CADÊ O MOVIMENTO ESTUDANTIL DE SINOP? - Gerdine Sanson
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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Gerdine Sanson
Profa. UFMT Sinop
Num momento de greve, em que a mobilização da comunidade acadêmica e da sociedade se intensifica em todas as esferas, sempre surgem perguntas sobre o movimento estudantil do campus. Quando a greve dos servidores foi iniciada, no semestre acadêmico passado, as perguntas portanto recomeçaram, e as respostas aqui em Sinop eram variações do tema “Sinop não tem DCE nem Centros Acadêmicos, aqui os alunos se organizam nas Atléticas”.
A situação é tão grave que muitos consideram as atléticas como as entidades representantes dos estudantes como categoria. Se tudo que os acadêmicos precisassem fosse de festas, gincanas e esportes, talvez pudesse ser mesmo. Até onde tenho conhecimento, Atlética alguma representa aluno com dificuldades de inclusão por ser minoria, por problemas de acessibilidade, por vulnerabilidade econômica, ou em situações de assédio moral ou sexual. Atléticas não têm perfil para debates em torno de educação pública versus privada, direito à moradia estudantil, aumento do valor da refeição no restaurante universitário, dificuldades de transporte público. Atléticas não têm acúmulo suficiente de lutas, debates, discussões e reflexões políticas para representarem adequadamente os alunos em situações de conflito e assimetria de forças. De tanta ingenuidade, acham que dão conta da missão e não avançam um passo além do que alguém lhes diz que é permitido, o que é perfeito e confortável para a administração institucional.
Impossível para mim não lembrar da greve estudantil de 2013, quando o restaurante universitário ainda não estava funcionando, e os acadêmicos sofriam os mais diversos tipos de limitação para conseguirem estudar. Por ter tido uma posição privilegiada de observação – à época eu era representante sindical no campus de Sinop – pude ver o quanto absolutamente nada teria sido alcançado se não fossem aqueles moços e moças que dormiam em barracas espalhadas em frente à Pró-Reitoria do campus de Sinop. Lembro-me de ter tido minha ínfima parte para apoiar o movimento em suas reivindicações. Mas lembro principalmente do dia em que chorei escondido, quando Miller, estudante da Agronomia, veio mais uma vez falar comigo, pois ele era o presidente do DCE naquele momento. Eles precisavam de alguma coisa que não lembro mais, mas lembro bem daquele moço. Magro como era, estava também com a boca ressecada e ferida por tantos dias ao relento nas barracas, nesse clima quase desértico da Sinop na seca. Lembro-me bem do que pensei, que eu deveria ter vergonha de permitir que um estudante nosso ficasse assim exposto a tanta indiferença, tantas dificuldades, para ter o que comer, para ter como estudar e se formar adequadamente. Mas eu não sabia como poderia ajudar mais do que já fazia, não queria interferir se não tivesse certeza de que seria para somar, e não para subtrair a força e as esperanças daqueles estudantes.
E quando recebi a notícia de que eles haviam ido para Cuiabá ocupar a Reitoria da UFMT, fiquei surpresa e preocupada com as consequências, mas, ao mesmo tempo, senti uma imensa admiração. Lembrei de mim quando estudante, quando por certo tempo participei do Centro Acadêmico da antiga Escola Paulista de Medicina, e minha maior preocupação era com a emissão das carteirinhas de estudantes necessárias para o transporte público. Tínhamos bancos para sentar, espaços de convivência, dezenas de laboratórios, disciplinas com vários professores, todos com laboratórios de pesquisa, dezenas de aulas práticas dos mais variados níveis de complexidade. Lá também tinha Atlética e de fato era muito mais ativa do que o Centro Acadêmico, o que, pelo que descrevi, é totalmente compreensível. Nada sabia eu de exclusão, de direitos negados, de precarização, de evasão escolar, de luta enfim… afinal, até torta de chocolate “de marca” serviam no restaurante universitário de vez em quando! Digo isso para evidenciar a realidade de nossos alunos naquele momento, que nem bancos para sentar tinham, e até hoje têm menos do que seria preciso, se nosso ambiente acadêmico estivesse normal.
O movimento estudantil decidiu ocupar a Reitoria por conta da invisibilidade do movimento num campus que deveria ser chamado de “retardado” ao invés de “avançado”, pois de tão longe da sede, era quase que totalmente desconhecido ou excluído desta. Dias e dias dormindo em barracas espalhadas pelo jardim em frente à Pró-Reitoria, sem um nada de retorno quanto às necessidades dos estudantes, fez com que eles tomassem a decisão de fazer o quê? Serem vistos. Greve sem incomodar não resolve, parece que ninguém vê, ninguém se movimenta, e só nada acontece. Aqueles moços e moças foram fazer em Cuiabá o que já estavam fazendo há dias em Sinop: reivindicar o mínimo que precisavam para permanecer na universidade. E por que de tantas greves que já vimos, estou nos lembrando especificamente desta? Porque num determinado momento, no dia 13 de agosto, quando as tensões chegaram ao máximo pois os estudantes bloquearam o setor de protocolo, a Reitoria se viu coagida a ver o que não queria e ter que responder, e ela então respondeu! Como? Entrando na justiça contra o estudante líder do movimento, que nem era o único que ali estava. Sério? Parece coisa de “bolsonarista”, como se diz hoje em dia, não é mesmo? Pois então… só que não era não! Completamente chocados que ficamos, um grupo de professores de Sinop em reunião no sindicato chegou a escrever uma carta à Reitora, em defesa do acadêmico, por conta de tantas contribuições que este já fizera para o campus e para a UFMT como um todo. Que resposta tivemos? O processo não seria retirado! Os alunos que ocuparam a Reitoria voltariam para Sinop com a lição aprendida, em especial seu líder, o acadêmico Miller. O estudante teve que enfrentar o processo judicial e imensas retaliações institucionais para conseguir continuar seu curso e se formar.
Aquele momento passou e, algum tempo depois, eu ainda tinha na memória em alta conta o agora formado, depois de muitas ameaças, engenheiro agrônomo, que um dia foi presidente do DCE. Em algum momento fiquei sabendo de uma bolsa alemã para jovens lideranças políticas, para a qual achei que ele tinha o perfil perfeito. Eu estava disposta a ajudá-lo a aprender o inglês obrigatório, e fazer carta de recomendação e o que mais fosse necessário. Entrei em contato com ele, fiz a sugestão. Esse moço, que tanto admiro, me respondeu “Prof., eu estou cansado… queria poder apenas trabalhar.” Eu compreendi, silenciei e me despedi. Depois, chorei de novo! E também de novo pensei o quanto eu deveria me envergonhar de ver essas coisas acontecerem sem me posicionar. Esse moço, assim como outros, que mereciam ser estimulados em suas qualidades e talentos, são desafiados, satirizados, ameaçados covardemente por aqueles que deveriam lhes fomentar as qualidades quando estão apenas despontando. Que tipo de lideranças políticas estamos construindo assim? Provavelmente os adeptos do bullying se sentirão confortáveis nas arenas políticas do futuro. Precisaremos de políticos com habilidades de defesa pessoal para os casos constantes de embates que chegarão às vias de fato, tal o embrutecimento e empobrecimento intelectual que observamos atualmente. Em meus sonhos a UFMT um dia se retratará pelo tratamento que deu a esses estudantes de Sinop, e em especial àquele que teve que enfrentar processo na justiça por representar o movimento estudantil do campus. Alguns poderiam dizer que os embates políticos são assim mesmo, e quem não é forte o suficiente é bom mesmo que seja “eliminado do jogo”. O problema é o tipo de “forte” que estamos selecionando. Seriam os mais qualificados para as complexidades da arena política, com formação ampla e experiência na representação de sua base? Ou seriam os que falam de forma mais fácil de entender, os que se colocam em evidência por motivos os mais chocantes possíveis e são adeptos do que se convencionou chamar de “lacração”*?
A vida continua, e chegamos no hoje… no mesmo dia em que o sindicato estava votando a entrada na greve em curso, alunos da agronomia penduraram uma faixa contra a greve dos professores aqui no campus, antes mesmo de a greve ser deflagrada. Bem no estilo atual de política nacional: dicotômica, extremista, rasa e ofensiva. Muitos colegas ficaram de fato ofendidos. Eu não... Fiquei até com uma felicidadezinha estranha porque, desta vez, eu não chorei pelos nossos alunos. Pensei o quão significativo era que fossem alunos do mesmo curso do Miller... O que plantamos, colhemos, e isso vale para todos os cursos além da Agronomia. Como nos lembrou Prof. Ricardo Carvalho, em uma reunião da Adufmat-Sinop nos idos de 2013, durante a greve estudantil, “enquanto educadores, devemos ter em mente que as medidas adotadas por nós em relação aos alunos será repetida por estes dentro da sociedade.” Enfraquecer o movimento estudantil é vital para acabar com a universidade pública, e acabar com a universidade pública é vital ao modelo econômico que quer dominar a educação do pais. Quando nós, inadvertidamente, não zelamos, ainda que sejamos prejudicados por isso, pelo desenvolvimento daqueles que um dia poderão vir a ser representantes políticos em defesa da universidade pública, estamos nos prejudicando muito mais, só ainda não sabemos.
E a vida continua… com certeza chegaremos no amanhã. Como será? Responda quem puder...
Autora: Gerdine Sanson, 11 de junho de 2024
*eu não tenho certeza se entendi totalmente o que esta palavra quer dizer, mas me parece que é “calar a boca dos outros com argumentos irrefutáveis e de ampla compreensão pela maioria das pessoas”.
O MUNDO DIGITAL E A SOLIDÃO HUMANA - Juacy da Silva
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Juacy da Silva*
Ninguém, em sã consciência, pode negar a importância dos avanços da ciência e da tecnologia para a melhoria da qualidade de vida e do bem estar das pessoas, em todas as faixas etárias e em todas as áreas das atividades humanas, tanto é verdade que, graças à este processo, inúmeras doenças que encurtavam a vida das pessoas, principalmente inúmeras doenças de massa, foram e continuam sendo enfrentadas, combatidas, debeladas e curadas através das vacinas, diagnósticos precoces que passaram a ser realizados com mais precisão, o tratamento e a cura tornaram-se quase universais, apesar de amplas camadas de pobres e excluídos mundo afora continuarem por fora desses benefícios, inclusive no Brasil que não tem acesso aos benefícios dessas inovações tecnológicas, razões pelas quais a expectativa de vida ao nascer e em todas as faixas etárias tem aumentado muito e continua aumentando, prova disso é a quantidade e percentual de pessoas com mais de 80, 90, 100 anos ou mais, o que era uma raridade há seis décadas ou há um século.
Da mesma forma que esses avanços tecnológicos estão presentes em todas as atividades como agricultura, pecuária, produção industrial de outros bens e serviços, facilitando a vida humana, ampliando e aprimorando o conhecimento humano sobre aspectos totalmente desconhecidos não apenas há séculos, mas nas até mesmo últimas décadas e na atualidade.
