NAS TEIAS DA MEDIOCRIDADE
Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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Registram os dicionários que “mediocridade” é a característica dos que se situam entre a abundância e a pobreza; dos que não possuem valor, talento, mérito; dos que são apequenados de ideias e ações. Deveríamos fugir sempre dela, embora essa fuga seja difícil. A “Deusa Mediocridade” insiste em se nos apresentar. Por isso, no Brasil, tudo vai se esvaindo na mesma nuvem de poeira produzida pelo império dos medíocres.
Hoje, para tratar outra vez desse tema, lanço mão do Discurso de Autoridade. Faço-o por meio de Jarbas Vasconcelos: um pernambucano que está há mais de 40 anos na política. Encontrei Vasconcelos no programa de Fernando Gabeira (“Centrão” domina discussões na Câmara), apresentado há pouco pela Globonews.
De início, Gabeira diz o seguinte sobre o “centrão”: “No passado havia um grupo de deputados que ficava no fundo do plenário, num lugar meio escuro. Eram chamados do baixo clero...”.
Depois, o apresentador explica que essa identificação – que faz analogia com a hierarquia da Igreja Católica – pressupunha a existência dos cardeais. Em seguida, diz: “essa realidade mudou”. Aponta como início da mudança a chegada de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara Federal.
Após a ascensão de Severino, o baixo clero começou a ocupar as poltronas do meio e as da frente daquela casa; começou a dar as cartas. Estava formado o nosso “centrão” político. O ápice do baixo clero foi encarnado pelo inominável Eduardo Cunha. Seu substituto – a bizarra sombra de Waldir Maranhão – pode ter dado início ao declínio do baixo clero, mas isso ainda longe do fim.
Enquanto essa queda não ocorrer de fato, quem continua a decidir os rumos políticos de nosso país é exatamente essa massa de deputados, para os quais tudo se move conforme seus interesses individuais.
Pois bem. Assim que Gabeira, em seu programa, dá voz a Vasconcelos, o deputado diz que o nível da Câmara é o pior que já conheceu desde os anos 70, quando ali chegou pela primeira vez.
Vasconcelos está no terceiro mandato. Para ele, a mediocridade da Câmara – que tem 513 deputados – chega a tal ponto que, “para reunir de 12 a 15 pessoas para trocar ideias sobre a conjuntura do momento é a coisa mais difícil do mundo”.
Em sua opinião, o estágio de degeneração se evidencia pelos seguintes fatores: “o pouco interesse da população. Soma-se a isso, a eleição, que se tornou corporativa, econômica... Cada um dos que chegam aqui, chega com uma história de interesses e objetivos pessoais: ou de roubar, ou de fazer negócios, ou de ficar aqui apenas para compor um quadro de mediocridades”.
Dentro desse quadro, acaba de ser eleito à presidência daquela casa o deputado Rodrigo Maia, filho do político César Maia. A respeito de seu filho, César disse que Rodrigo “claramente fala ao médio clero, com expectativa e capacidade de ascensão”.
É verdade. Seu primeiro discurso já como presidente empossado da Câmara dos Deputados foi a prova de uma fala de médio para médios; ou seja, de medíocre para medíocres. Faltando-lhe um discurso preparado, do pouco que disse, talvez o mais significativo foi que o filho caçula seja um botafoguense. A que ponto se desceu!
Mas o que é ruim...
E tende a ficar pior mesmo, pois as tais “medidas necessárias para tirarem o Brasil da paralisia”, tão exigidas pela mídia, tendem a ser votadas. A da Previdência é uma delas. O trabalhador pagará por tudo mais uma vez; agora, com um “Congresso destravado”.
Que nos preparemos. Os medíocres continuarão a dar as cartas.
REFORMA DA PREVIDENCIA E PRIVILÉGIOS DOS GOVERNANTES
JUACY DA SILVA*
Há décadas todos os Governos, desde Sarney ate o interino, farinha do mesmo saco, que apoiou Lula/Dilma, Michel Temer, usam de mentiras sobre o déficit da previdência para cortar benefícios e jogar a carga da corrupção e da gestão incompetente nas costas dos trabalhadores do setor público e privado, para "solucionar o problema".
Governantes que legislam em causa própria, que criam privilégios para si, para seus familiares, que se utilizam das estruturas do poder para benefícios próprios, popularmente entendidos como mordomias, altos salários e outras mutretas , enquanto a população sofre com uma carga tributária enorme, governantes que no exercício do poder não tem responsabilidade com os gastos públicos e não conseguem atender níveis de eficiência, eficácia e efetividade, não tem moral para propor reformas que, na verdade, apenas irão mais sofrimento, fome e miséria ao povo brasileiro.
Enquanto os trabalhadores e a classe média baixa precisam mourejar durante mais de 35 anos, de trabalho duro, uma jornada de trabalho de 184 horas, além de mais de duas out res horas diárias para o deslocamento de casa para o trabalho e vice versa, para, ao final da vida, receberem menos ou apenas um salário mínimo, os marajás de nosso “Estado democrático de direito” continuam aumentando seus salários, diversas vantagens, como auxílio moradia, férias/recesso duas vezes por ano, auxílios diversos e tantas mordomias que representam um escárnio ante o que o povão recebe, nada disso é levado em conta quando os governantes usam de verdadeiro terrorismo verbal e burocrático para tentar demonstrar que um dos grandes problemas do país é o buraco da previdência.
No entanto, nada falam e nada fazem para cortar os privilégios de uma elite que ganha altos salários e muitas mordomias e se aposenta com até um mês na função, como aconteceu em Mato Grosso há alguns anos, quando um Presidente da Assembleia Legislativa, sendo o segundo substituto do Governador que se afastara para concorrer a outro cargo eletivo, acabou aposentando com ex-governador, ou pouco mais de um ano como governadores tampões ou substitutos; Deputados federais, estaduais, Governadores, Presidentes da Republica, ministros, conselheiros de Tribunais de Contas e de outras instancias da Administração Pública se aposentam com menos de oito anos de “trabalho”, com todas as mordomias, além de vários que acumulam três, quatro ou até cinco aposentadorias.
Enquanto isso, os trabalhadores que ganham um salário mínimo de fome se aposentam com a média das contribuições dos últimos cinco anos, valores corroídos pela inflação para sustentarem suas famílias que continuam na pobreza e na miséria. Boa parte dos aposentados brasileiros, tanto urbanos quanto rurais precisam de programas como bolsa família, sacolões ou caridade pública para sobreviverem e sustentarem as famílias.
Atualmente (2016) existem 28,2 milhões de aposentados no Brasil que recebem pelo INSS. Desses 760 mil recebem menos que um salário mínimo; 66,8% ou 17,4 milhões recebem apenas o piso básico que é de R$880,00, praticamente apenas um salário mínimo; 9,8 milhões recebem entre dois a cinco salários mínimos e apenas 0,6% ou 180 mil aposentados recebem o teto máximo que é de R$5.189,82 e 93 mil recebem acima deste teto.
Em um país com tanta corrupção, com tantas quadrilhas de colarinho branco aliadas de empresários corruptos, com tantos privilégios para as governantes e gestores de alto escalão falar em cortar benefícios das classes baixa e média baixa que ganham uma miséria é UMA VERGONHA, um acinte, um desrespeito, uma injustiça, uma afronta a democracia e à justiça social.
A corrupção, segundo um procurador da República que entregou ao Congresso Nacional um projeto de Lei popular, de iniciativa do MPF como forma de se combater a corrupção em nosso país, é responsável por um buraco/roubo dos cofres públicos na ordem de R$200 bilhões de reais por ano.
