresentou as quatro chapas em disputa para as eleições à Direção Nacional, que ocorrerão na primeira quinzena de maio/2023.

 

[1] No 40º Congresso, em POA, DilenoDustan foi encaminhado para Comissão de Ética ao exigir retratação da ex-dirigenteEblinFarage (após intervenção desta, que foi considerada por ele desrespeitosa para com companheiros/as sobre a pandemia).

Quinta, 16 Fevereiro 2023 11:42

 

 

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JUACY DA SILVA*
 


“Enquanto eu distribuía alimentos aos pobres (assistencialismo) eu era considerado um santo; a partir do dia em que comecei a falar das causas/origens da fome, passei a ser considerado comunista” Dom Helder Câmara, Fundador da Caritas Brasileira e um dos fundadores da CNBB.

Em relação `a fome podemos identificar pelo menos quatro grandes grupos de causas (raízes): a) as estruturais/socioeconômicas e políticas;  b) as ecológicas/ambientais c) as geopolíticas que são as guerras, os conflitos armados entre grupos dentro de um mesmo país; d) os fenômenos da natureza como terremotos, furacões, tornados e vulcões. Com exceção das últimas, todas as demais tem suas origens nas ações ou omissões humanas, sociais, econômicas ou políticas.

Nesta reflexão/artigo, pretendo abordar apenas algumas dessas causas, no futuro podemos retornar a este assunto ampliando o escopo da análise.

No caso do Brasil, enquanto mais de 73% dos trabalhadores na ativa e 91% dos aposentados ou pensionistas vivem ou meramente sobrevivem com no máximo dois salários mínimos, que na verdade é um rendimento de fome e ainda assim, tem o poder desta renda reduzida, comida pela inflação ao longo de décadas, minguando ano após ano, um número super reduzido de milionários e bilionários tem suas rendas, riquezas e propriedades sendo multiplicadas dezenas vezes, ampliando o fosso social entre esses dois grupos. Isto, com certeza, faz o regozijo do “deus” mercado, dos especuladores financeiros e dos rentistas, verdadeiros parasitas sociais e oportunistas políticos.

A inflação não é apenas um indicador técnico extremamente valorizado pelos economistas e adoradores do mercado, mas sim um processo alimentado pelos agentes econômicos, principalmente pelo capital financeiro, coadjuvados pelas instituições públicas, vale dizer, governo, que, através de políticas públicas geram recessão, aumento da carga tributária e uma imensa injustiça fiscal, onde os mais pobres transferem renda, oriunda de trabalho sub valorizado, para os detentores do capital e dos meios de produção e seus defensores nas estruturas do poder, os chamados “marajás da república”.

Nesta esteira surgem as injustiças sociais, a concentração de renda, as desigualdades sociais, regionais e setoriais, a pobreza, a pobreza extrema, a miséria e A FOME, cujas raizes são estruturais, razões pelas quais não se combate a fome e nem a pobreza com assistencialismo e programas paternalistas ou manipulação política e eleitoral como a famosa distribuição de sacolões ou outros bens e serviços que são trocados por votos, colocando ou mantendo nas estruturas do Poder, as mesmas pessoas, os mesmos grupos que em lugar de defenderem os interesses, aspiraações ou necessidades do povo, transformam-se em representantes dos interesses dos grandes grupos econômicos ou de outros tipos.

Esta é a dinâmica socioeconômica, política e cultural que alimenta a exclusão de milhões de pessoas em todos os países, inclusive no Brasil e bilhões no mundo, que tornam as pessoas que fazem parte da chamada classe média em pobres; os pobres em miseráveis e os miseráveis em zumbis, mortos-vivos, onde a fome é apenas a face mais visível deste drama social que afeta essas pessoas, ante o olhar passivo, omisso e complacente da grande maioria da população, inclusive de governantes que, como o sacerdote e o levita, não socorreram um homem assaltado e violentado na estrada e mencionado por Cristo na Parábola do Bom Samaritano.

A fome é um dos dramas mais pungentes que tem acompanhado a humanidade ao longo de séculos e milênios. Muitos a associam com castigos dos “deuses”, de Deus; outras pessoas imaginam que a fome esteja ligada `a pobreza e que ambas são frutos da preguiça, de quem não quer trabalhar e outras pessoas, mais estudiosas tentam ir mais a fundo e identificar as suas verdadeiras causas e também as consequências da fome, que se não for debelada, provoca muito sofrimento, vergonha e a morte, como costumávamos ver através de reportagens dos diversos meios de comunicação, mostrando fotos ou cenas com pessoas literalmente morrendo de fome, pessoas vivas mais se parecendo com esqueletos humanos.

Tais cenas nós, brasileiros/brasileiras, associávamos isto como sendo uma realidade dura, nua e crua apenas em alguns países da Ásia, da América Latina e da África, continente este pilhado pela rapinagem dos países europeus durante séculos de ocupação e colonialismo, de violência, incluindo a destruição da natureza, da extração de recursos naturais e práticas desumanas como a escravidão, cujas consequências ainda estão presentes em todos os países que tiveram esta forma perversa e trágica de trabalho, na origem de sua riqueza e opulência capitalista, inclusive no Brasil.

A partir da próxima quarta feira de cinzas, quando para a Igreja Católica ocorre o período da Quaresma, 40 dias que devem ser de oração, reflexão, caridade (esmola), misericórdia e arrependimento dos pecados, inclusive dos pecado social e ecológico, será realizada a CAMPANHA DA FRATERNIDADE (CF), conduzida pela CNBB e articulada em todas as Arquidioceses, Dioceses , Paróquias e comunidades católicas no Brasil inteiro.

Todos os anos a CNBB escolhe um tema e um lema para orientar as reflexões da CF. Neste ano de 2023, o tema escolhido foi “ FRATERNIDADE E FOME” e o Lema, um versículo da Bíblia que traz um mandamento que nos deixou o Mestre (Jesus) quando ante a fome das pessoas que o seguiam disse aos seus discípulos “Dai-lhes vós, mesmos, de comer”, Evangelho de São Mateus, 14:16.

A Cáritas Brasileira, fundada em 12 de novembro de 1956, é uma das 170 organizações-membro da Cáritas Internacional, que, ao longo desses quase 70 anos tem prestado um grande serviço de apoio as pessoas pobres, excluídas, que sofrem e que também passam fome em nosso país.

Conforme dados de diversas Instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais, a FOME, diferente do que pensava e dizia o último presidente da República, que não existe no Brasil, mas, repito, diversas organizações e centros de pesquisas tem demonstrado sobejamente que em nosso país em torno de 33 milhões de pessoas passam fome e mais de 130 milhões vivem em situação de insegurança alimentar.

O drama dos indígenas YANOMAMIS, que os meios de comunicação tem mostrado ao vivo e em cores e que tem maculado a imagem do Brasil ao redor do Mundo, é uma demonstração cabal desta tragédia humana, motivada, não por desígnios transcendentais ou castigo das divindades, mas pela ganância de uns poucos e também pela incúria, convivência e omissão de nossas autoridades que nada fizeram ao longo dos últimos anos para colocarem um paradeiro nas invasões das terras dos vários povos indígenas, na grilagem dessas áreas, na destruição do meio ambiente, na contaminação das águas e na desorganização social desses povos por garimpos ilegais, grileiros e madeireiros é a prova mais clara e cabal de que a fome existe no Brasil e podemos identificar suas causas.

Outro exemplo da fome que podemos perceber todos os dias, muitas vezes bem ao nosso lado ao transitarmos pelas ruas, avenidas e praças das grandes e médias cidades é o aumento acelerado da chamada população em situação de rua. Segundo estimativas do IPEA esta realidade já atinge próximo de 300 mil pessoas.

A CNBB, representando a Igreja Católica, desenvolveu uma metodologia para orientar suas atividades pastorais que está sintetizada em 4 etapas: VER, JULGAR, AGIR e CELEBRAR. Isto significa que para agirmos e celebrarmos as vitórias sobre as mazelas que afetam o ser humano, precisamos primeiro olhar para a realidade, analisar de forma crítica e criadora a mesma; só então podemos interpretar, identificar as verdadeiras causas que deram origem ao problema ou desafio que pretendemos enfrentar.

Feito isto, cabe-nos definir as formas de AGIR, ou seja, o planejamento de nossas ações, através de projetos que contemplem todas as etapas de uma ação racional, com objetivos, metas , origem dos recursos e um calendário a ser seguido, sempre contando com a PARTICIPAÇÃO das pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade, para que sejam tratados como sujeitos e não objetos de nossas ações.

A Cáritas Brasileira, tem insistido, desde as suas origens, que não podemos estimular apenas as ações assistencialistas, essas são importantes em caráter imediato, urgente diante de uma crise que esteja colocando em risco a vida e a própria sobrevivência das pessoas e que podem leva-las até a morte, como no caso da fome.

Diante da complexidade dos desafios sociais, econômicos, culturais e políticos que estão presentes na questão da vulnerabilidade social ou no que denominamos de exclusão e a configuração da sociedade brasileira em classes, a Cáritas enfatiza que existem Três níveis de caridade: a ASSISTENCIAL “que oferece o peixe”; a PROMOCIONAL “ que ensina a pescar” e, finalmente, a LIBERTADORA “que pesca juntos”.

A Caridade assistencial é feita através de doações imediata de alimentos, roupas, assistência médica-hospitalar a quem tem fome, doente e passando por necessidades extremas; a Caridade promocional, é realizada através de cursos, treinamentos para que as pessoas marginalizadas ou em vulnerabilidade possam se qualificar e participar de forma mais efetiva do mercado de trabalho, são programas de geração de trabalho e renda.

Já a CARIDADE LIBERTADORA, procura despertar entre as pessoas excluídas, marginalizadas a consciência de que são cidadãos e cidadãs, sujeitos de direito e que precisam lutar para romper as amarras que as aprisionam em cadeias de exploração e manipulação política, social ou ideológica, que os problemas sociais e econômicos que afetam a população, como, por exemplo, a fome, a precariedade dos serviços de saúde e de educação, o desemprego, subemprego, a falta de moradia, a falta de terra para trabalhar, os esgotos que correm a céu aberto, a miséria, a violência e tantas outras mazelas, tem causas estruturais mais profundas e que não serão equacionadas com medidas assistencialistas,  mas sim através de mudanças, quase sempre radicais, das estruturas opressoras e exploradoras que geram tais anomalias sociais, que denominamos de exclusão e pobreza.

No caso da fome, podemos compara-la a uma árvore. A gente costuma ver uma árvore e sabemos que a mesma tem raízes que as alimentam e as sustentam, se cortarmos as suas raízes ou permitirmos que parasitas suguem sua seiva, com certeza, a árvore vai morrer, ou seja, vai desaparecer.

Assim também é a fome, o que nós vemos é sua forma aparente, mas o que dá origem e mantem a fome são suas raízes, que a gente, mesmo que imaginemos saber, não conseguimos ver à primeira vista, precisamos ir mais ao fundo, identificar suas raízes e também os parasitas sociais, econômicos e políticos que sugam, exploram e se apropriam dos frutos do fator trabalho.

A raiz mestre ou o que se costuma chamar de “pião”, é a pobreza, em suas variadas formas e não apenas nos aspectos econômicos e financeiros, como até bem pouco tempo a maioria dos pesquisadores acreditava ser a única ou a principal causa da fome.

Se as pessoas não tem renda, não tem salário, se estão desempregadas faltam-lhes recursos suficientes para comprar os alimentos que lhes garantam a sobrevivência e, neste particular, esconde-se  outras mazelas oriundas das estruturas sociais, econômicas, culturais e políticas injustas, como a excessiva concentração de renda, riqueza e propriedades em pouquíssimas mãos.