Esta ampliação e aprimoramento do conhecimento, transformado em novas tecnologias e formas de gestão podem ser observadas, por exemplo, na engenharia genética, na reprodução humana, animal e vegetal, em tantas invenções, cujos impactos são altamente significativos nas comunicações, na descoberta de novos medicamentos ou no uso mais eficiente e científicos das plantas medicinais, no ensino, no lazer, na gestão pública, privada e, inclusive, nas igrejas, ONGs e outras entidades representativas da sociedade civil.
Todavia, dia após dia estamos vivendo em uma sociedade e um mundo digital, virtual, que também distancia as pessoas, afetam os sistemas de relações humanas, de trabalho e de produção e o estilo de vida, com impactos positivos e também extremamente negativos em nossas vidas.
A virtualidade, a era digital, apesar de aparentemente conectar as pessoas, na verdade estão se transformando em uma fuga em relação ao contato verdadeiro, aquele que a gente olha nos olhos da outra pessoa, estende a mão, oferece e recebe um abraço caloroso, físico, dialoga, onde as palavras são ditas e ouvidas direta e pessoalmente, mas mesmo assim esta “realidade abstrata” avança, da vez mais, nas relações humanas, distanciando, física e emocionalmente as pessoas.
Existe uma corrida tresloucada para compartilhar fotos, figurinhas, “emojes”, mensagens enlatadas que substituem as palavras, o objetivo é termos milhares, centenas de milhares ou até milhões de seguidores, “amigos e amigas virtuais”, em uma demonstração fictícia de que a pessoa é popular, tem a capacidade ou a “expertise” de influenciar pessoas, daí surgem os e as “influencers”, muitos que conseguem ganhar algum dinheiro ou até mesmo ficarem ricos, vendendo ilusões, compartilhando mentiras (fake news), discursos de ódio, ficções, enfim, ideias que, as vezes, não servem para nada.
E esta febre de trocar o mundo real pelo mundo virtual, está tomando conta de todas as camadas populacionais, tanto no Brasil quanto no mundo inteiro, está se tornando um vício, uma adição, causando uma dependência, não apenas tecnológica, mas fundamentalmente psicológica, distorcendo a cultura, como “modo de pensar, sentir e agir”, tornando-se um problema complicado e sério.
A cada dia mais crianças, bem pequenas, algumas com menos de 4, 5 ou 6 anos já acordam grudas em celulares, tabletes e outras parafernálias eletrônicas, essas crianças não sabem mais sequer operações aritméticas simples, afinal para que? O mesmo acontece com as pessoas idosas que também se tornam adictas a essas parafernálias eletrônicas. Ninguém gosta mais de ler, de refletir sobre os contornos da realidade, tudo se resume em um novo vocabulário, reduzido em palavras e maximizado em símbolos e figurinhas. A leitura e a reflexão crítica sobre a realidade perderam e estão perdendo espaço para a alienação e um mundo vazio.
Os celulares, símbolo maior deste avanço tecnológico e objeto de desejo de todas as classes, grupos sociais e faixas etárias, tem múltiplas funções, como simples operações aritméticas, como somar dois mais ou dividir dez por dois, além de terem substituído as máquinas fotográficas, os gravadores, as filmadoras, enfim, fazem tudo ou quase tudo na vida das pessoas e, com a chegada a inteligência artificial, assunto extremamente complexo e controvertido, as perspectivas são de que a chamada “alienação tecnológica” poderá transformar e até mesmo “desconfigurar” nossas mentes (da humanidade) afetando, profundamente, as verdadeiras relações humanas, podendo representar uma nova forma de escravidão humana pelas máquinas e por quem as programam e utilizam, inclusive os donos do poder, as elites dominantes, governantes e também o crime organizado nacional e transnacional.
Neste contexto, não podemos deixar de mencionar ou de ignorar a propagação de mentiras, as famosas “fake news”, os crimes cibernéticos, onde até pessoas com altos níveis educacionais e importantes na sociedade, como foi o caso recente de uma desembargadora em Mato Grosso, que caiu no chamado “golpe do pix” ou coisa semelhante.
Além disso, a virtualidade ou o chamado mundo digital traz consigo também a invasão da privacidade, o uso indevido e as vezes criminoso da imagem pessoa, provocando sérios prejuízos, até mesmo psicológico, chegando, em alguns casos provocar o suicídio da vítima.
Parece que estamos vivendo uma realidade contida no Livro de George Orwell publicado em 08 de Junho 1949, ou seja há 70 anos, intitulado “1984”, onde ele preconiza o que seria o Estado Totalitário Comunista, onde todas as pessoas seriam vigiadas pelo “Grande irmão”, abrindo caminho para a desfiguração das relações em sociedade representado pelo totalitarismo, por todos os tipos de tortura, inclusive a tortura psicológica, que hoje já é uma realidade em todos os países, independente das ideologias dos respectivos governantes.
O livro 1984 serviu de roteiro para a produção de um filme de ficção, em 1956, que retrata na tela o que seria este estado totalitário. Eu assisti este filme em 1974, nos EUA, as imagens são tão impactantes que até hoje as guardo em minha mente. É um retrato bem real do que está ocorrendo na atualidade, onde a tecnologia une-se à ideologia e passa a ser instrumento de perseguição a todas as pessoas que se opõem aos desígnios totalitários.
Outra distorção deste mundo virtual é provocar o distanciamento mental, psicológico e social como no caso de famílias que ao estarem em uma mesa de refeição, onde antigamente eram momentos e espaços para o diálogo, para os conflitos ou enfim, momento felizes, hoje encontramos famílias e mais famílias em silêncio, cada pessoa com os celulares ou tabletes nas mãos e os olhos fixos na “telinha”, dirigindo-se `as demais apenas por monossílabos ou apenas com pequenos acenos de mãos ou de cabeça, estão se tornando pessoas cegas, surdas e mudas e, na maior parte das vezes, não falam, não ouvem e não veem o que existe em seu redor, pois estão absortas em seu mundinho virtual.
É comum em ambientes que requer silêncio ou atenção como em cinemas (cada vez menos presentes), teatros, igrejas ou em salas de aula, as pessoas esquecerem-se de que esses tipos de ambiente exigem determinadas condutas, silêncio, atenção e, quando menos se espera um celular toca alto, as vezes com músicas estridentes e as pessoas, sem o mínimo de respeito e consideração com as demais, simplesmente começam a falar alto, quase gritando, promovendo um verdadeiro distúrbio entre os presentes.
A realidade do mundo virtual é bem diferente do mundo real e pode provocar distorções na formação da personalidade, principalmente em crianças e adolescentes e também pessoas idosas, grupos considerados os mais vulneráveis, razões pelas quais, alguns países já estão implementando legislação proibindo a propriedade e o uso dessas parafernálias eletrônicas para essas faixas populacionais, da mesma forma que proíbem a venda e o uso de drogas, lícitas ou ilícitas, como tabaco, bebidas alcoólicas, jogos que criam dependência etc.
A dependência tecnológica já está sendo considerada uma doença que exige tratamento mental, psicológico ou até mesmo psiquiátrico.
É interessante um pensamento, atribuído a um personagem, “chamado” de Mike Lonely (Mike solitário) ou algum autor anônimo, em que são retratados esses dois mundos, quando diz que tantas almas atravessam batalhas silenciosas, tristes, mas continuam sorrindo para o mundo, como tantas pessoas que usam e abusam das tecnologias digitais para aparentarem felicidade, riqueza e estarem de bem com a vida, mas na verdade escondem a realidade verdadeira e continuam “sorrindo” para o mundo, vivem na solidão, tendo como companheira ou companheiro a angústia, a insônia, a ansiedade, a depressão, a solidão, o isolamento social, enfim, vivem em um mundo fictício e quando descobrem isso entram em desespero e constatam que esqueceram de viver e conviver com as pessoas que estão próximas, seja na família, na escola, no ambiente do trabalho, na comunidade e nas Igrejas. ou em qualquer outro local.
Precisamos repensar como estamos “lidando” com essas parafernálias digitais e virtuais, não podemos, como seres humanos, ser transformados em máquinas, em robôs, manipulados e teleguiados por essas plataformas digitais e pela complexa e controvertida inteligência artificial, ainda pouco conhecida quanto aos verdadeiros impactos, POSITIVOS e NEGATIVOS, que terão sobre toda a humanidade!
Precisamos ser SUJEITOS, jamais OBJETOS, criadores e não apenas usuários passivos, atores e não apenas expectadores das transformações sociais, econômicas, políticas, culturais, religiosas e, claro, científicas e tecnológicas.
*Juacy da Silva, professor fundador, titular, aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy
MAIS UM JUNHO VERDE 2024 - Juacy da Silva
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Juacy da Silva*
Campanhas para motivar a opinião pública e educação ambiental são importantes e necessárias, mas não resolvem todos os problemas socioambientais, precisamos ir mais além, incluir esses problemas e desafios no bojo das políticas públicas, federal, estaduais e municipais, com recursos orçamentários que demonstrem o grau ou nível de prioridade que nossos governantes, principalmente dos poderes Executivos e Legislativos.
“Tudo está interligado, nesta Casa Comum” Papa Francisco, Laudato Si, 2025.
A destruição de biomas como Amazônia, o Cerrado e o Pantanal, da mesma forma que a Mata Atlântica, os Pampas e a Caatinga já perderam a maior parte da biodiversidade, afetam o regime de chuvas, a fertilidade do solo, acabam com espécies animais e vegetais, como, por exemplo, as plantas medicinais, tudo isto afeta, não apenas o Brasil, mas o resto do mundo.
Estamos diante de uma verdadeira emergência climática. Não é por falta de Leis, acordos internacionais, conferências mundiais sobre meio ambiente, o clima, a destruição da natureza, bem como milhares de estudos sobre os problemas e desafios socioambientais e tantos desastres “naturais”, ambientais, em cujas origens estão as ações irracionais dos humanos, consideradas crimes ambientais pela legislação ou pecado ecológico sob a ótica da Igreja (Católica e Evangélicas), que a consciência ambiental continua adormecida, tanto por parte da população quanto do empresariado, de líderes religiosos e também pelos governantes do mundo todo, inclusive no Brasil.
Há mais de 50 anos foi realizada a primeira conferência mundial/internacional para discutir, tratar e debater sobre um certo “conflito” entre desenvolvimento, crescimento econômico e seus impactos na natureza (meio ambiente).
Desde então a chamada “questão ambiental” passou a fazer parte das agendas mundial, através da ONU e de sua agência especializada em questões ambientais que é a UNEP, bem como de inúmeras outras organizações internacionais como UNICEF, FAO, União Europeia, Banco Mundial (BIRD), FMI, do Banco Interamericano de Desenvolvimento BID), o Fórum Econômico Mundial e inúmeras instituições de pesquisas, de renome internacional.