Segundo o TCU o Brasil “perde” anualmente em torno de R$150 bilhões com obras paradas, como as do VLT em Cuiabá. Só o pagamento de juros sobre uma dívida pública que cresce bilhões a cada ano, o Brasil em 2015 gastou mais de R$450 bilhões em 2015 que, ao ser adicionados à rolagem e amortização atingiu quase novecentos bilhões, ou praticamente 48% do Orçamento Geral da União. A sonegação e a inadimplência representam mais de R$250 bilhões por ano e a renúncia fiscal por parte da União, dos Estados e Municípios chegam a mais de R$200 bilhões por ano. Ou seja, existe uma incompetência generalizada por parte dos Governos federal, Estaduais e municipais para acabarem com esses buracos ou ralos por onde escoam bilhões ou quase um trilhão de reais por ano. Ao invés de buscar ser mais eficiente na gestão pública, nossos governantes cortam recursos para políticas públicas como educação, saúde, segurança, saneamento e meio ambiente, infra estrutura e outras mais e agora vem com uma proposta indecente para marginalizar ainda mais milhões de trabalhadores, atualmente aposentados ou já no Mercado de trabalho e que ao se aposentarem em um future próximo irão viver na miséria e na exclusão social. Isto não é justo e nem humano.
Se for para cortar na carne porque não começar acabando com tantos privilégios, mordomias e mutretas dos governantes e gestores que também acumulam privilégios? Boa parte, para não dizer a maioria, de nossos governantes na verdade são grandes demagogos e exploradores do povo! São eleitos ou nomeados para defenderem os interesses e as aspirações da população, mas usam as estruturas de poder para se locupletarem e defenderem seus interesses imediatos ou dos grupos que representam!
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado, mestre em sociologia, colaborador e articulista de jornais, sites, blogs e outros veículos de comunicação.Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. twitter@profjuacy Bloghttp://www.professorjuacy.blogspot.com/
RELATÓRIO DO 61º CONAD/ANDES-SN
Alair Silveira
Profª. Dra. Departamento de Sociologia e Ciência Política
Membro GTPFS/ADUFMAT
No período de 30 de junho a 03 de julho de 2016 foi realizado o 61º CONAD (Conselho Nacional dos Docentes), na cidade de Boa Vista/RR. Dedicado à atualização do Plano de Lutas e Prestação de Contas, o último CONAD também foi palco da posse da nova diretoria do Sindicato Nacional (biênio 2016/2018), assim como de uma emocionante homenagem ao professor Márcio Antônio de Oliveira[1], cuja história se confunde a do ANDES/SN.
Tanto a Plenária de Abertura quanto aquela consagrada à análise da atual conjuntura foram marcadaspor análises convergentes com relação ao agravamento dos ataques contra os trabalhadores em geral e aos servidores públicos em particular. Desta forma, sob a justificativa de crise econômica que demanda “ajustes” e “medidas impopulares”, projetos que subtraem direitos trabalhistas e garantias sociais têm assumido a dianteira e ganhado velocidade, não somente nas iniciativas do Legislativo e do Executivo, mas, também, na ‘cobertura’ da grande mídia.
Se a defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores - assim como o estreitamento da unidade tática das suas organizações - foi consensual entre delegados e observadores, a caracterização da atual crise política não o foi. Boa parte das discussões sobre a atual conjuntura foi consumida quanto à caracterização de golpe (ou não)com relação ao processo de impedimento da presidente afastada, na medida em que houve consenso quanto à ilegitimidade do governo Temer.
Ao final, foi aprovada a seguinte deliberação: Fora Temer, contra o ajuste fiscal e a retirada dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e cortes nas políticas sociais. Pela auditoria da dívida pública. Contra a política de conciliação de classe. Rumo à greve geral!
Essa consignia pautou-se tanto pelo reconhecimento da autonomia e coerência do ANDES/SN, que ao longo dos últimos anos denunciou e lutou contra as políticas de ataque aos direitos sociais e trabalhistas implementadas pelos governos petistas; quanto pelo reconhecimento de que governo do presidente interino, embora tenha emergido da legalidade procedimental, essa foi eivada de manobras políticas dedicadas a afastar a então presidente.
Consequentemente, o CONAD, ao mesmo tempo em que se posiciona contra o governo ilegítimo de Michel Temer, não reclama o retorno do governo Dilma Rousseff, na medida em que ambos são promotores dos ataques aos direitos sociais e trabalhistas. Nesse sentido, foram destacados os muitos projetos de lei que hoje tramitam com o empenho do governo interino, mas que foram propostos pelo governo anterior. Exemplo dessa convergência política entre o governo da presidente afastada e o atual governo interino é o PL 257/16, agora acompanhado da PEC 241/16. Ambos, juntamente com a aprovação da DRU(PEC 87/15) - que elevou para 30% o percentual de desvinculação até 2023, além de estender-se a estados e municípios -, representam um golpe de graves consequências para o conjunto dos trabalhadores.Por decorrência, a profundidade e a abrangência dos ataques aos trabalhadores públicos e privados não constitui prática restrita ao atual governo.
Reafirmada a centralidade da luta em defesa da educação pública, da carreira docente e da previdência social, as discussões no 61º CONAD tiveram como referências recorrentes três projetos que tramitam no Congresso (PL 257/16, PEC 241/16 e PL 867/15) e uma determinação reiterada: a necessidade de unidade tática dos trabalhadores para enfrentar tantas agressões a direitos trabalhistas e sociais tão arduamente conquistados.
Desta forma, se a Escola Sem Partido (PL 867/15) representa a criminalização da atividade docente, o PL 257/16 e a PEC 241/16 atuam como coveiros do serviço público e de seus servidores. Assim, em nome do “reequilíbrio fiscal”,o PL 257/16 defende a imposição de limites para o crescimento do gasto da União, dos estados e dos municípios, valendo-se para isso da suspensão de concursos públicos, congelamento de salários, suspensão do pagamento de progressões e gratificações, interrupção da política de valorização do salário mínimo, cortes no orçamento social etc. A PEC 241/16, por sua vez, estabelece teto para os gastos públicos, condicionando-os ao montante gasto no exercício do ano anterior, acrescido da correção pelo índice do IPCA. Em ambas proposituras, a conta do “desequilíbrio fiscal” é repassada para os trabalhadores e as políticas sociais. Em contrapartida, nem a dívida pública é posta sob auditoria (proposta foi vetada por Dilma Rousseff), nem a política tributária regressiva é questionada.Muito timidamente a política de incentivos e renúncia fiscal ao capital está sendo considerada para ser ‘revista’.
Em consequência, o Plano de Lutas o 61º CONAD aprovou o combate aosPL’s 867/15 e 257/16 e à PEC 241/16, mas, também, as seguintes diretrizes: a) Promoção de debates e divulgação de materiais (produzidos pelo ANDES/SN e pelo Fórum dos SPF) que subsidiem a luta contra o PL 257/16, a FUNPRESP e a Contrarreforma da Previdência; b)Integrar, junto com outros sindicatos, movimentos e entidades, a Frente Nacional contra o projeto Escola Sem Partido (PL 867/15);c)Apoio às lutas e ocupações estudantis, nas escolas e nas universidades, denunciando e combatendo quaisquer ações de criminalização e perseguição políticas;d)Organização de debates sobre o PL 782/15, que dispõe sobre pagamento pelo estudante universitário de anuidade em instituições públicas de ensino;e) Lutar contra as Leis 13.423/16 e 13.260/16, assim como pela sua revogação. A primeira refere-se ao Marco Legal de Ciência e Tecnologia e Inovação;a segunda, conhecida como ‘Lei Antiterrorismo’, que criminaliza a luta dos movimentos sociais e tem servido para a truculência de governos;f)Elaborar Cartilha sobre Fundos de Pensão estaduais e municipais;g) Defesa do SUS 100% estatal, pela preservação dos princípios da universalidade, integralidade, igualdade de acesso e controle social e pela ampliação do financiamento do sistema público de saúde, de forma articulada com a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde;h)Realização de Pesquisa sobre Saúde e Adoecimento Docente (seções sindicais em conjunto com VPR’s[2]), com subsequente publicação de Cartilha, para apresentação dos resultadosiniciais no próximo Congresso. Reafirmadas, também, as lutas contra a precarização e a terceirização do trabalho;i)Ampliar campanha de não adesão ao FUNPRESP também para professores com ingresso anterior a 2013;j) Realizar reunião conjunta dos Grupos de Trabalho (GT’s) de Políticas Educacionais, Carreira, Ciência e Tecnologia e Setor das IFES, na primeira quinzena de agosto, para discutir as consequências da Portaria n. 17, emitida em 13/05/16 pela Secretaria de Ensino Técnico (SETEC/MEC) para a carreira dos decentes federais (EBTT), articulada à discussão do RSC (Reconhecimento de Saberes e Competências); l)Realizar debatesque pautem a política energética do país, em seus marcos regulatórios, a partir da defesa do meio ambiente e da vida. Nesse particular, incluir estudos sobre as reservas brasileiras de nióbio, considerando as consequências da exploração e comercialização, especialmente quanto aos seus impactos ambientais e sociais, sobretudo nas comunidades tradicionais; m)Combate às várias formas de fobia contra a comunidade LGBT[3]; e, n) Articular debate sobre Medida Provisória 727/16, relativa ao Programa de Parcerias de Investimentos.
Grande parte dessas ações propõe a articulação com outras entidades e movimentos sociais, de forma a fortalecer a organização, resistência e mobilização dos trabalhadores, sejam servidores públicos, sejam da iniciativa privada; seja espaço do urbano, seja do campo. Nesta direção foram aprovadas as seguintes iniciativas: a)Fortalecimento dos espaços de unidade dos servidores públicos federais como o Fórum das Entidades Nacionais dos SPF (FONASEFE) e a rearticulação do CNESF;b)Fortalecimento da CSP-Conlutas e Espaço Unidade de Ação;c) Organização de atividades (em nível local e/ou nacional, via GTPFS) para construçãodo Encontro Nacional do ANDES/SN, dedicado à reorganização e unidade da classe trabalhadora (a ser aprovado no próximo Congresso);d)Realizar, em 2017 e em conjunto com outras entidades e movimentos sociais, Seminário Internacional sobre a reorganização da classe trabalhadora, em comemoração aos 100 da Revolução Russa e em memória dos 50 anos do assassinato de Che Guevara;e)Articular junto às demais entidades classistas, movimentos sociais e estudantis para a construção coletiva do processo de reorganização classista;f)Construir, em conjunto com entidades de servidores públicosfederais, estaduais e municipais, Campanha Nacional em Defesa da Previdência Pública e contra a retirada de direitos previdenciários através da Contrarreforma da Previdência; e, g)Empreender ações em conjunto com as seções sindicais, movimentos sociais e CSP – Conlutas, pela rejeição da PEC 53/14, que pretende dar nova redação aos artigos 21 e 177 da Constituição Federal (respectivamente relativos à competência da União e ao que constitui monopólio da União), assim como à PEC 65/12, que fragiliza os instrumentos de concessão de licenças ambientais, no sentido de facilitar o processo exploratório do solo e subsolo brasileiro.
Aprovadas, também, a ADUFF/RJ, na cidade de Niterói, como a Seção Sindical que sediará o próximo CONAD, assim como os nomes dos companheiros que irão compor a Comissão da Verdade do ANDES/SN.
Merece registro nesse Relatório, também, a manifestação pública de desagravo por parte da delegação da ADFUMAT, com relação a manifestações desrespeitosas e preconceituosas ocorridas no 35º Congresso do ANDES/SN, em Curitiba/PR, quando um delegado da ADUFMAT foi ostensivamente desrespeitado por suas opiniões com relação à política de cotas. Naquela oportunidade, seu direito à manifestação e o respeito às suas opiniões foram atropelados pela avalanche de intervenções favoráveis às cotas, manifestas de maneira ofensiva e, inclusive, racista.
No 61º CONAD, em Boa Vista/RR, foi feito desagravo e reivindicado respeito não somente à diferença de opiniões, mas respeito à história do próprio Sindicato Nacional, que se construiu sobre a polêmica, a dureza dos embates, mas jamais como um espaço de cerceamento e constrangimento àqueles que pensam e posicionam-se diferente das maiorias. Nesse aspecto, foi ressaltado que junto com o revigoramento da unidade classista é preciso revigorar, também, a democracia dos trabalhadores.
Por fim, resta observar que em que pese a dureza do momento, marcado por greves nas universidades estaduais; ocupações estudantis em várias cidades do país; atitudes repressivas como aquela promovida pelo Reitor da UFF contra o SINTUF/UFF; a situação de calamidade carioca e as condições de servidores e terceirizados da UERJ; o 61º CONAD aprovou não apenas um conjunto de lutas que apontam para a unidade da categoria, mas, também, da classe, assim como, acima de tudo, reafirmou a disposição de luta!
NÚMEROS QUE ASSUSTAM
JUACY DA SILVA*
Quando se fala em crise econômica geralmente o foco tem sido o descontrole das contas públicas, ou seja, os governos federal, estaduais e municipais, sistematicamente gastam mais do que arrecadam e aí surgem os famosos déficits públicos.
Apesar da gravidade da situação, geralmente a maior parte, para não dizer a quase totalidade, de nossos governantes não cumprem com a determinação constitucional, legal e de cidadania no sentido de dar transparência aos seus atos, mesmo porque se assim fosse não haveria tanta corrupção no Brasil.
Nosso país possui inúmeros organismos e instâncias para promover o controle dos gastos públicos e as ações de governo como os poderes legislativos federal, estaduais e municipais; os tribunais de contas da União, dos Estados e, ainda, de alguns municípios como SP e Rio de Janeiro, as controladorias gerais da União, dos Estados e municípios, as ouvidorias, as procuradorias, as auditorias, as instâncias policiais em todos os níveis, os Ministérios Públicos Federal e Estaduais, o Sistema judiciário e as entidades não governamentais como OAB, os movimentos de combate a corrupção eleitoral e em outras dimensões. Enfim, não é por falta de leis e organismos de controle que tanto a corrupção quanto a balbúrdia nas contas públicas campeiam de uma forma vergonhosa.
Todavia, quem de fato ajuda e em muito no controle da máquina pública, principalmente em seus desvios funcionais e em seu espírito paquiderme e de Ali Babá e seus , não quarenta, mas milhares ou dezenas de milhares de ladrões, tem sido a imprensa livre e investigativa, que ao longo dos tempos tem mostrado as chagas de nossos sistemas politico, econômico, judicial, administrativo e de gestão.
Estamos em plena crise econômica, financeira e orçamentária que beira o caos, que tem gerado recessão econômica, com encolhimento do PIB por três anos ou talvez chegue ao quarto ano consecutivo de ‘crescimento” negativo, fechamento de dezenas de milhares de empresas de todos os portes, gerando o desemprego de mais de 11,3 milhões de pessoas que até recentemente trabalhavam com carteira assinada e todas as garantias trabalhistas, previdenciárias e sociais, empurrando essas famílias para a informalidade, para a fome e a miséria, anulando todo o “esforço” feito pelos governos ao longo de mais de uma década com seus programas assistencialistas e paternalistas.
A recessão tem também outro efeito imediato que é a queda da arrecadação do poder executivo federal, estaduais e municipais, gerando instabilidade social , política e a deterioração da qualidade dos serviços públicos, afetando toda a sociedade, mas de uma forma mais cruel a camada mais pobre, mais de 150 milhões de pessoas que tem na saúde pública, na educação pública, na segurança pública as únicas fontes de atendimento para suas necessidades básicas.
Apesar de o Brasil ter uma das maiores cargas tributárias do mundo, nossos governantes anteriores e os atuais ao invés de cortarem privilégios e desperdício de recursos públicos, incluindo a corrupção, a incompetência, a inadimplência e a sonegação, teimam em penalizar a população com mais impostos e mais privilégios para as camadas superiores da sociedade e os próprios governantes e gestores de alto escalão, enfim, os donos do poder.
Nossos governantes continuam favorecendo os grandes grupos econômicos com renúncia fiscal, que deixa de arrecadar mais de 240 bilhões por ano; em conceder crédito subsidiado a vários setores empresariais, através do BNDES, BB, CEF e outros bancos públicos, onerando o Tesouro Nacional/contribuintes em mais de 100 bilhões por ano, fazendo vistas grossas ou ajudando através da morosidade e da corrupção os grandes sonegadores, onde apenas 0,1% das empresas sonegam mais de 425 bilhões por ano em impostos não pagos e ainda atuam para que a corrupção faça parte das ações do CARF, vide Operação Zelotes. O estoque da sonegação dessas empresas era de 723,4 bilhões de reais em dezembro de 2014 e o total só da Dívida Ativa da União DAU, em dezembro de 2015 era de 1,3 trilhões de reais e ao final deste ano deverá atingir próximo a 1,5 trilhões de reais. Só a dívida pública consome praticamente metade do Orçamento Geral da União, com gastos com juros, rolagem, e “administração” dessa dívida que não para de crescer e deverá ser mais de 2,4 trilhões de reais em dezembro vindouro e irá comprometer o futuro de nosso país.
Mesmo tendo tanto buracos a serem fechados e ativos/impostos a serem arrecadados dos maus pagadores, o Relator do Orçamento da União, Senador do PR/MT, Wellington Fagundes, atendendo “pleito” do Governo Interino Temer, teima em reintroduzir a famigerada CPMF que já foi rejeitada amplamente pelo Congresso Nacional e pela população brasileira.
Aumento de carga tributária em meio a uma grave crise econômica, desemprego e inadimplência generalizada e juros extorsivos irá contribuir ainda mais para penalizar as camadas média e mais pobres do país! Esta não é a saída, com certeza!
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista de A Gazeta.
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LIÇÕES PORTUGUESAS NA EUROCOPA
Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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No ápice da história de Portugal, ou seja, na saída da Idade Média para a Idade Moderna, a poesia portuguesa – tributária da primogênita “Cantiga da Ribeirinha” e demais cantigas trovadorescas, bem como dos audaciosos autos de Gil Vicente – navegou por “mares nunca dantes navegados”. Como poucos conseguiriam alhures, o poeta Luís Vaz de Camões cantou os grandiosos feitos de seu povo em Os Lusíadas, sua obra épica.
E sem preguiça, seu labor poético seguiu os cânones clássicos, herdados dos gregos e dos romanos. Nos 8.816 versos, dispostos em 1.102 estrofes, configuradas no esquema fixo das rimas (AB AB AB CC), inseridas em dez cantos, o poeta exalta Vasco da Gama, que liderara a descoberta do caminho marítimo para a Índia.
Junto com esse fio condutor, Camões descreve outros episódios da história de seu país. E exceto na parte final do Canto IV, no qual dá voz ao “Velho de Restelo”, que condena aquela empreitada portuguesa, ele, Camões, glorifica seu povo o tempo inteiro.
Já dentro do século XX, os portugueses ainda seriam brindados com outro poeta genial: Fernando Pessoa, que se desdobra em diversos heterônimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro. Um ser ímpar na literatura universal.
Entre Camões e Pessoa, é mister lembrarmos ainda de, pelo menos, um romancista do século XIX: Eça de Queirós. Depois de Pessoa, seria imperdoável não mencionarmos a tão saudável quanto vital irreverência literária de José Saramago. As considerações desse ateu convicto sobre a cultura judaico-cristã são perturbadoras e insuperáveis. Muitas vezes sua prosa também mergulha fundo na poesia.
Portanto, o povo português, pelo menos no que diz respeito à produção literária, não tem do que reclamar. E, agora, também não têm do que reclamar quanto ao desempenho de sua seleção de futebol, que se tornou a mais nova campeã da Europa.
Mas mais importante do que falar da vitória da seleção lusa de futebol é falar das cenas de comemoração do título. E dentre tais, há um destaque: aquela cena em que um garotinho português consola um choroso jovem francês que assistiu à derrota de sua seleção. Aquilo se aproximou, no plano das imagens reais, da construção de um lindo poema, pois a cena foi absolutamente lírica, imprevisível e plurissignificativa; foi uma puríssima manifestação da subjetividade humana, essencial para a concretização de um grande poema.
A preocupação e o respeito daquele pequenino lusitano com a dor do adversário, ainda que aquela dor pudesse ser nada perante as reais dores vividas na decante e cada vez mais excludente Europa, lhe fez proporcionar ao mundo inteiro – tão carente de humanidade – um gesto absolutamente humano e, por isso, verdadeiramente poético.
Depois disso, já nas ruas de Lisboa, em outro gesto significativo para este trágico momento político-econômico-social pelo qual passa a Europa, o ídolo mor dos lusitanos, Cristiano Ronaldo, não se esqueceu de oferecer aquele título também aos imigrantes que vivem em Portugal, dentre os quais, alguns fazem parte da seleção portuguesa. Logo, o atleta também foi poético, e daqueles que não perdem a oportunidade para expressar sua vertente mais engajada.
Quem diria! A Eurocopa 2016, que no início assistiu a tantas cenas de selvageria entre diferentes torcidas, fazendo-nos relembrar dos velhos digladiadores de priscas eras, acabou mergulhada em cenas poéticas, humanas, enfim; por isso, sempre necessárias para a construção de um futuro melhor para todos os povos.
ELEIÇÕES E PLANEJAMENTO MUNICIPAL
Juacy da Silva*
Estamos nos aproximando das eleições municipais de 2016, quando serão eleitos milhares de prefeitos e vice-prefeitos e dezenas de milhares de vereadores, para, como espera a sofrida população brasileira, realizarem uma gestão pública ética, transparente, eficiente, eficaz, efetiva e voltada para a solução dos problemas que, por décadas, tem afetado nossos municípios.
Talvez esta seja uma boa oportunidade para que os partidos políticos ou coligações e não apenas os candidatos, possam apresentar aos eleitores dois tipos de planejamento, um de curto prazo, ou seja, para o próximo mandato e ao mesmo tempo outro de médio e de longo prazos, com horizonte temporal de dez anos ou vinte anos, para que as futuras administrações possam ter continuidade.
Geralmente os candidatos apresentam uma série de promessas, muitas das quais verdadeiras peças de fantasia, esquecendo-se de realizar um diagnóstico profundo da realidade demográfica, social, econômica, ambiental e, mais importante do que isso, uma radiografia da situação orçamentária e financeira de cada município, incluindo as estratégias e as metas que balizarão cada gestão.
Bem sabemos que os municípios são os primos pobres de nossa federação, onde a União abocanha a maior parte, em torno de 63%, dos recursos que os contribuintes pagam em impostos, taxas e contribuições; os estados ficam com pelo menos 25% do bolo tributário nacional, restando aos municípios em torno de 12% ou pouquinho mais do que isso.
Tanto a União, quanto os Estados e municípios estão praticamente falidos, muitos, como no caso do Rio de Janeiro, que é um verdadeiro descalabro, não conseguem sequer pagar a folha de pagamento e demais encargos que a União repassou aos estados e municípios, sem que a contrapartida de recursos financeiros e orçamentários tivessem também sido compartilhados.
Ano após ano, assistimos um triste espetáculo de mendicância política, seja de prefeitos e governadores dirigindo-se a capital federal, quando realizam individualmente ou tendo a tiracolo um parlamentar federal, senador ou deputado, que ocupam a maior parte de seu tempo realizando atividades de padrinho ou despachante de luxo em Brasília. O espetáculo é mais deprimente quando prefeitos, aos milhares, resolvem realizar as famosas marchas, `a semelhança de alguns movimentos sociais e chegam até mesmo a demonstrar certa forma de “indignação” política, na esperança de “sensibilizar” nossos governantes, vale dizer, os donos do poder executivo, no caso o ou a presidente de plantão no Palácio do Planalto, que tem a “chave do cofre”, inclusive a liberação das famosas emendas parlamentares, uma espécie de moeda de troca nas relações entre os poderes executivo e legislativo.
O que prefeitos e em menor escala governadores, não sabem ou fingem não saber é que tudo isso representa um verdadeiro teatro ou circo político, onde três grandes problemas ou desafios estão postos na política brasileira. O primeiro é que o Estado brasileiro, ai incluindo União, estados federados e municípios não primam pela ética, pela transparência, pela decência e pela racionalidade quando se trata de arrecadação de impostos, taxas e contribuições e de outro não tem o mínimo cuidado com a aplicação do dinheiro público. Basta ver que o rombo nas contas públicas constantes do OGU Orçamento Geral da União, para 2016 foi aprovado pelo Congresso um déficit de 170 bilhões. Segundo, a corrupção tem sido a marca registrada tanto no Governo Federal quanto de estados e municípios, chegando a mais de duzentos bilhões de reais por ano, segundo pronunciamento de um procurador da República quando da apresentação do Projeto de Iniciativa Popular, encaminhado ao Congresso recentemente. Terceiro, pela incompetência do Governo e a falta de planejamento nacional de médio e longo prazo, o Brasil há praticamente quatro anos encontra-se em plena recessão e estagnação econômica e isto afetou profundamente as receitas federais , estaduais e municipais.
Resultado, os candidatos nessas eleições municipais não podem apresentar a população planos mirabolantes, desligados da situação em que vivemos, que é extremamente grave e nem podem imaginar que tem uma bola de cristal ou varinha de condão com o poder de gerar receitas fora das limitações que a crise está impondo ao país. Pior ainda é a situação dos pequenos municípios, com população menor do que 20 mil habitantes, cuja maior fonte de receita tem sido as transferências constitucionais e o principal fonte de renda de seus habitantes são as transferências da aposentadoria, do bolsa família ou outros programas assistencialistas.
Este é o quadro de nossos municípios que mobilizarão milhões de eleitores para escolher seus governantes para os próximos quatro anos. Oxalá os candidatos não estejam alienados quanto a esta realidade e possam realizar um debate honesto e aberto com a população sobre como encontrar as saídas para os problemas que diretamente afetam o povo e seus municípios. Chega de mentiras e demagogia, só a verdade abre caminho para as transformações.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twtter@profjuacy
Gervásio Leite, o orador
Benedito Pedro Dorileo
Bem sabemos que os estetas têm dificuldade em definir o belo, todavia insistem contrapondo-se aos céticos que negam tal possibilidade. Os estudiosos veem dificuldade na conceituação, ainda que o belo seja um valor, o belo vale. Se a ânfora é azul não importa desdizê-la. É azul e a sua beleza lhe é ínsita como valor; e os valores na filosofia são estudados diferentemente – em suma, valem. Sucede com o belo o que se dava com o tempo para Santo Agostinho: todos o sentimos, porém não sabemos defini-lo. Um crepúsculo diante de todas as maravilhas será belo em todo o viver humano. Assim, quando um objeto nos provoca emoção estética mais elevada, chamamo-lo de belo.
A emoção estética supre a nossa alma e arrebata-nos para o sublime diante da música, especialmente a clássica, ou de uma pintura, ou de palavra culta e eloquente, ou de uma escultura. Ou de encantamentos outros perante o harmonioso, profundo e sábio que provoca emoção e modifica o estado interior.
Estudando a retórica desde cedo percebi sua ligação com a estética. A oratória, como arte de dizer, compõe-se de palavras harmoniosamente dispostas a imitar a nobreza do estilo; produz sons com sutil analogia com o rumor das ondas, o uivo da ventania, o murmúrio dos regatos, a cadência da música.
No Colégio Salesiano São Gonçalo, fazia o meu gosto dedicar 30 minutos por semana à noção de oratória e sentia o prazer estético dos estudantes. Foi a época da minha palavra fácil de que guardo o estímulo de Alencastro Maria Alves a intitular-me de Cícero cuiabano. Ficou no tempo sem jactância.
Até parte do século XX, no Brasil pontificava a bela palavra com o poder de argumento e de eloquência. Buscar nas antologias o eco da voz de grandes tribunos que deram brilho e colorido à vida nacional, nas praças, no parlamento, no júri, na cátedra, no púlpito. Na nascente República, o verbo de José Bonifácio, o Moço; Silveira Martins, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco. A sobriedade de João Carlos Machado ou a impetuosidade de Maurício Cardoso.
Verdade é que a eloquência floresce quando viceja a liberdade responsável e honesta, como bem supremo do povo, oxigênio da democracia legítima. Oratória não é arenga de tribuno demagogo ou corrupto. Ou é honesta ou o povo deve desdenhá-la do convívio democrático.
Conheci um orador completo: Gervásio Leite, na advocacia criminal e na política, na educação e na vivência acadêmica, no jornalismo e na magistratura. Figura esbelta e tez morena. A base estava na inteligência fulgurante e na profundidade da sua cultura. Dele ouvi a ponderação sábia: “ Não há oratória digna desse nome quando não há paixão pela liberdade. Já não temos associações patrióticas fundadas no civismo, mas sindicatos, ainda que necessários, a pregar lutas de classes”.
Sabia ele combinar, como lídimo profissional do Direito, o culto solene da palavra, infundindo inspiração, estímulo e persuasão, sem resvalar na demagogia – como o fazia no arrebatamento do Tribunal do Júri. Sóbrio ou incisivo, estabelecia a cadência a pontuar a cesura (ponto mais alto sonoro) no momento certo, coincidindo com o acento tônico e distinguindo os hemistíquios.
Basta citar aqui um exemplo do seu verbo: “ O triunfo da probidade e da inteligência, da honradez e da cultura, da vida modesta, mas enriquecida pelo saber haurido na existência afanosa e feliz que permite ascender à culminância em ser recebido como triunfador, não o egoístico, mas o nobre. O triunfo que fica, que engrandece, que glorifica a honra e a luminosidade de uma inteligência vigorosa” (como presidente da AML ao abrir a sessão solene de posse do acadêmico Demosthenes Martins, em 1974).
Se estabeleceu o contraste da conjunção coordenada adversativa, soube Gervásio, detentor dos segredos retóricos, construir o clímax na sucessão das ideias, a criar ordenação crescente e decrescente – e conquistava aplauso o mais emotivo. Gervásio Leite não foi a lamparina dos brejos, sobretudo foi a luzerna nos altiplanos. Hosanas ao seu centenário.
Benedito Pedro Dorileo
é advogado e foi reitor da UFMT.
SEXTA CONFERÊNCIA DA CIDADE DE CUIABÁ
JUACY DA SILVA*
Teve início ontem, quinta feira, 30 de junho de 2016, a sexta conferência nacional das cidades, etapa municipal de Cuiabá, que terá continuidade nesta sexta feira, quando estão sendo discutidos temas e assuntos da mais alta relevância para o futuro da capital de Mato Grosso, que em breve (2019) deverá estar comemorando 300 anos de sua fundação.
Esta, como as demais conferências das cidades, realizadas em mais de mil cidades insere-se no bojo de articulações dos governos federal, através do Ministério das cidades e do Conselho Nacional das cidades, dos governos estaduais e seus respectivos conselhos estaduais das cidades e , lógico, da maioria dos municípios que contam com mais de 50 mil habitantes e também de seus conselhos municipais de cidades ou seus similares.
Na verdade, desde a primeira conferência nacional das cidades realizada em sua etapa nacional entre os dias 23 e 26 de outubro de 2003, uma série de ações vem sendo realizadas com vistas à formulação e implementação de uma política nacional de desenvolvimento urbano, tendo como parâmetros da Constituição Federal de 1988, em seus artigos 182 e 183, bem como a Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001, mais conhecida como Estatuto da Cidade e o Plano Diretor de Desenvolvimento , exigido para todas as cidades/municípios com mais de 20 mil habitantes.
Dos 5.570 municípios brasileiros, em 2014, nada menos do que 3.842 ou seja 69% tinham população com menos de 20 mil habitantes, ficando de fora dessas exigências constitucionais e legais, dando bem a ideia de que o desenvolvimento urbano no Brasil ainda está fora de controle e seus problemas, dadas as precariedades orçamentárias e financeiras que sempre enfrentaram e atualmente mais ainda enfrentam os municípios, não oferecem condições para um planejamento de longo prazo e muito menos de estabelecimento de normas urbanísticas.
No caso de Cuiabá, esta sexta conferência está proporcionando a discussão de velhos temas que de há muito vem fazendo parte dos discursos de governantes e candidatos a governantes, bem como de gestores públicos municipais e também das reclamações, protestos e reivindicações da população. Neste sentido são temas recorrentes, boa parte não resolvidos, apesar de que Cuiabá já contar com um Plano Diretor desde o final da década de oitenta, muito antes da aprovação do Estatuto da Cidade. Este Plano Diretor foi revisado, de forma participativa e democrática, ao longo de 2006 e aprovado pela Câmara Municipal através da Lei Complementar 150 de 29 de janeiro de 2007, com a denominação de Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá, com um horizonte de mais de dez anos, ou seja, para vigorar até 2020, com bússola de um planejamento de longo prazo, que deveria ser seguido por sucessivos governos municipais.
O tema desta sexta conferência, cujas etapas estaduais e nacional serão desenvolvidas até final de março de 2017, oferece bem a ideia que vem orientando essas discussões: A função social da cidade e da propriedade e o Lema é: Cidades inclusivas, participativas e socialmente Justas. Os eixos de discussão são os seguintes: a) Mobilidade e acessibilidade; b) Saneamento básico; c) Habitação; d) Regularização fundiária; e) gestão urbana e controle social.
Voltando ao Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá, o mesmo, apesar de já ter completado quase dez anos e ter estabelecido diretrizes e normas para o ordenamento urbano e outras funções da cidade, bem como inserir a necessidade de serem elaborados planos setoriais e especiais ou específicos direcionados para determinadas áreas ou desafios urbanos, o mesmo é praticamente desconhecido tanto por parte da população quando de autoridades, essas que deveriam propugnar pelo cumprimento de uma Lei tão importante.
Todos os problemas contidos no âmbito desses eixos de discussão são graves e, muitos, como no caso do saneamento, acessibilidade, mobilidade são críticos e já passaram da hora de serem enfrentados com racionalidade e compromisso social e politico. A própria gestão urbana tem sido feita de modo errático, faltando planejamento de longo prazo e sem continuidade, ficando ao sabor de cada prefeito ou Câmara Municipal, que são trocados a cada quatro anos ou as vezes até em menor prazo.
Enfim, desenvolvimento urbano exige planejamento, participação e controle das ações do poder público por parte da população que paga impostos e merece serviços públicos de qualidade e contínuo. Este é o sentido das conferências das cidades. Além das discussões são necessárias ações para mudar esta triste realidade que caracteriza o Brasil urbano.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista de A Gazeta.
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NUDEZ DE UM POVO
Roberto Boaventura da Silva Sá
Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP
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Eu já sabia que alguns temas trabalhados em meus artigos provocam fortes reações em muitos leitores. A religião é um deles. A política também, mas não mais do que a religião, que sempre aciona previsíveis moralismos. Agora, acabo de descobrir que falar de nudez também excita muita gente.
Desde o início deste mês, reservado aos festejos de santos católicos, como Antônio, João e Pedro, alguns articulistas têm se dedicado a reflexionar sobre uma das mais absurdas censuras que o espaço artístico cuiabano já sofreu: a mostra de fotografias de Tchélo Figueiredo, que expõe o nu feminino em cenários típicos do cerrado.
Como não poderia ser diferente, os articulistas se dividem entre apoiar ou execrar a exposição. Os leitores também assim se dividem. Como o conjunto de fotos é bonito e poético, os censores – articulistas ou leitores – se escondem no seguinte argumento: o lugar (um shopping) não é adequado para “aquilo”, pois “aquilo” (a nudez) agride nossas criancinhas.
Que bom ver papais e mamães preocupados com suas crias! Agora, que essa preocupação parece mentirinha de adulto, parece. Sem medo de errar, afirmo: assim como eu tenho feito, poucos articulistas deste estado já demonstraram em seus artigos tanta preocupação com o futuro de nossas novas gerações. O tema já foi abordado por mim sob diversas óticas, com prevalência de nossa falida educação, bem como da oferta do que há de pior em termos de bens culturais às crianças, adolescentes e jovens.
Portanto, papais e mamães cheios de pudores, preparem-se. Vou entrar – no plano simbólico, é claro – nas residências santificadas da maioria dos senhores, para os quais toda nudez deve ser castigada em nome de uma moralidade ancestral. Com licença, pois. Entro lembrando de um momento que é só felicidade em todos os lares: as festinhas de aniversários da gurizada.
Delas, relevarei a variedade das decorações. Nem vou ficar falando que, sem pejo, em momentos tais, a maioria dos adultos, sem vergonha ou culpa alguma, se alcooliza na frente dos pequenos. Falarei apenas das músicas que são tocadas nesses momentos ditos “infantis”. Quantos incentivam, p. ex., a audição e a dança de “A Arca de Noé” de Vinícius ou congêneres, como as lindas músicas de Toquinho para as crianças?
Raros, meus caros! Em momento de baixaria suprema de nossa vida cultural, até a Xuxa ficou ultrapassada para nossas inocentes criancinhas! Sem hipocrisias: não há mais nível e nem respeito social às crianças brasileiras; e isso já faz tempo.
Com raríssimas exceções, pergunto: o que se ouve e se dança nessas festinhas de crianças?
Lixos musicais. Como ignoro esses entulhos, tive o trabalho de ir à internet e, dentre tantos, buscar ali apenas um exemplo, que está a quilômetros de ser o pior: “50 reais” é o nome da música que selecionei. Dela, destaquei as seguintes pérolas:
“...E por acaso esse motel// É o mesmo que me trouxe na lua de mel?// É o mesmo que você prometeu o céu?// E agora me tirou o chão// E não precisa se vestir// Eu já vi tudo que eu tinha que ver aqui...// Não sei se dou na cara dela ou bato em você// Mas eu não vim atrapalhar sua noite de prazer// E pra ajudar pagar a dama que lhe satisfaz// Toma aqui uns 50 reais”.
E é dessa porcaria pra pior. Nossas crianças de hoje, acompanhando os adultos, cantam isso com a mesma naturalidade como as de antigamente “atiravam o pau no gato”.
Realmente, precisamos cuidar de nossas crianças. E se cuidarmos sem cinismos, o resultado será melhor.
Vamos nos despir das hipocrisias?
DO TUCANISTÃO DE FHC À TRANSILVÂNIA TEMERISTA: A VOLTA DA “PRIVATARIA TUCANA” COM A MP 727.(*)
José Domingues de Godoi Filho
UFMT/Faculdade de Geociências
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Em 12 de maio, com a publicação da Medida Provisória 727/2016, os vampiros “transilvânicos”, comandados pelo Drácula Temer e aliados à turma da “privataria tucana”, ressuscitaram o processo de desestatização implantado pelo governo FHC, que pretendia entregar à iniciativa privada as empresas estatais de interesse do capital privado, incluindo a Petrobrás, a Eletrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, dentre outras.
Com tal medida, agora poderão ser objeto de desestatização todas as empresas controladas, direta ou indiretamente, pela União e as estaduais e municipais. De acordo com o art.1º: “Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa de Parcerias de Investimentos - PPI destinado à ampliação e fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos de parceria para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização.
§ 1º Integram o PPI:
I- os empreendimentos públicos de infraestrutura executados por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta e indireta da União;
II- os empreendimentos públicos de infraestrutura que, por delegação ou com o fomento da União, sejam executados por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta ou indireta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios; e
III- as demais medidas do Programa Nacional de Desestatização a que se refere a lei nº 9.491, de 1997.” (grifo meu)
A MP 727/2016, no melhor estilo “transilvânico temerista”, se aprovada, será implementada por decretos que passarão por cima de qualquer outra medida, senão vejamos:
Art. 4º. O PPI será regulamentado por meio de decretos que, nos termos e limites das leis setoriais e da legislação geral aplicável, definirão:
I- as políticas federais de longo prazo para o investimento por meio de parcerias em empreendimentos públicos federais de infraestrutura e para a desestatização;
II- os empreendimentos públicos federais de infraestrutura qualificados para a implantação por parceria e as diretrizes estratégicas para sua estruturação, licitação e contratação;
III- as políticas federais de fomento às parcerias em empreendimentos públicos de infraestrutura dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios;
IV - as demais medidas de desestatização a serem implementadas; e
V - a agenda das ações.
No art. 5º, a MP 727/2016 dispõe que “os empreendimentos do PPI serão tratados como prioridade nacional por todos os agentes públicos de execução ou de controle (grifo meu), da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” Assim, não só os agentes encarregados de conduzir as parcerias, mas também os órgãos de controle, devem dar prioridade aos empreendimentos do PPI.
O Capítulo II da MP 727/2016 define que a execução dos projetos terá como órgão assessor ao Chefe do Poder Executivo o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (grifo meu) e incorporará as atribuições do Conselho Nacional de Desestatização criado pela mesma Lei N° 9.491, de 1997, que esteve à frente das privatizações de FHC.
Estabelece o art. 7º: - “Fica criado o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República como órgão de assessoramento imediato ao Chefe do Poder Executivo no estabelecimento e acompanhamento do PPI.
§ 1º. O Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República opinará, previamente à deliberação do Presidente da República, quanto às propostas dos Ministérios setoriais e dos Conselhos Setoriais (incisos IV e X do § 1.º do art. 1º. da lei nº. 10.683, de 2003) sobre as matérias previstas no art. 4º desta lei, e acompanhará a execução do PPI.
§ 2º. O Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República passa a exercer as funções atribuídas:
I- ao órgão gestor de parcerias público-privadas federais pela lei n.º 11.079, de 2004;
II- ao Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte pela lei nº 10.233, de 2001; e
III- ao Conselho Nacional de Desestatização pela lei nº 9.491, de 1997.
§ 3º. O Conselho será presidido pelo Presidente da República e integrado, com direito a voto, pelo Secretário Executivo do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, que também atuará como Secretário Executivo do Conselho, pelo Ministro Chefe da Casa Civil, pelos Ministros de Estado da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, dos Transportes, Portos e Aviação Civil e do Meio Ambiente e pelo Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES.
§ 4º. Serão convidados a participar das reuniões do Conselho, sem direito a voto, os Ministros setoriais responsáveis pelas propostas ou matérias em exame e, quando for o caso, os dirigentes máximos das entidades reguladoras competentes e o Presidente da Caixa Econômica Federal.
§ 5º A composição do Conselho do Programa de Parcerias de Investimento da Presidência da República observará, quando for o caso, o § 2.º do art. 5º da lei 9.491, de 1997.
§ 6º. Visando ao aprimoramento das políticas e ações de regulação, o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República poderá formular propostas e representações fundamentadas aos Chefes do Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como recomendações aos órgãos, entidades e autoridades da administração pública da União.
Com tal definição e, como já mencionado, “os empreendimentos do PPI serão tratados como prioridade nacional por todos os agentes públicos de execução ou de controle, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. As obras de infraestrutura representarão, em todos os níveis federativos, o caminho prioritário para a acumulação e lucro, tanto para os investidores e especuladores nacionais, quanto para os internacionais. Sob o comando da Presidência da República, com a aprovação da MP 727/2016, tal prioridade será imposta acima de tudo e de todos, inclusive nos planos estadual e municipal.
No art. 18 são, na prática, eliminados os obstáculos sociais, ambientais, culturais e trabalhistas que possam postergar ou interferir no lucro buscado pelos investidores privados.Vejamos:
- “Art. 18. Os órgãos, entidades e autoridades estatais, inclusive as autônomas e independentes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com competências de cujo exercício dependa a viabilização de empreendimento do PPI, têm o dever de atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam concluídos, de forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução. (grifo meu)
§1º Entende-se por liberação a obtenção de quaisquer licenças, autorizações, registros, permissões, direitos de uso ou exploração, regimes especiais, e títulos equivalentes, de natureza regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras, necessárias à implantação e à operação do empreendimento. (grifo meu)
§2º Os órgãos, entidades e autoridades da administração pública da União com competências setoriais relacionadas aos empreendimentos do PPI convocarão todos os órgãos, entidades e autoridades da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, que tenham competência liberatória, para participar da estruturação e execução do projeto e consecução dos objetivos do PPI.”
Trata-se da retomada da “privataria” do tucanistão de FHC, de forma ainda mais agressiva, com a adoção da ultraliberal “Agenda Brasil” anunciada inicialmente como “Ponte para o Futuro” (ou, melhor - para o atraso?). A prioridade é o empreendimento e a garantia da acumulação capitalista.
Todos os órgãos, inclusive o MMA – Ministério de Meio Ambiente, terão o “dever de atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam concluídos, de forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução”.
O conceito de liberação adotado deixa claro a voracidade e a disposição de impor os empreendimentos a qualquer custo: “a obtenção de quaisquer licenças, autorizações, registros, permissões, direitos de uso ou exploração, regimes especiais, e títulos equivalentes, de natureza regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras, necessárias à implantação e à operação do empreendimento”. Ou seja, na prática, como mencionei anteriormente, o MMA, o IBAMA, o ICMBIO, a FUNAI, a Fundação Cultural Palmares e o IPHAN não poderão atuar para evitar que empreendimentos passem por cima das leis de proteção do meio ambiente, de indígenas e outros povos e comunidades tradicionais; ao contrário, serão convocados para emitir as licenças necessárias aos empreendimentos definidos como prioritários pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República.
A situação (o golpe) começou ser pavimentada com a aprovação, sem alarde, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, no dia 27/04/2016, da PEC 65/2012, que rasga a legislação ambiental aplicada em processos de licenciamento de obras públicas, como demonstra didaticamente o Ministério Público Federal/Grupo de Trabalho Grandes Empreendimentos em sua nota técnica: -“ A Proposta de Emenda Constitucional nº 65/2012, ao acrescentar o § 7 no art. 225 da Constituição com a redação apresentada e aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal , altera por completo a sistemática vigente acerca do licenciamento ambiental, em flagrante. Violação a Cláusulas Pétreas da Constituição Federal, a princípios constitucionais explícitas e a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional.”(NOTA TÉCNICA – A PEC 65/2012 – MPF)
Soma-se o Projeto de Lei do Senado (PLS) 654/2015, de autoria do Senador Romero Jucá, que define um prazo curtíssimo para o licenciamento de grandes obras consideradas estratégicas pelo governo, como grandes hidrelétricas e estradas e que estabelece que em caso de descumprimento dos prazos, as licenças estarão automaticamente aprovadas. Com a aprovação da MP 727/2016, o “zelo” do Senador Jucá pelas questões socioambientais se tornará dispensável. Haja golpes.
Também é importante ressaltar que é criado, dentro do BNDES, um espaço privado para ampliar os ganhos dos investidores com a criação do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias:
- “Art. 16. Fica o BNDES autorizado a constituir e participar do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias, que possuirá prazo inicial de dez anos, renovável por iguais períodos, natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio do administrador e dos cotistas, e que terá por finalidade a prestação onerosa, por meio de contrato, de serviços de estruturação e de liberação para parcerias de empreendimentos no âmbito do PPI.
§1º O Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias será sujeito de direitos e obrigações próprios, com capacidade de celebrar, em seu nome, contratos, acordos ou qualquer ajuste que estabeleça deveres e obrigações e seja necessário à realização de suas finalidades.
§ 2º. O administrador e os cotistas do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias não responderão por qualquer obrigação do Fundo, salvo pela integralização das cotas que subscreverem.
§ 3º. O Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias será administrado, gerido e representado judicial e extrajudicialmente pelo BNDES.
§ 4º O Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias poderá se articular com os órgãos ou entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuja atuação funcional seja ligada à estruturação, liberação, licitação, contratação e financiamento de empreendimentos e atividades, para troca de informações e para acompanhamento e colaboração recíproca nos trabalhos.
§ 5º Constituem recursos do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias:
I- os oriundos da integralização de cotas, em moeda corrente nacional, por pessoas de direito público, organismos internacionais e pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, estatais ou não estatais;
II- as remunerações recebidas por seus serviços;
III- os recebidos pela alienação de bens e direitos, ou de publicações, material técnico, dados e informações;
IV- os rendimentos de aplicações financeiras que realizar; e
V- os recursos provenientes de outras fontes definidas em seu estatuto.
§ 6º. O Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias destinará parcela do preço recebido por seus serviços como remuneração ao BNDES pela administração, gestão e representação do Fundo, de acordo com o seu estatuto.
§ 7.º O Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias não pagará rendimentos a seus cotistas, assegurado a qualquer deles o direito de requerer o resgate total ou parcial de suas cotas, fazendo-se a liquidação com base na situação patrimonial do Fundo, sendo vedado o resgate de cotas em valor superior ao montante de recursos financeiros disponíveis ainda não vinculados às estruturações integradas já contratadas, nos termos do estatuto.
§ 8.º O estatuto do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias deverá prever medidas que assegurem a segurança da informação, de forma a contribuir para a ampla competição e evitar conflitos de interesses nas licitações das parcerias dos empreendimentos públicos.”
O BNDES, se aprovada a MP 727/2016, será o responsável pela garantia das condições financeiras e técnicas para a estruturação dos projetos de infraestrutura destinados aos investidores privados. Como fica claro no art. 16, § 8º, todo o processo não terá preocupação nenhuma com a transparência; ao contrário, o Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias “deverá prever medidas que assegurem a segurança da informação”. Ficam para trás qualquer perspectiva de transparência e de compromisso socioambiental também por parte do BNDES.
Finalmente, considerando, as fundações de apoio, de direito privado, impostas às universidades públicas, os cortes orçamentários, o estupro produzido pela DRU – Desregulamentação das Receitas da União, na destinação de verbas, previstas constitucionalmente, para a educação e o famigerado Código de Ciência, Tecnologia e Inovação, o art. 17 da MP 727/2016 abre espaço para mais um golpe ,isto é, a utilização indevida das universidades públicas para atender interesses privados ao prever que:
- “Art. 17. Para a execução dos serviços técnicos para os quais houver sido contratado, o Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias poderá se utilizar do suporte técnico externo de profissionais, empresas ou entidades de elevada especialização, cabendo aos agentes públicos do Fundo a coordenação geral dos trabalhos e a articulação com a administração pública titular e com os demais órgãos, entidades e autoridades envolvidos.
§1º. A contratação de serviços técnicos pelo Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias será realizada mediante regime de contratação a ser instituído de acordo com a legislação aplicável.
§2º. Os contratos de serviços técnicos celebrados com os profissionais, empresas ou entidades de elevada especialização técnica a que se refere o caput preverão que os autores dos projetos e estudos, na condição de contratados ou de subcontratados, e seus responsáveis econômicos, ficarão proibidos de participar, direta ou indiretamente, da futura licitação para a parceria.”
Com os retrocessos da “Ponte para o Futuro” e a publicação da MP 727/2016, o vampiro Temer retira do túmulo o programa entreguista “tucanistanês” de FHC e incorpora à sua horda os “tucanistaneses” Senador José CHEVRON Serra (Ministro das Relações Exteriores), o economista do apagão Pedro Parente (Presidente da Petrobrás), o mesmo que tentou impor uma penalidade a um docente da USP que publicou um trabalho expondo os descaminhos da política energética do governo FHC e o Senador Aloysio Nunes (líder do governo no Senado) que no dia seguinte à votação do impeachment viajou aos EUA para reuniões com autoridades norte-americanas, lobistas e especuladores. Como divulgado pelo The Intercept o Senador Nunes foi “se reunir com o presidente e um membro do Comitê de Relações Internacionais do Senado, Bob Corker (republicano, do estado do Tennessee) e Ben Cardin (democrata, do estado de Maryland), e com o Subsecretário de Estado e ex-embaixador no Brasil, Thomas Shannon, além de comparecer a um almoço promovido pela empresa lobista de Washington, Albright Stonebridge Group, comandada pela ex-secretária de Estado de Clinton, Madeleine Albright e pelo ex-secretário de Comércio de Bush e ex-diretor-executivo da empresa Kellogg, Carlos Gutierrez.” (Acessível em https://theintercept.com/2016/04/18/porque-o-sen-aloysio-nunes-foi-a-washington-um-dia-depois-da-votacao-do-impeachment/ - Em 01/06/2016.)
Com esse projeto político ideológico busca-se resgatar e incorporar com mais agressividade O TUCANISTÃO DE FHC À TRANSILVÂNIA TEMERISTA.
(*) - O texto foi uma contribuição à construção do TA e do TR para o 61º CONAD sobre a MP 727/2016, conforme encaminhamento da reunião conjunta GTPAUA e GTCT.