Conjuntura 2016 III
A crise brasileira é tida como uma das dez maiores ao nível internacional em 2016. Em 2015 foram recolhidos mais de 2 trilhões de impostos da população. Frente a isto, a solução apresentada pelo Governo é cobrar mais impostos como uma das saídas para um “tapa-buracos”. As desonerações tributárias passam de 280 bilhões saídos dos cofres da união em 2015. Tentam arrecadar cerca de 32 bilhões com a CPMF, ao lado de cortes como os 10 bilhões do Bolsa Família (53%). Gastos tributários cresceram nos últimos seis anos. Em 2008, equivalente a 3,33% das riquezas produzidas, em 2015 a 4,93% do PIB (10 vezes o Bolsa Família). No início da década passada, era menos de 2% do PIB. Em todas projeções a diminuição na desoneração e a renúncia fiscal diminui no máximo 6%. As renúncias, como bem conhecemos aqui em Mato Grosso, estimulam também a sonegação e a evasão fiscal, sustentando também empresas pouco produtivas. Quem paga é a sociedade. Pode ocorrer ainda, o aumento da carga tributária em outros setores para compensação. A renúncia fiscal em 2015 foi no valor de 0,15% do PIB, equivalente a 10,3 vezes o Bolsa Família. Hoje, com a taxa de inflação em dois dígitos no acumulado de 12 meses, a taxa de juros seria o instrumento da política econômica para controlar a escalada dos preços. A última reunião do COPOM recuou e decidiu mantê-la em 14,25%. Como aumentar a taxa de juros, se isto leva de imediato a uma retração do consumo, de bens duráveis e dos investimentos, aprofundando mais a crise e taxas como do desemprego, especialmente o formal. Isto sem falar nos efeitos devastadores sobre as finanças públicas. A ameaça da elevação de juros está ligada ao aumento da inflação, efeito de medidas que apenas adiaram sua subida, refletindo no que assistimos hoje. Há uma expectativa de aumento de inflação nos próximos doze meses, alimentadas pela depreciação do real. Há incerteza se os juros tem hoje eficiência no controle da inflação, talvez muito pelo grande fosso criado na política fiscal. Enquanto isso, cortes e contenções afetam drasticamente a crise. Como na Saúde Pública, com a ameaça terrível do avanço do mosquito Aedes Aegypti e sua carga de doenças que assolam a população. Muitos agravos, vidas ceifadas e gerações futuras comprometidas inexoravelmente pelo vírus Zika, voltando a um quadro de horror conhecido desde o século passado. Cortes e contenções são verificados, confirmados nos cortes e repasses para as Vigilâncias Sanitária e Epidemiológica dos Estados e municípios. É um abismo cada vez maior no desvio das concepções do SUS. Nesta refrega, foram adiadas recente, até entrega de kits aos Estados para detecção da dengue, visitas domiciliares e ações de combate ao mosquito. Pior, as condições para investimentos estruturantes nesta questão sanitária como saneamento básico e ambiental em déficit crescente, somado ao modelo destrutivo de expansão na ocupação humana/rural e urbana, tendo a destrutividade ambiental como elemento importante nesta tragédia anunciada que se avoluma. Desde 1903, com Oswaldo Cruz (RJ), Adolfo Lutz em SP (1901), sabemos que não há mágica. É preciso que o Governo tenha poder decisório voltado para priorizar gastos neste setor. Aqui no Brasil e em MT, não faltam equipes e profissionais competentes a esta tarefa, sempre adiada na agenda da saúde. Sanitaristas bem sabem, atuar só no fim do processo com a prática de clínica médica é limitado. Neste modelo hegemônico das práticas de saúde, não dá conta de intervenções eficazes para resolução do problema. Cuiabá, Rondonópolis e Várzea Grande podem entrar em situação de calamidade pública se não ocorrer intervenção estrutural sobre a expansão dos vetores, seus condicionantes e suas doenças, cada vez mais agressivas. Este é o exemplo do cotidiano feroz que vivemos. Assistimos o Governo preparando o maior processo de privatizações no âmbito Federal, desde o sistema Telebrás há 20 anos atrás. O rombo das contas públicas ainda é uma zona cinza em seus limites. Além do que, o momento não é nada propício a esta sanha na busca de recursos a qualquer custo, vendendo empresas estatais e ativos, quanto mais, a preço de lixo. Como disse Jacques Wagner, o Ministro que sumiu do pedaço: “...a prioridade não é a economia, é manter o mandato da Presidente”. Infelizmente o PT está nas “cordas”, apesar de ocupar os mais altos cargos da República, junto com seus aliados. Estamos à mercê da sorte?
Waldir Bertúlio
Professor aposentado da UFMT
O PREÇO DE SER PETISTA
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Hoje, tratarei da capa da Revista Veja (RV) que circulou na semana do carnaval (10/02/16). Mas preciso lembrar que pouco antes, Chico Buarque – ícone da MBP – viu-se envolvido num “barraco” daqueles. Motivo: Chico defende publicamente o PT.
O episódio se deu no Rio. O artista foi hostilizado por um grupo de rapazes, cujas biografias carecem de louros. Mas não quero entrar nesses meandros. A mim não importa quem xingou primeiro alguém de “merda”, se Chico – como afirma o jornalista Reinaldo Azevedo, em seu Blog de 24/12/15 – ou se um dos rapazes, filho de um empresário que pouco deveria à honestidade.