Foram realizadas conferências memoráveis como a ECO 92, no Rio de Janeiro, que reuniu mais de 180 chefes de Governo e de Estado, elaborada a Carta da Terra, a Agenda 21; o Protocolo de Kyoto, o Acordo de Paris.
A ONU, na antevéspera do início do Terceiro milênio, em memorável Assembleia Geral aprovou o estabelecimento de uma pauta mínima, no que concerne ao meio ambiente, com apenas OITO grandes objetivos, para balizar as políticas de desenvolvimento nacional dos países membros, inclusive o Brasil, a vigorar por 15 anos, ou seja, do ano 2.000 até o ano de 2015.
Em 2015, ano bem emblemático para o rumo das discussões socioambientais, o Papa Francisco publicou a Encíclica Laudato Si, que passou a incorporar a preocupação e as ações da Igreja Católica, de forma inovadora e até um tanto revolucionária, no corpo da Doutrina Social da IGREJA/DSI.
No mesmo ano também a ONU, através de aprovação da Assembleia Geral instituiu os OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, em substituição aos objetivos do milênio, em que, através de 17 objetivos e 169 metas, estabeleceu como horizonte para o cumprimento desses objetivos e metas o ano de 2030, criando o que passou a ser denominada de AGENDA 2030.
Outro marco significativo no ano de 2015 foi a aprovação do Acordo de Paris que, lamentavelmente, os grandes poluidores do planeta ainda se recusam a cumprir a maioria de suas cláusulas, incluindo o fim do uso dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural), que e a maior fonte da poluição no mundo.
Desde 1972, portanto há mais de meio século, ocorreram muitas reuniões, “debates”, discursos, compromissos formais e legais, mas que pouco resultado produziram, ficaram, praticamente, no papel, em boas intenções e discursos vazios e demagógicos, como sempre tem acontecido.
Enquanto isso, a degradação do planeta, a destruição da natureza, dos biomas e ecossistemas continuavam, como ainda continuam avançando. As florestas, principalmente as florestas tropicais foram e continuam desaparecendo que, juntamente com as queimadas, afetam a fertilidade dos solos, contaminam e destroem os cursos d’água, poluem o ar.
A grande maioria dos países inseriram as questões ambientais em suas legislações e até mesmo em suas Constituições nacionais, como foi o caso do Brasil que, em 1988, ao aprovar a Constituição Federal, a chamada Constituição Cidadã, atualmente bastante desfigurada por tantas emendas que aos poucos vai se distanciando da vontade expressa pela Assembleia Nacional Constituinte que, pôs fim formal `a Constituição outorgado pelo regime militar.
Sempre é bom lembrar que, na Constituição Federal de nosso país está expresso de forma clara e objetiva que “Art. 225. Todos têm o direito ao meio ambiente, ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial `a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Apesar deste mandamento constitucional e de toda uma legislação infra constitucional, a destruição de biomas como o Pantanal, o Cerrado, a Amazônia, enfim, todos os biomas continua sob o olhar passivo tanto de governantes quanto de uma população alienada e pouco preocupada com o futuro do planeta, só despertando e se comovendo quando milhares, dezenas de milhares ou milhões de pessoas choram por terem perdido seus lares, milhares de vidas humanas e muito sofrimento, como atualmente acontece no Rio Grande do Sul, como já aconteceu em práticamente todos os estados e, tudo leva a crer, que outros e mais temíveis e terríveis desastres, nada naturais, pois são catástrofes anunciadas, deverão ocorrer.
Apesar da constitucionalização do direito ambiental como um bem coletivo das presentes e futuras gerações, o assunto tem merecido debates que chegam até ao Supremo Tribunal Federal.Sobre este assunto do Controle Concentrado de Constitucionalidade, em julgamento recente alguns ministros se expressaram, como podemos observar de seus votos “Não há estado de coisas inconstitucional na política de proteção ambiental da Amazônia e do Pantanal. Contudo, para o efetivo cumprimento do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do respectivo dever do Poder Público em defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF/1988, art. 225), é necessária a adoção de algumas providências. Em que pese o processo de reconstitucionalização, decorrente de avanços e melhorias na política de combate às queimadas e desmatamento nos referidos biomas, ainda persistem algumas falhas estruturais que justificam a atuação desta Corte, a fim de que as medidas necessárias não só sejam adotadas, mas funcionem adequadamente.[ADPF 743, ADPF 746 e ADPF 857, rel. min. André Mendonça, red. do ac. min. Flávio Dino, j. 20.3.2024”
Neste mesmo julgamento é interessante também observarmos que em outro voto, da então Ministra Rosa Weber, ficou claro o entendimento do tema “Ao conferir à coletividade o direito-dever de tutelar e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), a Constituição Federal está a exigir a participação popular na administração desse bem de uso comum e de interesse de toda a sociedade. E assim o faz tomando em conta duas razões normativas: a dimensão objetiva do direito fundamental ao meio ambiente e o projeto constitucional de democracia participativa na governança ambiental. Análise da validade constitucional do Decreto n. 9.806/2019 a partir das premissas jurídicas fixadas: ( i) perfil institucional normativo-deliberativo do CONAMA, (ii) quadro de regras, instituições e procedimentos formais e informais da democracia constitucional brasileira, (iii) igualdade política na organização-procedimental, e (iv ) direitos ambientais procedimentais e de participação na governança ambiental. O desmantelamento das estruturas orgânicas que viabilizam a participação democrática de grupos sociais heterogêneos nos processos decisórios do Conama tem como efeito a implementação de um sistema decisório hegemônico, concentrado e não responsivo, incompatível com a arquitetura constitucional democrática das instituições públicas e suas exigentes condicionantes. A discricionariedade decisória do Chefe do Executivo na reestruturação administrativa não é prerrogativa isenta de limites, ainda mais no campo dos Conselhos com perfis deliberativos. A moldura normativa a ser respeitada na organização procedimental dos Conselhos é antes uma garantia de contenção do poder do Estado frente à participação popular, missão civilizatória que o constitucionalismo se propõe a cumprir. O espaço decisório do Executivo não permite intervenção ou regulação desproporcional. A Constituição Federal não negocia retrocessos, sob a justificativa de liberdade de conformação decisória administrativa. A eficiência e a racionalidade são vetores constitucionais que orientam o Poder Executivo na atividade administrativa, com o objetivo de assegurar efetividade na prestação dos serviços públicos, respeitados limites mínimos razoáveis, sob pena de retrocessos qualitativos em nome de incrementos quantitativos. Inconstitucionalidade do Decreto n. 9.806/2019.
[ADPF 623, rel. min. Rosa Weber, j. 22-5-2023, P, DJE de 18-7-2023”.
Durante o mês de junho existem diversos “dias especiais”, relacionados às questões socioambientais, que deveriam estimular a reflexão, o debate e também algumas ações, mesmo que sejam apenas pontuais e ou simbólicas, mas que podem contribuir para o despertar da consciência ecológica.
Assim é que entre os dias 01 e 07 de Junho “comemora-se” a Semana do Meio Ambiente, se bem que em relação ao meio ambiente, tanto no mundo quanto no Brasil temos pouco ou nada para realmente celebrar, em 03 é a vez do Dia mundial da Educação ambiental, em 05 é o Dia da Ecologia e o Dia mundial do Meio Ambiente, cujo tema este ano é a prevenção das secas e da desertificação, com o lema “ Nossa terra, nosso futuro”, destacando que em 17 de Junho é o Dia mundial de combate `a desertificação e à seca.
Em 07 de junho o assunto é Segurança alimentar, tendo como foco o combate ao uso indiscriminado, abusivo e criminoso de agrotóxicos que contaminam o meio ambiente, poluindo os solos, as águas, o ar, e, quando presentes nos alimentam destroem a saúde e a vida humana.
Em 08 de Junho é a vez de voltarmos nossos olhares para o que a humanidade está fazendo com os oceanos, o lixo que é produzido em áreas remotas, longe do mar, como em Cuiabá ou qualquer outra cidade do interior do Brasil, quando não devidamente tratado, acaba sendo levado, poluindo córregos, rios até chegar aos mares e oceanos. A degradação dos oceanos promove o aquecimento de suas águas e provocam as mudanças climáticas.
O 11 de Junho é dedicado à reflexão sobre o papel e a importância do Educador Sanitário, como alguém que promove um melhor cuidado com o meio ambiente, complementado pelas ações de outro profissional importante nesta área que é o Gestor Ambiental, que tem também o seu dia celebrado em 17 de Junho.
Em 18 de junho é celebrado o Dia da gastronomia sustentável, que está umbilicalmente vinculada `a produção orgânica e à agroecologia, práticas agrícolas também sustentáveis.
E, finalmente, no último dia de Junho (30), é o Dia Nacional do Fiscal Agropecuário, que, juntamente com tantos outros profissionais tenta zelar pelo cumprimento da legislação para que nossos alimentos, de origem animal, tenham a qualidade necessária em respeito `a saúde humana e normas sanitárias.
Assim, apesar de tantas discussões, normas, regulamentos, leis, decretos e até mesmo a Constituição, a destruição da natureza continua acelerada. Foi pensando neste processo que o Senador Jaques Wagner (PT/BA), apresentou o projeto de Lei 1070/2021, aprovado pelas duas casas legislativas (Senado e Câmara Federal), modificando a Lei 9.795 de 1999, a Lei que define a Política Nacional de Educação Ambiental, sancionada pelo Presidente da República como Lei 14.393, de 2022, estabelecendo o Junho Verde, com o objetivo de educar e despertar a consciência ecológica no país e deve ser conduzida, na forma de Campanha, pelos governos federal, estaduais e municipais.
Tal campanha deve promover o diálogo, a reflexão e o debate sobre questões socioambientais entre governantes, empresariado, lideranças civis, nas igrejas, sindicatos, movimento comunitário, na imprensa, ONGs etc, visando transformar atitudes, hábitos e estilos de vida que estão contribuindo para a degradação ambiental e a destruição dos biomas e ecossistemas com as consequências trágicas que bem conhecemos e assistindo cada vez com maior frequência e comoção pública.
Despertar a consciência coletiva é importante, todavia, o que precisamos realmente é o estabelecimento de uma política ambiental, no contexto das políticas públicas nacional, estaduais e municipais, bem como o fortalecimento dos organismos de fiscalização e controle, incluindo legislação mais rigorosa que, realmente, represente punição aos criminosos ambientais, cujas penas possam realmente demove-los a praticar tais crimes.
Finalmente, não basta despertar a consciência ecológica através de campanhas, como o Junho Verde ou outras mais, é fundamental que sejam criados mecanismos e canais efetivos de participação popular e não fique apenas a cargo dos donos do poder e das elites a condução das políticas públicas, principalmente, das políticas ambientais. Este deve ser o cerne do diálogo, das reflexões e dos debates socioambientais.
