Terça, 19 Janeiro 2016 10:33

Grupos familiares

 

Esgotados os modelos familiares vigentes durante séculos e séculos, urge uma mudança nesse tipo de conglomerado, o que, aliás, já vem acontecendo paulatinamente.
Na minha prática médica ao longo de todos esses anos tenho constatado os inúmeros dramas oriundos dessa organização arcaica.
A velha companheira, apenas reprodutora, se transformou numa força de trabalho ativa e, portanto, fundamental para a economia do grupo.
Com as mudanças econômicas vieram as alterações comportamentais. Novos modelos se impõem para que os vários membros de um mesmo clã não adoeçam entre si, como vem acontecendo nos últimos anos.
Com o aparecimento de novas tecnologias facilitadoras dos trabalhos caseiros, a liberdade pessoal feminina tem se tornado uma meta. Mulheres não mais se conformam com ausência de tempo para si mesmas, impossível até poucos anos atrás.
Já percebemos esses profundos sinais de mudanças nos países mais desenvolvidos, em que os filhos são intimados a prover o seu próprio sustento a partir dos dezoito anos e, portanto, abandonar o teto familiar.
Nada mais saudável e promissor, ainda que para nós, subdesenvolvidos, nos pareça um ato de desamor.
As interdependências familiares são altamente adoecedoras para todos os seus membros, chegando, algumas vezes, a níveis insuportáveis, apenas disfarçados pelas hipocrisias que as circunstâncias exigem.
Pais subjugando filhos na sua juventude e sendo por eles subjugados na velhice, é o quadro mais frequente.
Sob a capa da proteção, em ambos os casos, se estabelece a mais cruel das relações, sempre baseada em mentiras e desamor.
É como se podada fosse qualquer iniciativa de autodirecionamento, e o ódio subliminar que daí advém, vai se acumulando através dos anos, tudo no mais profundo disfarce da compreensão.
Dessa forma, festas tradicionais que exacerbam os valores familiares, como o Natal e o Réveillon, com muita frequência redundam em espetáculos desastrosos, normalmente liberados graças à exclusão da censura promovida pela ingestão de bebidas alcoólicas.
Que as pessoas passem a entender e a respeitar a individualidade de cada um.
Que os idosos não se transformem em perspectivas de novos ganhos após o seu desaparecimento e que lhes seja permitido, e até mesmo, incentivado, a usufruir do justo fruto de seu trabalho na plena satisfação dos seus desejos. O que mata é infelicidade e tédio, e não, prazer.
Que a família passe a funcionar como seres que se amam e se protegem mutuamente, sem cobranças de qualquer espécie.
Que o respeito ao outro e às suas escolhas seja o moto propulsor para a felicidade de todos.
Que as pessoas se encontrem por puro prazer de estarem juntas, e não por regras comportamentais pré-estabelecidas, tais como almoços dominicais enfadonhos e obrigatórios, principalmente quando envolvem terceiros nesses compromissos.
Enfim, que cada um tenha presente que o ser humano foi feito para ser feliz do jeito que der e quer, mesmo que não corresponda às metas, ditas de sucesso, que são traçadas para ele.
Quem sabe assim não teremos um dia grupos familiares verdadeiramente felizes? 


Gabriel Novis Neves
08-01-2014 

Segunda, 18 Janeiro 2016 09:04

Centenário do oráculo cuiabano

Benedito Pedro Dorileo 

Verbera o adágio peripatético atribuído a Descartes: a natureza tem horror ao vácuo. Naturalmente ao vazio, à esterilidade – e, no humanismo, à ausência de valores.  Minguam passo a passo nos anais os vultos insignes que levantaram com brio a nossa cultura – o obituário contemporâneo testemunha a assertiva.  O espaço está sendo usurpado em nosso país pelo apoderamento do romance picaresco, cujos atores, os pícaros são ardilosos, espertos que obtêm lucros e vantagens na lama capitalista. São os que burlam os projetos sociais em andamento e chafurdam-se na corrupção.

A descrença se aprofunda e provoca apatia, a iniquidade assola e desafia. Não está fácil salientar a consciência e a honra dos homens que viveram e legaram honestidade.