Essas estruturas injustas quase sempre são “alimentadas”, criadas e mantidas pela dinâmica do poder, onde as elites dominantes, as camadas abastadas da sociedade, ou o que se costuma chamar de “donos do poder” e os “marajás da república”, contribuem para a acumulação do capital via políticas públicas como subsídios aos grandes grupos econômicos, sonegação fiscal consentida; injustiça fiscal, juros subsidiados, “incentivos fiscais”, sem acompanhamento para avaliarem se realmente quem os recebe está contribuindo de alguma forma para gerar empregos e salários justos e decentes e não trabalho semiescravo e salário de fome, como é o poder aquisitivo do salário mínimo no Brasil.

A ONU através de suas agências especializadas , como a UNEP, em 2022 aprofundou seus estudos quanto aos indicadores que devem ser utilizados para dimensionar a natureza e nuances da pobreza, que é, na verdade uma das ou a principal raiz da fome.

Até recentemente considerava-se pobre quem recebia em poder de compra relativo (a chamada PPP) até US$5,00 (cinco dólares) que em reais representa aproximadamente R$26,00 por dia e R$780,00 por mês e pobreza absoluta quem recebe ou dispõe de renda equivalente a US$1,90 ou R$10,00 por dia ou R$300,00 por mês, convenhamos valores que não são suficientes sequer para alimentar dignamente uma pessoa, bem abaixo até mesmo do salário mínimo de fome que vigora no Brasil até os dias de hoje.

Para a ONU a pobreza deve ser observada/entendida a partir de três dimensões: Saúde, educação e nível ou padrão de vida, considerando 10 indicadores. Na saúde os indicadores são: nível de nutrição/desnutrição e subnutrição e índices de mortalidade infantil; na educação: anos de escolaridade e frequência/matricula escolar e no nível/padrão de vida: fonte de energia usada para cozinhar; instalações sanitárias na habitação, acesso `a água potável tratada/qualidade, acesso `a eletricidade domiciliar; condições e tamanho da habitação, incluindo índices de saneamento comunitário e, finalmente, valor da propriedade.

Para finalizar, gostaria de refletir como a fome está relacionada com o fator trabalho, razão pela qual o Papa Francisco sempre tem insistido no que é chamado de três “Ts”: terra, teto e trabalho. Sem trabalho as pessoas não tem como conseguir renda; trabalho incerto e intermitente, o chamado trabalho informal , o subemprego também não garante renda suficiente para ter sequer alimentação regular e de qualidade e, finalmente, com salário aviltado, o que eu chamo de salário de fome, como é o poder de compra do salário mínimo, as pessoas também não despem de renda suficiente para alimentar-se ou atender as suas outras necessidades.

O poder aquisitivo do salário mínimo, que é regulado e manipulado pelo governo ao longo de mais de 80 anos, desde a sua criação em 1936, sua regulamentação em 1938 e estabelecimento de 14 faixas regionais de valor em 01 de Maio de 1940, perdeu em torno de 84% do poder aquisitivo neste período.

O DIEESE, instituição sindical de estudos e estatísticas do trabalho, demonstrou recentemente que o valor do salário mínimo a vigorar a partir de janeiro de 2023 ao invés de R$1.302,00 reais para manter o poder de compra que o mesmo tinha em 1940 deveria ser hoje de R$6.647,63.

Até 1984 vigoravam 14 faixas distintas regionais de salário mínimo, sendo que a em vigor na Capital da República, primeiro no Rio de Janeiro e ultimamente em Brasilia representava 3 vezes mais do que o Nordeste, demonstrando como uma política pública gera pobreza, fome e miséria.

Pela Constituição Federal de 1988, no Artigo sétimo está escrito, de forma clara, que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:.....IV Salário mínimo, fixado em Lei, nacionalmente unificado, capaz de atender suas necessidades vitais básicas e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preserve o poder aquisitivo”.

Se considerarmos que 73% dos trabalhadores na ativa e 91% dos aposentados recebem no máximo dois salários mínimos e que 64,4% dos aposentados e 38% dos trabalhadores na ativa ganham apenas um salário mínimo, além de mais de 9 milhões de desempregados e mais de 39 milhões de subempregados/informalidade podemos entender o drama da fome no Brasil. Por isso, mais de 60 milhões de pessoas estão “penduradas” em programas emergenciais ou de transferência de migalhas orçamentárias, que não passam de medidas assistencialistas e de manipulação política eleitoral

Recuperar o poder aquisitivo do salário mínimo, concedendo apenas 2% ou 3% acima da inflação, a cada ano, o que é um sacrilégio para o “deus mercado” e um pecado para os economistas liberais ou neoliberais, vai demorar pelo menos 30 anos para repor o mesmo poder de compra que o salário mínimo tinha quando foi estabelecido em 1940.

Reduzir a carga tributária sobre alimentos e sobre as camadas salariais com menor poder aquisitivo é a um só tempo medida de justiça fiscal e corrigir as distorções e regressividade do Imposto de Renda é,  ao mesmo tempo, uma forma melhor de combater a fome e devolver a dignidade a milhões de pessoas e famílias em nosso país.

Se continuar a mesma política de governo por mais alguns anos , dentro de uma década, o salário mínimo não chegará sequer a 10% em poder de compra do que representava há 83 anos, quanto menor for a renda real dos trabalhadores e dos aposentados no Brasil, maiores serão os índices de fome, de desnutrição, subnutrição e insegurança alimentar em nosso país.

O assistencialismo jamais vai combater efetivamente a fome, a pobreza, a miséria e a exclusão, precisamos de uma transformação profunda e radical nas estruturas sociais, econômicas e políticas e também a definição e implementação de políticas públicas de valorização real do trabalho, de melhor cuidado com a ecologia integral e o cumprimento da Constituição, em sua integralidade, inclusive no que concerne aos direitos dos trabalhadores e da população em geral.


Não existe democracia de verdade em um país com dezenas de milhões de pessoas famintas, pobres, miseráveis, sem teto, sem trabalho, sem renda e excluídas. Precisamos urgentemente repensar os conceitos de democracia e de estado republicano de direito, para quem?


Da mesma forma que os atos terroristas de 08 de janeiro último em Brasília foram considerados gravíssimos, a fome também é um atentado grave `a democracia, `a medida que solapa seus verdadeiros alicerces que é a cidadania plena, a garantia das pessoas viverem com dignidade, o que lhes é negado pela fome , pela pobreza e pela miséria!


Estava concluindo este artigo quando surgiu a notícia da entrevista do Presidente Lula anunciando que a partir de 01 de Maio próximo o valor do salário mínimo passará de R$1.302,00 para R$1.320,00 ou seja um aumento de R$18,00 reais por mês, nada mais do que 1,38% acima da inflação do ano passado (2022).  


Mesmo ante um aumento real praticamente insignificante para a vida de milhões de trabalhadores, o “deus mercado” reagiu negativamente, porquanto este aumento representará mais de R$7,7 bilhões de reais nos gastos do Governo Federal, quando nada é dito que o Governo Federal deverá gastar nada menos do que R$2,038 trilhões de reais, um aumento de 8,4%, dos R$1,88 trilhões de reais em relação ao que o governo Bolsonaro pagou em juros e amortização da dívida pública em 2022.


Tomando este percentual irrisório de aumento do poder de compra decorrente deste reajuste real do salário mínimo em 2023, para recompor o poder aquisitivo que o salário mínimo tinha em 1940, serão necessários 61 anos, ou seja, só em 2084.


O total do aumento de gastos públicos com este aumento/reajuste do salário mínimo em 2023 representa apenas e tão somente 0,38% dos gastos do Governo Federal com a rolagem da divida pública, contra isso nem os parlamentares, nem os economistas liberais e neoliberais e muito menos o “deus mercado” reagem, ficam todos de bico calado.

*JUACY DA SILVA, 80 anos, professor titular aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy 

Terça, 14 Fevereiro 2023 11:51

 

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*
 


O Câncer, como todas as demais doenças não representam um “carma”, castigo de Deus ou uma mera loteria genética, mas, os seus cuidados estão diretamente relacionados com a realidade socioeconômica e cultural que excluem as pessoas pobres quanto `a garantia de seus direitos humanos fundamentais, o principal deles que é a vida.


Enquanto as elites econômicas e os donos do poder dispõem de recursos próprios ou oriundos do Tesouro, para buscarem atendimento em hospitais de primeira linha em São Paulo, Rio de Janeiro, em diversas capitais ou até no exterior, os pobres, miseráveis e excluídos engrossam as filas, virtuais ou físicas, das unidades de saúde sucateadas e sem condições de atenderem a quem precisa. Esta é a realidade da saúde pública em nosso pais.


Há poucos dias, tendo em vista o DIA MUNDIAL DO CÂNCER 2023, “comemorado” no último dia 04 deste mês de Fevereiro, escrevi um artigo alusivo a esta questão, tendo sido publicado em diversos veículos de comunicação, após o que, compartilhei os “links”,  procurando ampliar o número de pessoas que poderiam ler e refletir sobre o desafio que esta doença representa na atualidade.


Dando prosseguimento a essas reflexões sobre esta que é uma das mais temidas doenças que a cada ano afeta milhões de pessoas, grande parte das quais não resistem e acabam sucumbindo, o que representa uma grande perda e muito sofrimento familiar, nesta oportunidade gostaria de chamar a atenção quanto ao DIA INTERNACIONAL DO CÂNCER INFANTIL, cuja data de “celebração”, que na verdade é um alerta principalmente `as famílias que tem crianças, adolescentes e jovens, é o DIA 15 DE FEVEREIRO.


Este dia representa o início de um movimento mundial que surgiu em 2002; portanto, há pouco mais de duas décadas, pela união de esforços, de propósitos e de luta pela vida, entre 170 organizações de famílias de crianças com câncer, em mais de 93 países, dando origem a uma rede internacional de apoio mútuo, que luta por melhores condições para prevenção, diagnóstico precoce, tratamento médico-hospitalar e apoio material, financeiro e psicológico, tanto às crianças vítimas de câncer quanto suas famílias, principalmente em países pobres, de renda baixa e média e em todos os países, para famílias pobres que não dispõem de recursos suficientes, sequer para se alimentarem, quanto mais para fazerem face aos custos elevados que o tratamento de câncer representa.


Surgiu assim a Organização Internacional de apoio `as famílias de crianças com câncer, cuja denominação em inglês significa (CCI - Childhood Cancer International), cuja missão fundamental é advogar pela garantia de todas as pessoas `a saúde, mas, principalmente, `a garantia dos DIREITOS DAS CRIANÇAS, em convenção da ONU que estabelece “ As crianças (neste conceito quem tem menos de 20 anos de idade) tem o direito de usufruírem do mais elevado padrão de cuidados e atendimento médico-hospitalar, material e financeiro, em caráter prioritário”; cabendo ao Estado, poderes e instituições públicas em cada país garantirem que tais direitos sejam não apenas reconhecidos mas, também, plenamente respeitados.


Conforme dados estatísticos e estudos publicados pela OMS – Organização Mundial da Saúde e outras organizações públicas e privadas nacionais e internacionais, a cada ano nada menos do que 400 mil crianças são diagnosticadas com algum tipo de câncer.


A taxa de sobrevivência varia de 80% nos países desenvolvidos a menos de 20% nos países pobres e de renda média, sendo que este mesmo perfil  socioeconômico é observado em todos os países quando se leva em conta a classe social, ou seja, crianças com câncer pertencentes a famílias de alta renda tem muito mais chance de serem diagnosticadas e serem tratadas precocemente do que crianças com câncer cujas famílias são pobres e não dispõem de recursos e meios para fazer face a este desafio.


Na quase totalidade dos países, principalmente nos países pobres e de baixa ou média renda a saúde publica, como acontece no Brasil, é um simulacro, ou seja, não dispõe de meios e recursos técnicos, tecnológicos, humanos, financeiros e orçamentários para oferecer uma saúde de qualidade em caráter universal; na maior parte dos casos está em completo abandono, sucateada e, ainda, sujeito `a corrupção que rouba os já minguados recursos necessários ao atendimento digno à população.


Quem rouba recursos da saúde pública ou quando esta não tem índices de qualidade, são verdadeiros assassinos, pois impossibilitam que milhares de pessoas tenham acesso aos cuidados de saúde e a serem condenadas `a morte pela falta de atendimento e isto também é verdadeiro para as pessoas com câncer, inclusive, crianças com câncer.


No mundo morrem aproximadamente 180 mil crianças com câncer por ano, entre as mais de 400 mil que são diagnosticas todos os anos. O Câncer infantil, dependendo dos países, está sempre entre as três principais causas de morte de crianças, adolescentes e jovens com menos de 20 anos.

A Meta estabelecida pela OMS juntamente com diversos governos nacionais e outras instituições públicas e privadas é de elevar para 60% a média mundial de sobrevivência de crianças com câncer e, assim, reduzir em um milhão de mortes de crianças com câncer em uma década.


A Campanha em curso entre 2021 a 2023 tem como tema “A sobrevivência com melhores cuidados/dignidade é possível” e o símbolo representa que “de mãos dadas” podemos garantir vida digna e plena a todas as crianças com câncer.


Neste sentido dar as mãos representa tanto a solidariedade quanto o espírito de luta para a garantia dos direitos das crianças viverem felizes, mesmo aquelas que são diagnosticadas com câncer e que a presença do Estado/Poderes Públicos é fundamental nesta caminhada, imprescindível. Direito este que não pode ser negado a quem luta desesperadamente pela vida.


Da mesma forma, tenho plena convicção que cabe ao ESTADO, ou seja, às instituições públicas, como bem atestam tanto os acordos internacionais aprovados sob os auspícios da ONU/OMS quanto, no caso brasileiro, a nossa Constituição Federal e a Lei de Criação do SUS, que diz e estabelece textualmente que “A saúde é um direito de todos e DEVER DO ESTADO”.


Diante disto, lutar para que nossos governantes, principalmente os integrantes dos Poderes Legislativos e Executivos definam e implementem políticas públicas, universais e humanizadas, para que a população pobre, mais de 120 milhões de pessoas tenham garantido este direito `a saúde, de verdade e não apenas no papel. Não podemos continuar passivos, omissos diante do sucateamento e da corrupção que campeiam, impunemente, na saúde pública sob a alegação de que é preciso respeitar o teto dos gastos e o equilíbrio das contas públicas, simplesmente não constar dos orçamentos públicos recursos suficientes para o pleno atendimento da população, quando se refere `a saúde publica.


É muito importante a responsabilidade fiscal na gestão das instituições públicas, mas da mesma forma, não podemos deixar de lado a RESPONSABILIDADE SOCIAL, ou seja, os orçamentos públicos não podem ser secretos, para beneficiarem uma minoria, dos donos do poder, mas sim, públicos e contemplarem, de fato, as demandas e necessidades da população.


Não tem sentido que o Orçamento Geral da União destine, todos os anos, ao longo de décadas mais de 50% dos gastos públicos com pagamento de juros, amortização e “administração” da DÍVIDA PÚBLICA, que ao longo dos últimos 6 ou 7 anos, destinaram alguns trilhões de reais, que contribuíram para que o sistema financeiro e seus agentes fiquem a cada ano mais ricos, milionários e bilionários valores quase dez vezes mais do que os recursos destinados `a saúde pública que deve atender milhões de pessoas, principalmente as pobres que vivem na exclusão.


Nossa luta por SAÚDE PÚBLICA de qualidade, humanizada e implementada com ética e transparência,, eficácia e efetividade deve ser permanente, e esta luta deve ser também implementada pelos organismos de controle social como os Ministérios Públicos Federal e Estaduais, afinal, essas instituições são consideradas “os fiscais da Lei”, e existem para realmente fiscalizarem e responsabilizarem os demais organismos públicos que agem em desacordo com as Leis, principalmente, a nossa Constituição Federal.


Sobre o artigo que escrevi há poucos dias alusivo ao DIA MUNDIAL DO CÂNCER 2023, recebi diversas msg , inclusive uma solicitando-me se eu poderia agendar uma consulta, ante o que, informei que não sou médico , mas sim sociólogo e imagino que todas as pessoas precisam participar do despertar da consciência quanto `a necessidade de uma “educação para a saúde”, que possa representar a porta de entrada para os cuidados profissionais necessários e também o despertar da consciência de que como pessoas, cidadãos e cidadãs, temos o direito `a saúde, e em consequência, garantir nosso maior direito humano que é a VIDA. Recomendei, sugeri, que a pessoa procurasse alguma unidade de saúde pública e buscasse atendimento, pois isto é um direito de todas as pessoas.


Transcrevo uma das inúmeras msg recebidas, esta de uma amiga (virtual) psicóloga que, depois de ler o artigo, enviou-me sua reflexão que, julgo eu, possa também ser objeto da leitura de outras pessoas.


Segue a reflexão dessa minha amiga. “ Boa tarde, amigo! Obrigada por enviar seu texto. Estou me organizando por aqui e assim que conseguir ler conversamos e irei também lhe enviar meus textos por e-mail. Um forte abraço e uma boa semana!”


“Querido amigo, acabei de ler seu texto sobre o dia mundial do câncer. Fiquei bastante tocada com o tema pois fui acometida de um carcinoma de mama em 2006 aos 35 anos. E hoje estou viva graças à prevenção que me acompanha desde então. Em minha família muitas tias inclusive minha mãe, tiveram câncer de mama e faleceram pela doença. Por isso fico vigilante. Seu texto me chama muito a atenção por alertar sobre o aspecto multidimensional da abordagem sobre o cuidado e prevenção do câncer. Concordo enormemente com sua ideia de que justiça social deve ser o alicerce para a saúde pois isso engloba a conscientização acerca da prevenção mas também todo um cabedal de estruturas acolhedoras que precisam e devem existir quando se fala em saúde pública. Venho de família de uma classe social menos abastada e conheço os efeitos da injustiça social. Hoje, com meu trabalho, construí uma vida mais estabilizada para mim e me tocam as inúmeras atrocidades por falta de respeito à população. Seu texto é uma fotografia bem nítida dos problemas de saúde pública de nosso país. Você é um ser humano muito especial! Obrigada professor!”


São manifestações como esta que nos animam, mesmo com quase 81 anos, a continuar a escrever  semanalmente sobre temas variados, mas todos de cunho socioambientais e tão importante na atualidade mundial e brasileira.


Não ganho nada, financeiramente, com isso, apenas a certeza de que estou ajudando, de alguma forma, a despertar a consciência de que se nos omitirmos diante de tantas mazelas e desafios, com certeza os espíritos gananciosos e materialistas continuarão nadando de braçada e a pobreza, a miséria, a fome e a exclusão continuarão sendo esta grande e vergonhosa nódoa que tantos males continuam causando no mundo inteiro, inclusive em nosso Brasil.


De pouco adianta as pessoas se enrolarem na bandeira nacional e se auto denominarem “patriotas” se nada fazem para reduzir as desigualdades, a miséria, a opressão, a exclusão, o ódio, a violência e falta de acesso dos pobres `a saúde pública, que tantas vítimas continuam fazendo todos os dias em nosso país!

*Juacy da Silva, 80 anos, professor universitário aposentado UFMT. Sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Sexta, 10 Fevereiro 2023 15:23

 

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Por Vicente Machado de Avila

Professora Aposentado da UFMT



I – COLECIONADOR DE DERROTAS
JANJALINDA: Em 02(dois) meses Bolsonaro sofreu pelo menos 07(sete) derrotas acachapantes. Ele ainda sobreviverá politicamente?
BRASILINO SACATUDO: Realmente, perdeu as eleições; sofreu o “decretaço”; perdeu o golpe que queria impedir a posse do Lula; perdeu o vergonhoso golpe do dia 08/01 contra a democracia e levou centenas de seguidores para a papuda; o Trump não o acolheu; perdeu a disputa das eleições dos presidentes da câmara e do senado.

II – “FORA BOLSONARO/BOLSONARO NUNCA MAIS”
A palavra de ordem “Fora Bolsonaro” foi substituída por “Bolsonaro nunca mais”

III – PROFESSORES XINGADORES
BRASILINO: Alguns professores universitários, sem chão para pisar, estão apelando para o xingamento ao Lula. Infelizmente, tanto o Bolsonaro como a sua ideologia odienta e ultrapassada – neoliberalismo - não merecem os votos e apoio das pessoas esclarecidas. Apoiar um desqualificado como Bolsonaro é desrespeitar a Academia. Ele e o neoliberalismo estão abaixo do nível mais elementar de conhecimento.

IV – “DEIXEM O HOMEM TRABALHAR”   
Bolsonaro e seus fanáticos seguidores estão fazendo de tudo para atrapalhar o Lula.

V – UM POUCO DE FUTEBOL
JANJALINDA: Existem algumas profissões acopladas; por exemplos: jogadores e meteorologistas. Muitos jogadores chegam na “cara do gol” e chutam para as nuvens. 


 
Cuiabá, 06/ 02 / 2023.


BRASILINO SACATUDO
JANJALINDA BRASUCA
LULAFHUMANO DA SILVA

Terça, 07 Fevereiro 2023 14:17

 

 

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JUACY DA SILVA*



Quem não luta pelos seus direitos não é digno deles”. Rui Barbosa.

Todas as doenças merecem ser combatidas de forma efetiva, incluindo mudanças de hábitos perniciosos e estilo de vida que contribuem para o seu surgimento, quanto diagnósticos precoces, para que o tratamento seja corretamente recomendado por profissional da área específica e que o paciente tenha condições de realizar este tratamento, independente de sua renda ou disponibilidade financeira, pois a vida (lembrando que as doenças são formas de negação da vida) é um direito inalienável e garantido também pela nossa Constituição Federal de 1988 e por diversas outras Leis, cabendo ao Estado, ou seja, aos poderes públicos garantirem este direito a todas as pessoas em nosso país, e isto só é feito mediante saúde pública de qualidade, universal e, realmente, humana, sendo, realmente, prioridade quando da definição das políticas públicas, políticas de governo.

Lutar por saúde pública de qualidade, universal e humana é e deve ser uma luta continua e permanente da cidadania, que exige coragem e participação de todas as pessoas e não apenas de algumas organizações não governamentais ou do voluntariado.

Conforme informações contidas na página (Site) do INCA – Instituto Nacional do Câncer, o DIA MUNDIAL DO CÂNCER, que neste ano de 2023 será “comemorando” em 04 de FEVEREIRO, ou seja, neste sábado.

Esta data surgiu em 2005, como uma forma, um mecanismo, enfim, um instrumento para despertar tanto as pessoas, individualmente, quanto as entidades da sociedade civil organizada e, principalmente, as Instituições públicas, governamentais, em todos os níveis de poder, para despertar a consciência, a importância e a responsabilidade de todas as pessoas,  principalmente agentes públicos, governantes quanto `a necessidade de levarmos esta questão mais a sério Brasil.

Assim, informa o INCA,  “O Dia Mundial do Câncer, 4 de fevereiro, é uma iniciativa global organizada pela União Internacional para o Controle do Câncer (UICC) com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tem como objetivo aumentar a conscientização e a educação mundial sobre a doença, além de influenciar governos e indivíduos para que se mobilizem pelo controle do câncer”.

Na verdade, esta data não é para ser “comemorada”, mas sim, que seja um sinal de alerta quanto aos cuidados que todos nós precisamos ter quanto `a prevenção, diagnóstico e tratamentos desta que é a segunda causa de morte no mundo.