*Juacy da Silva, professor fundador, titular, aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy
PAUTA INTERNA DA UFMT DE 2015 - Comando Local de Greve
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Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Assembleia Geral (AG) da ADUFMAT/ANDES-SN, realizada no dia 29/05/2024, quanto a construção da Pauta Interna da UFMT, deliberou pelo encaminhamento (em anexo) da Pauta da Greve de 2015 à Reitoria da época, para subsidiar a construção da Pauta Interna de 2024. Na próxima AG este será um ponto de pauta. Pedimos a todos/as que tragam suas contribuições, sugestões de ajustes, acréscimos e/ou supressões.
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METODOLOGIA DA IGREJA: VER, JULGAR E AGIR - Juacy da Silva
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Juacy da Silva*
A Constituição Federal, de 1988, no artigo 225, estabelece, de forma clara e objetiva que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Ao longo do tempo, principalmente a partir da publicação da Encíclica “Rerum Novarum”, em 15 de Maio de 1891, pelo Papa Leão XIII, até a atualidade com o Papa Francisco, ao publicar a Encíclica Laudato Si, em 24 de Maio de 2015; a Igreja Católica e as Igrejas Evangélicas vem sendo presença ativa no enfrentamento dos problemas e desafios que afetam a humanidade, principalmente as camadas marginalizadas, excluídas vem enfrentando, daí a razão da chamada “opção preferencial pelos pobres”.
Para poder agir de uma forma efetiva e sociotransformadora é necessária uma metodologia que ofereça condições e conhecimento para compreender bem a realidade, permitir que sejam feitas opções e desdobrar as ações no tempo e no espaço, estabelecendo prioridades neste agir.
Neste processo em busca de um conhecimento mais profundo da realidade, que sirva de base para agir na dimensão sociotransformadora, é fundamental que sigamos a máxima de “pensar globalmente e agir localmente”, razões mais do que suficientes para delimitarmos nosso campo de ação tanto em termos de espaço (território) quanto de tempo (estabelecer cronologia e prioridades), tendo em vista a complexidade dos desafios em todas as áreas, inclusive nas questões relativas `a ECOLOGIA INTEGRAL, considerando os diversos aspectos que fazem parte das exortações, observações e sugestões quanto a esta caminhada, apontadas tanto nas Encíclicas Laudato Si e Fratelli Tutti quanto nas Exortações Apostólicas Querida Amazônia e Laudate Deum e outros documentos das Igrejas e também o conhecimento resultante de estudos e pesquisas por cientistas, pesquisadores e instituições universitárias e até mesmo vinculadas a outros setores da sociedade.
A origem desta metodologia já está prestes a completar um século, como podemos ver nesta referência bibliográfica “O método ver-julgar-agir da JOC, assumido pela Ação Católica especializada no mundo inteiro desde a década de 1930, demorou, mas foi assumido pelo magistério pontifício, primeiro por João XXIII, depois pela Gaudium et Spes, por encíclicas sociais e documentos de Dicastérios da Cúria Romana (BRIGHENTI, 2015, p. 612)”
O Curso para a formação de Agentes da Pastoral da Ecologia Integral que estamos realizando na Arquidiocese de Cuiabá, em três módulos de apenas 5 horas cada um, tanto quanto possível estamos seguindo o método da Igreja: VER, JULGAR E AGIR.
Na Bíblia Sagrada existe uma passagem que, direta ou indiretamente, nos remete `a questão da metodologia no agir da Igreja Católica e das Igrejas Evangélicas também, quando no Evangelho de São João 8:32 está escrito “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Ai está na verdade a origem desta metodologia: Conhecimento – Verdade – Libertação.
Assim, buscamos ampliar nosso conhecimento sobre diversos documentos da Igreja e dos vários “ramos”, aspectos das ciências, incluindo um “panorama’ dos principais desafios e problemas socioambientais do Brasil, de Mato Grosso e do território onde está inserida a Arquidiocese de Cuiabá (a chamada Baixada Cuiabana).
Caberá a seguir, aos participantes do Curso, futuros agentes da Pastoral da Ecologia Integral realizarem um exercício, em princípio didático, mas com vistas a ações concretas no futuro, de preferência em um futuro não muito longínquo, nos territórios das várias paróquias representadas no referido curso através dos referidos participantes do curso.
Para tanto devemos seguir alguns passos, que, na verdade são as etapas do Método mencionado e, neste exercício, devemos trabalhar em conjunto, ou seja, propiciar a troca de experiências e a “mirada” que cada pessoa possa ter da realidade e também as sugestões para a ação, sempre enfatizando que somente as ações, de preferência coletivas, em grupo é que tem o poder e a energia para promover ou provocar transformações sociais, econômicas, políticas, culturais ou até mesmo religiosas.
Aqui cabe uma observação, é importante que saibamos e aprendamos a “trabalhar em conjunto”, em grupo, em equipe, para valorizar esta dinâmica coletiva, sempre respeitando as pessoas, aceitando opiniões diferentes e até divergentes, sempre em através de um diálogo honesto, franco, aberto, reconhecendo nossas diferenças, nossas fragilidades e nossa dignidade como pessoas humanas, todos e todas, filhos e filhas de Deus. Esta é a essência da Amizade social, que sempre nos exorta o Papa Francisco e foi objeto da Campanha da Fraternidade deste ano de 2024.
Para atendermos ao desafio da etapa VER, não precisamos “inventar a roda”, contratar “experts”, consultorias especializadas e geralmente que custam muitos recursos, precisamos buscar e valorizar o conhecimento das pessoas que vivem, convivem, sobrevivem e sofrem com a realidade que as cerca e que, cremos nós, desejam mudanças e transformações que melhorem suas condições de vida.
Para vermos a realidade, além de nossas observações pessoais, podemos solicitar a várias pessoas, em diferentes partes do território, de diferentes estratos/camadas sociais e perguntarmos, por exemplo: Quais são os três, quatro ou cinco principais problemas ou desafios ambientais ou socioambientais que o senhor ou a senhora, ou os/as jovens identificam naquele território?
Com certeza se dialogarmos com diversas pessoas teremos diversas respostas, algumas que devem coincidir e outras diferentes e, assim, poderemos chegar a mais de cinco ou dez problemas/desafios.
A Etapa seguinte do Método, o JULGAR, cabe `a Equipe da Pastoral que será formada pelos participantes do Curso e mais algumas pessoas que sejam convidadas para “engrossar’, fortalecer a Equipe, que darão vida ao que temos denominado de Núcleo Ecológico Paroquial (Local) e que pode ser também no nível das comunidades, de uma escola, de uma empresa. A denominação pouco importa, o mais importante é a constituição das equipes que irão articular, coordenar, despertar a consciência ecológica/ambiental, inclusive fomentando o processo da EDUCAÇÃO ECOLÓGICA LIBERTADORA, para que as ações e as transformações socioambientais possam ocorrer e a realidade seja mudada, transformada.
Nesta fase do JULGAR, caberá então à Equipe local/paroquial analisar os problemas e desafios apresentados pelas pessoas, tendo como parâmetros deste JULGAR o seguinte: a gravidade, a urgência e a complexidade dos problemas e desafios que surgiram deste diálogo coletivo e, estabelecer uma lista de prioridades, tendo em vista também o que é possível realizar a curto, médio e longo prazos.
Finalmente, o AGIR, deve ser realizado, não de uma forma voluntarista e improvisada, mas sim, dentro de uma ótica de racionalidade, para que as ações sejam realmente realizadas e sejam também duradouras e possam provocar mudanças, seja de hábitos, de comportamentos, atitudes e novos estilos de vida, tanto no plano individual, familiar quanto, coletivamente, seja a partir da paróquia, da comunidade, da escola, da empresa ou enfim, qualquer que seja o lugar/território onde as pessoas vivem, convivem e sobrevivem.
Neste AGIR, precisamos também promover nossas ações guiadas por projetos, que tenham “começo, meio e fim”, definindo quem, como, quando, onde e a que custos, ou seja, por que, para que, com quem e para quem vamos realizar nossas ações, incluindo parcerias, custos dos projetos e fontes de financiamento.
Em ocasião oportuna, no futuro, como Pastoral devemos promover também um aprofundamento do nível de conhecimento das Equipes, tanto no que concerne `a elaboração de projetos sociais, identificação de fontes de financiamento públicas e privadas, nacionais e internacionais, bem como um maior nível de conhecimento dos vários setores que fazem parte do que denominamos de Ecologia Integral.
Exemplo, se uma comunidade, paróquia definem que irão trabalhar com reciclagem, é necessário entender melhor sobre esta temática; da mesma forma se o projeto é relacionado com arborização, plantas medicinais, hortas domésticas, escolares ou comunitárias, ou os chamados “quintais ecológicos”, é fundamental que os participantes conheçam bem as referidas áreas e assim por diante.
Se decidirmos, por exemplo, realizar uma Campanha ampla para combater o consumismo, o desperdício, que geram cada vez um maior volume de resíduos sólidos/lixo, combater o uso de plásticos que emitem gases de efeito estufa e provocam o aquecimento global e as temíveis mudanças climáticas etc, etc precisamos ter conhecimento das técnicas de propaganda, marketing e como se formam ou se alteram os hábitos de consumo, atingindo o objetivo e metas de “produção e consumo responsável e sustentável”, como estabelece a ONU no ODS de número 12.
O curso para a Formação de Agentes da Pastoral da Ecologia Integral é apenas um passo inicial de um processo mais longo para que as ações que vierem a ser implementadas, realizadas possam ser duradouras, efetivas e estejam articuladas com as ações das demais pastorais, movimentos e organismos da Igreja e também em parcerias com outras organizações públicas e privadas que atuem nesta área e contribuam para ajudarmos em um MELHOR CUIDADO COM A CASA COMUM, a partir de nossa realidade concreta, local em nossos territórios.
O processo de transformação da realidade, principalmente da realidade em que vivem e sobrevivem os pobres e excluídos é longo, cheio de obstáculos e interesses as vezes ocultos, demanda conhecimento e uma conscientização ecológica, social e política mais profunda por parte dos mesmos, para que as mudanças ocorram e essas mudanças devem ocorrer com a participação dessas camadas que devem ser sujeitas e sujeitos de seus próprios destinos e jamais objeto de manipulação por parte de quem gera e se beneficia de estruturas que representam dominação, manipulação e exclusão.
Não podemos alimentar o assistencialismo, o paternalismo que apenas são formas de manipulação por parte dos poderosos e dos donos do poder, mas sim, ajudarmos a despertar a consciência ecológica, sociotransformadora dessas camadas que sofrem com a degradação ambiental e destruição do planeta, tudo isso no contexto da Doutrina Social da Igreja e dos Direitos Humanos e Constitucionais.