Daquele bate-boca, por conta do “troco” que certamente viria, o que me interessa foi uma fala de Chico aos sujeitos que lhe abordaram: “Com base na revista Veja, não dá pra se informar”.
Pode até ser. E já foi pior se informar por Veja, cuja centralidade é defender o sistema. Política e economicamente falando, a RV é um veículo neoliberal por excelência. Logo, deveria ser o veículo predileto de petistas, afinal, o PT – contrariando suas origens – tem prestado relevantes serviços aos neoliberais. Em sentido oposto, Veja também deveria ver em petistas bons aliados.
Paradoxalmente isso não ocorre. Num processo de reciprocidade, Veja parece não suportar petista. Motivos: além da corrupção que tomou conta dos governos petistas, estes governos – e apenas pelo motivo acima exposto – não conseguiram fazer todas as lições que os neoliberais desejavam. “Falha” imperdoável.
Como parece ter sido imperdoável a “ofensa” que Chico cometeu contra a RV. Durante o barraco mencionado, para se defender, tentando desqualificar seus opositores políticos, o artista ridiculariza os leitores de Veja, que seriam limitados no que tange à qualidade da informação.
Mas aquele enunciado custou caro ao petista famoso. O troco veio por meio de uma capa; e veio no meio do carnaval; e veio brincando com referências musicais. Com isso, a RV, de fora do barraco, mas nele envolvido por tabela, usa luvas de pelica e esbofeteia um grande artista.
Explico: a capa de Veja, no plano icônico (tudo em caricatura), sob a escolta do “Japonês da PF”, apresenta um bloco carnavalesco com Lula e supostos amigos seus, todos presos ou investigados. No plano verbal, o título é “Vai passar...”. O subtítulo, que tem extensão de lead, é: “O sonho de rei, de pirata e de impunidade durou até demais, mas a justiça brasileira, ao contrário do carnaval, não acaba na quarta-feira”.
E o que o título e o subtítulo têm a ver com Chico?
Tudo.
“Vai Passar” é também título de uma de suas músicas (um samba-enredo) mais famosas contra a ditadura militar. Naquele samba (1984), previa-se que os sombrios tempos dos ditadores passariam, e tudo seria uma festa. A analogia que Veja estabelece com tempos deploráveis dos governos petistas é irrefutável.
Já o subtítulo começa dialogando com “Sonho de um carnaval”, outra música de Chico, em que é dito: “...E brinquei e gritei e fui vestido de rei//Quarta-feira sempre desce o pano”. O diálogo continua em “Ela desatinou, viu chegar quarta-feira// Acabar brincadeira, bandeiras se desmanchando...”.
Não contende, Veja ainda foi buscar em “A felicidade”, de Vinícius e Tom, parceiros musicais de Chico, outros interdiscursos para carimbar seu troco: “...A gente trabalha o ano inteiro// Por um momento de sonho// Pra fazer a fantasia// De rei ou de pirata ou jardineira// Pra tudo se acabar na quarta-feira”.
Ainda que todos tenham direito, defender publicamente o indefensável tem preço; e é caro.
A PASSAGEM DE UM ÍCONE POPULAR
Habita outro plano, Gegé de Oyá. Você, figura proeminente em nossa sociedade, que sonhou com uma família, achando força na espiritualidade e na contenda com os reflexos da escravidão e na sua ancestralidade. Esta que foi tão dura aqui na baixada cuiabana, e que levou negros a serem jogados tal qual buchas de canhões ao morticínio da Guerra do Paraguai, com a promessa de libertação. Você, que condoía com o sofrimento da escravidão negra nas minas do Sutil. Como primeiro colunista social da nossa cidade, saudado e bajulado pelas elites da terra na fotogenia narcísica dos demandantes no desfile das colunas sociais. Mais do que isto, guia espiritual até de curas, de reencontros, de amores clandestinos guardados a chaves possíveis nas intempéries das falsas e reais relações amorosas, que levou tantos para terreiros, a conhecer um pouco da crença na religiosidade afro. Que construiu em terreno fértil a poética da resistência, do enfrentamento ostensivo das diferenças, do conservadorismo e da intolerância. Enfrentou de peito aberto, nunca recuando no orgulho à dignidade e na conquista dos seus desejos. Menino que nasceu na síndrome da fome, no velho sertão de Rosário Oeste. Acolhido e apoiado em pequeno, pela família Cuiabano. Que foi estudar Artes e Ofícios desde o primário no Colégio São Gonçalo, já encantado com a arte da costura, que continuou na antiga Escola Artífice. Gegé sempre se postou como um príncipe negro, incorporando como marca em seu talento, criatividade, a estética e o vestuário afro. Estudou, pesquisou, desde os trabalhos como alfaiate (dizia costureiro), até a de colunista social badalado nas hostes ditas “chiques”. Nunca deixou de lado as referências das famílias pobres e tradicionais em seus textos. Sobretudo, sarcástico com as incoerências das superficialidades que marcam um tipo de colunismo servil, mercantil e vazio. Tinha uma visão