Quando se fala em prevenção, na verdade estamos falando em estilo de vida, no controle de hábitos deletérios que “detonam” a saúde humana e, em relação ao câncer, conforme milhares de estudos tem demonstrando cada vez mais, tais hábitos maléficos e estilo de vida acabam estando associados ao surgimento de inúmeras doenças e isto está muito bem documentado em relação a todos os tipos de câncer.

Diferente do que se imaginava há décadas ou até mesmo mais de um século, os aspectos genéticos, inclusive a hereditariedade, não é uma sentença de morte que afeta milhões de pessoas, como se isto fosse uma “maldição. Estudos tem demonstrando que esses aspectos (genética e hereditariedade) representam em torno de um terço ou pouco mais, no surgimento do câncer, sendo, portanto quase dois terços associados a tais hábitos maléficos e estilo de vida que não levam em consideração a necessidade de cuidarmos melhor de nossa saúde.

Boa parte das doenças que acabam provocando a morte estão também relacionadas a fatores culturais, religiosos e tradições resistentes às mudancas de comportamento, o que é denominado de herança cultural.

De acordo com informações do Ministério da Saúde (do Brasil), tendo por base dados e estudos do INCA, da OMS -Organização Mundial de Saúde e a OPAS – Organização Pan americana de Saúde “Mais da metade de todos os cânceres são evitáveis com a adoção de um estilo de vida saudável e submetendo-se a exames de rotina., principalmente Câncer de mama, de próstata,  de pulmão, de colo do útero e colo retal e podem ser tratados com sucesso quando detectados precocemente”.

A chamada “educação para a saúde”, que na verdade é a forma mais eficiente, efetiva e eficaz de prevenção de todos os tipos de doenças, inclusive do câncer, deve ser promovida não apenas pelas instituições educacionais públicas e privadas, mas também estar na base quando da definição e implementação das políticas nacional, estaduais e municipais de saúde pública, bem como nas ações das diversas organizações não governamentais que defendem e lutam por uma saúde pública universal, de qualidade e realmente humana.

No triênio 2002 até 2024, o DIA MUNDIAL DO CÂNCER tem como tema geral “fechar a lacuna dos cuidados”, com ênfase na questão da necessidade de cuidados mais justos, considerando os níveis de pobreza e exclusão da grande maioria das pessoas, em torno de 80% da população brasileira que dependem apenas e tão somente dos serviços do SUS – Sistema Único de Saúde, para os cuidados, sejam de prevenção, diagnóstico e tratamento de inúmeras doenças, inclusive todos os tipos de câncer.

Assim, conforme destaca a rede de organizações não governamentais denominado de “Todos Juntos contra o Câncer”, que faz da luta contra esta terrível doença, sua missão e seus objetivos, ao enfatizar que “O Dia Mundial do Câncer de 2023 marca o segundo ano da campanha de três anos ‘Fechar a lacuna de cuidados’, que é centrada na questão da equidade e liderada pela Union for International Cancer Control”.

E vai mais além, quando enfatiza que no primeiro ano (2022) da campanha “Por cuidados mais justos” foi sobre entender e reconhecer as ‘iniquidades’ no tratamento do câncer em todo o mundo, inclusive no Brasil e seu impacto na saúde pública e nas taxas de mortalidade decorrentes do câncer.

E que agora em 2023, quando mais um dia de alerta e conscientização sobre o Câncer está em pauta, enfatiza que neste ano, mais do que nunca, principalmente pelos reflexos que a CONVID-19, o isolamento das pessoas impediram ou reduziram os atendimentos aos pacientes com câncer e diversas outras doenças, é preciso, é fundamental “unir indivíduos e organizações, defensores e formuladores de políticas públicas para exigir mudanças e agir com determinação e coragem”.

Trata-se também de celebrar o progresso do mundo real, não apenas em inovação e avanços médicos e hospitalares, mas até mesmo nas ações mais simples de solidariedade, que podem ter um impacto significativo: motivar os vizinhos a fornecer transporte para tratamento de câncer para um colega residente ou garantir que opções de alimentação saudáveis e acessíveis sejam oferecidas na escola local.

Quando se fala tanto em câncer quanto todas as demais doenças que afetam a vida do povo brasileiro, é fundamental que a questão da saúde pública, muito sucateada, sem os recursos humanos, tecnológicos, financeiros e orçamentários, necessários, mas bastante negligenciados nos últimos tempos, seja colocada realmente com um prioridades nas ações de governo, quando se trata de uma política pública que deve estar na base de uma melhor qualidade de vida, principalmente para as camadas pobres da população.

Não tem sentido falar em prevenção, diagnóstico e tratamento, principalmente da população pobre, excluída, desempregada ou subempregada que não tem sequer renda e recursos para comer, se alimentar, quanto mais para cuidados com a saúde e tratamentos das doenças e aquisição de remédio.

Como mulheres irão se prevenir contra o câncer de mama se não conseguem fazer exames de mamografia ou ginecológicos periódicos , quando com tanta frequência faltam mamógrafos e outros aparelhos e exames laboratoriais na saúde pública ou quando para conseguir uma consulta com um especialista nas instituições públicas (postos de saúde, policlínicas, UPAs ou hospitais) demoram meses ou até anos.

As vezes quando são “chamadas” para fazerem esses exames os agentes públicos acabam sabendo que a ou o paciente já faleceu, por incúria das instituições públicas, governantes e outros agentes públicos, de pouco adiantou, por exemplo, uma decisão judicial que garantia ao paciente o atendimento para salvar-lhe a vida, se tal decisão judicial simplesmente tenha sido ignorada pelo órgão Público responsável pelo cumprimento daquela decisão judicial.

Como as pessoas, homens e mulheres, podem realizar prevenção e diagnósticos de câncer colorretal, de pulmão, de próstata, do estômago ou outros órgãos internos do corpo ou leucemia, se não tem acesso aos exames necessários como colonoscopia, endoscopia ou exames de imagem e laboratoriais que, além de estarem ausentes nas pequenas e médias cidades, sem falar da precariedade, pior ainda, da saúde pública nas comunidades mais distantes e no meio rural.

Bem sabemos que os cuidados com a saúde, diagnósticos e tratamentos, principalmente para doenças crônicas, degenerativas, as vezes raras, complicadas como os vários tipos de câncer são extremamente onerosos, que, `as vezes, até os planos e seguros de saúde privados limitam esses atendimentos.

A realidade brasileira tem demonstrando que quando as pessoas, principalmente a população pobre e excluída, consegue ser atendida e realizar os diagnósticos de doenças como o câncer, após meses ou anos nessas filas vergonhosas, virtuais ou físicas, que caracterizam a saúde pública (SUS), o inicio do tratamentos demora e, em relação aos vários tipos de câncer, principalmente câncer de pulmão, o tempo é um fator primordial, repetindo, após o diagnóstico a demora em iniciar e dar continuidade ao tratamentos é crucial e pode ser um sentença de morte para o paciente. Isto é muito triste e revoltante, mas não sensibilizada nem o famoso “mercado” que só se preocupe com taxas de juros, lucros e acumulação de capital e boa parte dos governantes que continuam cortejando os eleitores, de quatro em quatro anos, inclusive parentes e familiares de pessoas que morreram por falta de atendimento.

Outro problema é que o custo de tratamento do câncer é elevado  e por falta de meios e recursos, e também pelo abandono e sucateamento do SUS, com frequência os pacientes com câncer ou outras doenças precisam servir-se da Justiça (via defensoria pública, pois quem é pobre nem recursos financeiros para custear um advogado não tem) para garantir seus direitos, inclusive e principalmente, O DIREITO `A VIDA, conforme estabelece Constituição Federal: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

O artigo quinto da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, em seu artigo quinto estabelece de forma clara que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade …”

Muita gente, inclusive governantes e seus seguidores, como temos visto ultimamente, falam o  tempo todo nas garantias individuais, destacando a liberdade, a propriedade que estão ameaçadas pelo comunismo e nesta defesa cometem atos terroristas, depredam o patrimônio público, tramam golpe de estado, com o objetivo de implantarem sistemas autoritários e totalitários de governo, tramam contra as Instituições nacionais, contra a democracia e o estado democrático de direito, mas pouco falam e lutam pela vida.

O obscurantismo, o negacionismo, a difusão de notícias falsas, mentirosas, as chamadas “fake news” durante o período da pandemia do coronavírus (covid-19) foram responsáveis pela morte de quase 700 mil pessoas em nosso país, além de milhares com câncer que tiverem seus tratamentos ou busca por diagnóstico de câncer postergados, acarretando também milhares de mortes evitáveis.

Pela precariedade em que se encontram as políticas de saúde pública e as deficiências estruturais e falta de recursos orçamentários para a saúde pública em todos os níveis, além da corrupção que continua presente, lamentavelmente, nesta área é a demonstração cabal de que nossos governantes fazem falsos discursos em defesa da saúde pública, mas agem completamente distantes tanto do que estabelecem a nossa Constituição Federal e outras leis, que tratam da garantia e defesa da vida humana.

Com certeza nossos governantes, com raras exceções, só são solidários com a miséria humana em que vive a maior parte da população brasileira apenas da boca para fora, principalmente porque não sofrem  tanto quando algumas doenças, inclusive lhes afetam ou aos seus familiares, afinal, não precisam entrar nas filas físicas e virtuais do SUS, passarem por humilhações, pois o contribuinte garante seus privilégios e regalias, através de planos  especiais de saúde, para buscarem atendimento, diagnóstico e tratamentos em hospitais de primeira linha, alguns em que as diárias custam diversas vezes o salário mínimo de fome, rendimento menor do que isto ou até sem nenhuma renda para fazer face a todas as necessidades de uma família inteira.

Por essas e tantas outras razões é que nesses dias especiais, como o Dia Mundial da Saúde (07 Abril próximo), Dia Mundial do Câncer, e tantos meses com ênfase a cores diferentes, amarelo, verde, rosa, roxo, azul voltados para despertar a consciência popular e nacional sobre importância de cuidarmos melhor de nossa saúde, é fundamental que também coloquemos neste contexto a questão da saúde pública, como prioridade para que o SUS, em nome do Estado Brasileiro, cumpra com o mandamento constitucional de defesa da vida.

Que tal a gente refletir neste 04 de fevereiro de 2023 sobre o tema CÂNCER e Saúde pública, em cada município, em cada estado e no Brasil inteiro, esta é a questão de fundo neste despertar de consciência coletiva.

Dialogando com um professional da saúde há algum tempo, sobre a vergonha que é a precariedade da saúde pública no Brasil, por acaso surgiu a questão do câncer e aquele professional, competente, que atendia na saúde pública e não tinha a medicina apenas como uma forma de ganhar um bom dinheiro e talvez até ficar rico se atendesse apenas a camada mais abastada da população dizia, no caso do câncer de mama, que continua matando dezenas de milhares de mulheres todos os anos  no Brasil, repito, dizia ele “ é importante estimular as mulheres a fazerem o autoexame, apalpar seus seios, identificar nódulos; mas só isso não é suficiente”.

Prosseguindo, dizia este meu amigo, “muitas mulheres identificam nódulos e ai bate o desespero das mesmas e de suas familiares, pois por serem pobres dependem apenas do SUS e quando procuram a saúde pública não conseguem atendimento para, de fato, realizaram um diagnóstico correto e definitivo, muitas vezes naquela região o SUS não tem médico especializado, não tem mamógrafo ou o mamógrafo está estragado”’, e completava, “esta é a realidade que tanto angustia profissionais de saúde que um dia juraram defender, de fato, a vida e fazem da saúde pública seu ideal professional”.
Apenas algumas informações para demonstrar a importância dessa discussão, reflexão. O câncer é a segunda causa de morte no mundo, responsável por 10,1 milhões de mortes por ano. Sendo os principais tipos, pela ordem de óbitos: Câncer de mama, de pulmão, colorretal, próstata, pele (não melanoma) e estômago.

Cabe ressaltar que por ano ,no mundo, surgem mais de 400 mil casos de câncer em crianças e adolescentes e entre adultos 18,6 milhões de novos casos também são diagnosticados a cada ano, sendo 9,8 milhões entre homens e 8,8 milhões entre mulheres.

Estudos, pesquisas bem fundamentadas por diversas instituições no Brasil e em outros países tem demonstrando que apesar dos avanços científico, tecnológico e na indústria farmacêutica, voltados para a prevenção, diagnóstico e tratamento de diversas doenças, a incidência do câncer continua avançando mundo afora e no Brasil este cenário não é diferente.

O INCA projeta um cenário de que até 2025, ou seja, dentro de três anos, incluindo este que mal se iniciou, no Brasil, a cada ano serão diagnosticados nada menos do que 704 mil novos casos de câncer, com destaque para os casos de câncer de próstata entre os homens, de mama entre as mulheres e câncer colorretal e de pulmão tanto entre homens quanto mulheres.

Notícia, reportagem publicada pelo Jornal O Estado de São Paulo, em 27 de Julho de 2021, é um alerta quanto ao desafio que o câncer representa no Brasil. “O número de brasileiros que morreram de câncer aumentou 31% de 2010 a 2019- foi um salto de 178.990 para 235.301. Os dados, tabulados pelo Estadão a partir do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, mostram que os tumores com maior número de vítimas no País foram os de pulmão, intestino e mama”. Ou seja, a cada década mais de 1,3 milhões de pessoas morrem por câncer no Brasil e esses números tendem a aumentar, tornando-os uma verdadeira tragedia nacional.

Com certeza as pessoas diante desses números e deste cenário podem estar se perguntando sobre as razões dessas projeções nada animadoras. As respostas vem de alguns especialistas renomados na área de oncologia e para as quais devemos estar bem atentos e para embasar nossas ações e nossa luta contra todos os tipos de câncer.

O aumento de casos de câncer na população brasileira é multifatorial. Além do próprio aumento populacional em uma década, temos também o envelhecimento da população, o aumento de forma exponencial da obesidade, o aumento da incidência de doenças crônicas, além de maior sedentarismo da população e exposição a mais fatores de risco, como tabaco e álcool. O consumo excessivo de gorduras saturadas e produtos industrializados que se tornaram mais acessíveis à nossa população também influencia’, diz o cirurgião oncológico Gustavo Cardoso Guimarães, diretor do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica, que também atua como coordenador dos departamentos cirúrgicos oncológicos da Beneficência Portuguesa de São Paulo”.

Outro alerta que não podemos ignorar, vem de outra professional da área, oncologista da clínica Onco Star e do Hospital São Luiz Itaim, da Rede D’Or São Luiz, a médica Maria Del Pilar Estevez reforçando o argumento de que deve-se acrescentar à lista de fatores que explicam o aumento dos casos de câncer ‘a crescente urbanização, com mudanças do estilo de vida, como sedentarismo e obesidade, além da maior exposição a carcinógenos’. Estudos mostram, por exemplo, que a poluição do ar, (que é responsável por mais de sete milhões de mortes por ano no mundo) muitas vezes ignorada, pode contribuir para o desenvolvimento dos tumores. Além do uso de fungicidas, herbicidas e pesticidas; agrotóxicos que contaminam os alimentos e estão associados ao surgimento de alguns tipos de câncer.

O rastreamento do câncer, segundo Maria Del Pilar, é outro gargalo que precisa ser enfrentado, para que os casos possam ser tratados mais cedo, em última análise, a politica adotada principalmente pelo SUS é aguardar que a população (geralmente pobre) procure os serviços de saúde seja de forma rotineira ou em casos em que a doença já está instalada, quando o tratamentos torna-se bem menos efetivo do que se fosse realizado de forma preventiva.

Finalmente, uma última palavra, da mesma forma que o combate `a fome não pode ficar restrito `as ações assistencialistas, motivadas pela solidariedade das pessoas e das organizações não governamentais, que, diga-se de passagem, são meritórias, principalmente ante a omissão das instituições públicas e governantes insensíveis, corruptos e demagogos, é necessário, é fundamental, imperioso que a população lute para que a saúde pública seja dotada de recursos técnicos, tecnológicos, financeiros, orçamentários e humanos, capaz de atender `as demandas do povo, principalmente, das camadas pobres e excluídas, cumprindo, integralmente o que consta da Constituição Federal e do ordenamento jurídico que garante a todas as pessoas os direitos humanos fundamentais, a começar pelo DIREITO `A VIDA, para todos e não apenas para quem tem dinheiro para fazer face ao desafio de encarar doenças terríveis, como o câncer.

Este é o sentido e a reflexão que devemos fazer sempre, principalmente, neste DIA MUNDIAL DO CÂNCER.

*JUACY DA SILVA, 80 anos, professor titular aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da PEI Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy

Segunda, 06 Fevereiro 2023 17:06

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Valfredo da Mota Menezes*

Vamos supor que você faça parte de um grupo onde as famíliasvivam em uma comunidade/coletividade, onde a terra que produz seu alimento é comum, isto é, a terra é de todos. Todos trabalham e todos produzem. A colheita é dividida entra as famílias e o excedente é armazenado, trocado ou vendido e o possível lucro é de todos. Que nessa comunidade, os equipamentos de produção ou beneficiamento da produção, sejam comuns a todos e por todos usados. Cada família tem sua própria casa, o transporte é da coletividade, as escolas são comuns a todas as crianças e os cuidados e a proteção à saúde são de todos.Não há dominação de alguém sobre outros. Não há um patrão com vários empregados. A predominância é da amizade, da camaradagem e da cooperação, com a consciência de que o benefício do seu trabalho será de todos. Os projetos e os problemassão decididos eresolvidos em reuniões da coletividade.

Comunidades iguais a essa já existem. Além das comunidades indígenas, onde todo o trabalho e todos os produtos são divididos, há também, no nosso meio, as comunidades quilombolas, nas quais os grupos familiares convivem e trabalham com divisão da produção e dos possíveis lucros dessa produção. O mesmo ocorre com os sistemas cooperativos em quaisquer outros empreendimentos, onde o objetivo é a divisão do trabalho e do lucro da produção por todos os cooperados.

Se existem pequenas regiões com uma sociedade, na qual a amizade e a colaboração são as coisas mais importantes, onde existe paz e solidariedade, seria possível que o exemplo dessascomunidades fosse expandido para uma cidade? Para um país? Há muitos que dizem que isso é uma utopia e que utopias não se realizam. Outros tentam inculcar na cabeça das pessoas que o ser humano é “mau por natureza”, que sempre “o mais fortedominará”.
Centenas de livros, escritos principalmente por sociólogos e antropólogos, buscam explicar as relações sociais humanas.Alguns buscam orientar o pensamento social para uma convivência sem conflitos e de harmonia. Evoluímos da barbárie até o capitalismo. Entretanto, todos nós sabemos que o capitalismo tem suas mazelas e desequilíbrios na divisão da riqueza. Mas, por que todas as tentativas de uma nova relação social foram e vem sendo impedidas? Por que parte das pessoas luta contra?

Países que tentaram uma forma social diferente sofreram agressões. Foram bloqueados, invadidos, bombardeados. Em muitas regiões do mundo, onde houve tentativa de organizar uma sociedade mais harmônica, suas lideranças foram assassinadas.

Na nossa história recente, há um pequeno país que, até por ser uma ilha, tem o ambiente ideal para uma grande experiência social e antropológica a ser observada e protegida pela humanidade. Entretanto, essa pequena ilha, desde que começou a organizar uma sociedade comunitária, sofreu e vem sofrendo todo tipo de agressão por parte de outros países com sistema econômico e social diferentes. Esses países agressores têm medo que a experiência possa dar certo? Os “donos” desses países têm medo de perder a dominação e o controle para o coletivo da sociedade? Têm medo de serem considerados iguais?

Esses países agressores inventaram mentiras grosseiras, mas que serviram para impor o medo e a desconfiança em grande parte das pessoas. Nos “ensinaram” que todas as tentativas de mudança social têm o objetivo de “tirar a liberdade e piorar a vida das pessoas”, que “vão tirar tudo que é seu”, “vão invadir e dividir sua casa.”. Que nessas comunidades você “não tem direito a nada”, “você não manda em nada”, “você fica robotizado”. Nos “ensinaram” que“tudo isso é uma bobagem, uma ingenuidade”. Que tudo isso “é subversão”, que pessoas que pensam assim deveriam ser excluídas da sociedade.

Na verdade, a história nos conta que esse tipo de reação contra pessoas que defendem o compartilhamento e o bem comum, é muito antiga. Há mais de dois mil anos, torturaram e assassinaram um rapaz só porque ele compartilhava alimentos e dizia que as pessoas deveriam “amar umas às outras”.  
“Pode ser que você diga que sou um sonhador, mas não sou o único”. Como sonhou Lennon (“Imagine”),vamos imaginar um mundo sem fronteiras,onde todos os habitantes possam viver em paz.Um mundo onde todos possam produzir e consumir conforme as suascapacidades e suas necessidades.Um mundo onde você possa tratar a todos como um amigo. Onde você compartilha. Onde ninguém sabe o que é um muro. Onde ninguém sabe o que é guerra. 

Se você quer um lugar assim, então você também é comunista.

* Médico, Professor Associado – Medicina UFMT (aposentado). Doutor em Medicina Interna e Terapêutica (UNIFESP).


Sexta, 03 Fevereiro 2023 10:17

 

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(Para Fernando Freitas

Vanessa Clementino Furtado
Profa. Departamento de Psicologia - UFMT
doutoranda UFRN
Militante Antimanicomial

A eugenia foi um tema que voltou a ser debatido criticamente no processo da pandemia no Brasil. Afinal, os processos de ausência de políticas de enfrentamento e os recortes entre aqueles mais atingindos pela mortalidade descortinaram questões de classe, raça/etnia, gênero/sexo e regionalidade. 
As ideias eugênicas, sejam tais e quais foram explicitadas nessa conjuntura pela primeira vez em rede nacional por Arnaldo Lichtenstein, continuam sendo cruciais para desvendar características fundamentais do movimento bolsonarista e seu ódio aos processos democráticos. Assim, é preciso chamar as coisas pelo nome que elas têm para se entender o processo evidenciado no Brasil com a eleição de Lula.

Entre tantas formas de expressão do elitismo e do ódio de classe, muitas das formas do autoritarismo moderno constituíram a eugenia como uma das características mobilizadoras, aglutinadoras e operativas da sua violência, constituindo com o belicismo, o pseudonacionalismo e o discurso anti-comunista a fim de desenvolver meios de higienização social, pressionando parcelas exploradas e oprimidas para às margens da sociedade, eliminando, patologizando e vilipendiado corpos, identidades e grupos.

A repulsa atual, extremada após os resultados das urnas de outubro de 2022, tem ênfases diferenciadas, mas se deu desde o primeiro mandato de Lula, em 2003. Naquela época muitos dos que se opunham a ele alegavam que ele era "um analfabeto" e por este rótulo muitos outros estigmas apareciam: era pobre; sem modos ou educação para se portar em espaços de tanta cerimônia e protocolos; não sabia falar outros idiomas (como o sociólogo, ex-presidente a quem o sucedera) e por aí seguiu em seus 8 anos de mandatos. 

Contudo, e fundamentalmente o ser "um analfabeto" o colocava no lugar de alguém do povo. E como povo, nordestino, operário, sindicalista ascendeu ao cargo máximo da administração pública. Mas, aos olhos de uma sociedade elitista como a nossa, o incômodo pairava: como é possível alguém do povo (e não da elite) ocupar este cargo? Pois a culpa recaiu sobre o regime político: a Democracia! 

Curiosamente, mas não por acaso, este mesmo debate tomou conta das pautas políticas na Alemanha do início do século XX (pré-Hitler), na onda de protestos populares e proletários pela queda do império (Reich) e a instauração de um regime democrático, muitos intelectuais eminentes da época se levantaram contra o povo. Sob o discurso empolado e científico das recentes descobertas das ciências naturais, mais precisamente a teoria da evolução de Darwin (ou o que fizeram dela com o darwinismo social) e a genética mendeliana, bem como a biometria de Galton ergueu-se um coro de cientistas contra o regime democrático e contra o proletariado. 

Um desses homens da ciência que se levantou veementemente contra o regime democrático foi Emil Kraepelin, médico, pesquisador que fundou, a partir da Psicologia Experimental de Wundt, as bases do que hoje conhecemos por psiquiatria. Considerado o pai da psiquiatria moderna, Kraepelin criou um sistema de classificação de doenças psiquiátricas e tratou de relacionar os comportamentos criminais com psicopatologias, orientando a área da psiquiatria forense até os dias atuais. Desconsiderando as questões sociais, para ele o comportamento criminoso, bem como, o desenvolvimento de alguma psicopatologia era algo da ordem da biologia, ou seja, era herdado biologicamente por meio da lei da hereditariedade. 

Nesse sentido, então, Kraepelin defendia que traços de comportamentos eram herdados desde os mais remotos ancestrais e que qualidades ou "degenerações", inclusive de caráter, eram também fruto dessa herança. Por este motivo, ele compreendia que a Democracia era algo ruim, pois por meio dela, pessoas da classe operária (gente do povo) poderia ascender ao poder. Em suas palavras: 

A ascensão de certas classes a posições confortáveis e importantes na vida deve ter dependido desde o início de que elas provassem sua coragem na luta por existência (Dasein Kampf. A luta garantiu-lhes uma posição superior em seu ambiente. Além disso, pode-se supor que seus traços positivos foram herdados e, portanto, que as gerações posteriores de uma antiga linhagem familiar que defendeu sua posição ao longo dos séculos manteve, até certo ponto, aquelas características que uma vez facilitaram sua existência Por outro lado, parece óbvio que os ancestrais daqueles pertencentes às classes mais baixas não possuíam, em geral, características que os equipassem para realizações extraordinárias e, portanto, não poderiam transmitir tais características. (Kraepelin, 1919 p. 181 apud Engstrom, 1991 p. 131)

Foi, portanto, que em minhas pesquisas na área de Saúde Mental pude, então, fortalecer a constatação de que os movimentos antidemocráticos que se instauram no país têm uma característica EUGÊNICA!. Tal qual como Kraepelin (e outros cientistas da época) acreditavam que não era possível ao povo ascender ao poder, o movimento bolsonarista expressa, em termos de ideais e de representatividade, as mesmas ideologias e se enraivece com a ideia de que o povo brasileiro é majoritariamente o povo preto, os povos indígenas, as mulheres trabalhadoras, as pessoas nordestinas, é, sobretudo, um povo plural muito distante da ideia da branquitude sudestina com descendência europeia. 

A escalada violenta e golpista não é resultado de uma patologia. Não há um diagnóstico para o que está acontecendo, não é loucura ou demência, diferentemente do que muitos têm alegado por entenderem erroneamente que a loucura é a quebra com a realidade. O processo anti-democrático é, sobretudo, EUGÊNICO! E, se guarda qualquer semelhança com a psiquiatria hegemônica, a semelhança é esta: ambas são compostas por ideias e ideais eugênicos! 

Em tempos de crise, não foi incomum que a violência e o moralismo se mascarassem de rigor científico para conjugar uma ideologia de classe supremacista sob o argumento de enfrentar "problemas sociais" e melhorar a sociedade. Foi neste sentido que, segundo de Souza (2012): 
O cientista britânico Francis Galton empregou a palavra eugenia, em 1883, para definir a ciência da hereditariedade humana. Suas idéias sobre o aperfeiçoamento das características raciais se associariam intimamente às discussões sobre evolução e degeneração, progresso e civilização, conceitos fundamentais na formulação de concepções científicas e sociais na passagem do século XIX para o XX. De maneira geral, pode-se dizer que a eugenia foi um movimento científico e social que se relacionava ao debate sobre raça, gênero, saúde, sexualidade e nacionalismo, apresentando-se frequentemente como um projeto biológico de regeneração racial. (p. 01-02)

Já no Brasil, do início do século XX, as ideias eugênicas foram amplamente propagadas por Renato Kehl (1935) que enfatiza: "(...) a eugenia esforça-se pelo constante e progressivo multiplicar de indivíduos 'bem dotados' ou eugenizados." (p. 46 apud Boarini e Yamamoto, 2004 p. 05). 
Para este fim, os eugenistas entendiam que diversos traços de comportamento humano eram/são herdáveis a partir do aparato biológico, o que hoje chamamos de herança genética. Assim, seria possível produzir indivíduos geneticamente melhores para que se pudesse regenerar a sociedade de suas mazelas como o alcoolismo, por exemplo. Esta é a idéia que Kraepelin também defendeu, isto é, que a melhoria genética iria paulatinamente eliminar as mazelas sociais, que as pessoas pertencem a determinada classe social não por questões de desigualdade, racismo, misoginia, etc. mas sim porque nasceram com aparato biológico que as colocam nessa condição. 

As descobertas das ciências naturais de fato revolucionaram a forma de se pensar a própria criação dos seres humanos, os estudos de Darwin e Mendel, ajudaram a derrubar os mitos das vocações divinas atribuídas a determinados sujeitos privilegiados que eram os escolhidos de Deus para fazer parte da monarquia, dos altos cargos da administração do Estado, ou da "high society". Contudo, a imperativa escolha divina de outrora, fora substituída pelas heranças biológicas, genéticas de agora e a eugenia tomou posse dessas ideias para justificar, então, as diferenças entre as raças/etnias, os gêneros e as classes sociais. 

Então, se não era mais a providência divina que nos dava atributos, na quadra histórica moderna, o argumento passa a ser a herança biológica como o determinante de nosso comportamento, de nossas habilidades e sobretudo capacidades intelectuais e comportamentais. A partir do império da biologia, outra ciência passa a ser fundamental para as ideias eugênicas da biometria de Galton que fundamentará, na psicologia, a área da psicometria. Em essência, as habilidades ou o desenvolvimento das funções psicológicas estariam sujeitas, também, à herança genética e seria possível medir quanto de capacidade psicológica ou, como queiram, intelectual uma pessoa seria capaz de possuir ou possui a partir de sua herança genética. Daí que se deriva a ideia dos testes de Q.I., por exemplo. Assim, se fortalece convicções cientificistas como se a genética estivesse na base de todo desenvolvimento psicológico, onde a partir do momento que se herda tais caracteres, todo ser humano estaria fadado àquela condição ad aeternum.  

E como a ciência é também política, mesmo as ciências naturais e ou exatas, e mesmo na medição galtoniana há ideais políticos, a eugenia também serve de argumento para o movimento fascista pois, em sua essência está "(...) o desprezo pela democracia eleitoral e pela liberdade política e econômica, a crença numa hierarquia social natural e no domínio das elites (...) (Bruinjé e Oliveira, 2021 p. 39 - grifo nosso). 

Por este motivo, entre tantos outros, para os fascistas bolsonarista a Democracia é também ruim, pois se os gestores são escolhidos a partir do voto e não por meio de sua suposta superioridade, as chances de se eleger alguém inábil para o cargo seriam grandes. Esta é justamente a ideia que se expressou na base do movimento anti-democrático na Alemanha após o II Reich e que culminou, ao final da I Guerra Mundial na ascenção do partido nazista ao poder e o resto da história todos nós já sabemos, a perseguição a população preta, lgbtqia+, povos judeus, povos ciganos, etc. 

As ideias eugênicas foram bases para diversas atrocidades e seguem vivas em nossa sociedade atual, seguem vivas na base do movimento anti-democrático financiado e executado por pessoas que se julgam superiores, mas que no fundo repetem uma ideologia que se expressa em preconceito, racismo, xenofobia, misoginia e lgbtqia+fobia. Mais ainda, se expressa na forma da Necropolítica que como afirma Mbembe (2018) está para além do "deixar morrer" é a efetiva ação do Estado em matar/exterminar determinados corpos. 

Foi a despeito da eugenia que Hitler perseguiu e matou diversas pessoas que por ele não eram consideradas superiores, foram as ideias eugênicas de melhoria da raça humana que o fizeram acreditar na possibilidade de uma raça humana superior - a ariana, foram as ideias eugênicas incutidas em toda a população que, sobretudo, sustentaram o governo narzista no poder por tantos anos, além do providencial financiamento do capital. 

A Ditadura cívico-militar em toda América Latina, que não perseguiu apenas pessoas ligadas aos partidos de esquerda, mas matou muitos jovens nas periferias das grandes cidades fora das mobilizações políticas organizadas, que ao conceder terras a agricultores concedeu também o direito a invasão territorial e massacre dos povos indígenas que nessas terras habitavam, também têm em sua base os ideais eugênicos. 

Para além do negacionismo evidente, das bravatas aparentes, dos escândalos mascarados de delírio, das mentiras que surgem nas ruas e calçadas dos quartéis e redes sociais, é preciso aprofundar as questões onde imperam os fundamentos da intolerância, do autoritarismo, do preconceito. Não é só a caricatura moralista e irracionalista que busca a realização golpista, mas toda racionalidade que não rompeu com o conservadorismo e permanece distante da luta contra as desigualdades, mantém fundamentos que não se dissociam de lógicas opressoras como aquelas que abraçam a eugenia e os princípios antidemocráticos.

Por isso, é preciso defender a Democracia Sempre, para que ela esteja viva entre nós, é preciso lembrar e relembrar sempre que a despeito da ideologia eugênica nas ciências se ergueram regimes como o Nazismo, o Fascismo e as Ditaduras da América Latina que subjugaram pessoas, povos, etnias à condições subumanas. Portanto, é preciso chamar as coisas por seu nome o movimento antidemocrático é eugênico e por isso fascista, racista, xenofóbico, misógino, violento e opressor. Não por acaso e de forma brilhante, a Ministra Anielle Franco em seu discurso de posse enfatizou: "Como nos lembra a Coalizão Negra por Direitos, composta por mais de 200 organizações negras no país: enquanto houver racismo não haverá Democracia!" 

Referências Bibliográficas
BOARINI, M. L. e YAMAMOTO, O. H. Higienismo e Eugenia: discussões que não envelhecem. In: Psicol. rev ; 13(1): 59-71, maio 2004.

BRUINJÉ, A. T. e OLIVEIRA, R. Classe Trabalhadora E Racismo Durante A Pandemia: Eugenia E Fascismo No Governo Bolsonaro. In: Revista Resistência Litoral (Matinhos PR), Vol. 1 N. 1 p. 29 – 44, jan/jun de 2022. ISSN: 2764-3174 DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rrl.v1i1.79294

De SOUZA, V. S. AS IDEIAS EUGÊNICAS NO BRASIL: ciência, raça e projeto nacional no entre-guerras. In:Revista Eletrônica História em Reflexão: Vol. 6 n. 11 – UFGD - Dourados jan/jun 2012

ENGSTROM, E. Emil Kraepelin: psychiatry and public affairs in Wilhelmine Germany.In:Hist. Psychiatry. 1991 Jun;2(6):111-32. doi: 10.1177/0957154X9100200601. PMID: 11613214.

FRANCO, A. Discurso de Posse Ministerial: Ministério da Igualdade Racial. Brasil, 2023.
MBEMBE, A. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018. 

 

Quarta, 01 Fevereiro 2023 13:52

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Profa. Dra. Alair Silveira

Depto. Sociologia e Ciência Política – SOCIP/UFMT

 

O 14º CONAD Extraordinário do ANDES-SN demarcou um ciclo na história do Sindicato. Mais do que a deliberação sobre a permanência da filiação à CSP Conlutas, o CONAD realizado nos dias 12 e 13 de novembro/2022 aprofundou os “novos”[1] rumos do ANDES-SN, deflagrados anos atrás.

No exercício desse resgate no tempo, é possível identificar que o 35º Congresso Nacional, realizado em Curitiba/PR (2016), delimitou o ciclo dessa“nova política”. Como uma espécie de tributo à inclusão das justas demandas contra as distintas opressões, o Sindicato foi flexibilizando a política classista e, progressivamente, avançando da interdição da fala aopunitivismo persecutório.

Em 2016, diante de questionamentos feitos por dois companheiros históricos do ANDES-SN quanto à aprovação congressual de cotas para Pós-Graduação, a avalanche de manifestações hostis e desrespeitosas foi impressionante: desde a desautorização para falar porque não eram negros (mas “branco de olhos azuis”) até ameaças de “cuspir na cara”. Tudo diante do mais absoluto silêncio por parte da Diretoria.

Assim, com a complacência da Direção, o silêncio de muitos e o avanço de uma cultura política que reduz a história do Sindicato às próprias experiências militantes, o ANDES-SN foi reformulando suas prioridades e, gradualmente, se concentrando nas questões relativas às opressões. Inclusive o GTPFS foi sendo ajustado a essas demandas, subordinando a formação política e sindical classista às discussões mais específicas, embora o GTPCEGDS seja dedicado exclusivamente a essas pautas.

De forma progressiva, a tolerância democrática para com o contraditório foi sendo desapropriada por uma nova lógica marcada pela intolerância que, contraditoriamente, reivindica respeito à diversidade, mas não reconhece aqueles que pensam de forma diferente. Consequentemente, a interdição da fala foi se afirmando como prática de Congressos e CONADs.

Seis anos depois, 2022 revelou o “amadurecimento” dessa política dentro do ANDES-SN. No 40º Congresso Nacional, em janeiro, um companheiro foi encaminhado para Comissão de Ética porque apontara o dedo para uma ex-diretora, exigindo retratação de uma ex-dirigente. Diante disso, ao invés de avaliação sobre o conteúdo das declarações, a discussão foi restrita à condição de gênero e, com ela, a “punição” do companheiro.

No 65º CONAD, em julho, a exclusão de Reginaldo da Silva Araújo demonstrou a fúria persecutória, quando o “sentenciamento sindical” desconsiderou os procedimentos constitucionais, os prazos e as exigências formais para um “julgamento” minimamente justo. Movidos por uma espécie de “justiciamento” imune a qualquer argumentação lógica (mesmo diante do fato de que a maioria não tivera tempo para conhecer a defesa e os documentos apensados), os delegados deliberaram pela expulsão do companheiro do quadro de sindicalizados do ANDES-SN.

Naquela ocasião, outros dois fatos chamaram atenção: 1) a gravidade das acusações feitas nos Grupos Mistos e na Plenária, inclusive por diretores, sem qualquer pudor ou prova; 2) a utilização de dois pesos e duas medidas para “julgar” as denúncias de assédio. Assim, se para a expulsão de Reginaldo da Silva Araújo (fato inédito no ANDES-SN) a denúncia de uma mulher foi acolhida como fato (assumido no próprio Relatório da Comissão Responsável), a denúncia de assédio de uma companheira contra uma ex-diretora (devidamente testemunhado), feita em Plenário, não teve qualquer consequência.

Em novembro, no 14º CONAD Extraordinário, mais uma vez a política persecutória se fez presente e, mais uma vez, valendo-se de dois pesos e duas medidas. De acordo com entendimento do próprio ANDES-SN, para identificação de orientação sexual basta a autodeclaração. Contudo, no caso de um companheiro que colocou seu crachá na caixa dedicada aos não-binários, o “sentenciamento” não foi (novamente) precedido de qualquer movimento para esclarecimento do fato. De forma absolutamente taxativa foi feita a leitura de um documento repudiando o ocorrido, reclamando respeito à luta do GTPCEGDS e, ao final, aprovada uma Moção de Repúdio ao companheiro.

Dessa forma, se a democracia interna foi sendo minada pela interdição do contraditório e pelo avanço da cultura punitivista, outro fato extremamente grave “coroou” esse ANDES-SN que parece ter sido refundado: logo após a votação pela desfiliação da CSP, um observador foi a público denunciar o delegado da sua Seção Sindical que votou em desacordo com a decisão da Assembleia Geral (AG).

Dessa vez, diferente do silêncio conivente de 2016, a Diretoria rapidamente interveio, alegando que essa era uma questão a ser resolvida entre o delegado e a própria base, na medida em que o ANDES-SN não pode desrespeitar a autonomia sindical das Seções Sindicais. Argumento intrinsecamente contraditório.

Afinal, se a estrutura do ANDES-SN é diferenciada das federações, e organizada a partir das Seções Sindicais (formadas pela base docente, cuja vontade é manifestada através das respectivas AGs), a autonomia pertence às Seções Sindicais, não aos delegados. Igualmente, os eventos nacionais têm por objetivo ajustar as deliberações de base, em âmbito nacional, assegurando unidade ao Sindicato Nacional.

Na mesma lógica, a eleição da delegação que comparece aos eventos nacionais é feita em AG, o que pressupõe a expressão soberana da base. Com base nesse entendimento, inclusive, o ANDES-SN exige extrato da Ata de AG para credenciar a delegação. Não bastasse isso, o princípio da representação democrática é, justamente, representar a vontade daqueles que delegaram tal prerrogativa. Depreende-se, portanto, que é a vontade da base que fundamenta o voto dos delegados. Não goza ele de autonomia, a não ser que a própria base assim delibere.

Consequentemente, a posição da Diretoria (endossada por alguns observadores) parece pôr em xeque a própria lógica de organização do ANDES-SN, além de sua própria história.

Nessa trajetória recente, chegamos ao diálogo com o artigo de alguns companheiros queridos intitulado: “O futuro exige coragem: avaliação política do 14º CONAD Extraordinário”. Este texto avaliativo reflete leituras comuns a determinadas forças políticas com relação à correlação de forças, às responsabilidades políticas e à conjuntura da chamada “última quadra histórica”.

Organizado sobre cinco críticas centrais, o artigo faz uma avaliação crítica da CSP Conlutas, recusando qualquer destaque positivo à atuação da Central durante os conturbados anos que afastaram o ANDES-SN da CUT e o tornaram protagonista da criação da CSP.

Há nesse silêncio avaliativo, uma omissão histórica que, de certa forma, explica boa parte das críticas dirigidas – exclusivamente – à CSP. Sob o silêncio ensurdecedor das lutas de classes que conformam a história, de acordo com a análise dos companheiros, deduz-se que o Brasil do século XXI perdeu-se pelo caminho por obra e responsabilidade da CSP. Sinteticamente, a lógica do argumento anti-CSP pode ser assim resumida: 1)a CSP “equivocou-se na leitura do movimento do real”, promovendo “ação política ineficaz e danosa para as aspirações e necessidades da classe trabalhadora”2) Esse equívoco político reside fundamentalmente pelo não reconhecimento do “golpe de Estado” em 2016, assim como ao “não reconhecer o caráter seletivo e burguês da prisão de Lula”, avaliações que fizeram com que “a CSP, sua diretoria e o partido que a hegemoniza, o PSTU, [perdessem] a oportunidade de seguir uma linha política correta”3) a CSP não somente não soube “oferecer uma interpretação condizente com o momento histórico”, mas serviu aos propósitos de golpistas brasileiros e imperialistas pró-americanos. Nas palavras dos autores: “CSP oferecia braços e vozes para os projetos golpistas”4) a CSP foi incapaz de “enxergar que o ovo da serpente do fascismo estava sendo chocado”, o que ajudou a deixar os trabalhadores “despreparados para o atual momento histórico e para enfrentar Bolsonaro e sua gangue”5) a perda de uma “série de conquistas históricas” foram concretizadas, “principalmente, pela incapacidade da CSP-Conlutas de, enquanto Central Sindical, oferecer ferramentas organizativas e de unidade para nos contrapormos a tal estado de coisas”.

Deste feixe de críticas (às quais se acrescentam outras), muitas questões são passíveis de questionamento, especialmente partindo de companheiros formados teórica e politicamente no campo materialista-histórico-dialético, e partidariamente orgânicos.

Na avaliação dos companheiros sobressai a ausência de análise dialética, a qual esvazia o conteúdo dos argumentos. Afinal, paradoxalmente, a mesma Central Sindical que é reiteradamente destacada pela sua pequena proporção sindical é, também, responsabilizada pelos descaminhos e perdas da classe trabalhadora, na dita “última quadra histórica”.

Inegavelmente, trata-se de uma responsabilização política que ignora questões básicas que envolvem a análise da correlação de forças e, particularmente, das relações objetivas e subjetivas intra e entre classes.

Não bastasse o fato inegável de que a história não se reduz a demarcações aleatórias, é também inadequada qualquer análise que desconsidere a atuação dos sujeitos sociais/históricos em disputa. Nesse sentido, ao (des)qualificar a CSP como “incapaz”“ineficaz” e “danosa”, os companheiros não apenas abstraem os sujeitos históricos que construíram a história recente do país (aproximando-se de uma análise compreensiva - a la Weber -, onde a crítica é estabelecida a partir de um tipo ideal de Central Sindical), senão que abstraem, também, as relações sócio estruturais, reduzindo a análise aos enredos da “pequena política” (apoiando-me, aqui, em Gramsci).

Como consequência, tanto os movimentos do grande capital - cujas repercussões incidem sobre o emprego, salário, organização e precarização das relações de trabalho, níveis de pobreza e miserabilidade, exclusão social, violência etc. - quanto os movimentos da classe trabalhadora - na sua heterogeneidade objetiva e lógica dialógica subjetiva - não podem ser explicados a partir da atribuição de incapacidade e ineficácia de um único sujeito histórico. A dialética exige análise das relações de interesse em disputa, intra e entre classes.

Em que pese o mais absoluto reconhecimento quanto à relevância das críticas à CSP e à necessidade de superar seus erros e equívocos, os meios para isso passam pela radicalidade democrática por dentro da Central, da mesma forma como pelo fortalecimento da unidade estratégica da classe. Do contrário, ao atribuir protagonismo (negativo e exclusivo) a um único sujeito histórico (CSP), a análise dos companheiros omite divergências políticas e organizativas dentro da mesma classe, a capacidade diretiva de cada uma destas forças intraclasse, assim como a correlação de forças entre si e com as frações que representam os interesses do capital.

Sob a chamada “última quadra histórica” (que parece dizer respeito aos últimos 16 anos), a avaliação realizada pelos companheiros indica que, arbitrariamente, parte de 2006. Esse ano foi marcado não somente pela reeleição de Lula, mas, também, por frustrações de expectativas por parte dos trabalhadores, assim com pelas graves denúncias sobre o esquema do Mensalão, um ano antes. Assim, o recorte arbitrário do tempo histórico não somente facilita análises, mas, também, permite abstrair a gestação histórica, apresentando fenômenos e fatos como expressão do período em que se apresentam maduros. Consequentemente, sob um tempo recortado e um sujeito histórico pseudamente onipotente, a CSP é responsabilizada pelo que fez e pelo que não fez, como se fosse criador e criatura do tempo e da história.

Neste “quadrado” do tempo histórico fica de fora todo o processo de compromissos políticos-eleitorais que antecederam as eleições de 2002 e que iriam nortear os governos petistas. Da Contrarreforma da Previdência à manutenção do Neoliberalismo; do governismo da CUT à criação do PROIFES; do ProUni à privatização de recursos públicos através renúncias fiscais e outros instrumentos; da repressão policial aos projetos que corroem direito de greve... Enfim, qualquer um dos inúmeros documentos e cartilhas produzidos pelo ANDES-SN é farto nos exemplos e nos históricos.

Ao demarcar a “quadra” do tempo, são excluídas da análise as atuações (e responsabilidades) das diversas forças políticas que atuam em nome da classe trabalhadora (e que, inclusive, se arrogam conhecer seus “interesses e aspirações”, assim como se consideram portadores da “correção política”). Consequentemente, a responsabilidade do PT e da CUT para o desmonte da organização e mobilização dos trabalhadores é silenciada. O ressentimento social e o antipetismo devidamente explorado pela política neofascista (personificada por Bolsonaro) são reduzidos aos problemas relativos ao “governo genocida” de Bolsonaro e à extrema-direita. Seja essa extrema-direita o que isso represente, tão fluída é sua (in)definição, já que o superlativo não lhe acrescenta conteúdo, mas intensidade.

A seletividade arbitrária do recorte temporal permite, inclusive, omitir da avaliação as razões pelas quais o ANDES-SN se desfiliou da CUT e foi ativo na criação da Coordenação de Lutas (atual CSP). Omite, especialmente, o fundamento das críticas e das deliberações que o ANDES-SN produziu durante todos esses anos (inclusive aqueles incluídos na tal “quadra”). Segundo os companheiros, no plano nacional, a CSP errou na política ao não ter reconhecido o “golpe de Estado em curso, em 2016”, assim como errou ao não ter reconhecido “o caráter seletivo e burguês da prisão de Lula, em 2018”.

A insistência com que a caracterização de Golpe para o que aconteceu em 2016 advém de duas fontes: a primeira é aquela decorrente da tentativa determinada de não reconhecer as responsabilidades do próprio PT com os desdobramentos da história, tanto em relação ao impeachment de Dilma Rousseff quanto à emergência de Jair Bolsonaro; a segunda é aquela produto da institucionalidade como centralidade das análises e lutas.

Diferente do que aconteceu em 08 de janeiro/2023, quando, efetivamente, ocorreu uma grave e intolerável tentativa de Golpe, o que ocorreu em 2016 não ultrapassou as fronteiras do oportunismo institucional. Nesse sentido, atribuir a um “Golpe de Estado” o que aconteceu em 2016 não somente carece de demonstração objetiva de ruptura institucional, senão que demonstra uma ‘flexibilização’ demasiada para com as categorias conceituais e de análise. Afinal, de que ruptura institucional se está falando? Por mais que reconheçamos a condução seletiva, oportunista e injusta do processo de impeachment, mutuamente articulado entre Judiciário e Legislativo, e amplamente massificado pela grande mídia, esse processo foi realizado dentro dos marcos institucionais estabelecidos. Foi desonesto, injusto, seletivo etc.? Sim. Com toda a certeza! Porém, companheiros experientes e bem formados sabem que o Estado, em sociedades estruturalmente classistas, não é justo, equitativo ou leal. E que a capacidade de intervenção política sobre o Estado depende da capacidade de mobilização e articulação coletiva da classe trabalhadora através dos seus mais variados instrumentos de organização social.

Consequentemente, a caracterização de “Golpe” implica duas questões concretas: ou se acredita que as disputas políticas intra frações de classe e/ou entre classes não envolvem instrumentos legais para garantir a derrota de adversários e/ou inimigos de classe; ou se pretende fazer acreditar que houve uma ruptura com a política vigente até então.

Como a primeira opção é bastante difícil de acreditar (pela própria formação política e experiência partidária dos companheiros), parece-me que a segunda opção é aquela mais provável, na medida em que o dito “Golpe” (assim como a avaliação da CSP) aparece como resultado de vontades espectrais, descarnadas de sujeitos históricos até então profundamente entranhados nas relações governamentais petistas.

Se o “Golpe” é apresentado como expressão de uma vontade externa, desconectada das relações políticas que marcaram o Governo então sob ameaça, também as responsabilidades partidárias e governamentais não são descobertas e/ou avaliadas. Consequentemente, a adesão à caracterização de Golpe isenta os governos petistas pela continuidade do projeto neoliberal, assim como os preserva das críticas quanto às dimensões das suas responsabilidades (juntamente com a CUT) com relação à desorganização da classe trabalhadora e à devastação política que, de muitas maneiras, alimentou o antipetismo e o ressentimento social que contribuiu para a emergência de um personagem obscuro como Jair Bolsonaro, havia 28 anos atuando como parlamentar sem visibilidade social para além dos seus cercados ideológicos.

Mais uma vez, aparentemente sem história, sem conflitos intraclasses, sem análise da correlação de forças entre classes... materializou-se um Golpe de Estado sem romper com a ordem institucional e sem a tomada do Poder por forças políticas alijadas e/ou adversas à composição à frente do Poder.  Afinal, diante de um “Golpe” todas as críticas devem ser relativizadas e todas as energias devem ser somadas para combater os “golpistas”. Dessa forma, a consigna de “golpe” é extremamente funcional para o apagamento da memória social, especialmente quanto à luta coletiva e à responsabilidade das suas direções e organizações.

Temos assim que se o ANDES-SN resistiu um pouco para aderir à caracterização de Golpe, ao final sucumbiu resignado. E com isso foi, progressivamente, aderindo a outras premissas a ela associadas. Nesse sentido, a adesão de parcela significativa do ANDES-SN à propositura de desfiliação da CSP não é descolada de um processo de “flexibilização” política que ganhou força especialmente a partir de meados da década de 2010.

Com o apagamento da memória crítica, desapareceram, também, tanto as decisões políticas do próprio Sindicato quanto o processo que o fez romper com a CUT. Da história sem memória, emerge um Sindicato com recordações episódicas. Dos 20 anos que separam 2003 de 2023, o ANDES-SN que se agigantou no enfrentamento às políticas neoliberais sob a direção petista e que denunciou a subsunção do PT ao “condomínio pemedebista” (na caracterização de Marcos Nobre), foi redimensionando a pequena política e os sujeitos nela envolvidos.

Nesse processo, a centralidade da luta classista foi diluída nas muitas lutas contra distintas opressões; a democracia interna foi sendo carcomida pelas diversas formas de interdição; as Notas e Moções agigantaram-se como expressão de política sindical; e as questões institucionais assumiram protagonismo e condicionaram os rumos do Sindicato.

É como parte desse processo que o chamado “Golpe de Estado”, de 2016, e a prisão de Lula, em 2018, assumiram protagonismo dentro do ANDES-SN. Abstraindo as intensas discussões sobre ambos os fatos por dentro do Sindicato, as forças políticas organizadas concentram suas atenções nas decisões tomadas democraticamente pela CSP. Mais uma vez, o apagamento da memória mostra-se funcional, permitindo olvidar as razões e as decisões que orientaram o ANDES-SN quanto ao “Golpe”, ao mesmo tempo em que desqualifica o resultado democraticamente extraído nas instâncias adequadas.

Adam Przeworski certa vez definiu os democratas como aqueles sabem respeitar a incerteza dos resultados (condição típica da democracia). Consequentemente, se a tentativa de explicar os resultados democraticamente obtidos é parte saudável e necessária, o julgamento dos resultados não o é. No caso das deliberações congressuais da CSP, surpreende a fácil ultrapassagem de análise para o julgamento.

Assim, conforme a crítica amnésica, as decisões sobre política nacional e internacional são produto da vontade hegemônica do PSTU. Ora, tal afirmação incorre em dois problemas lógicos: de um lado, se é hegemônico não é impositivo ou minoritário, posto que a hegemonia pressupõe capacidade de condensar adesão e coerção de maneira abrangente, envolvendo capacidade de direção política, distinguindo-se, portanto, de dominação, segundo Gramsci.

De outro lado, divergências políticas existem em abundância. Essas divergências, contudo, são compreendidas e dimensionadas a partir de um vetor político fundamental: se tratam de diferenças estratégicas? Como objetivo de longo prazo, a estratégia delimita não somente o que pretendemos alcançar, mas, também, nosso campo de atuação, nossos companheiros e nossas táticas de luta.

Consequentemente, o depreciativo “hegemonismo” atribuído ao PSTU mais uma vez desconsidera o fato de que organizações sindicais, sociais, populares são espaços de disputa e de direção política. Ao destacar a influência do PSTU como uma excrescência política, seus críticos ratificam o estreitamento das avaliações que ao invés de disputar a direção, tratam-na como uma aberração a ser extirpada. Ironicamente, tais críticos não apenas são militantessindicais e partidários orgânicos, senão que consideram democráticas as decisões que vão ao encontro dos seus interesses (como é o caso da decisão do 14º CONAD Extraordinário) e deturpadas aquelas que vão ao sentido contrário.

Mas, infelizmente, além do endosso de argumentos politicamente requentados, outros problemas se somam àqueles já analisados: no bojo da ausência da história material e subjetiva que reflita as lutas intra e entre classes; da seletividade da crítica e da memória; da elevação da divergência política à condição de contradição estratégica, observa-se elementos da pós-verdade, cujas “narrativas” não dependem da existência do fato, mas da sua interpretação.

E as ‘narrativas’ têm sido pródigas na bricolagem dos enredos. Dessa maneira, ao invés do debate político a partir dos interesses em disputa, foi se difundindo uma lógica pós-moderna para articular os embates, seja pela desconsideração da totalidade, da historicidade e dos contraditórios (tão caros ao marxismo!), seja pela eleição aleatória de narrativas, cujos pseudos sujeitos “onipotentes” detêm a capacidade de determinação histórica.

De acordo com algumas das “narrativas”, a CSP defendeu a prisão de Lula; se aliou aos chamados golpistas nacionais; isolou a classe trabalhadora; articulou-se aos imperialistas estadunidenses; foi conivente com o genocídio pandêmico de Bolsonaro, e, não bastasse, foi responsável pelo “apassivamento” da classe trabalhadora. Realmente não é pouca coisa para uma Central que também é reconhecida pela sua numericamente reduzida representatividade sindical.

De acordo com essas “narrativas”, as críticas aos governos venezuelano, russo e cubano, a solidariedade aos ucranianos; a recusa em participar das mobilizações contra a prisão de Lula; a não adesão à qualificação de “Golpe” etc. são demonstrações da incompetência política de uma direção isolacionista, hegemonista e divisionista. No melhor estilo Frankenstein, a CSP é tanto pró-imperialista, aliada ao golpismo e anti-revolucionária quanto exageradamente radical e esquerdista.

Como tais “narrativas” não dependem da fidelidade aos fatos e/ou documentos, a interpretação constitui a “prova”. Consequentemente, não se combate a política dos adversários, mas a narrativa da política a eles atribuída.

Finalizando, concordo com a pergunta que os companheiros elegem como central: qual o sindicato que queremos? Antes de qualquer coisa, o Sindicato precisa ser classista e democrático, de base, de luta e autônomo. Um sindicato onde o fundamental respeito à diversidade não represente intolerância à divergência; e onde o método de discussão, avaliação e intervenção seja norteado pelo método materialista histórico-dialético. Portanto, um sindicato que não se perca na sedução da pós-modernidade e da pós-verdade. Tampouco se perca nos descaminhos da institucionalidade e das lutas específicas.

Precisamos de um ANDES-SN que faz o futuro com coragem, mas, também, com memória, com autocrítica, com generosidade, com respeito ao contraditório e com cultura democrática.

 



[1]Se novos para um Sindicato como o ANDES-SN, muito velhos para a história da política, em quaisquer das suas expressões e formas.

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