*Juacy da Silva, professor fundador e titular da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy
LIXO, UM DESAFIO MUNDIAL E DO BRASIL TAMBÉM - Juacy da Silva
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Juacy da Silva*
Em minhas longas caminhadas pelas ruas de Cuiabá, que as vezes chegam ou ultrapassam 10km diariamente, deparo-me com uma cidade, capital do Estado de Mato Grosso, com mais de 651 mil habitantes, que deveria ser uma referência estadual e regional em termos de sustentabilidade, vejo, todavia, em diversas esquinas, nas ruas, avenidas sem árvores, sem calçadas, ou com calçadas atravancadas por todas as formas de obstáculos incluindo caros, matagal, um sem número de máscaras “de covid” como dizem, garrafas plásticas, galhos de arvores, esgoto correndo a céu aberto, onde o asfalto, quando existe, já perdeu a cor escura e está verde de lodo, e, inúmeros lixinhos que acabam se transformando em “lixões”, em plenas vias públicas. Já fiz centenas de fotos e, de vez em quando, envio para alguns veículos de comunicação, na ilusão de que alguma reportagem possa “constranger” nossos governantes e impulsioná-los a melhor cuidarem de nossa outrora cidade verde. Tudo isso, sem falar no Centro histórico em decadência, esvaziado econômica e comercialmente, abandonado, sujo, com centenas de imóveis caindo aos pedaços, abrigo de também centenas de pessoas excluídas, marginalizadas, tomadas e dominadas pelas drogas lícitas e ilícitas, o berço da cultura cuiabana e mato-grossense que envergonha nossos antepassados.
A mesma situação está presente também no maior aglomerado Urbano do Estado, representado por Cuiabá e Várzea Grande, a segunda maior cidade do Estado, com 203 mil habitantes, aglomerado urbano que representa 854 mil habitantes ou 23,3% da população total e, em torno de um terço (33%) da população de Mato Grosso.
Um dos problemas mais sérios que contribuem para a degradação do planeta, a destruição dos biomas e dos ecossistemas, a contaminação das águas, principalmente de Rios, como o Cuiabá e seus afluentes e inclusive dos mares e oceanos, do solo e do ar é o lixo, tecnicamente denominado de resíduos sólidos.
Este desafio está presente no mundo inteiro, só que no Brasil é uma vergonha que decorre da incompetência, da incúria e descaso por parte de nossas autoridades e esta negligência afeta muito mais os pobres e excluídos, que vivem nas periferias onde a situação é muito mais precária e danosa.
Diversos sã os tipos de lixo, incluindo o lixo plástico que tem crescido a uma velocidade muito maior do que o crescimento populacional, do que o crescimento urbano e até mesmo do aumento da renda média per capita em todos os países.
Existem outros tipos de resíduos sólidos como o lixo decorrente da construção civil, o lixo eletrônico, lixo hospitalar, lixo doméstico, lixo industrial em geral, lixo têxtil, boa parte desses tipos contém produtos químicos, nucleares, componentes corrosivos, enfim, uma complexidade que tem sido objeto de estudos, pesquisas, trabalhos acadêmicos, até teses de mestrado e doutorado. Ou seja, a questão já está sobejamente conhecida, diagnosticada, falta apenas ação que resolva o problema, e isto tem que partir tanto dos governantes quanto dos empresários e também por parte da população em geral.
É um tema, um problema altamente complexo e, também, por ter dimensão econômica, política e não apenas social, o equacionamento deste desafio também se reveste de uma complexidade imensa. Existem muitos interesses em jogo, incluindo de quem vive, sobrevive ou se enriquece com o lixo.
Alguns estudos e reportagens tem demonstrado que a questão do lixo também está envolta em vários casos de corrupção, como em diversos outros setores incluindo transporte coletivo, reformas de imóveis públicos construção e reformas de praças e outras obras de infraestrutura, conduzidas por organismos públicos, o que torna a solução do problema difícil de ser encontrada. A primazia na condução e busca da solução precisa partir dos organismos públicos, sem isso, todos os demais esforços não passam de ações mitigatórias e passageiras.
Há décadas, em diversos países, como tem sido demonstrado por dados e informações por parte de organismos nacionais e internacionais que tem no lixo um de seus focos de atuação, como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o Banco Mundial (BIRD), o lixo passou a ser considerado um setor econômico importante e, neste sentido, a reciclagem, dentro do conceito da Economia Circular, passou a ter também um interesse por gerar oportunidades de emprego e renda para milhares e milhões de pessoas, ao redor do mundo, principalmente nos países do chamado terceiro mundo de renda baixa ou apenas média, onde o Brasil ainda está incluído, por estar entre os quatro países que mais lixo plástico produz no mundo.
Costuma-se dizer que o valor do lixo, do ponto de vista da reciclagem e da economia circular, vale mais de do que a produção de diversos outros setores dos diversos sistemas econômicos. Existe também a questão dos custos para solucionar problemas decorrentes do lixo, incluindo as doenças que afetam milhões de pessoas, as consequências ambientais como poluição do ar, a emissão de gases de efeito estufa, que causam mudanças climáticas, das águas e do solo.
De acordo com dados do último relatório da UNEP – Agência da ONU para o Meio Ambiente, publicado em 27 de fevereiro último (2024), a geração de lixo municipal no mundo, onde não está incluído o lixo agropecuário , do setor de construção civil e de alguns outros setores, em 2023 foi de 2,1 bilhões de toneladas e poderá chegar a 3,8 bilhões de toneladas em 2050 li.
O valor desta montanha de lixo em 2020 era de US$ 361 bilhões de dólares e deverá atingir, em 2050, a importância de US$640,3 bilhões, valores muito superiores ao PIB de diversos países, tanto em 2020 quanto em 2050.
Outra questão que se coloca neste contexto das reflexões sobre o lixo é que em sua origem estão aspectos como o aumento também acelerado do consumismo, do desperdício e da obsolescência prematura dos bens produzidos pelo setor empresarial, aliado a um “marketing” e propaganda agressivos que manipulam os consumidores, estimulando-os a consumirem e a desperdiçarem cada vez mais, gerando mais lixo e também mais lucros e mais acumulação de capital, renda e riqueza para diversos setores empresariais.
Diante desta dinâmica, tanto a reciclagem quanto as tentativas de “emplacar” a economia circular, a continuarem os atuais paradigmas que embasam os atuais sistemas econômicos e produtivos, não terão o sucesso a que se propõem, serão apenas formas mitigatórias para reduzir os impactos negativos e as consequências da geração e falta de uma destinação correta para este desafio, que é o lixo.
Na Encíclica Laudato Si o Papa Francisco nos exorta sobre esta questão ao dizer “o mundo está se tornando uma grande lixeira planetária” e nesta mesma “linha” de reflexão, o Secretário Geral da ONU, Antônio Guterrez, nas celebrações sobre o Dia Mundial do Lixo Zero, em 2023, enfatizou que “o planeta está sendo tratado “como uma lixeira”. Para o líder da ONU, a humanidade está “estragando sua única casa”. Ele alertou sobre os impactos da produção de lixo e da poluição no meio ambiente, nas economias e na saúde humana.
Segundo Guterres, 10% de todas as emissões globais de gases de efeito estufa vêm do cultivo, armazenamento e transporte de alimentos “que nunca são usados”. Ele considerou esse dado “revoltante”, uma vez que, em nível global, 800 milhões de pessoas, por ano, passam fome.
Ele foi mais além enfatizando que é preciso “declarar guerra ao lixo”. E que os consumidores precisam agir de forma mais consciente. Ele também falou de empresas que devem contribuir para uma “economia circular e sem desperdício”.
Finalmente, não podemos deixar de mencionar a urgente necessidade das prefeituras incluírem em seus editais de concorrência para a seleção das empresas que coletam o lixo urbano, repito, incluir nesses editais a obrigatoriedade da coleta seletiva e a obrigatoriedade de que a população separe o lixo reciclável do não reciclável, além de uma ampla campanha de conscientização contra o consumismo, o desperdício, estimulando a reciclagem em toda a sua dimensão, já bem conhecida como os 4, 5 ou 6 “Rs”: Repensar, Refletir, Recusar, Reusar, Reciclar e, Realmar a Economia, substituir os paradigmas de uma economia da morte por paradigmas de uma Economia da vida!
Nesta “guerra” contra o consumismo, contra o desperdício, contra a geração de mais lixo, todos tem um lugar, tanto as entidades governamentais, quanto os empresários, as entidades da sociedade civil, as ONGs, as Igrejas, as Pastorais, enfim, a população como um todo. Esta é também uma forma efetiva de enfrentarmos este enorme e grave desafio.
Pare um pouco e observe como está a questão do lixo, da limpeza pública em sua rua, na frente de sua casa, em seu quintal, em seu bairro, em sua cidade, enfim, nos Estados e no Brasil.
Estamos às vésperas das eleições municipais, questione os candidatos a prefeitos, prefeitas, vereadoras, vereadores, procure saber se os mesmos, as mesmas tem alguma proposta para enfrentar este problema e desafio.
Procure saber se em sua cidade existe política efetiva, eficiente e eficaz em relação a todas as questões, problemas e desafios ambientais, ecológicos, particularmente as questões do lixo, do saneamento básico, da arborização urbana, da água, do transporte público.
Por isso, devemos lutar contra todas as formas de degradação dos biomas e ecossistemas, tendo como objetivo máximo o desenvolvimento sustentável integral, onde estejam incluídos novos modelos econômicos e de relações de trabalho, de produção e novos padrões de consumo responsáveis e sustentáveis, como defende a ONU, através dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a Agenda 2030.
Ou mudamos nossos hábitos de consumo e nossos sistemas produtivos ou estaremos cada vez mais enfrentando e sofrendo as consequências dessas tragédias socioambientais que se multiplicam ano após ano!
*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy
DIA MUNDIAL DA RECICLAGEM 2024 - Juacy da Silva
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Juacy da Silva*
“A humanidade precisa sair do déficit ecológico e voltar ao superávit ambiental, resgatando as reservas naturais, para o bem de todos os seres vivos da Terra, pois o ecocídio significará também um suicídio para a humanidade” José Eustáquio Diniz Alves, Ecodebate, 10/07/2017.
Desde 1994, portanto há 30 anos, inicialmente em apenas alguns países e, atualmente, em, praticamente, todos os países, a questão da RECICLAGEM passou a fazer parte da AGENDA AMBIENTAL ou ECOLÓGICA.
Assim, no dia 17 de Maio de cada ano, “celebramos” o DIA MUNDIAL DA RECICLAGEM, cabendo ressaltar que, mesmo já sendo comemorado amplamente, só em 2005 a UNESCO, agência especializada da ONU para a Ciência, a Educação e a Cultura definiu oficialmente a criação desta importante data, incluindo-a no calendário oficial da mesma e também da própria ONU, para ampliar seu significado.
A reciclagem é na verdade apenas uma forma mitigatória para enfrentar a irracionalidade humana que, baseada em um consumismo e desperdício crescentes, aumenta a cada ano o volume total e também a produção per capita de resíduos sólidos, o que popularmente denominamos de lixo, gerando uma série de problemas graves, tanto para a natureza, para o planeta quanto para a saúde humana e também para a economia.