crítica sensata e 'finória' da alta sociedade, sabendo que acumulou poder e força através deste ofício, vendo isto como um instrumento de resistência em sua ligação sincrética com o catolicismo e a religiosidade afro. Foi amigo desde Dom Aquino, outras referências católicas em Cuiabá, até os núcleos de Candomblé, Umbanda e Espiritismo. Referências como Dandi, Pai Edésio, Joãozinho do Axé, Jojô, Robson e Seo Arlindo. Certa feita, em Brasília (levado por Isabel Campos, amizade forte), foi recepcionado com honras de Chefe de Estado, confundido com o Rei da Nigéria, que ainda não tinha chegado. Sua indumentária afro era componente da sua arte e estética. Carnavalesco, sua presença era marcante, o povo aplaudia em delírios, as crianças adoravam suas performances nos velhos carnavais e batalhas de rua. Assinava ponto nas madrugadas em bares e espaços como Choppão e Sayonara, passando por clubes como Operário, o Dandi, Náutico, Grêmio Antonio João, além dos clubes Feminino e Dom Bosco. Sua entrada foi vetada no Dom Bosco em uma comitiva dirigida pelo saudoso Mestre Batista, que culminou com contendas e o encerramento da festa naquela noite. Quando podia, “dava bananas” ao racismo e machismo da cidade, com o desprezo e elegância de sempre, ele, que enfrentou centenas de hostilidades desta natureza. Também produziu na rádio Difusora o programa denominado “ Uma Rosa para uma Dama Triste”. Gegé de Oyá foi fortemente identitário, pioneiro e verdadeiro no seu pertencimento cultural, racial, no gênero e na orientação sexual. Em tempos dificílimos. Sempre ancorado na religiosidade e no sincretismo. Gegé de Oyá é história, memória e orgulho da nossa terra!
Waldir Bertúlio
Professor aposentado da UFMT
Até Marina
Finalmente Marina Silva saiu de cima do muro! Em entrevista à Rádio Gaúcha, a ex-senadora, ex-ministra e ex-candidata à Presidência da República, afirmou que Dilma “não tem mais liderança política no país nem maioria no Congresso”.
Não aprova o processo de impeachment que tramita na Câmara dos Deputados.
Diz que a responsabilidade pelas crises econômica e política cabe à Dilma e a Michel Temer, e defendeu o processo de cassação da chapa vitoriosa das eleições de 2014 via Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“No meu entendimento, o melhor caminho para o Brasil é o processo de cassação da chapa vitoriosa das eleições com a comprovação que o dinheiro da corrupção foi usado para a campanha do vice e da presidente”, afirmou Marina Silva.
“Impeachment não é golpe, está previsto na Constituição, foi feito contra o Collor, foi pedido pelo PT várias vezes, e eles achavam que não era golpe”, comparou.
Marina disse que Dilma, na eleição presidencial de 2014, “não disse a verdade” sobre a nossa economia.
A fundadora da Rede falou que o discurso de Dilma em campanha agravou a situação do Brasil em 2015, no primeiro do mandato da petista.
“Se Dilma tivesse trabalhado com a verdade, assumiria que corríamos grandes riscos em relação aos inúmeros problemas que tivemos desde 2008”.
É engraçado porque, enquanto países do mundo correram atrás para resolver a crise, disseram aqui na terrinha que “era apenas uma marolinha, e chegaram a dar lição de moral até à Alemanha”.
“Diziam que, se eu ganhasse o governo não teria maioria no Congresso, e hoje a presidente não tem maioria”.
“Diziam que se eu ganhasse, eu iria tirar alimentos das pessoas pobres, e isso ocorre com a inflação que atinge a mesa dos trabalhadores”.
“Diziam que, se eu ganhasse, iria acabar com Pronatec e Prouni, e isso o governo está fazendo. As pessoas projetam em você o que vão fazer”, concluiu Marina Silva.
Este artigo foi elaborado também com o Estadão.
Seu conteúdo mostra a situação grave que vivemos.
Gabriel Novis Neves
08-01-2016
RELATÓRIO 35º CONGRESSO ANDES/SN: CUIABÁ SEDIARÁ O PRÓXIMO CONGRESSO (2017)
Alair Silveira
Depto. Sociologia e Ciência Política da UFMT
Entre os dias 25 e 31 de janeiro de 2016, em Curitiba/PR, foi realizado o 35º Congresso do ANDES/SN. A ADUFMAT compareceu com representação de três campi (Cuiabá, Barra do Garças e Sinop). Ao todo, nove delegados e um suplente.
Organizado sob a divisão de quatro temas - 1) Movimento Docente, Conjuntura e Centralidade da Luta; 2) Políticas Sociais e Plano Geral de Lutas; 3) Plano de Lutas dos Setores (Federal, Estaduais e Municipais); e, 4) Questões Organizativas e Financeiras -, o Congresso teve como tema central a defesa da Educação Pública e gratuita assim como a defesa dos direitos dos trabalhadores. E, mais uma vez foi reafirmado o compromisso do Sindicato Nacional com a educação pública, gratuita, democrática, laica, de qualidade e socialmente referenciada. Ratificado, também, o compromisso classista do ANDES/SN com as lutas dos demais trabalhadores, em defesa dos direitos e conquistas sociais e trabalhistas.
Se as análises de conjuntura que subsidiaram as discussões convergiram para o reconhecimento do acirramento dos ataques aos trabalhadores para o ano de 2016, assim como a necessidade de unidade e resistência classista, não houve acordo quanto àquelas análises que tentaram obter do ANDES/SN um compromisso anti impeachment estruturado sobre o apelo à unidade de classe e a defesa do governo petista como uma experiência governativa superior a governos anteriores.
Rejeitada a propositura de compromisso com a defesa do governo e reafirmado aquele com os interesses e a unidade dos trabalhadores, o aprofundamento do apoio às políticas afirmativas (baseadas nas reservas de cotas para segmentos específicos) causou tensão no 35º Congresso do ANDES/SN. A adesão do Sindicato às políticas cotistas, inclusive com a sua ampliação, agora, para ciganos e cursos de pós-graduação, revela contradições dentro de um sindicato que, paradoxalmente, contrapõe-se tenazmente ao neoliberalismo e suas políticas compensatórias e, ao mesmo tempo, encampa o loteamento da universidade como expressão do direito universal à educação.
Assim, ao lado da aprovação de ações de denúncia e resistência à destruição da universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada, através de vários projetos que tramitam no Congresso: PEC 395/14 (cobrança PG); PL 518/09
(transferência educação superior para MC&T); PEC 10/14 (Sistema Único de Educação Superior Pública); PL 867/15 e apensados (Programa Escola sem Partido); PL 4643/12 (Fundo Patrimonial nas IFES); BNCC (Base Nacional Curricular Comum – Resolução 02/15), essa com a preciosa contribuição ação da ADUFMAT; PLC 2723/15 (home-office para servidores públicos) e a multicampia, também foram aprovadas políticas de ações unificadas com os demais trabalhadores (como a luta contra a terceirização, o PPE e o PLC 101/15) assim como o II Encontro Nacional de Educação, em junho de 2016, em Brasília/DF.
Dessa forma, se a defesa da educação pública, gratuita, laica, democrática, de qualidade e socialmente referenciada é o grande eixo organizador e mobilizador do Sindicato, políticas sociais que alcançam juventude, negros, mulheres, quilombolas, indígenas e LGTB (e, agora, ciganos) alargam o leque de especificidades que compõem o compromisso de classe do ANDES/SN.
Nas várias frentes de denúncia e resistência, as questões agrárias, urbanas e ambientais também tiveram abrigo. Nesse particular, a matriz energética, a biodiversidade, a soberania alimentar, a transgenia e os agrotóxicos foram objeto de discussão e deliberação, da mesma forma que os impactos sociais e ambientais decorrentes de megaeventos e catástrofes como aquelas produzidas em Mariana/MG.
Como não poderia faltar, a previdência e o FUNPRESP também compõem o rol das lutas sociais do ANDES/SN para 2016, assim como a defesa de uma reforma progressiva e a luta contra a EBSERS e a contrarreforma da Saúde.
Como expressão do compromisso do ANDES/SN com a verdade e a memória histórica do Brasil, foi aprovada a participação de cada IFES para o levantamento dos casos de perseguição política e outras formas de repressão, exílio e morte de ativistas políticos em cada instituição.
Objeto de inúmeras denúncias e de proposições que pretendiam o impedimento do ANDES/SN quanto ao uso da grande mídia, a comunicação recebeu atenção especial. Rejeitado o impedimento de uso dos Meios de Comunicação de Massa, foi aprovado o fortalecimento do GTCA, a produção artístico-cultural do Sindicato, a socialização dos materiais locais produzidos, a articulação com o FNDC e grupos de pesquisa da área, assim como a promoção de discussão sobre a radiodifusão gratuita no Brasil.
E, em que pese manifestações de alguns cutistas inconformados que, a cada Congresso, repõem em discussão a filiação à CSP-Conlutas, foi reafirmada política de fortalecimento da CSP (em nível nacional e nos estados), assim como aprovada a realização de Curso de Formação Sindical e a intensificação das lutas contra o assédio moral e sexual dentro das IFES.
Por fim, como o 35º Congresso ocorre em ano eleitoral, foram apresentados os 11 nomes da chapa “Unidade na Luta”, assim como aprovada a seção sindical da ADUFMAT para sediar o 36º Congresso do ANDES/SN, em 2017.
ENCONTRO DE GERAÇÕES
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Quebrando a sequência de artigos nos quais tratei da Base Nacional Comum Curricular, outra aberração que poderá ser imposta pelo governo federal a nossa educação, hoje, falarei do lançamento dos livros “Desovas em Trovas” do poeta Avoante do Cariri – também conhecido como professor e padre Pimentel – e “Abrangências dos voos poéticos do Avoante do Cariri”, de minha autoria. Esses livros foram lançados no Foyer do Teatro da Universidade Federal de Mato Grosso, em 03/02/2016.
Mas por que me pus a falar desse poeta ainda tão desconhecido?
Antes de tudo, porque sua obra tem consistência. Além disso, dois dias antes de sua morte – que, conforme o laudo do IML, teria ocorrido aparentando “forma natural”, mas causada por conta de “traumatismo cranoencefálico, produzido por instrumento contundente” –, recebi dele próprio o conjunto completo de sua obra.
Diante da honrosa escolha de meu nome para deixar sua herança poética, comecei a trabalhar com seus textos. Como a parte mais significativa de sua obra – “Desovas em Trovas” – fora publicada, ao longo do tempo, em dez volumes, e sempre com tiragem limitada, fiz uma seleção de seus poemas, publicando-os em volume único.
Após essa organização, escrevi minhas considerações críticas acerca da seleção feita. Isso está em “Abrangência dos voos poéticos do Avoante do Cariri”, assim como o outro livro, também editado pela EdUFMT, a Editora da UFMT.
Mas tão importante quanto o lançamento desses livros foi a homenagem que a UFMT prestou ao Avoante, bem como a Leônidas Querubim e a Benedito Figueiredo, outros dois grandes mestres que a Instituição teve. Juntos, eles formaram uma tríade inigualável de professores. Eram verdadeiros intelectuais. Quiçá, por isso, eram tão simples e tão brincalhões.
Em um final de tarde emocionante, conseguimos reunir dois ex-reitores da UFMT, a atual reitora, vários colegas da “jovem guarda” de idos tempos, dentre os quais destaco a historiadora Therezinha Arruda, docentes da ativa, antigos e atuais acadêmicos de Letras, escritores, jornalistas e demais amigos. O momento foi histórico.
Como não haveria tempo para que todos falassem, alguns, representando os demais, prestaram suas homenagens. como os ex-reitores Pedro Dorileo e Fernando Nogueira, a reitora Maria Lúcia Cavalli, a presidente da Academia Mato-grossense de Letras, Marília Beatriz, que se fez presente por meio de um honroso texto lido pelo professor Elias Alves de Andrade, o professor/artista Abel dos Anjos, que nos brindou com um canto gregoriano, a ex-acadêmica e atriz Claudete Jaudy, que interpretou o poema “Velhos Tachos”, de seu antigo mestre, além do professor Germano Aleixo, que leu músicas populares traduzidas, por Avoante, para o Latim. Depois de lidas, todos cantamos algumas das músicas.
Das lembranças expostas, destaco as de Pedro Dorileo, que caminhou por onde possivelmente caminharia o discurso do primeiro ex-reitor, professor Gabriel Novis, que não pode comparecer. Dorileo relembrou passagens riquíssimas da vida de Avoante, dando ênfase ao olhar solidário do poeta com as pessoas mais pobres de nossa sociedade.
Como foi bom ouvir colegas que ajudaram a edificar a Instituição! Bom, mas também preocupante, pois ficou nítido que aquele modelo de universidade, que agregava sem esforços cada um dos que compunham a “comunidade”, parece, por conta de um produtivismo, estar escorrendo pelos dedos de nossas mãos.
Salvemos esse modelo humano de universidade!
Que a obra poética de Avoante nos ajude nessa tarefa.
FRATERNIDADE, SANEAMENTO E JUSTIÇA SOCIAL
JUACY DA SILVA*
Há pouco mais de 50 anos, mais precisamente em 1962, em Natal, RN, no início da quaresma, alguns padres realizaram o que, acabaria se transformando na Campanha da Fraternidade, a partir de 1964 em caráter nacional.
Esta iniciativa foi encampada pela Cáritas Brasileira e pela CNBB, sob a influência do Concílio Vaticano 2, a Igreja Católica no Brasil procurava uma nova forma de evangelização, voltando-se de uma forma mais direta para as necessidades do povo, incluindo uma mensagem do Papa, como forma de apoio à esta forma de ação, denominada de caridade libertadora.
Ao longo dessas décadas a Campanha da Fraternidade pode ser dividida em três fases. A primeira, abordando temas voltados para uma busca da renovação interna da igreja que vai de 1962 a 1972; a segunda cobrindo temas que denotam a preocupação da Igreja com a realidade social do povo, denunciando o pecado social e buscando a promoção da justiça social, esta fase vai de 1973 a 1984 e a Terceira fase que vai de 1984 até este ano de 2016, quando são abordados temas que representam as situações existenciais do povo, incluindo questões como água, terra, negros, mulheres, trabalho, emprego, juventude, educação, encarcerados, idosos, deficientes, enfim, um grande mosaico que representa a vida de nossa gente, com seus sofrimentos, angústias e ao mesmo tempo a esperança de um mundo e uma sociedade melhores.
A Campanha da Fraternidade deste ano, que tem início na próxima quarta feira de cinzas e deve encerrar-se no final da semana santa, é a quarta realizada sob o manto do ecumenismo, como aconteceu com as Campanhas de 2000; 2005; 2010. É, portanto uma Campanha que conta coma participação das igrejas evangélicas pertencentes ao CONIC Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, onde estão incluidas as igrejas Luterana, Episcopal Anglicana, Sirian Ortodoxa Antioquia, Aliança de Batistas do Brasil, Presbiteriana Unida, visão mundial e fundo misereor. Como se percebe, um conjunto de igrejas evangélicas, juntamente com a Igreja Católica, com apoio da CNBB, que representam uma grande parcela, na verdade a maioria do povo brasileiro.
O Tema deste ano está voltado para a questão ambiental, tendo como referenciais básicos a Encíclica Verde do Papa Francisco e o programa de desenvolvimento sustentável, lançado recentemente pela ONU para dar continuidade aos objetivos do milênio. A enunciado do tema “Nossa casa comum, nossa responsabilidade” e o Lema “ Quero ver o direito brotar como fonte e corerr a justiça qual riacho que não seca”. Tema e lema representam um chamamento para as condições de vida no planeta, a partir da realidade concreta de cada país, cada estado, cada município, cada bairro ou paróquia, enfim, nossa casa comum.
O referencia da Campanha é a questão do saneamento básico no Brasil, incluindo um diagnóstico da situação, as implicações da falta de saneamento como uma realidade degradante e que ofende profundamente a dignidade do ser humano e também, o saneamento como um direito das pessoas, como expressam recentes resoluções e documentos da ONU. Sem saneamento não pode exisitr saúde, sem saneamento não existe direitos humanos, sem saneamento não existe vida digna, sem saneamento estamos degradando o planeta, nossa casa comum.
A Campanha desenvolve-se segundo uma metodologia utilizada pela CNBB há várias décadas e inclui três dimensões: Ver, julgar e agir, indo desde o diagnóstico da situação, ao planejamento das ações, incluindo os planos nacional, estaduais e municipais de saneamento e também a participação popular nas ações públicas e privadas.
No Brasil 61% da população, ou seja, aproximadamente 125 milhões de pessoas não contam com coleta de esgoto; 13% ou 26,5 milhões tem coleta mas não tem tratamento. Em resumo, os dejetos e também boa parte do lixo de quase 152 milhões de pessoas são jogados nos rios, córregos, lagoas e o mar, além dos lixões a céu aberto, onde seres humanos vivem misturados com urubus, ratos e outros animais em busca de seu sustento, o que não deixa de ser uma situação degradante.
A situação do saneamento básico no Brasil é uma calamidade pública, no Nordeste 71,2% da população não tem esgoto tratado; na região norte 85,3%; e nas demais regiões mais da metade também não tem esgoto tratado. Nas capitais e nas cem maiores cidades do país a situação também é de descaso, apenas 41% da população conta com esgoto tratado. Existem capitais, como Porto Velho e Belém, onde mais de 90% da população não tem esgoto tratado. Em Cuiabá são 346 mil pessoas que não contam com esgoto tratado e em Várzea Grande, 204 mil, totalizando 550 mil habitantes, poluindo o Rio Cuiabá e seus afluentes e degradando o Pantanal.
Segundo relatórios do TCU 47% das obras do PAC saneamento, lançadas pelo Governo Federal em 2009, estão atrasadas, paralisadas, suspensas ou sujeitas a investigações por irregularidades.
A Campanha da Fraternidade é uma boa oportunidade para que cristões, cidadãos, contribuintes e eleitores possam fazer um balanço de como está o saneamento básico em nossos municípios, Estados e no Brasil como um todo. Em poucos meses teremos eleições municipais e este poderá ser um ótimo ano para passar a limpo esta triste realidade.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista de A Gazeta. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog http://www.professorjuacy.blogspot.com/ Twitter@profjuacy
NÃO VOU POR AÍ
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Ainda que tamborins e outros instrumentos que animam o carnaval já ecoem Brasil afora, continuo no artigo de hoje abordando o mesmo tema que me tem movido a escrever desde que 2016 chegou: a versão preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), lançada há pouco pelo MEC. E, agora, já não me sentindo tão solitário nesse embate.
Entre pierrôs e colombinas – todos já bem inebriados –, para além de dois ou três professores que já haviam botado a boca no trombone, dentre os quais me incluo, outros docentes – preparados também para as discussões políticas – começaram a se pronunciar em consolidados veículos de nossa mídia.
Em meu segundo artigo deste ano, dialogo com o professor João Batista Araújo e Oliveira, que publicou, na Folha de S.Paulo (12/01/16), o artigo “O debate que não houve”. Pelo título, o leitor já pode deduzir que o MEC, mais uma vez, tenta impor uma nova proposta de educação ao País, e sem debate algum.
Antes de Oliveira, quiçá de quaisquer outros, o professor Marco Antônio Villa, no final de 2015, antecipava alguns absurdos contidos na BNCC para a disciplina de História. Dela, está extraída, p. ex., a obrigatoriedade do ensino de histórias antiga e medieval. O mesmo ocorre com o tópico “Revolução Francesa”.
De minha parte, no artigo “O debate que não haverá” (Diário de Cuiabá: 14/01/16), antecipo a subtração da Literatura Portuguesa na BNCC. Logo, denuncio a desobrigação de apresentarmos aos estudantes do ensino médio escritores como Gil Vicente, Camões, Fernando Pessoa, Saramago et ali.
Para meu alento, dias depois, em “Tendências/Debates”, da Folha de São Paulo, de 28/01/16, Flora Bender Garcia e José Ruy Lozano fizeram a mesma denúncia por meio do artigo “Literatura Portuguesa naufraga no Brasil”. Suas inquietações são praticamente as mesmas por mim expostas.
Além dessas contestações individuais de que pude saber, o 35º Encontro Nacional do Sindicato Docentes do Ensino Superior (ANDES-SN), reunido durante a semana passada, em Curitiba, aprovou a elaboração de uma nota pública ao país, denunciando os principais problemas contidos na BNCC.
E os problemas não são poucos; tampouco superficiais. Todos são de profundidade. Todos visam redirecionar o cerne do ensino do país para o conforto da lógica ordenada por agentes internacionais do capital.
Tais agentes – sabedores da falência de nossa educação, fruto de experiências iniciadas ainda na ditadura militar – sentem-se confortáveis para impor novas experiências. Aliás, de experiência em experiência, vamos perdendo nossa inteligência.
Agora, as novidades do momento que os agentes internacionais estão nos impondo encontram-se ancoradas em pelo menos duas grandes linhas: 1ª) as novas tecnologias; 2ª) a necessidade de uma formação mais voltada para a realidade do estudante. Leia-se: para a necessidade do mercado, que requer apenas mão-de-obra, não seres pensantes que tenham alguma visão de universalidade.
De repente, desconhecer a acidez social de um Gil Vicente, p. ex., ajudaria na pavimentação dessa necessidade dos agentes do capital. Ignorar processos históricos, idem. Acoplados a essas subtrações de conteúdo, ainda vêm os discursos sedutores da primazia da subjetividade de nossos estudantes. É o império do umbigo, não do cérebro.
Penso que mais do que nunca é preciso termos a coragem do eu-poético do escritor português José Régio, que em “Cântico Negro”, nos dá uma lição de como recusar imposições, dizendo um sonoro:
“Não, não vou por aí.
Só vou por onde me levam meus próprios passos”.
Conjuntura 2016/2
A trajetória do modelo econômico a partir de 2003 reembarcou no boom das commodities que chegou até 2013, inclusive amenizando os impactos da crise de 2008. Para um país chamado mercado emergente como o Brasil, a desvalorização da moeda chinesa e suas medidas para manter o crescimento impõe tempos ruins ao nosso país, colocando o Brasil em apuros. Mato Grosso, especialmente dependente do mercado chinês, apesar do agronegócio ter apresentado crescimento em relação a outros setores ,tem na retração do mercado chinês um fator declinante. Somam-se a isto as condições climáticas, impondo perdas, além de que, a monocultura industrial é perversa na concentração de renda e na deterioração ambiental. É hora de mudar esta equação regressiva, superconcentradora de riqueza e ainda torpedeada na lei Kandir. A China vem desacelerando sua economia desde 2014, com cenário ruim ao menos pelos próximos dois anos, com o aumento da queda na produção industrial e excesso na capacidade produtiva. Na verdade, a redução da capacidade de crescimento não se limita a China, mas a Europa e EUA. O Brasil é sem dúvida vítima do modelo exportador primário, como na política conduzida por Delfim Neto, criando no início da década de 70 a política dos corredores de exportação. Endividamento externo a perder de vista. É este modelo que retoma a política econômica pós 2003, acoplada a matriz econômica neodesenvolvimentista, que presume um grande pacto social entre o capital e o trabalho. Incorporou-se o investimento em infraestrutura (PAC) e outros, criando projetos sociais efêmeros e de baixa incorporação de recursos públicos como o Minha Casa Minha Vida. Se analisarmos suas planilhas de custo, foram concebidas para favorecer empreiteiras do ramo imobiliário. Para se ter uma ideia disto, a ONG Contas Abertas analisou as contas da Presidente em 2014, mostrando a verdade sobre o motivo das pedaladas fiscais. Do montante, 40 bilhões foram para grandes empresas e para o agronegócio; para Minha Casa Minha Vida, foi 7,66 bilhões; para o BNDES sustentar investimentos na Inovação, Produtos e Compras de bens de capital, foi 12,16 bilhões. O BNDES empresta com juros menores do que capta, a diferença é o tesouro nacional quem paga. Colocou 7,44 bilhões para subvenção ao agronegócio, mais do que o Projeto Minha Casa Minha Vida. Então, as pedaladas na tergiversação tosca dos argumentos de Lula da Silva, “foram para o bem”, para os projetos sociais. Por isso, Dilma mereceria o perdão. Esta face do neodesenvolvimento são cosméticas e irrisórias. A ministra Katia Abreu retoma agora o período pré 1988 da Constituição Federal. Assume a mercantilização, retoricamente colocada como pensamento governista para mercadejar novas frentes que capturem verbas públicas. A crise impôs duros golpes aos neodesenvolvimentistas. Esgota-se o ciclo expansivo das commodities, expondo a fragilidade estrutural do país que “nadou” na exportação de produtos primários e de produtos industriais de baixo e médio valor tecnológico. E importa produtos de maior valor agregado, incidindo sobre o déficit crescente das transações comerciais. O principal pilar utilizado foi via concessão de créditos subsidiados como do BNDES. Na última década, este banco público teve seu capital aumentado 10 vezes, o Banco do Brasil também foi fortemente abalado. A corrupção exposta pela Lava-Jato expõe o desvio dos investimentos em infraestrutura. A queda drástica do Petróleo no mercado internacional, e aqui, o petróleo e seus derivados continuam subindo a vista, puxado pelos combustíveis. Por que? O Petrolão responde. A China tem avançando no Brasil no setor de bens de capital, nutrindo-se da corrosão nacional, como outras instituições financeiras multinacionais. A crise viceja em um país onde o setor bancário expande lucros nas taxas de juros mais altas do mundo. Com recordes de lucros, as ações dependem da divida pública, que continuam a subir, expondo a fragilidade do modelo econômico. Cortes nas áreas sociais, o que parece ser uma conquista neodesenvolvimentista nas áreas sociais entre 2005 e 2012, ficam inexpressivas frente a perdas assustadoras. Retirados de vez pela inflação, alto desemprego, até pelo congelamento e suspensão das “bolsas de assistência”, aniquilamento das políticas sociais, como no eixo da Seguridade (Saúde, Previdência e Assistência Social) e da CLT. A desigualdade, a carestia e a pobreza aumentando vertiginosamente. Na crise política e econômica, por hora, não há luz no fim do túnel! Qual pacto será possível?
Waldir Bertúlio
Professor aposentado da UFMT
Estilística II
Benedito Pedro Dorileo
Este ano de 2016 assinala jubileus marcantes da intelectualidade, como os 150 anos de nascimento de Euclides da Cunha, em 20 de janeiro de 1866. Outros, tal como o centenário de nascimento de uma inteligência fulgurante, em 19 de junho de 1916, de Gervásio Leite. Jurista e poeta, associado do Instituto Histórico e Geográfico e da Academia Mato-Grossense de Letras, da qual foi presidente. Nessa, empossado em 1945, fora recepcionado pelo acadêmico Otávio Cunha que discursou: “viestes, Gervásio, colaborar num capítulo do volume deste século com os poetas desta Casa. Além de outros, são teus companheiros de labor neste cenáculo: Maria de Arruda Müller – a poetisa de Mato Grosso. ” (In Egéria Cuiabana). Homenageando este crânio privilegiado, cultor da língua portuguesa, fisguemos do assunto a flexão genérica do substantivo poeta.
Cioso das gramáticas tradicionais, flexionei sempre para mulher – a poetisa. Estudiosos atuais como o professor Claudio Moreno, professor na UFRGS, lembra que o feminino foi sempre poetisa. Todavia historia que: “na primeira metade do século XX brotaram academias femininas de letras e que essas novas entidades, reforçando a crença chauvinista de que tais instituições originalmente eram privilégios dos homens, começaram a usar, por exemplo – Cecília Meirelles, uma grande poeta”. Acentue-se que a moda pegou, admitindo tratar-se de substantivo comum-de-dois, tal como: estudante, pianista.
O professor Adalberto J. Kaspary, também da mesma universidade gaúcha, preleciona: “a forma poeta para o feminino tem caráter mais profissional, ao passo que poetisa identifica, atualmente, mais a mulher que faz versos eventualmente, até por diletantismo. Tem certa conotação pejorativa, passando a ideia de sentimentalismo versejado. ” Socorre-nos o mestre Domingos Paschoal Cegalla, em seu Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa: poeta, aplica-se a homem; para mulher – poetisa. Com autoridade sustenta: “por ignorância ou desprezo pela tradição da língua, há quem use poeta em vez de poetisa”, como a frase – “a poeta Cecília Meirelles era, ao mesmo tempo, leitora e analista minuciosa da poesia de Mário de Andrade”. E decreta: “poetisa não encerra nenhuma conotação depreciativa. Chamar de poeta a mulher que escreve poemas é que a deprecia. ” Quando se reporta à essa festejada escritora, Carlos Drummond de Andrade, sobre o Romanceiro da Inconfidência, patenteou: “a poetisa traz-nos seu primeiro livro, porém não o entrega logo”.
Como dissera ao atento professor Germano, resguardo-me em Napoleão Mendes e no professor Antenor Nascentes, emérito do Colégio Pedro II, que autorizam a flexão genérica de poetisa. Naturalmente a observar a dinâmica linguística com os seus diligentes cultores. Aliás, o gramático dos nossos dias, professor Luiz Antônio Sacconi, em Nossa Gramática, afirma: o poeta, a poetisa. E acrescenta: “De modo nenhum use a poeta”. Então, não há saudosismo ou mesmo ato de emperrar-se na cátedra empoeirada. É de bom gosto, doçura prosódica, trato delicado da mulher intelectual para presenteá-la de maneira sonorosa com a flexão – poetisa. Lindo, soa cantante, artístico.
Ah, Gervásio, como era bom dialogar com a sua inteligência. Lembro-me de uma passagem quando tratávamos do vocábulo poeta e sua flexão genérica, ouvindo a beleza harmoniosa de poetisa. E com sua sagacidade comentava sobre a variabilidade da presença do adjetivo na frase, a demonstrar propriedade imaginativa e sonhadora. Era uma lição de estilística, pois se trata de um processo lírico, como se exemplifica – o amargo cálice da poetisa. A língua portuguesa, as neolatinas facultam a colocação díspar do rigor anglo-saxônico com uniformização antecipada do adjetivo, como no inglês ou no alemão. O certo é que o emprego das palavras atende a duas operações: a percepção e o sentimento. Na prática há objetos ou noções que despertam mais a nossa inteligência, outras ferem mais a nossa sensibilidade. A carga sentimental é determinante.
Benedito Pedro Dorileo é advogado e
foi reitor da UFMT