Num esforço intelectual, abramos o discreto álbum de memória de Mato Grosso à procura do bálsamo de recordação de figuras que plasmaram a nossa história, as nossas letras. Aprendemos nos intensos anos da incomparável empreitada de implantação da pioneira Universidade Federal de Mato Grosso – a agência maior que tornou possível a divisão do nosso Estado –, que nenhum conhecimento pode encerrar-se em si mesmo, que a sua produção deve imediatamente ser compartilhada – a necessária extensão, tão bem cuidada pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, a partir de 1968. Entendeu-se que nenhum polo de ciência ou de cultura goza de hermetismo, que os conhecimentos devem exercitar o salto para o seio do povo. Assim deve ser para os órgãos de ensino, de pesquisa, de produção cultural, também válido para institutos ou academias.

Em adesão ao assunto, o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, fundado em 1919, caminha para o seu centenário ao lado de Cuiabá em seu tricentenário, em 2019 – já tão próximo. Pouco depois virá a coirmã a Academia Mato-Grossense de Letras, instituída em 1921. Nasceram na reação da angústia sofrida no deserdado Centro-Oeste brasileiro. A relevância foi congregar cérebros devotados para garantir a sobrevivência de um povo.

O ilustre historiador Paulo Pitaluga Costa e Silva, em sua apreciável obra Philippianas, resguarda a memória de Luís-Philippe Pereira Leite, acentuando a importância do IHGMT. Como pesquisador revela fato do período inicial da década de 1970, com queda de sua produção: ... a revista há muito paralisada, o prédio abandonado, biblioteca saqueada, apatia e desolação. Sobre o passageiro declínio, o autor destaca a figura de Pereira Leite, associado desde 1946, possuidor de elevada cultura e intelectualidade, para reerguer o venerando Instituto. Deu rumo austero, encetou diretrizes, investiu recursos próprios e reabriu as portas da Casa Barão de Melgaço, durante os 20 anos da sua gestão.

Nos 80 anos de vida de Luís-Philippe Pereira Leite, chamei-o de oráculo cuiabano, quando reli e analisei as suas 3 monografias substantivadas da forma composta e sincopada de maior: O Guarda-Mor, O Lavrador-Mor, e O Orago-Mor, encerradas em seu livro de mais de 500 páginas, intitulado Três Sorocabanos no Arraial, editado em 1985. Costa e Silva ao final oferece o catálogo bibliográfico referenciando os títulos editados.

Certo é que a obra de Pereira Leite encerra passagens romanescas, feitos e episódios curiosos outros, que dão motivo para pesquisa relevante, como o Forte de Coimbra, personalidades, festas e folclore.

Homem íntegro, o carvalho da madeira nobre da nossa cultura. Com ele convivi, aprendendo sempre. Neste ano de 2016 temos o dever de celebrar o seu centenário de nascimento, em 12 de dezembro de 1916. Repito o que outrora dissera: homenagem a Luís-Philippe Pereira Leite suscita o epíteto de oráculo cuiabano – que, por definição léxica em sentido figurado, oráculo é a pessoa cuja palavra representa muito peso ou inspira confiança absoluta. 

Benedito Pedro Dorileo

é advogado e foi reitor da UFMT

Sexta, 15 Janeiro 2016 17:39

A PASSAGEM DE UM ÍCONE POPULAR

 

Habita outro plano, Gegé de Oyá. Você, figura proeminente em nossa sociedade, que sonhou com uma família, achando força na espiritualidade e na contenda com os reflexos da escravidão e na sua ancestralidade. Esta que foi tão dura aqui na baixada cuiabana, e que levou negros a serem jogados tal qual buchas de canhões ao morticínio da Guerra do Paraguai, com a promessa de libertação. Você, que condoía com o sofrimento da escravidão negra nas minas do Sutil. Como primeiro colunista social da nossa cidade, saudado e bajulado pelas elites da terra na fotogenia narcísica dos demandantes no desfile das colunas sociais. Mais do que isto, guia espiritual até de curas, de reencontros, de amores clandestinos guardados a chaves possíveis nas intempéries das falsas e reais relações amorosas, que levou tantos para terreiros, a conhecer um pouco da crença na religiosidade afro. Que construiu em terreno fértil a poética da resistência, do enfrentamento ostensivo das diferenças, do conservadorismo e da intolerância. Enfrentou de peito aberto, nunca recuando no orgulho à dignidade e na conquista dos seus desejos. Menino que nasceu na síndrome da fome, no velho sertão de Rosário Oeste. Acolhido e apoiado em pequeno, pela família Cuiabano. Que foi estudar Artes e Ofícios desde o primário no Colégio São Gonçalo, já encantado com a arte da costura, que continuou na antiga Escola Artífice. Gegé sempre se postou como um príncipe negro, incorporando como marca em seu talento, criatividade, a estética e o vestuário afro. Estudou, pesquisou, desde os trabalhos como alfaiate (dizia costureiro), até a de colunista social badalado nas hostes ditas “chiques”. Nunca deixou de lado as referências das famílias pobres e tradicionais em seus textos. Sobretudo, sarcástico com as incoerências das superficialidades que marcam um tipo de colunismo servil, mercantil e vazio. Tinha uma visão crítica sensata e 'finória' da alta sociedade, sabendo que acumulou poder e força através deste ofício, vendo isto como um instrumento de resistência em sua ligação sincrética com o catolicismo e a religiosidade afro. Foi amigo desde Dom Aquino, outras referências católicas em Cuiabá, até os núcleos de Candomblé, Umbanda e Espiritismo. Referências como Dandi, Pai Edésio, Joãozinho do Axé, Jojô, Robson e Seo Arlindo. Certa feita, em Brasília (levado por Isabel Campos, amizade forte), foi recepcionado com honras de Chefe de Estado, confundido com o Rei da Nigéria, que ainda não tinha chegado. Sua indumentária afro era componente da sua arte e estética. Carnavalesco, sua presença era marcante, o povo aplaudia em delírios, as crianças adoravam suas performances nos velhos carnavais e batalhas de rua. Assinava ponto nas madrugadas em bares e espaços como Choppão e Sayonara, passando por clubes como Operário, o Dandi, Náutico, Grêmio Antonio João, além dos clubes Feminino e Dom Bosco. Sua entrada foi vetada no Dom Bosco em uma comitiva dirigida pelo saudoso Mestre Batista, que culminou com contendas e o encerramento da festa naquela noite. Quando podia, “dava bananas” ao racismo e machismo da cidade, com o desprezo e elegância de sempre, ele, que enfrentou centenas de hostilidades desta natureza. Também produziu na rádio Difusora o programa denominado “ Uma Rosa para uma Dama Triste”. Gegé de Oyá foi fortemente identitário, pioneiro e verdadeiro no seu pertencimento cultural, racial, no gênero e na orientação sexual. Em tempos dificílimos. Sempre ancorado na religiosidade e no sincretismo. Gegé de Oyá é história, memória e orgulho da nossa terra! 

Waldir Bertúlio

Professor aposentado da UFMT

Quinta, 14 Janeiro 2016 11:42

O DEBATE QUE NÃO HAVERÁ

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

Nenhum governo – “nunca antes na história deste país” – ludibriou tanto a sociedade ao anunciar debates sobre temas relevantes. Até hoje, à lá licitações fraudulentas, todos os alardeados “debates” também foram de cartas marcadas. 

Na esteira da afirmação acima, cito o professor João Batista Araújo e Oliveira, doutor em Educação, que fez publicar, na Folha de S.Paulo (12/01/16), o artigo “O debate que não houve”.

Na essência, o colega – que é “presidente do Instituo Alfa e Beto, organização não governamental dedicada a promover políticas educacionais para a primeira infância” – afirma que o “Brasil perdeu a oportunidade de debater o currículo nacional para o ensino básico; que o MEC impôs consulta pública sem direito a um confronto direto de opiniões e posições”.

Oliveira está falando da ausência de debates acerca da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento recentemente publicado no portal do MEC. Sua elaboração foi realizada por “especialistas” convidados por aquele Ministério. Aliás, é sempre assim: colaboradores do governo – em geral próximos do PT e PCdoB – fazem-se passar pela totalidade da sociedade civil, representando-a alhures.

Assim que soube do documento, li suas indicações para a Área de Linguagens, posto que alguns professores de História já haviam se pronunciado, denunciando aberrações àquela disciplina. Um dos absurdos apontados – já descontando o apagamento do tópico “Revolução Francesa” na tal BNCC – refere-se à desobrigação do ensino das histórias antiga e medieval, sustentáculos à cultura do Ocidente, da qual somos tributários.

E não deu outra!

Nas “Linguagens”, também há aberrações. Algumas, como a subtração da Literatura Portuguesa, da qual se excluem autores como Gil Vicente, Camões e Fernando Pessoa, já foram apontadas por mim no artigo “Fracasso anunciado na ‘Base”, publicado originalmente no Diário de Cuiabá em 07/01/16.

Após reações veiculadas pela mídia, o MEC veio com a lorota de sempre: que “essa é uma versão preliminar; que cada um pode participar enviando sugestões on-line”.

Claro que pode, mas a comissão de “especialistas”, no limite, acatará propostas que estejam inseridas na mesma perspectiva pedagógica que sustenta a BNCC. Fora disso, duvido, embora quisesse ser contrariado nesta certeza.

E qual é a linha pedagógica da BNCC?

Antes de tudo, em linhas gerais, absorve orientações fracassadas de autores pós-modernos/neoliberais/construtivistas, muitos deles aninhados nas universidades. Depois, é uma dilatação gigantesca que permeia pontos inseridos nas Diretrizes do PT.

Desses pontos, destaco os itens que tratam de políticas inclusivas, das quais enfatizo os tópicos voltados aos povos africanos e indígenas. É bem verdade que naquelas Diretrizes, diferentemente da atenção dispensada aos afrodescendentes, os indígenas são esparsamente citados aqui e acolá.

Na BNCC, não. Ambos (afros e indígenas) recebem tratamento semelhante. Nada contra isso, mas tudo contra extrações de conhecimentos consolidados e necessários à formação de nossas novas gerações. A antiguidade greco-romana e a história/cultura portuguesa, p. ex., não podem ser subtraídas, nem ou, pior, trocadas por estudos quaisquer.

Enfim, caros leitores, estamos diante da possibilidade de se concretizar um dos maiores ataques à inteligência nacional. Isso só será evitado se a sociedade compreender a dimensão da tragédia (não grega, mas brasileira) que é a BNCC, e fazer o MEC desistir de jogar essa pá de cal em nossa educação, já em adiantadíssimo estado de falência.

Terça, 12 Janeiro 2016 09:01

Mais lidas

 

Leio no G1 que, das cinco notícias mais lidas da semana, duas são referentes a assassinatos e uma da escravidão sexual durante a guerra entre a Coreia e Japão. 
As outras anunciam abertura de concurso público e exemplo de quem está superando a crise. 
Nem a tremenda dificuldade política e financeira que assola o país interessa mais ao leitor que, ao que parece, jogou a toalha no chão. 
Nada auspicioso para 2015, que já é chamado por muitos como um ano perdido e de retrocesso. 
Perdemos a nossa credibilidade externa como países bons pagadores e ganhamos o não honroso título de caloteiros. 
De fato não temos nada a comemorar do ano que passou. 
A inflação e desemprego voltaram, a nossa moeda foi desvalorizada, a educação não evoluiu, a saúde não funcionou e os hospitais estão fechando. 
A indústria sendo vendida a preço de banana, para festa dos países ricos e moedas fortes. 
Neste momento temos muita falação de aumento de impostos e nenhuma ação propositiva do governo para amenizar a dificuldade que nos sufoca. 
O corte de dezenove ministérios não iria resolver o gravíssimo problema de recursos financeiros, porém, transmitiria à população um bem estar psicológico. 
Impossível mexer nos ministérios, pois temos um Congresso Nacional totalmente voltado aos seus próprios interesses e não os da nação. 
Esse efeito cascata atinge as Assembleias Legislativas, Câmara dos Vereadores e órgãos fiscalizadores do governo. 
Por isso as notícias mais lidas são consequência dessa brutal desigualdade social, gerando a violência e impunidade dominando este país. 
Que surjam melhores notícias para serem lidas neste tenebroso ano de 2015.

Gabriel Novis Neves
29-12-2015

Segunda, 11 Janeiro 2016 12:21

Valores

 

Importantíssimo que todos os responsáveis pela educação infantil saibam diferenciar os valores apregoados pela sociedade, dos verdadeiros valores éticos. Estarão assim contribuindo para que a criança exerça a sua cidadania com atitudes íntegras e solidárias.
Como diz um velho adágio, “um indivíduo não nasce moral, torna-se moral”.
Os valores éticos, atualmente bastante desprezados, são os mais importantes para a formação de um adulto saudável, tanto na sua individualidade quanto na sociedade em que vive.
No mundo moderno, em que os pais cumprem tarefas rígidas de trabalho, o que tem se observado é a terceirização na educação dos filhos. Isso tem contribuído, e muito, para um total descompasso de ideias e comportamentos na fase adulta.
Pais e filhos se veem de repente como estranhos que coabitam num clima de total indiferença, movidos por valores absolutamente desencontrados.
Até os seis anos de idade, fase em que toda a personalidade é formada, todos os responsáveis pela orientação dos pequenos aprendizes, deveriam estar, tão somente, preocupados com o legado ético moral que querem deixar para eles.
No entanto, o que vemos são crianças assoberbadas por atividades como natação, cursos de inglês, de mandarim, de judô, de computação, tudo focado no seu sucesso financeiro futuro.
Dessa maneira, delas é roubado o melhor tempo da vida, o da infância, em que o ócio criativo é o grande responsável pelas nossas mais belas memórias.
O incentivo aos jogos eletrônicos é maciço e, inúmeros pais se vangloriam da facilidade com que seus filhos manuseiam precocemente máquinas digitais sofisticadas.
Ocorre que nessa fase deveriam estar sendo absorvidas, ou não, as noções de integridade, de solidariedade e de respeitabilidade com o próximo e consigo mesmo.
Inversamente, com o aumento da atividade produtiva da sociedade, pais, pouco ou nada presentes, procuram preencher os espaços de tempo de seus filhos cada vez mais, imaginando assim estarem contribuindo para uma boa educação.
Um papel que deveria ser cumprido pelas escolas, infelizmente não ocorre dado às más condições da educação em nosso país.
O resultado é o aumento de adolescentes desrespeitosos com os colegas, com os pais, com os professores, com os idosos, enfim, com a sociedade em que vivem.
Não há que se culpar os jovens por comportamentos com os quais não concordamos, mas, tão simplesmente, corrigir os erros de formação através de uma cultura educacional mais moderna e mais eficiente, dissociada do que nos impõem as diversas mídias que, logicamente, se mostram comprometidas com um sistema desumano que prioriza o ter e não o ser.
Com o distanciamento dos valores éticos pela família, e, posteriormente, pelas escolas, formam-se seres competitivos, totalmente dirigidos ao sucesso material e emocionalmente bastante anestesiados. 

Gabriel Novis Neves
01-12-2013

Segunda, 11 Janeiro 2016 12:18

Império da cabeça oca

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

 

Quando fui aprovado em concurso público para lecionar em uma universidade federal, confesso que senti extrema felicidade. 

Passada a euforia, e já me preparando para os primeiros encontros com os colegas de profissão, metaforicamente, comecei a limpar meus sapatos. Eu os achava sujos demais para pisar em lugar tão especial de uma sociedade. Essa idealizada visão ainda era a de um aluno recém-formado. Aluno que tivera o maior respeito por seus mestres, quase todos exemplares. 

E fiz bem ter aquele cuidado de limpar meus sapatos. No início da carreira, encontrei a maioria de meus colegas cheia de ensinamentos a compartilhá-los com quem quisesse. Sem que nos adoecêssemos ou morrêssemos de trabalhar, trabalhávamos muito, mas sem competições entre nós. Sabíamos que nossa atividade não podia ser quantificada como a de um profissional de loja de departamentos. 

Por isso, tínhamos tempo até para tomar um café em grupo e conversar sobre tudo. Tínhamos, enfim, vidas acadêmica e social saudáveis. Muito saudáveis! Agora, apenas, saudosas. Muito saudosas! 

A saudade que já experimento hoje foi prenunciada – e pouco compreendida, ou pouco aceita por mim – no decorrer do primeiro dos inúmeros encontros de professores universitários dos quais participei. Isso foi lá por 88, durante um evento do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), ocorrido em Londrina-PR. 

Daquilo que o Andes chamava de “Análise de Conjuntura”, vieram as primeiras leituras sobre os desdobramentos da possível vitória do projeto neoliberal, que nos seria imposto com a chegada de Collor de Mello à presidência da República. Daquele projeto, sobre outras tantas, sobrepunha-se a exacerbação das individualidades, em detrimento de visões e práticas coletivas. 

Seria um absurdo, se aquilo viesse a ocorrer, pensava eu, em minha “debutância” naquele meio de tantos pensadores; aliás, os melhores que conheci até hoje na ambiência universitária. 

Infelizmente, aquela análise estava correta. O projeto neoliberal ganhou as eleições de 89. Depois disso, ao longo dos anos, fomos nos metamorfoseando em seres individualistas por excelência. 

E já no início desse lastimável processo, um muro caiu no meio do caminho da academia ocidental. A necessária queda do Muro de Berlim foi mal compreendida por muitos colegas que se sentiram sem chão. Pior: foi como se tivessem recebido estilhaços do muro em suas cabeças. 

Assim, na mesma cartilha de superficialidades, exposta diuturnamente pela mídia, a maioria dos colegas das universidades leu aquele marco histórico de nossa contemporaneidade como a vitória incontestável do modelo capitalista sobre outros quaisquer. 

Logo, não podendo mais lutar contra o sistema, a ele se aliaram. Como novos aliados do “deus mercado” passaram a contribuir com diferentes governos (Collor, Itamar, e em dose dupla com FHC, Lula e Dilma) na implantação de projetos e programas, tornados legais, para a educação brasileira. 

Desse conjunto legal, o mais recente concretizar-se-á na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), advinda dos Parâmetros Nacionais Curriculares, oriundos da Lei de Diretrizes e Bases. 

Na BNCC, a desqualificação das disciplinas que exigem mais teorização é impressionante. Para sustentar essa desqualificação, em seu lugar entra a “praticidade que os tempos modernos exigem da escola”. 

E assim, vamos formando seres cada vez mais “práticos”. Todavia, paradoxalmente, em nome do agir, do aqui e do agora, vamos perdendo a capacidade de pensar, de elaborar, de sentir a vida como de fato ela é. 

Segunda, 11 Janeiro 2016 12:17

Comer bem

 

Dia desses fui jantar na casa de um jovem casal. Além da novidade, uma grande expectativa tomava conta do ambiente-surpresa. Esta ficou por conta do chefe da cozinha, um profissional liberal. 

Ele revelou-se um grande cozinheiro. Especializado em comida portuguesa. O bacalhau que nos foi servido foi de dar inveja a muitos experts da arte de comer bem. 

Nada de excessos. O suficiente para saber como cultivar o hábito de uma boa mesa para manter uma perfeita saúde. 

A gastronomia é arte e cultura, aliada ao prazer de uma higiênica e saudável refeição. 

Para completar o cenário, um belo ambiente com música “digestiva”, quase imperceptível aos ouvidos, como manda o bom tom, e uma conversa quase em sussurros. 

Pequenas porções de guloseimas eram substituídas por novas iguarias, impossível controlar a gula, mesmo de um bem comportado e discreto apreciador de “quitutes saborosos”. 

Duas taças de vinho acompanhadas do mesmo número de copos de água completavam a mesa do “pecado”. 

Sorvete de chocolate feito em casa e o infalível cafezinho com as duas gotinhas do “regime” encerraram o jantar, menos a conversa que continuou num ritmo sem fim. 

Sendo a primeira visita de encontro de gerações tão distantes, segui o protocolo do século XIX de conhecer a pequena casa com detalhes, ouvindo explicações feitas com orgulho pela jovem dona da casa. 

Gostei do que vi e escutei. Bom gosto e discrição em todos os ambientes. Tudo foi planejado para o lazer após um dia de trabalho. 

Mas, o principal, foi ter constatado que aquele ambiente familiar é dos mais propícios para uma boa educação para os filhos, pois as crianças adquirem os primeiros valores da vida em casa. 

Lá, todos trabalham, podendo fazer o que gostam sem importunar ou depender de ninguém para usufruírem das alegrias que o fruto do trabalho oferece. 

Como é bom ser independente e, com bom nível educacional e cultural, viver a vida que escolheu! Muitos acham, erroneamente, que só a riqueza produz a felicidade. 

A sensação de independência financeira para compromissos domésticos, principalmente, faz bem à nossa saúde e a do ambiente em que estamos inseridos, desde que possuamos esses mínimos pré-requisitos para uma vida honrada. 

Sou um forte candidato habilitado a ser bisavô. Espero que a educação para o trabalho e para o lazer continue para sempre regando os meus descendentes. 

É o caminho mais ético e digno para se acompanhar o ciclo vital. O mundo é redondo e dá voltas. Por isso mesmo, nos nossos bons momentos, não podemos nunca nos esquecer do dia de amanhã. 

Nosso lema é viver uma vida com dignidade, sem humilhação. Entenda-se humilhação uma subsistência dependente de outrem, por não terem sabido ou querido aproveitar todas as oportunidades que a vida  oferece. 

O pior é pensar que as pessoas escolhidas para essa “ajuda” têm essa obrigação. 

Retornei do jantar satisfeito e com a  impressão de que nem tudo está perdido nos nossos jovens. 

Está provada que a alavanca da ascensão social é a educação recebida em casa e aprimorada pelas instruções adquiridas na escola. 

Nada acontece por acaso. O talento é essencial, mas sem o trabalho ele se anula. 

Sinto-me com forças renovadas para continuar a minha missão de valorizar a educação e o ambiente em que é criada uma criança. 

 

Gabriel Novis Neves

18-05-2014

Segunda, 11 Janeiro 2016 12:16

Sofrimento antecipado

 

De todas as doenças que estudei a mais incomodativa, em minha opinião, é a do sofrimento antecipado. 
Sou vítima dessa patologia e sei o que isso significa para a saúde humana. 
Dia desses fiz um exame de prevenção dentária.  Procedimento simples: exame da arcada dentária e retirada de tártaros (depósitos de cálcio que se formam nos dentes), mais intensa em velhos. 
Poucos dias depois, a secretária da clínica me telefonou para confirmar o meu retorno e solicitou que eu chegasse um pouquinho mais cedo. Eu seria examinado por um odontólogo especialista em implante dentário.  
Pronto! Estava instalado em mim o sofrimento antecipado. 
Algo de muito grave fez com que a minha periodontista solicitasse um parecer especializado. 
Só me tranquilizei após o exame do cirurgião que me liberou dizendo que tudo estava normal para a minha idade. 
Que alívio! Interessante que nesta fase da vida sempre que procuro um profissional de saúde ouço essa sentença – “para a sua idade tudo está normal!”. 
Entendo que os desgastes naturais sofridos pelo nosso organismo no decorrer dos anos são considerados normais até o fechamento do nosso ciclo vital. 
Os que sofrem por antecipação passam horas, dias, semanas e meses sempre pensando na pior das hipóteses. 
No caso da revisão odontológica, o mínimo que imaginei foi um implante de dentes e, na pior das hipóteses, numa moderna dentadura. 
Isso vale para as outras surpresas que a vida nos aponta. 
No ambiente político nacional e internacional o sofrimento antecipado é uma realidade. 
Há séculos estão mexendo com fogo no Oriente Médio, tendo como pano de fundo a religião e as riquezas naturais. 
Recentemente, o resultado foi o maior ato terrorista contra a cidade mais charmosa do mundo, deixando centenas de inocentes vítimas. 
Aqui na terrinha de Pedro Álvares Cabral o desmando administrativo, símbolo da falta de governo, é o nosso maior sofrimento por antecipação. 
O mundo precisa passar por uma grande terapia analítica para encontrar a paz e se libertar do terrível sofrimento do que provavelmente virá, nem sempre confirmado. 
Quanto mais pavor, mais precisamos manter a racionalidade. Isso serve para tudo na vida. 
Precisamos muito da leveza do viver...

Gabriel Novis Neves
19-11-2015 

Segunda, 11 Janeiro 2016 12:12

Feriado

Benedito Pedro Dorileo 

Dia ou tempo em que se suspende o trabalho para descanso por prescrição da lei civil ou religiosa. Etimologicamente do latim feriatu: que está em festa, em descanso. Se em festa, deveria o cidadão coletivamente estar celebrando a fraternidade, a pátria, um nume tutelar, uma conquista social. Os responsáveis pela decretação desse lazer ou ócio sabem que o fim não é alcançado. – Quem celebra o Dia da Independência? Salvo os militares responsáveis pela segurança nacional ou estadual, e fazem-no protegendo a nossa soberania de povo independente. Os desfiles escolares minguam; e, se ocorrem, são os festejos desacompanhados de estudos e reflexões sobre o acontecimento. Na prática, são os feriados utilizados para recreações ou farras abusadas que entulham as estatísticas de acidentes e criminalidade em grande escala. Algo positivo pode ocorrer com celebrações especiais, como Dia da Cultura, Dia da Mulher, Dia da Criança e outros.

Teremos 20 feriados em 2016, todos oficiais, resultantes de legislações específicas, desde o dia 1º da Confraternização Universal, do Carnaval, da Paixão de Cristo, Tiradentes, Dia do Trabalhador, Corpus Christi, Independência, Nossa Senhora Aparecida, Servidor Público, Finados, Dia da República, Consciência Negra, Natal. Acrescem-se os feriados e pontos facultativos municipais, como o Dia da Cidade, de Zumbi, do Evangélico. Os de classes: do Professor, do Advogado, da Justiça e mais. Enfim muito mais de 20, somando, ainda, o que se convencionou chamar-se de ponto facultativo uma 2ª feira antes de um feriado, ou o da mesma forma quando antecede no fim de semana. Torna-se um cantochão de desprezo ao trabalho e de ociosidade.

No jornal A Gazeta do dia 30 de dezembro, o articulista Vinicius Bruno, caderno de Economia, registra o excesso de feriados, comentando: “a quantidade de datas comemorativas atrapalha o fluxo do comércio e das indústrias, trazendo perdas”. Aponta para este ano 9 feriados prolongados – os feriadões. Na reportagem, o presidente da Associação dos Lojistas do Centro Histórico de Cuiabá comenta: “tantos feriados, ademais prolongados prejudicam demasiadamente o comércio”. Aparece um dado da Confederação Nacional do Comércio que estimou em R$15,5 bilhões que deixaram de circular em 2015 em decorrência dos feriados.

Válido recorrermos a um cotejo internacional, exatamente dos nossos irmãos lusitanos. Também Portugal teve o seu Estado Novo (como tivemos com Getúlio Vargas), em longa ditadura ultramarina dominante no período de 1933 até 1974, finda com a Revolução dos Cravos, consagradora da democracia expressa na Constituição de 25 de abril de1976 que estabeleceu o parlamentarismo, tão inteligente como salvaguarda do regime democrático.

Na voragem mundial da crise econômica, Portugal, através do seu governo, agiu rapidamente para eliminar o acúmulo de feriados, como os civis de 5 de outubro (Implantação da República), de 2 de novembro (Finados) de 1º de dezembro (Independência). Dos religiosos, como Corpus Christi, feriado móvel, e Dia de Todos os Santos. Para o último caso, a suspensão atinge 2018, quando o assunto será reavaliado junto à Santa Sé, em Roma.

O decreto-lei português de nº 47/2013 acentua que: “o país com suspensão de uns feriados aumenta a competitividade e impulsiona a atividade econômica”. O Ministro da Economia Álvaro Pereira celebrou: “A ideia é trabalharmos mais e melhor para termos o nosso país a produzir riqueza, a criar emprego, mais competidor no mercado internacional”.

Entre nós, é de suma responsabilidade do Executivo e do Legislativo o zelo pelo calendário civil da Nação, isentando-o de folgas demagógicas, a fim de restaurar o caráter cívico e evitar o desperdício da força de trabalho; ademais nestes tempos de derrocada econômica e queda de virtudes de tantos homens públicos. O chafurdar na corrupção, que penetrou os seios do governo com mensalões, assalto ao maior orgulho nacional – a Petrobras –, as pedaladas, o ilícito contra a lei eleitoral, espalha poeira pegajosa sobre os túmulos dos construtores do Brasil. Não à demagogia dos feriadões. Vamos trabalhar. 

Benedito Pedro Dorileo é advogado e foi reitor da UFMT

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