Estamos, no Brasil, mais uma vez, inseridos em uma enorme tragédia socioambiental, talvez a maior até o momento, mas com certeza esta não será nem a maior e nem a pior tragédia ecológica que nosso país e outros, ao redor do mundo irão se defrontar proximamente. O planeta terra está na UTI, só os negacionistas ecológicos ainda não perceberam.
Milhares de cientistas, estudiosos das questões socioambientais, institutos de pesquisas e universidades tem produzido um enorme acervo de informações e, também, alertado governantes, empresários, instituições públicas e privadas, enfim, a população em geral que o planeta terra está doente, em crise e risco de degradação acelerada.
Existem diversas causas, inclusive geológicas e “naturais”, para o furor da natureza; mas, a maior parte da causas dessas tragédias são as ações humanas, irracionais, perdulárias, gananciosas, insensatas que simplesmente ignoram que o planeta tem seus limites, além dos quais, atingimos o chamado “ponto do não retorno”, seja pelos custos das reparações, seja pela negligência, seja pelo negacionismo climático e ecológico que ainda existem nas esferas governamentais, no empresariado e, claro, também nos hábitos e estilos de vida consumista, que geram desperdício, lixo e grandes impactos na natureza, fonte última de todos os insumos/matérias-primas para a produção dos bens que consumimos.
Existem três grandes e complexos desafios que a humanidade precisa enfrentar enquanto é tempo. Esses desafios são os seguintes: a) aquecimento global/mudanças climáticas/crise climática; b) destruição da biodiversidade animal e vegetal, que altera profundamente o equilíbrio dos biomas e ecossistemas, afetando todas as formas de vida, inclusive a vida humana; c) Degradação acelerada dos biomas, representada pela poluição, erosão, desertificação, poluição, uso abusivo de agrotóxicos, afetando profundamente o solo, o ar e as águas. No caso das águas não apenas córregos e rios, mas também todos os aquíferos, mares e oceanos que estão sendo degradados rapidamente.
É neste contexto que surge a questão da produção e destinação dos resíduos sólidos, inclusive do que chamamos de lixo, que a cada dia aumenta em volume, tipos e suas consequências para a natureza e para os seres humanos, inclusive a saúde coletiva e não apenas individual.
Esta é, portanto, a matriz geradora de todas as catástrofes socioambientais que estamos assistindo, cada vez com mais frequência e com consequências mais desastrosas, tanto em perdas materiais quanto sofrimento humano e mortes, que podem ser consideradas mortes evitáveis.
Ao longo do ano existem vários dias em que somos chamados a uma reflexão sobre aspectos importantes que fazem parte do que poderíamos denominar de CALENDÁRIO ECOLÓGICO, quando deveríamos parar uns momentos e refletirmos sobre cada um desses aspectos que “celebrar” e também refletirmos sobre a importância de melhor cuidar de “nossa Casa Comum”, como o Papa Francisco tem enfatizado referindo-se à degradação de destruição do Planeta Terra.
Desde o início deste ano até este 17 de Maio quando é considerado o DIA MUNDIAL DA RECICLAGEM, o Calendário Ecológico contemplou alguns aspectos importantes nesta luta em defesa da Casa comum, tais como: 11 de Janeiro, Dia do Controle dos Agrotóxicos; 02 de Fevereiro Dia Mundial de proteção das zonas úmidas; 16 de Março, Dia mundial da conscientização sobre as mudanças climáticas; 22 de marco Dia Mundial da água; 30 de Março, Dia Mundial do LIXO ZERO, 15 de Abril, Dia Nacional da Conservação do solo; 22 de Abril Dia da Terra, cujo temas este ano foi “PLÁSTICOS X PLANETA”.
E, ao longo dos demais meses, diversos outros dias que constam do CALENDÁRIO ECOLÓGICO, deveriam nos induzir à reflexões mais profundas sobre diversos aspectos da realidade socioambiental e que acabam sendo as principais causas da degradação ambiental e dessas tragédias que já estão se tornando o chamado “novo normal”, sob o qual viveremos e sofreremos mais ainda nas próximas décadas, a menos que governantes, empresários e a população em geral mudem seus estilos de vida, sistemas produtivos, de gestão pública e as relações que mantemos com a natureza e na sociedade em geral.
Voltando à questão da produção de resíduos sólidos, cabe ressaltar que além do consumismo e do desperdício, o aumento, crescimento da população mundial é também um dos fatores do aumento da produção total de lixo, pois à medida que aumenta a população mundial isto impulsiona o consumo irresponsável, que é o consumismo e o desperdício, que também é uma forma distorcida e irracional de nos relacionarmos com a natureza e a economia.
Apenas para refletirmos e imaginarmos como o crescimento populacional global impacta da produção/geração de lixo, cabe mencionar que a população mundial atingiu dois bilhões em 1927, em 1950 a população mundial passou para 2,5 bilhões de pessoas e apenas meio século, no ano 2000 o planeta já tinha 6,1 bilhões de habitantes. Em 2024 atingimos 8,0 bilhões, sendo que as projeções indicam que em 2027, dentro de três anos apenas a população mundial será de 8,3 bilhões de habitantes, ou seja, em um século, de 1927 a 2027, o crescimento populacional do mundo foi de 6,3 bilhões de pessoas, ou seja, 215%.
Todavia, não é apenas o crescimento total da população que impacta a geração de resíduos sólidos/lixo, existem outros fatores, como por exemplo, o crescimento das cidades, a urbanização que aumentou e continua aumentando em ritmo muito maior do que o crescimento geral da população.
Em 1927, a população urbana mundial era de aproximadamente 10% da população, ou seja, em torno de 200 milhões de pessoas vivendo nas cidades; passando para 38% em 1976, atingindo 1,6 bilhão de habitantes nas cidades; dando um salto em 2016 para 55% da população total nas cidades, chegando a 4,0 bilhões de habitantes.
As projeções demográficas indicam que em 2027, em um século, a população urbana terá aumentado de 200 milhões, para 4,7 bilhões de pessoas e em 2050 a urbanização mundial será de 68% da população total, atingindo 6,6 bilhões de pessoas, consumidores que irão gerar um volume de lixo imenso.
Dois outros fatores que também impactam o consumo, o consumismo e o desperdício, enfim, a produção de resíduos sólidos tem sido o crescimento da renda per capita mundial, principalmente nos países anteriormente considerados de renda baixa e média, o que significa mais renda pessoal/familiar e aumento acelerado do consumo de bens e serviços.
Finalmente, cabe ressaltar que até meados da década de 1960, a grande maioria dos países estavam em um patamar de desenvolvimento muito menor do que os países europeus, os EUA, Canadá e o Japão. Desde então países populosos, principalmente a China, a Índia, o Brasil, a Indonésia, Nigéria, Bangladesh e também quase uma centena de países romperam e estão tentando romper com as amarras do subdesenvolvimento e promovendo uma melhor qualidade de vida e isto representa uma elevação nos e dos padrões de consumo desses países, que, como consequência implica um aumento super acelerado na produção de resíduos sólidos em nível mundial.
Diversos analistas das questões ambientais ressaltam o fato de que se os países da Ásia, da África e da América Latina, que até o final do século passado estavam, praticamente, à margem da chamada “sociedade de consumo”, atualmente estão seguindo o mesmo modelo dos países mais desenvolvidos que alimentam uma economia perdulária e destruidora dos recursos naturais, o planeta não terá condições suficientes para garantir tal volume de consumo e de lixo.
Afinal, os chamados insumos que são retirados da natureza para a produção desses bens, são esgotáveis e vários deles contribuem para piorar a situação ambiental do planeta, como no caso dos combustíveis fósseis (PETRÓLEO, GÁS NATURAL e CARVÃO), que são responsáveis, direta ou indiretamente, pelo maior volume de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global e a crise/emergência climática, exigindo o compromisso dos países pelo fim do uso dessas fontes sujas de energia.
Finalmente, precisamos refletir que em pouco mais de seis décadas a produção de lixo em geral, principalmente o lixo plástico, tem crescido em ritmo muito maior do que o crescimento mundial da população, tanto geral quanto população urbana e também muito mais rápida do que o crescimento da renda per capita mundial.
Como exemplo, podemos mencionar a questão do lixo plástico, que em 1950 era de apenas 2 milhões de toneladas ano, passando para 70 milhões de toneladas em 1980, dando um salto enorme chegando a 310 milhões de toneladas em 2010, aumentando em 54,8% em apenas uma década, chegando a 480 milhões de toneladas em 2020 e as previsões, que podem parecer catastróficas, mas que é uma realidade possível de visualizar em um curto horizonte, em 2030 o lixo plástico atingirá 1,050 bilhão de toneladas e em 2050 mais de 3,4 bilhões de toneladas e será responsável por 45% de todo o lixo que será produzido no planeta.
O índice de reciclagem geral no mundo em 2023, foi de apenas 19%, sendo que na Ásia, onde estão concentrados mais de 60% da população mundial este índice é de apenas 6% e no Brasil de apenas 4%, cabendo um destaque que o Brasil já é o quarto maior gerador de lixo plástico do planeta, atrás da China, EUA e Índia, apesar de ser apenas o sexto país mais populoso do mundo.
Reciclar é preciso, pois reaproveita materiais que serão descartados e irão contribuir para a degradação do solo, das águas e do ar. Reciclar contribui também para reduzir a busca por mais insumos e recursos da natureza, estimulando a chamada economia circular, dando uma vida mais longa para esses bens.
A reciclagem está assentada sobre alguns “Rs”, que representam a sustentabilidade, meta última para que possamos salvar o planeta de tanta degradação e destruição. Existem os chamados cinco “Rs” que são: Repensar (pensar antes de comprar e não consumir por impulso); Recusar (evitar de comprar e usar produtos que ajudam a destruir o planeta, como os plásticos e outros mais); Reduzir (adquirir apenas o que seja realmente necessário, evitar o desperdício); Reutilizar (sempre que possível, procurar descobrir novas funções para os bens que podem acabar no lixo) e, Reciclar (separar os tipos de lixo, dando nova destinação ao lixo que pode voltar ao sistema produtivo).
Mais de dois terços das cidades no Brasil não tem sequer coleta de lixo e praticamente menos de 10% das que tem coleta regular de lixo praticam a reciclagem. Neste sentido precisamos de duas medidas: estimular via educação ecológica para que a população tenha um melhor cuidado com o lixo, inclusive, separando os tipos de lixo, facilitando a reciclagem e, segundo, mobilizarmos para pressionar que todas as prefeituras coletem o lixo urbano e que implemente a coleta seletiva, tornando-a obrigatória, definida em lei municipal.
O índice de geração de lixo per capita/dia no mundo é de 0,74kg enquanto no Brasil já é de 1,10 kg per capita/dia, e em alguns países do chamado primeiro mundo, este índice chega até a mais de 2,0kg per capita/dia. Se em todos os países este índice chegar ao que existe nos países do primeiro mundo, nosso planeta não terá condições de existir, viveremos em meio à crise/emergência climática, mais tragédias ambientais e inseridos em uma grande lixeira planetária.
Finalmente, para finalizar esta reflexão, gostaria de mencionar mais um “R”, que também deveria fazer parte deste processo que é o REALMAR A ECONOMIA, enfatizado pelo Papa Francisco, ou seja, a mudança radical dos paradigmas que alimentam os atuais sistemas econômicos, principalmente o sistema capitalista que faz parte da chamada ECONOMIA DA MORTE, substituindo-os por novos paradigmas, mudança de hábitos de consumo, estilo de vida que é chamada de ECONOMIA DA VIDA.
O Papa Francisco tem enfatizado que precisamos voltar a um estilo de vida mais frugal, menos consumista, menos perdulário e que os empresários não devem orientar suas atividades apenas por uma corrida tresloucada buscando o lucro imediato, alimentado por um marketing/propaganda que estimula o consumismo e todas as distorções que geram um volume imenso de lixo, quase que impossível de dar-lhe uma destinação correta. “Podemos ser felizes, com menos”, diz o Bispo de Roma.
A ONU também estabeleceu em 2015, mesmo ano em que o Papa Francisco publicou a Encíclica Laudato Si e foi aprovado também o Acordo de Paris, como forma de se combater as mudanças climáticas, o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável de número 12 “Consumo e produção sustentável e responsável”, que ao lado dos demais 16 objetivos representam um marco significativo para que os países orientassem o desenvolvimento nacional, tendo 2030 como horizonte para essa caminhada, a chamada AGENDA 2030.
Assim, neste DIA MUNDIAL DA RECICLAGEM, precisamos refletir sobre esta questão, não de forma isolada, mas em um contexto global, como ressalta a Encíclica Laudato Si e a Exortação Apostólica Laudate Deum “Tudo está interligado, nesta Casa Comum”.
É muito melhor agirmos hoje, do que chorarmos ou lamentarmos quando tragédias como a que estamos assistindo no momento no Rio Grande do Sul, servem como um alerta.
“Hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica, sempre se torna uma abordagem social (e econômicos), que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra quando o clamor dos pobres” Laudato Si, 49.
*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, Sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy
50 ANOS DA TRAGÉDIA DO EDIFÍCIO JOELMA E OS RISCOS DE ORIGEM ELÉTRICA EM MATO GROSSO - Danilo de Souza
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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Por Danilo de Souza*
Na manhã do dia 1º de fevereiro de 1974, em uma sexta-feira nublada, São Paulo foi palco de um desastre sem precedentes. Por volta das 8h30, um curto-circuito nos cabos elétricos que alimentavam um ar-condicionado desencadeou o incêndio devastador no Edifício Joelma, localizado no coração da cidade. A tragédia foi uma das mais severas já registradas na metrópole, tendo como causas raízes a falta de manutenção e o não cumprimento das normas técnicas da época referentes às instalações elétricas.
As faíscas oriundas do curto-circuito encontraram um terreno fértil no 12º andar do Joelma, um ambiente repleto de materiais inflamáveis como carpetes, forros de espuma e divisórias de madeira. Situado na rua Santo Antônio, 140, no bairro da Bela Vista, o edifício não possuía infraestrutura de segurança contra incêndios, como paredes corta-fogo entre os andares, que são mandatórias atualmente. Em poucos minutos, as chamas obstruíram a única rota de fuga e avançaram rapidamente para os andares superiores, alcançando o 23º andar em aproximadamente 30 minutos. No momento do incêndio, cerca de 750 pessoas estavam no prédio; destas, mais de 300 sofreram ferimentos e, lamentavelmente, ao menos 187 vidas foram perdidas.
Para evitar a repetição de tragédias como a do Edifício Joelma, duas questões cruciais são colocadas: i) o que já foi feito; e ii) o que ainda podemos fazer. Nos últimos 50 anos, testemunhamos avanços significativos em tecnologias de combate a incêndios e na proteção de instalações elétricas, além de melhorias nos procedimentos do Corpo de Bombeiros e das brigadas internas, bem como nas normas técnicas de instalações elétricas. No entanto, analisando o cenário da catástrofe do Joelma, fica evidente que, mesmo na década de 70, o desastre poderia ter sido evitado com as tecnologias, normas e procedimentos existentes no Brasil naquela época. O problema residia na falta de cumprimento das normas, de inspeções e de manutenção das instalações elétricas, além da ausência de dispositivos de proteção contra sobrecorrentes.
Uma análise atual das instalações elétricas revela cenários preocupantes em que desastres como o ocorrido no edifício Joelma possam se repetir. Visando reduzir as probabilidades de eventos dessa natureza, a Associação Brasileira para Conscientização dos Perigos da Eletricidade (Abracopel) conduz pesquisas sobre a qualidade das instalações elétricas no Brasil. Um equipamento essencial na prevenção de fugas de corrente elétrica, choques e incêndios é o Dispositivo Diferencial Residual (DR), obrigatório desde 1997 pela NBR 5410 - Norma Brasileira de Instalações Elétricas de Baixa Tensão. Contudo, de acordo com o estudo “Raio X das Instalações Elétricas Residenciais e Comerciais Brasileiras”, publicado pela Abracopel em 2024, cerca de 79% das residências e 60% das edificações comerciais e públicas no Brasil ainda não estão equipadas com o DR em suas instalações elétricas, e mais da metade dos incêndios urbanos têm origem em falhas nessas instalações.
Outro elemento necessário para a segurança dessas instalações é o sistema de aterramento, identificado pelo condutor verde de proteção. No Brasil, a realidade é preocupante: mais de 48% das residências e 41% dos estabelecimentos comerciais carecem desse recurso essencial. Além disso, toda instalação elétrica deve ser projetada e executada por profissionais habilitados, mas, infelizmente, verifica-se que 71% das residências e 54% dos comércios não possuem sequer um projeto elétrico definido.
Uma das grandes causas dos incêndios de origem elétrica são os cabos “desbitolados” ou irregulares, que possuem menor quantidade de cobre que o necessário. Em 2021, nas inspeções realizadas pelo Instituto de Pesos e Medidas de Mato Grosso (Ipem/MT – Inmetro), com o apoio da Associação Brasileira pela Qualidade dos Fios e Cabos Elétricos (Qualifio) e do Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não-Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel), chegaram ao infeliz recorde nacional do cabo mais “desbitolado” em Cuiabá, que tinha apenas 25% da massa de cobre necessária.
Nesse cenário, esses dados alarmantes nos desafiam a promover mudanças urgentes para evitar tragédias como a do edifício Joelma. Pode-se inferir que, devido à qualidade das instalações elétricas brasileiras, por sorte acidentes similares ao do Joelma não ocorram com maior frequência no Brasil. Entretanto, esta é uma falsa percepção. Embora o Joelma tenha sido um caso extremo de incêndio de origem elétrica com inúmeras vítimas, o número total de incêndios e vítimas vem crescendo assustadoramente. Em seis anos, houve um aumento de quase 100% nos casos, saltando de 451 registros em 2016 para 874 em 2022. Esses números refletem uma realidade que não pode ser negligenciada.
Segundo o Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica da Abracopel publicado em abril de 2024, Mato Grosso é o oitavo estado brasileiro com mais incêndios de origem elétrica. E assim como o incêndio no Edifício Joelma, que se iniciou no circuito do condicionador de ar, Cuiabá é considerada a capital mais quente do país, e o uso do condicionamento ambiental é obrigatório. Esse contexto reforça a necessidade da atenção especial com a manutenção e inspeção das instalações elétricas, para que outros casos como o do Joelma não ocorram novamente.
*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.
A CENA É LIVRE: O TEATRO DA UFMT COMO UM LABIRINTO VIVO - Wescley Pinheiro
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Wescley Pinheiro
Prof. da UFMT
Integrante e coordenador do Cena Livre
Muitas pessoas conhecem o Cena Livre, coletivo extensionista que existe desde 2016 na UFMT e que passou por diversos departamentos e institutos produzindo estudos e formação em teatro, realizando festivais de esquetes como o Cenas Curtas e espetáculos em Mostras Cênicas, como o Contidas Nunca Mais, Gatos de Rua, entre outros. Muitas pessoas também conhecem o teatro da UFMT, prédio imponente, estruturado, com um palco italiano clássico perfeito, uma coxia gigante, boa iluminação, acústica, posicionamento de cadeiras na plateia com um planejamento estratégico, um foyer iluminado, um salão nos fundos e um trabalho técnico admirável.
No entanto, quem teve a oportunidade de ir ao teatro da UFMT no domingo, 12/05/2024, teve também a oportunidade de conhecer aquele espaço em minúcias pouco vistas para quem não trabalha nos bastidores. Pode também reconhecer uma forma de realização teatral que vai, em forma e em conteúdo, além dos elementos tradicionais.
Mal o crepúsculo anunciava o início da noite e o disparador ligava as luzes dos postes da área externa, as portas da área dos fundos do Teatro da UFMT se abriram para a II Mostra de Performances do Cena Livre. Enquanto isso, na entrada principal, devidamente trancada, um cartaz enorme anunciava: "O curso de extensão de artes cênicas da UFMT, Cena Livre, ocupa a entrada principal, para que possamos, que, para se ter teatro, não basta somente ter o espaço, é preciso existir arte". Assim, iniciava o circuito, com as pessoas sendo desconvidadas a observarem o teatro como cimento e procurarem nele a concretude da arte.
A partir daí, setas pelo chão guiavam até a porta da administração, enquanto nos flechavam com a pergunta: porque não há curso de graduação em artes cênicas na UFMT?".
A pertinência do questionamento levava até a parte inferior do Teatro onde, de frente, um jovem negro declamava em voz alta o sofrimento de um sujeito alvejado pelo racismo, enquanto um cartaz convidava a se sentar, colocar os fones de ouvir o sussurro dos dados de mortalidade dos jovens negros no Brasil, a história da chacina do Beco do Candieiro, além de tantas outras tragédias reais da nossa vivida herança colonial.
Ao subir as escadas, antes do foyer, se podia operar uma máquina que fisgava sentimentos, adjetivos e rótulos. A máquina era uma mulher. Um corpo sendo etiquetado por tantas palavras, um rosto com uma máscara, a primeira de tantas por ali, uma engrenagem provocando as pessoas passantes que seguiam o fio vermelho pelo chão. Logo em frente, um homem de olhos vendados empilhava moedas e chamava para jogar a trama alienada do valor de troca. O fetiche da mercadoria dinheiro era ridicularizado numa relação onde não havia espectador, mas cúmplice.
No centro do salão uma cadeira com um aparelho celular em cima, esperando ser tocado e preparando-se para tocar quem atendesse a ligação. Ao seu lado uma jovem costurava seus sonhos e suas dores, tecendo generosidade, enquanto coloriam em seu corpo os sonhos e as dores alheias, encontrando empatia e reciprocidade.
Ainda no foyer, um jogo, numa ponta havia um sujeito com um óculos de realidade virtual e seus controles eletrônicos nas mãos atadas ao outro pólo onde as mãos de uma artista buscava realizar um quadro. Num balé entre o artifício tecnológico e o recurso artístico, duas pessoas duelando uma dança entre a miopia virtual e a transcendência dos pincéis que ousaram perceber a figura de uma mulher atada, vendada e cercada, mas que estava em um outro lugar, no centro da plateia, no interior do teatro.
Os fios vermelhos que se entrelaçavam por todo o espaço guiavam as tramas como artérias de um teatro vivo e em cada esquina encontrávamos uma novidade: Um jovem que trocava um medo por um poema, outro que oferecia a escuta de uma história amarga em contrapeso de um doce, dois artistas desfilando seu olhar vivo e ao vivo, por via de uma câmera intrusiva sendo apresentada por todo o espaço, o que aprofundava aquela overdose metalinguística. Tudo isso ainda do lado de fora, do lado de baixo, do lado de cima, por todos os lados, o metabolismo da arte pulsando.
Somente quando davam a mão para uma mulher de olhos vendados para que ela ultrapassasse seus receios (e todos os medos que foram nela depositados), os fios vermelhos levavam todos para dentro do teatro, uma plateia quase vazia, recheada somente com olhos e bocas assistiam aquela mulher no centro, atada, amordaçada, também vendada, com uma atmosfera temperada com um som delicado e terrível, a mesma figura que do lado de fora seria pintada na tela que teimava em ser colorida.
A mulher e a pintura realizada por outra mulher eram uma só coisa, ou melhor, um só sujeito coisificado, e aquela unidade só era possível pela singularidade das artistas, algo muito singular de pessoas que se enxergam sem se olhar, próprio daquelas que sentem as amarras do heterocispatriarcado e precisam ultrapassar as paredes, as vendas e as correntes que insistem em não se deixar ser tudo que se pode ser.
No palco, um vestido branco no primeiro plano chamava atenção diante da luz avermelhada. Um manequim imponente, atolado em soja e em cruzes com nomes de pessoas, nome de mulheres. Uma faixa com o brasão de Mato Grosso ostentava o título de maior produtor de feminicídio. Do seu lado esquerdo havia um púlpito, onde uma mulher viva bradava um manifesto diante da violência. Sua voz se misturava com a música que vinha do centro da plateia, seus olhos e seus lábios se misturavam com os que estavam vendados e amordaçados também por ali.
Os fios seguiam nos convidando a subir naquele palco, atravessar a cortina e enxergar entre luzes pulsantes o teatro, aquele que antes parecia ser um labirinto, agora, era de fato um. Uma instalação de cortinas e caminhos distintos para adentrar nos descaminhos da arte e do mundo trabalho, onde os passos entre a necessidade e o desejo tropeçavam em livros, figurinos e perguntas. Ao seu lado, os camarins, em um, máscaras e sons, libertando a realidade de suas amarras, afinal, "ninguém estava olhando", do outro, uma jovem nordestina se projeta, realiza e mostra seu sonho, sua história e seu caminhar.
E no fim do caminho, o início de tudo, uma projeção indagava se o Cena Livre é tudo que pode ser. Cadeiras do teatro por trás do palco, na coxia, convidavam o espectador a buscar a sua resposta.
Acho que sei. Após atravessar esse caminho e tantos outros nos últimos meses de oficinas, ao lado de tantas pessoas, de tantas artistas, de discentes, de egressas e demais integrantes que tanto aprendem e tanto me ensinam, após tentar colaborar com a produção dessa mostra, após testemunhar o empenho das/dos artistas, dos técnicos do teatro, do público que prestigiou... penso que posso ousar uma resposta. O Cena Livre, apesar de todos os percalços, apesar dos boicotes, apesar dos pesares, e das vendas, e das máscaras, e da soja, e das correntes, e das paredes de vidro, e dos degraus, e dos labirintos... O Cena Livre é potência e ato, é extensão de fato, é extensor da arte tensa e necessária.
O Cena é livre, um coletivo preso ao aprendizado, à crítica e à rebeldia. A sagacidade enfrentando o silêncio institucional, os feudos simbólicos, os totens e os tabus. Um teatro se fazendo vivo diante das paredes e das pessoas desbotadas. E se, para alguns, a vida nunca couber de fato na universidade, restará ao Cena essa tarefa de alargar essas paredes, com suas cores e com os fios que tecem um teatro contra as exploração e contra a opressão, um teatro educativo para quem o faz e para quem o vive e, por tudo isso, um teatro que incomoda e que mostra como seria bom se a universidade fosse tudo o que ela pode ser, inclusive, com uma política cultural democrática e estruturada.
O Cena Livre é coletivo. É muito mais do que deixam ser e será muito mais, pois é recheado de pessoas que enxergam vida e arte onde muitos só veem cimento. Que venha o Cenas Curtas. Evoé.
--
Atenciosamente,
Paulo Wescley Maia Pinheiro*
Professor do Departamento de Serviço Social da UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso.
Dr. em Política Social - UnB
Presidente da Associação Buriti Nagô
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NOVE ANOS DE LAUDATO SI: VAMOS CELEBRAR? - Juacy da Silva
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Juacy da Silva*
Recebi um convite de uma Jornalista do Rio de Janeiro, que tem um canal de web TV - no youtube para uma entrevista/LIVE, compartilho com voces o convite: “Olá, prof. Juacy. Está se aproximando a semana Laudato Si, proposta pelo Movimento Laudato Si que reúne católicos do mundo inteiro. Por isso, o tema da gravação que gostaria de fazer com você é "Laudato Si e as tragédias socioambientais. Podemos gravar em algum dia por volta das 18h. Sugiro sexta, dia 17”.
Ja aceitei e estou coletando informações para me preparar adequadamente para a Entrevista, estou com a ideia de escrever um artigo com o mesmo título, para ser publicado também.
Dia 24 de Maio, sexta feira, será o DIA da publicação da Laudato Si, feita em 2015, ou seja, estaremos celebrando nove anos da existencia desta importante e revolucionária Encíclica, quem sabe poderiamos solicitar que a missa das 18:30h na Catedral Senhor Bom Jesus de Cuiabá tenha algo especial relativo a esta data? O que vocês acham?
Além deste dia, na verdade o Movimento Mundial Laudato Si, estará celebrando, entre 19 e 26 de Maio próximos, a SEMANA LAUDATO SI, com um tema/assunto cada dia, conforme consta: Dia 19/05 – Dia de Pentecostes, tema: Conversão ecológica; 20/05 – Transporte sustentável; 21/05 – Alimentação e sustentabilidade; 22/05 – Energia sustentável; 23/05 – Lixo, resíduos sólidos; 24/05 – Questão da água; 25/05 – Catequese e ecologia integral e, no último dia , 26/05 – Por um melhor cuidado com a Casa Comum.
Poderiamos também sugerir ao Pe. Deusdedit, nosso Oreintador Espiritual e Vigário Geral e Dom Mário, nosso Arcebispo, que tem apoiado de forma decisiva a caminhada da Pastoral da Ecologia integral da Arquidiocese de Cuiabá, para que seja feita uma recomendação aos párocos, padres, vigários, religosos, religiosas, escolas católicas que, cada qual em seu "quadrado" (como dizem os jovens) faça algo especial, pelo menos uma referência à Laudato Si.
Se a humanidade, as pessoas, a população em geral, os governantes em todos os níveis e dimensões, o empresariado não despertarem para a gravidade do que está acontecendo com o Planeta, com toda a certeza vamos ver, conviver e viver com uma freequência muito maior, com desastres como o que já ocorreram nesses últimos 12 ou 24 meses com queimadas, secas, ondas de calor e chuvas torrenciais e inundações terríveis.
A natureza está em fúria quanto à forma como a humanidade a está tratando, ignorando seus limites. Estamos “matando a galinha dos ovos de ouro”, e diante disso precisamos mudar os paradigmas que regem os sistemas econômicos que praticam uma verdadeira rapinagem contra os biomas e ecossistemas.
Creio que todas as Dioceses do Regional Oeste 2 (CNBB/RO2) também poderiam dar um destaque nesta data e Semana Laudato Si, antecipando o esforço que será feito pela CF/2025 cujo tema será “FRATERNIDADE E ECOLOGIA INTEGRAL”.
Diante de tantas calamidades, desastres e tragédias ecológicas/socioambientais que estão acontecendo com mais frequência, com maior intensidade, maior número de vítimas e maiores perdas econômicas e sociais, a Igreja tanto sua estrutura eclesiástica quanto seus fiéis, não podem ficar alheia e alheios em sua missão no que concerne à MOBILIZAÇÃO PROFÉTICA, em defesa da Casa Comum, da Mãe Terra.
Esta é a exortação que faz o Papa Francisco quando diz/escreve “O clima é um bem comum de todos para todos... Há um consenso científico, muito consistente, indicando que estamos perante um preocupante aquecimento do sistema climático... A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam...e suas consequências”. Laudato Si, 23.
Há menos de um ano, por ocasião da 28ª COP, a mensagem do Papa Francisco àquela Conferência do Clima, revestiu-se, novamente, de um alerta e também uma exortação quanto à gravidade deste processo de degradação planetária.
“É possível verificar que certas mudanças climáticas, induzidas pelo homem, aumentam significativa a probabilidade de fenômenos extremos mais frequentes e mais intensos. Isso porque, sempre que a temperatura global aumenta em 0,5 grau centígrado, sabe-se que aumentam também a intensidade e a frequência de fortes temporais e inundações em algumas áreas, de graves secas em outras, de calor extremo em algumas regiões, e, ainda fortes nevascas em outras” Laudate Deum, 5 (04/10/2023).
Só assim podemos entender o “recado” da natureza, da mãe terra como resposta aos danos que a mesma tem sofrido. É neste contexto que precisamos refletir sobre esta calamidade, que não será nem a maior, nem a pior, que está acontecendo no Rio Grande do Sul e tanta comoção tem causado na opinião pública e sofrimento para nossos irmãos e irmãs daquele estado.
Muitos outros desastres e muitas outras calamidades ecológicas ou socioambientais deverão ocorrer nos próximos anos, este será o “novo normal” em que viveremos, a menos que novos paradígmas substituam os atuais paradigmas da ganância, do consumismo, do desperdício, da busca do lucro a qualquer preço, da economia da morte, continuarem a balizar nossas relações humanas/sociais e também nossas relações com a natureza!
Se não cuidarmos da natureza, se não zelarmos pela nossa Casa Comum, pagaremos um preço muito elevado para apenas mitigar os efeitos desta destruição do planeta e tanto sofrimento humano que estamos assistindo no momento!
*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador (voluntário) da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy