Segunda, 25 Agosto 2025 11:16

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Juacy da Silva*

 

 

“Para o Papa Leão XIV, a Igreja é a comunidade de fé fundada em Jesus Cristo e unida por uma fé comum, com um compromisso com a unidade dos cristãos, a reconciliação e a luta pela justiça social. Ele a vê como um instrumento de evangelização, promovendo a Boa Nova de Cristo e cuidando dos pobres, e também como uma instituição que deve cultivar o pensamento crítico e a compaixão. A Igreja também é um símbolo de unidade e continuidade da tradição apostólica.”

Muita gente imagina ou pensa que, com a morte do Papa Francisco, as preocupações e compromissos da Igreja em relação aos cuidados com a ecologia integral seriam “esquecidos”, diante de novos enfoques em seu magistério.
Todavia, em diversas ocasiões, o mesmo tem não apenas reforçado a importância da caminhada ecológica da Igreja na defesa da ecologia integral, mas também inserido essa caminhada em seu magistério.

Assim, “o Papa Leão XIV, ao discutir o compromisso da Igreja no cuidado com o meio ambiente, tem enfatizado a necessidade de um olhar contemplativo que transforme a relação da humanidade com a criação. Ele recordou que ‘somente um olhar contemplativo pode transformar esta relação com a criação e nos fazer sair da crise ecológica, cuja causa é a ruptura das relações com Deus, com o próximo e com a terra’. Além disso, Leão XIV destacou a importância de uma liturgia que celebre a Eucaristia como um ato de agradecimento ao Senhor e um meio de cuidar da criação, inspirando a conversão e a transformação da sociedade em direção ao bem-estar humano e à dignidade humana. A Igreja, segundo o Papa, deve ser um exemplo de cuidado e responsabilidade social, refletindo os princípios da Encíclica Laudato Si, promovendo a proteção ambiental e a dignidade humana.”

Fonte: site Vaticano News.

Olá, amigas e amigos. Como algumas pessoas costumam dizer, “o tempo voa” e, quando menos percebemos, o ano já está quase terminando e ainda não realizamos tudo o que havíamos planejado no início deste ano — e percebemos quantas coisas importantes deixamos para trás.
Outro dizer popular nos acorda, enfatizando que “o passado já passou”; o importante agora é o momento presente, que também passa rápido, e o futuro que está batendo às nossas portas, como querendo dizer: “Acorda! O tempo de realizar as coisas, de mudar, de transformar a realidade está chegando!” Não se omita. Não deixe que a passividade, a procrastinação, o desalento e a alienação tomem conta de sua caminhada, como na canção/música de Geraldo Vandré, “Pra não dizer que não falei das flores”, escrita e interpretada em pleno 1968 (ano do AI-5, início dos anos de chumbo no Brasil), quando diz: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”

Em se tratando de Ecologia Integral, nunca é demais enfatizar que a luta pelo cuidado do Planeta, de nossa Casa Comum, está assentada em três pilares ou fundamentos: a espiritualidade ecológica, as ações sociotransformadoras e a mobilização profética. Sem isso, nada é transformado e os desafios ecológicos apenas aumentam dia após dia, como temos observado com a crise climática, que tem se agravado sobremaneira nos últimos tempos.

Isto significa que, conforme tanto enfatizou o Papa Francisco ao longo de seus 13 anos de magistério, voltado profundamente para o resgate das deliberações e definições do Concílio Vaticano II, por meio das encíclicas Laudato Si’ e Fratelli Tutti, e das exortações apostólicas Querida Amazônia e Laudate Deum, em relação aos cuidados com as obras da criação e também às relações sociais, econômicas e políticas, é fundamental combater a destruição do planeta, do meio ambiente e o desrespeito à justiça social, aos direitos humanos, à justiça climática e o resguardo do planeta também para as futuras gerações (justiça intergeracional).

Da mesma forma, resguardando o legado do Papa Francisco e também o legado do Papa Leão XIII, ao publicar a encíclica Rerum Novarum, em 15 de maio de 1891, estabelecendo as bases da Doutrina Social da Igreja (DSI), o Papa Leão XIV também tem insistido que a Igreja deve ser sempre sinodal, mas também profética, samaritana e encorajada a lutar por uma paz desarmada, cuidando das pessoas — principalmente dos pobres, oprimidos, famintos, injustiçados e, claro, sem descurar seu compromisso (da Igreja) com a defesa da ecologia integral, das obras da criação — e que isto só é realizado, não com palavras, mas sim com ações concretas, inclusive com mobilização profética.

Cabe ressaltar que, quando falamos em calendário ecológico, no momento atual, além de inúmeras celebrações, reflexões, ações sociotransformadoras e mobilização profética que podemos e devemos realizar nos diversos territórios onde a Igreja esteja presente, está também em curso uma série de providências, sob a mística “A Igreja rumo à COP30”, como forma de preparar a participação da Igreja no que é considerado o maior evento climático anual do planeta e que, neste ano, em novembro, será realizado em Belém, estado do Pará.

Diante disso, precisamos estimular não apenas as reflexões e ações, e a mobilização profética voltadas para transformações profundas em nossas relações com a natureza, mas também nossas relações com nossos semelhantes e com o Criador, buscando transformações profundas, inclusive quanto aos sistemas econômicos e às relações de trabalho e de produção. Vale dizer: substituir os paradigmas de uma economia da morte, como atualmente existem em nosso país e no restante do planeta, por uma economia da vida, como tanto nos exortou o Papa Francisco.

É neste contexto que precisamos observar o calendário ecológico, seguindo também o método da Igreja: ver, julgar e agir/celebrar, a partir das realidades concretas de cada território eclesiástico — arquidioceses, dioceses, paróquias e comunidades eclesiais de base — e tendo como “pano de fundo” a máxima que nos exorta a “pensarmos globalmente, mas agirmos localmente”. Só assim iremos promover a conversão ecológica (individual e comunitária), para atingirmos um novo patamar de realidade, que denominamos de cidadania ecológica.

Por isso, devemos sempre nos lembrar da máxima do Papa Francisco, quando ele tanto insistia, ao referir-se aos desafios ecológicos:
“Tudo está interligado, nesta Casa Comum.”

Este é o caminho, em tempos de crise e também de esperança, para ainda podermos lutar por um mundo melhor, com justiça, equidade, solidariedade, amor e paz desarmada, como tanto vem enfatizando o Papa Leão XIV.


SEGUE CALENDÁRIO ECOLÓGICO DOS MESES DE SETEMBRO E OUTUBRO DE 2025

SETEMBRO

1º de setembro a 4 de outubro: Tempo da Criação

01 – Festa da Criação e momento de abertura do Tempo da Criação
01 – Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação
03 – Dia do Biólogo
05 – Dia da Amazônia
07 – Dia da Independência do Brasil
07 – Dia Mundial do Ar Limpo (Combate à Poluição do Ar)
11 – Dia Nacional do Cerrado
16 – Dia Internacional de Luta para a Preservação da Camada de Ozônio
19 – Dia Mundial de Luta pela Limpeza das Águas (ver também 22 de março)
21 – Dia da Árvore (ver também 21 de março e 17 de julho)
22 – Dia Nacional em Defesa da Fauna
25 – Dia da Bandeira dos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
29 – Dia Internacional de Conscientização sobre Perda e Desperdício de Alimentos (Dia Internacional do Desperdício Zero) – ver também 30 de março
29 – Dia Mundial dos Rios

OUTUBRO

01 – Dia do Vegetarianismo
03 – Dia Nacional da Agroecologia
04 – Dia de São Francisco de Assis
04 – Encerramento do Tempo da Criação
04 – Dia da Natureza
04 – Dia dos Animais
07 – Dia Mundial do Habitat
12 – Dia do Engenheiro Agrônomo / Engenheira Agrônoma
15 – Dia do Educador Ambiental
16 – Dia Mundial da Alimentação (Fome Zero)
17 – Dia da Agricultura
31 – Dia Mundial das Cidades

 

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em Sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral – Região Centro Oeste. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.; Instagram @profjuacy

Quinta, 21 Agosto 2025 14:53

 

 

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JUACY DA SILVA*

 

“A justiça ambiental – implicitamente anunciada pelos profetas – já não pode ser considerada um conceito abstrato ou um objetivo distante. Ela representa uma necessidade urgente que ultrapassa a mera proteção do ambiente. Trata-se verdadeiramente de uma questão de justiça social, econômica e antropológica. Para os que creem em Deus, além disso, é uma exigência teológica, que para os cristãos tem o rosto de Jesus Cristo, em quem tudo foi criado e redimido. Num mundo onde os mais frágeis são os primeiros a sofrer os efeitos devastadores das alterações climáticas, do desflorestamento e da poluição, cuidar da criação torna-se uma questão de fé e de humanidade. Chegou verdadeiramente o tempo de dar seguimento às palavras com obras concretas, vivendo a vocação de guardiões da obra de Deus para que as sementes de justiça possam germinar, “contribuindo para a paz e a esperança”. Papa Leão XIV.

Para a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) “pastoral é uma ação ou conjunto de atividades que a Igreja Católica realiza para cumprir sua missão de continuar a obra de Jesus Cristo, abrangendo diferentes grupos e realidades. Ela envolve a evangelização e o anúncio do Evangelho por meio de serviço, diálogo e testemunho.

Neste sentido, as pastorais são formas concretas de evangelização (através de ações sociotransformadoras e de mobilização profética), adaptadas às diversas realidades e necessidades da sociedade e, assim, as pastorais sociais, inseridas na dimensão sociotransformadora, em particular, buscam promover a justiça social, a caridade e a paz, atuando em áreas como a defesa dos direitos humanos, a assistência aos mais vulneráveis, a promoção da dignidade humana, combatendo as desigualdades, os preconceitos, o racismo e, também, a defesa da ecologia integral.

A ação pastoral busca o diálogo com a sociedade procurando construir pontos e parcerias tanto internamente na Igreja quanto com movimentos e organizações populares e organismos públicos, para responder aos desafios contemporâneos, incluindo os desafios socioambientais, entre os quais não podemos esquecer de destacar a grave crise climática que estamos vivenciando nos últimos anos e décadas e construir um mundo mais justo, fraterno, inclusivo, de paz e sustentável, com mais equidade e menos desigualdade social e violência.

O mundo todo, inclusive o Brasil, enfrenta inúmeros desafios socioambientais, como a destruição da biodiversidade, a poluição dos solos, das águas, do ar, o desmatamento, a destruição de nascentes e outros mais que culminam com a crise climática e suas terríveis consequências tanto em relação à natureza quanto em relação às pessoas e sistemas produtivos; mudanças essas que, se não forem interrompidas ou mitigadas a tempo, podem colocar em risco a própria sobrevivência de todos os tipos de vida no planeta, inclusive a vida humana.

Diante disso, não foi por acaso que o Papa Francisco, em 24 de maio de 2015, publicou a Encíclica Laudato Si (sobre a Ecologia Integral e o cuidado com a Casa Comum), mesmo ano em que a ONU estabeleceu os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e, durante a realização da COP 21, foi firmado o Acordo de Paris, ano considerado emblemático diante da gravidade da crise socioambiental planetária.

Novamente, em 12 de outubro de 2023, o Papa Francisco escreveu a Exortação Apostólica Laudate Deum, endereçada não apenas aos participantes da COP 28, que foi realizada naquele ano, mas também a todos os cristãos (católicos e evangélicos) e não cristãos, enfatizando que, apesar de naquele ano já terem se completado oito anos da publicação da Laudato Si, pouco havia sido feito, em termos concretos, diante de vários indicadores estabelecidos na Agenda 2030, para enfrentar de forma efetiva a mudança/crise climática e seus efeitos deletérios.

Neste ano de 2025, novamente a Igreja particular, no caso a Igreja do Brasil, escolheu o tema da Ecologia Integral para ser o lema da Campanha da Fraternidade, dando sequência a outras oito campanhas anteriores que também dialogaram com temas ecológicos.

Todavia, quando nos debruçamos sobre a situação socioambiental do Brasil e do planeta, na etapa do método da Igreja – VER – constatamos que poucos avanços têm sido feitos e a degradação dos biomas, dos ecossistemas continua a todo vapor, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, razão pela qual a Igreja, enquanto um todo no país, não pode se omitir diante desses desafios.

Sempre é bom lembrar que, para a Igreja Católica, omissão é pecado e, no caso da omissão diante da destruição das obras da criação e do agravamento da crise socioambiental, é um pecado ecológico, que para a sociedade civil são crimes ambientais.

Assim, cremos que uma das formas, ou a melhor forma, de a Igreja se posicionar de forma efetiva, permanente, com ações sociotransformadoras e mobilização profética, buscando tanto a conversão ecológica – individual e comunitária – bem como a mudança de paradigmas de uma economia da morte por outros e novos paradigmas que possibilitem o florescimento da economia da vida, como nos exortava o Papa Francisco ao falar e propor a “Economia de Francisco e Clara”, como um novo modelo de economia, poderia ser realizada através das ações e atividades da Pastoral da Ecologia Integral, devidamente apoiada e articulada nacionalmente pela CNBB; o que, atualmente ainda, inexplicavelmente, não existe.

Todavia, apesar desses dez anos de Laudato Si e dois anos de Laudate Deum, a presença da Pastoral da Ecologia Integral na Igreja no Brasil ainda é bastante insignificante, considerando que no Brasil existem 48 arquidioceses; 217 dioceses; 7 prelazias; mais de 12 mil paróquias; mais de 180 mil comunidades eclesiais (de base); mais de 320 bispos e arcebispos; aproximadamente 30 mil padres (sacerdotes, vigários e párocos); além de aproximadamente mais de 30 mil freiras de vida consagrada e em torno de 120 milhões de pessoas que se consideram católicas, ou seja, 56,7% da população total do Brasil, conforme o último Censo Demográfico do IBGE em 2022.

Convenhamos, a Igreja Católica tem ou poderia ter um peso considerável em todas as dimensões da vida nacional e, em relação ao que poderia estar fazendo no combate à degradação dos biomas, dos ecossistemas e por um melhor cuidado com as obras da criação, poderia ser algo extremamente grandioso.

Mas, para tal, é fundamental que, além de palavras e exortações, passemos às ações sociotransformadoras e muita mobilização profética, e tudo isso pode ser realizado pela Pastoral da Ecologia Integral, desde que a mesma esteja presente em todos os territórios eclesiásticos mencionados e também conte com o apoio e orientação (espiritualidade ecológica) da hierarquia eclesiástica e também a participação de dezenas de milhares de leigos e leigas engajados e engajadas na vida e caminhada pastoral, em defesa da Ecologia Integral.

No dia 19 de agosto de 2025, ocorreu, de forma virtual, uma reunião entre a Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB, três bispos diocesanos referenciais da PEI – Regionais da CNBB Leste 1, Sul 1 e Sul 2 – e quatro integrantes da Coordenação Geral da Pastoral da Ecologia Integral do Brasil (APEIBR).

O objetivo da reunião foi a promoção de um diálogo tendo em vista situar a PEI no contexto das ações pastorais sociotransformadoras e de mobilização profética da Igreja, no maior número de arquidioceses, dioceses, paróquias e comunidades eclesiais no Brasil como um todo.

Constata-se que a organização da PEI tem sido muito mais resultado do esforço de um grupo cada vez maior de leigos e leigas engajados, que têm abraçado a luta em defesa da Casa Comum, da Ecologia Integral, a partir da realidade socioambiental de cada território eclesiástico considerado.

Constata-se que, apesar desse esforço enorme, a Igreja, no caso a CNBB Nacional, ainda não abraçou totalmente a referida pastoral, não apenas a nível nacional, mas na grande maioria dos Regionais da CNBB não existe bispo ou sacerdote como referenciais, nem uma comissão regional para contribuir para um trabalho mais articulado, duradouro e profundo.

A estruturação, organização e implantação da PEI ainda encontram certa resistência ou desinteresse tanto por parte de leigos e leigas quanto de integrantes do clero e das organizações de religiosos e religiosas na maior parte dos territórios eclesiais.

Constata-se ainda a falta de uma consciência em relação à gravidade da crise socioambiental, principalmente da crise climática e de todas as formas de degradação dos biomas e ecossistemas, razão pela qual um, ou talvez o maior desafio, seja a conversão ecológica dentro da própria Igreja, tanto na dimensão individual quanto comunitária, como tanto nos exortava o Papa Francisco, além do negacionismo ecológico de amplos setores da sociedade brasileira, principalmente dos que ainda lucram com esta destruição da natureza.

Diante disso, conforme pode-se perceber da memória daquela reunião, existem inúmeros desafios que precisamos refletir em torno dos mesmos para que a Igreja, como um todo no Brasil inteiro, possa realizar um trabalho de forma mais orgânica e institucional e não apenas através de um esforço quase que marginal às ações planejadas de cada arquidiocese, diocese, paróquia ou comunidade, como vem acontecendo.

A leitura da memória desta reunião – a segunda propriamente dita, tendo em vista que há pouco mais de um ano foi realizada a primeira reunião presencial em 2024, em Brasília, entre nove representantes regionais da APEIB, Dom Vicente (bispo presidente da Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB) e o padre Dário, ocasião em que a maior parte das preocupações e assuntos abordados na reunião, objeto desta memória que integra esta reflexão, também foram objeto de reflexão.

Naquela reunião presencial, foi pontuada a importância do tema da Campanha da Fraternidade de 2025 (Fraternidade e Ecologia Integral), das celebrações dos dez anos da publicação da Encíclica Laudato Si, dos 800 anos das celebrações do Cântico das Criaturas e da realização da COP 30, em Belém, no final deste ano de 2025.

Todos esses eventos e celebrações foram considerados momentos significativos para a expansão dos trabalhos da PEI e a possibilidade de organização/estruturação da mesma em um maior número de territórios eclesiásticos, o que, lamentavelmente, não tem ocorrido como esperado, razão pela qual os integrantes do Conselho Nacional e da Comissão Executiva da Articulação Nacional da PEI do Brasil voltaram a buscar um diálogo mais formal, desta vez incluindo os três bispos referenciais já mencionados.

Oxalá a Igreja no Brasil possa “avançar para águas mais profundas” e abraçar de vez, e com determinação, o desafio de realmente defender, através de ações sociotransformadoras e de mobilização profética, a causa da Ecologia Integral e possamos promover mudanças de hábitos, costumes e de estruturas produtivas, seguindo os ensinamentos dos Papas Francisco e Leão XIV.

É neste contexto que esperamos que a Pastoral da Ecologia Integral possa inserir-se, de fato, no esforço da CNBB de sermos “o sal da terra e a luz do mundo” quando se fala em defesa da Ecologia Integral.

 

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em Sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia Integral – Região Centro Oeste. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..r" target="_blank">O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.; Instagram @profjuacy

Quinta, 21 Agosto 2025 10:16

 

 

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Juacy da Silva*

 

Em um pronunciamento na Câmara Municipal de Cuiabá, o prefeito Abílio Brunini, já bem conhecido pelas suas formas estapafúrdias de “fazer política”, mais uma vez usou palavras chulas para tentar desqualificar o ensino público e, particularmente, a Universidade Federal de Mato Grosso, que, ao longo de mais de meio século (55 anos a completar em dezembro próximo), já formou dezenas de milhares de profissionais extremamente competentes em diversas áreas e que têm desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento de Mato Grosso e do Brasil.

Hoje, com três campi (Cuiabá, Pontal do Araguaia - Barra do Garças e Sinop), e outros ainda em processo de instalação, além do antigo campus de Rondonópolis, hoje mais uma universidade federal no estado de Mato Grosso, a UFMT é uma referência em excelência tanto no ensino de graduação quanto de pós-graduação, lato e stricto sensu, com vários cursos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, todos bem avaliados pelas instituições verificadoras (MEC), além de reconhecimento internacional.

Abílio disse que o ensino superior público em Mato Grosso é uma “BOSTA”, incluindo a UFMT, o que, além de demonstrar sua falta de educação, de polidez para uma autoridade como prefeito de uma capital, denigre não apenas a instituição UFMT em si, mas também todos os seus servidores técnicos e administrativos e, principalmente, o quadro docente da UFMT, da qual sou professor fundador, titular e aposentado, tendo tido a oportunidade de fazer parte dos três primeiros docentes desta universidade a ir para os EUA nos idos de 1974 realizar mestrado.

Posso testemunhar que a UFMT tem enfrentado problemas, principalmente de natureza financeira e orçamentária, que a impossibilitam de galgar novos patamares em termos de excelência, tanto no que concerne ao ensino ministrado na graduação quanto na pós-graduação; na pesquisa, que também tem contribuído sobremaneira para aprofundar o conhecimento local, regional e universal em várias dimensões e, claro, devolvido à sociedade brasileira e, particularmente, a Mato Grosso, através de diversos serviços de extensão, aproximando os alunos e docentes dos saberes populares, tradicionais e ancestrais à contemporaneidade do conhecimento científico e da revolução tecnológica em curso no mundo inteiro.

Além disso, a UFMT, ao longo desses 55 anos, tem estado ao lado dos movimentos e das organizações populares na luta contra a violência, por justiça social, igualdade de gênero, inclusão social e garantia dos direitos humanos fundamentais de tantos grupos demográficos existentes em nosso estado, como os trabalhadores urbanos e rurais, os quilombolas, os povos indígenas, ribeirinhos e também setores econômicos, industriais e agropecuários.

Como docente da UFMT, FUNDADOR, TITULAR E APOSENTADO, do que me orgulho sobremaneira, repilo e condeno veementemente a forma descortês, mal-educada e desrespeitosa como um prefeito de nossa capital, inclusive com uso de expressão chula, imprópria para qualquer pessoa — muito mais para alguém que exerce um cargo tão importante — achincalhou nossa Universidade Federal de Mato Grosso.

Oxalá os assessores do nosso prefeito possam fazer ver ao mesmo o seu equívoco e que o mesmo tenha a humildade suficiente de reconhecer seu erro e pedir desculpas/perdão a tantas pessoas, milhares de alunos que atualmente estão cursando a UFMT ou dezenas de milhares de profissionais que passaram pelos bancos da UFMT e hoje, ou outrora, foram profissionais altamente qualificados e prestaram um grande papel ao desenvolvimento de nosso estado e do Brasil.

Respeito e boas maneiras são formas civilizadas de nos relacionarmos publicamente, senhor prefeito, e todo mundo gosta e merece!

 

Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em Sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral – Região Centro Oeste. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. ; Instagram @profjuacy 

 

 

Segunda, 18 Agosto 2025 10:49

 

 

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Aldi Nestor de Souza
Professor do Departamento de Matemática – ICET/UFMT
Alair Silveira
Professora e Pesquisadora do Depto. de Sociologia e Ciência Política e do PPGPS/ICHS/UFMT
Roberto Boaventura de Sá
Professor Aposentado do Departamento de Linguagem – IL/UFMT


 

            De pronto, esclarecemos que este pequeno artigo tem como objetivo refletir sobre a demissão de três trabalhadores da ADUFMAT (dois deles da área de comunicação), ocorridas no último dia de mandato da Diretoria “Lutar e mudar as coisas nos interessa mais” (2023-2025), sob a alegação de que “se trata de uma reestruturação da ADUFMAT, fortemente motivada por questões financeiras”, conforme justificado na Assembleia Geral realizada no dia 12 de agosto/2025.
            Marx, em 1845, foi cirúrgico ao asseverar que a prática é o critério da verdade. Assim, se são os fatos (e não suas “narrativas”) que nos permitem averiguar o conteúdo das práticas, há que refletirmos sobre as incoerências entre o discurso e a prática, para além de lamentar a profundidade com que tais incoerências têm se banalizado dentro do nosso sindicato e, consequentemente, se estendido pelas seções sindicais que conformam a base do ANDES-SN.
            Particularmente a partir do 35º Congresso Nacional do ANDES-SN, realizado em Curitiba/PR, em 2016, foi se cristalizando nas proposições, nos embates e nas deliberações, um movimento crescente que tem se caracterizado, dentre outras coisas: a) pela redução, nos eventos nacionais, do tempo dedicado à discussão política; b) pela secundarização das reivindicações de classe em relação às demandas identitárias; c) pela pressuposta autossuficiência sindical e sua consequente desarticulação (e desorientação) no campo da unidade organizativa de classe; d) pelas progressivas mudanças estatutárias que, muitas vezes, comprometem a vitalidade da política sindical; e) pela crescente pessoalização dos embates, transformando disputas políticas em hostilidades pessoais; f) pela eleição da cultura punitivista e de exclusão como método de atuação sindical; g) pelo contingenciamento da política direta para liberação da métrica institucional e de neutralização do PROIFES; h) pela ressignificação da democracia de base e do papel das direções.
            Este longo, tenso e contraditório processo de transformação do ANDES-SN[1] não implica, absolutamente, ausência de disputas, críticas e enfrentamentos internos. A greve de 2024 evidenciou ainda mais estas transformações: de um lado, a insurgência da base; de outro, o papel das direções.
            A ADUFMAT-S. Sind. ANDES-SN, em que pese sua elogiável trajetória de luta e resistência (nacionalmente reconhecida), não passou imune a este processo que, por óbvio, não se desenvolveu à revelia de significativas transformações estruturais e societárias. A questão, contudo, é sob quais compromissos, princípios e propósitos atuamos fora e dentro do sindicato.
            Como o critério da verdade é a prática (Marx), há que refletir sobre os últimos acontecimentos envolvendo a ADUFMAT. Primeiramente, porque embora o Sindicato tenha sob a sua responsabilidade trabalhadores, ele não é uma empresa. Não somente pela sua finalidade (entidade de representação de interesses dos trabalhadores), mas porque manuseia recursos financeiros que não provêm da concorrência mercantil. As direções, que são eleitas para mandatos executivos de representação sindical, devem orientar-se pelos Estatuto do Sindicato Nacional (ANDES-SN) assim como pelo Regimento da Seção Sindical.
            De acordo com o Estatuto do ANDES-SN, atualizado no 43º Congresso Nacional (2025), a referência à solidariedade e à unidade de classe permanece reafirmada no artigo 5º, VIII. O Regimento da ADUFMAT (2018), por sua vez, no artigo 3º, reitera como objetivos da Seção Sindical “lutar pela valorização da carreira docente, de forma isonômica para ativos e aposentados, e pela garantia dos direitos sociais do conjunto da classe trabalhadora” (II), assim como “promover a integração entre professores, estudantes, servidores técnico-administrativos e trabalhadores da UFMT e, destes com demais categorias da classe trabalhadora” (V).
            Não bastassem as determinações estatutária/regimental que norteiam a atuação do Sindicato, importa destacar a assertiva da professora (e duas vezes presidente do ANDES-SN), Marina Barbosa Pinto, sobre a história do Sindicato: [...] a síntese central é a seguinte: a forma organizativa da classe trabalhadora para defender seus direitos, para se apresentar como sujeito social, na realidade, vai estar diretamente determinada pelas relações de capital e trabalho [...] (p. 309). Para se ter um projeto de classe, é preciso estar na classe, ser da classe, se reconhecer como classeandar com a classe, a gente precisa de movimentos que são objetivos e são subjetivos. Portanto, somos classe, mas isso não é simples. Porque essa compreensão é fundamental para dizer que tipo de organização você possui, que tipo de sindicato se tem, qual sua pauta, o que ele vai fazer e como fará por sua corporação e lutas sociais mais gerais. (CADERNO GTPFS I, 2021, p. 312 – Grifos nossos)
            Por que estas citações literais se fazem necessárias? Porque as relações entre trabalhadores e trabalhadores, mesmo que mediadas por relações hierárquicas, não podem obscurecer a condição de classe que os une, tampouco de que o sindicato não é empresa privada, cuja lógica mercantil impõe-se sobre os direitos e a solidariedade de classe. Sob a lógica empresarial, as dificuldades de caixa se resolvem pelo caminho mais fácil: demissões e recontratações por salários mais baixos. Estas são práticas que o Sindicato, historicamente, denuncia e combate. Então, é possível que seja um sindicato de trabalhadores a reproduzi-la quando se trata de relacionar-se com seus próprios trabalhadores?
            A condição de trabalhador não implica, necessariamente, que não possam existir problemas com relação ao desempenho do trabalho. Mas, para isto, inclusive a CLT assegura que os trabalhadores sejam advertidos previamente, de maneira a garantir-lhes o direito de serem informados quanto aos problemas apontados e possam, assim (se quiserem), revertê-los. Historicamente, não somente a demissão patronal arbitrária, mas também a forma inesperada como a ruptura do vínculo é informada, sempre foram denunciadas e combatidas pelos sindicatos de trabalhadores.
            Assim, se de parte das direções sindicais existem, muitas vezes, dificuldades em compreender (na condição de administradores), o papel das entidades sindicais; também da parte dos trabalhadores dos sindicatos há, muitas vezes, dificuldades em compreender que não se trata de um emprego, mas de uma relação profissional. Estas dificuldades, entretanto, se resolvem no cotidiano das relações laborais, respeitando-se direitos básicos (como o direito a reclamar direitos) e, principalmente, compreendendo que o direito a ter direitos é uma luta histórica dos trabalhadores.
            Desta maneira, os últimos acontecimentos nas relações de trabalho na ADUFMAT precisam ser enfrentados como um problema que não se justifica pela contabilidade, mas pela política. E como questão política precisa ser enfrentado. Afinal, com que autoridade condenamos as práticas patronais se as reproduzimos contra aqueles que, circunstancialmente, a nós estão subordinados? Em que ambiente de confiança política podemos desenvolver política sindical se não respeitamos os trabalhadores do sindicato como legítimos trabalhadores, portadores de direitos que reivindicamos para nós enquanto categoria?
            É urgente que revisemos nossas práticas sindicais! É urgente que o pertencimento de classe não se restrinja a uma referência presente nos artigos e discursos, mas uma prática efetiva e cotidiana. E, como tal, se constitua em critério da verdade.

 


[1] Este processo tem sido objeto de muitas análises publicadas, inclusive, no Espaço Aberto da ADUFMAT. A título de referência, a Coleção de 10 textos sobre Organização e Filiação Sindical (2023) produzida pelo GTPFS/ADUFMAT-ANDES-SN, assim como artigos dedicados a apontar tais transformações, tendo como referência eventos nacionais: Cotas de Intolerância (2019, de Aldi Nestor de Souza); Deltan fez Escolao powerpoint do ANDES-SN (2022, Alair Silveira); Nas ruas ou nas urnas? (2022, Alair Silveira et al.); Que Sindicato queremos? (2023, Alair Silveira); 2024Reflexões sobre a greve do ANDES-SN (2024, Alair Silveira).

Sexta, 08 Agosto 2025 10:44

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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José Domingues de Godoi Filho
UFMT/Faculdade de Geociências

 
           Num mundo extremamente dependente dos recursos minerais, de energia e outras matérias primas, a demanda por tais recursos aumentou e acelerou o desenvolvimento da indústria extrativa. A voracidade, em especial, pelos recursos minerais vem representando uma ameaça real para a paz e para a segurança da espécie humana. Por exemplo, os conflitos no Mali (África) e os bombardeios franceses realizados, com a justificativa falaciosa de conter o terrorismo fundamentalista, escondem a disputa pelo urânio da região, explorado pela estatal francesa Areva. Outro exemplo, bem próximo, é a atual situação social, política e econômica enfrentada pela Bolívia, Chile e Argentina que, dentre outras variáveis, inclui o denominado “triângulo do lítio”, onde se concentra uma das maiores reservas de lítio do mundo. A importância do lítio vem crescendo devido sua utilização na indústria de baterias recarregáveis para veículos elétricos e híbridos. Isso sem esquecer que a indústria dos EUA, Japão, França, Alemanha, Inglaterra e Comunidade Europeia dependem em quase 100% de cromo, cobalto, platina, manganês, tântalo, estanho, níquel, tungstênio, vanádio, zircônio, titânio e nióbio.

          As disputas geopolíticas envolvendo os EUA, a China e a Rússia têm ampliado a demanda pelos recursos naturais e energia, de tal maneira que a exploração de minerais e combustíveis fósseis atingiu níveis impensáveis. Nesse cenário, tem aumentado à pressão das empresas sobre os Estados para obtenção de facilidades e para o desenvolvimento de seus distritos minerais, especialmente, nos países da América Latina. A exploração dos recursos naturais na América Latina e no Brasil teve sua retomada mais recente na reestruturação econômica ocorrida nos anos 90, na maioria dos países. Apoiado pelos governos, os investimentos estrangeiros se tornaram objeto do desejo e, nesse sentido, foram implementadas privatizações de empresas, assinados decretos, leis e regulamentações com o objetivo de atrair os investidores estrangeiros, aceitando as propostas e reivindicações das empresas transnacionais. Obviamente, a pressão dos investidores para a exploração dos recursos naturais também significou pressão sobre os ecossistemas e as comunidades que compartilham seus territórios com jazidas minerais, hidrelétricas e outras obras de infraestrutura destinadas à produção de recursos naturais, principalmente para exportação.

          As empresas envolvidas com a exploração de recursos minerais, invariavelmente, se apresentam prometendo melhorias nas condições de vida das populações: prometem a construção de escolas, hospitais, estradas e geração de empregos. Contudo, o que se tem observado é que as comunidades locais experimentam o aumento da pobreza, destruição dos meios de sobrevivência, conflitos violentos, desrespeito aos direitos humanos, degradação ambiental e corrupção.

          As empresas envolvidas com a atividade minerária pouco se importam com as comunidades locais e com o próprio Estado, transformando a atividade em sinônimo de pilhagem dos recursos naturais e destruição ambiental. Quando as comunidades conseguem se mobilizar para questionar os empreendimentos, não encontram respaldo nas instâncias pertinentes para que suas demandas sejam atendidas; ao contrário, os conflitos aumentam e, não raramente, atingem níveis de violência com altos custos sociais para as comunidades e o ambiente.

          “Por outro lado, não se trata aqui de se posicionar contra a atividade minerária, pois a espécie humana necessita da extração dos bens minerais para sua sobrevivência e desenvolvimento de suas atividades. A mineração, em seus diversos segmentos, é um setor fundamental para a definição e manutenção de um padrão de consumo na escala mundial, via o fornecimento de matérias-primas para diferentes cadeias produtivas, desde a agricultura até bens de consumo em geral. Assim, o que está em questão, não é a atividade mineraria, mas o modelo adotado, que privilegia margens de lucro maiores e continuadamente crescentes. Um novo modelo tem que ser discutido e construído, uma vez que a demanda por recursos naturais deve atender as necessidades da espécie humana. A atividade minerária não pode se manter como um processo de expropriação de populações para atender os interesses de alguns poucos. Para que, para quem e o que as alegadas demandas do modelo atendem, ou escondem, são perguntas que devem ser respondidas com clareza” (Godoi Filho, in press)*.

          É urgente discutirmos as condições em que se realizam a atividade minerária em nosso país, além de deixar clara a contradição entre as promessas que são feitas e o modelo de desenvolvimento econômico dependente, que se concretiza e que não reduzem as desigualdades sociais, degradam as condições socioambientais, aumentam os conflitos e geram acontecimentos trágicos e criminosos como os ocorridos em Mariana e Brumadinho.

          O Plano Nacional de Mineração 2030(PNM-2030), elaborado pelo Ministério de Minas e Energia entre 2008 e 2010, foi apresentado como uma perspectiva de grandes investimentos na produção mineral para atender o processo de exportação em grande escala. Claramente, o PNM-2030 e o recém elaborado PNM-2050 visam atender as demandas da globalização e os interesses de investidores e corporações nacionais, multinacionais ou transnacionais.

          As universidades públicas e o ANDES-SN - Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior podem contribuir muito, incentivando a discussão do PNM-2030 e do PNM-2050 e suas implicações na formação de pessoal, desenvolvimento de tecnologias, melhorias na atividade minerária, incluindo temas como: prevenção e mitigação dos impactos socioambientais do setor, os efeitos cumulativos de diferentes empreendimentos minerais (incluindo porto, minerodutos, ferrovias, alternativas energéticas, etc.), coexistência da atividade minerária com outras atividades, o conceito de territórios livres de mineração e a pressão econômica gerada pela atividade minerária.

          Com as modificações ocorridas na conjuntura mundial, de 2020 até o momento, com a guerra por procuração na Ucrânia, o genocídio na Faixa de Gaza, os ataques ao Irã, a destruição da Síria, as guerras na África e mais de uma dezena de outras guerras e conflitos, agravados pelo medonho presidente norte-americano e pretenso xerife do mundo, é fundamental e urgente o debate sobre a relevância dos agrominerais, dos minerais estratégicos, dos energéticos, dos essenciais à saúde, dos utilizados na construção civil, sem perder de vista o grande potencial mineral para ferrosos (ferro,manganês), não ferrosos (alumínio, cromo, grafita, talco, estanho,tungstênio), metais preciosos (ouro), metais-base, (chumbo, cobre, zinco) e estratégicos (cobalto, lítio, tântalo, terras raras, platina, tálio, nióbio, vanádio), dentre outros, tanto no continente, quanto nas áreas oceânicas bordejando a costa brasileira, como também na Antártica. 

          Nesse contexto é crucial e urgente que as universidades públicas e o ANDES-SN , como já acontece em relação ao MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, se articulem e garantam espaço de debates e trocas de conhecimento com o MAM - Movimento pela Soberania Popular na Mineração com o objetivo de denunciar os conflitos gerados pela atividade minerária e debater um outro modelo de uso e exploração dos recursos naturais não-renováveis e energéticos.

*Observação: Com pequenas modificações, o texto, de minha autoria, foi submetido ao 40ºCongresso do ANDES-SN e aprovado. Para submetê-lo ao 40º Congresso, seguindo as regras então vigentes, consegui o apoio de 07 companheiros que o subscreveram. Como o considero de interesse para o momento que vivemos, com as retaliações e ameaça de golpe por parte do governo norte-americano, incluindo o denominado clã Bolsonaro.

 

Segunda, 04 Agosto 2025 13:34

 

 

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Por Juacy da Silva*

 

Há poucos dias, o noticiário da imprensa nacional e internacional deu destaque a um fato inédito, que foi a divulgação do relatório da ONU informando que o Brasil acabou de sair do mapa da fome no mundo, graças ao desenvolvimento da agricultura familiar e também ao avanço da participação da produção agroecológica.

Um dos grandes desafios que o mundo todo e, particularmente, o Brasil enfrentam é o uso excessivo e abusivo de agrotóxicos (o Brasil é o campeão mundial em uso de agrotóxicos, tanto por área cultivada quanto per capita; e Mato Grosso é o campeão brasileiro nesta triste estatística), que degradam tanto a natureza (meio ambiente), poluindo os solos, as águas e o ar, quanto afetam profundamente a produção de alimentos e a saúde humana.

A resposta a tal desafio tem vindo da produção de alimentos orgânicos, embasada na agroecologia, que, dia após dia, não sem dificuldades, tem ampliado sua participação e importância na produção de alimentos, principalmente tendo como base a agricultura familiar e, neste contexto, oriundos da agricultura urbana e periurbana, principalmente no sistema de economia solidária.

Diversas organizações ambientalistas, não governamentais e também a Pastoral da Ecologia Integral têm atuado com afinco para enfrentar este desafio, incentivando a organização de hortas domésticas, hortas escolares e hortas comunitárias, dando uma destinação mais nobre às diversas áreas — no caso das cidades, verdadeiros latifúndios urbanos — mantidas como estoque de terra para fins meramente especulativos. Além da produção de alimentos, cabe ressaltar também o estímulo para a produção de plantas medicinais, que inclusive contribuem neste enfrentamento à pobreza.

É comum defrontarmo-nos com enormes áreas mal cuidadas, que acabam sendo transformadas em depósitos de lixo, matagal, propriedades inadimplentes com suas obrigações fiscais (IPTU), sem calçadas, sem muros, enfim, áreas que apenas serão utilizadas para o lucro imobiliário futuro, afastando-se do princípio constitucional de que a propriedade, para ser garantida, precisa atender também à sua função social, o que nunca tem acontecido com esses latifúndios urbanos.

A função social da propriedade remete tanto à propriedade rural quanto urbana e, com o advento do Estatuto das Cidades, foi instituído o IPTU progressivo, impondo ao proprietário o pleno uso tanto da propriedade territorial quanto predial, sob pena de ser desapropriado por interesse social.

Assim, a função social da propriedade, um dos pilares da Constituição Federal de 1988 e de outras leis e normas legais, estabelece que o direito de propriedade deve servir não apenas aos interesses do proprietário, mas também às necessidades e interesses da coletividade, visando assegurar uma vida digna e justa a todos os cidadãos que estejam vivendo em um determinado território urbano ou periurbano.

Nos mais diversos estados brasileiros e no Distrito Federal, em centenas ou quase milhares de cidades, têm-se propiciado exemplos de como tais áreas podem ser transformadas em espaços para produção orgânica e contribuído também para a segurança alimentar das populações que vivem não apenas nas periferias territoriais das cidades, mas também nas periferias sociais e econômicas, enfrentando tanto a pobreza, a miséria, a fome quanto a exclusão socioambiental.

É importante que tais iniciativas recebam não apenas a adesão e participação da população local, mas também o apoio técnico de organismos públicos, como das secretarias de Agricultura, do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano dos Estados e Municípios e, claro, das universidades, tanto públicas quanto particulares, que tenham cursos como Agronomia, Veterinária (importantes para a criação de animais, granjas etc.), Economia, Nutrição e que, através de seus programas de extensão universitária, possam oferecer apoio e as orientações técnicas necessárias para que a população local, através da modalidade da economia solidária e do cooperativismo, possa desenvolver tais projetos.

Esses projetos, além de contribuírem para o aumento da produção orgânica de alimentos saudáveis, contribuem também para o uso mais racional dos espaços e do solo urbano e periurbano, contribuindo, assim, para um melhor cuidado com o meio ambiente e para o combate da crise climática, que a cada dia tem acarretado mais problemas para as cidades e seus habitantes.

Como vemos, existe um amplo espaço e grandes oportunidades para a dinamização das ações sociais de base comunitária e da economia solidária, como, por exemplo, a Economia de Francisco e Clara, tão enfatizada como a economia da vida, em substituição à Economia da Morte, como tanto nos exortou o Papa Francisco em seus 13 anos de Magistério.

Este é um dos desafios que a Pastoral da Ecologia Integral e o movimento comunitário devem conjugar esforços para um amplo programa de agricultura orgânica, agricultura urbana nas mais diversas cidades por este Brasil afora e mudar a realidade de exclusão, fome e miséria que existe em nosso país.

 

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral – Região Centro Oeste. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. ; Instagram @profjuacy

Sexta, 01 Agosto 2025 11:20

 

 

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Por Danilo de Souza*

Depois de desenvolver o controle primitivo do fogo, e em meio à domesticação da fotossíntese pela construção da agricultura, os Sapiens deram mais um passo decisivo na longa caminhada civilizatória: aprenderam a converter a energia dos animais domesticados em trabalho útil. Essa capacidade aparentemente simples de utilizar bois, cavalos, burros, camelos e outros animais para puxar cargas, arar a terra ou movimentar moinhos representa uma profunda transformação na história energética da humanidade. Trata-se de uma das grandes revoluções energéticas externas, a domesticação da força animal, a conversão da energia biológica em tração e movimento.

Segundo o Prof. Vaclav Smil, essa foi a principal forma de aumentar o rendimento energético do trabalho antes da Revolução Industrial. A força de tração animal permitiu multiplicar a capacidade humana de produzir, transportar e transformar o mundo físico sem recorrer à força de trabalho escravizada ou à energia do próprio corpo. O boi arando o campo ou o cavalo puxando uma carroça é a expressão direta desse salto civilizatório.

Energeticamente, o processo é claro. Animais herbívoros ingerem vegetais, acumulam energia química em forma de biomassa e convertem parte dela em movimento. Ao serem domesticados, os Sapiens passaram a controlar essa conversão, colocando-a a serviço da agricultura, do transporte e da guerra. Diferentemente do fogo, que quebra as ligações químicas da madeira, liberando energia na forma de calor e de luz, ou da fotossíntese, que transforma luz solar em calorias alimentares, a tração animal representa uma das primeiras formas de converter energia biológica em energia mecânica, sendo externas ao corpo dos Sapiens.

Um homem adulto saudável é capaz de produzir entre 75 e 100 watts de potência contínua em atividades físicas moderadas. Já um boi ou um cavalo pode fornecer entre 500 e 800 watts de forma sustentada, o equivalente a seis a 10 homens.

Portanto, o boi, o cavalo, o dromedário e o búfalo, cada um com diferentes potências e resistências, passaram a ser motores vivos integrados ao cotidiano das sociedades humanas. Mazoyer e Roudart (2009), em sua obra sobre a história da agricultura, destacam que a tração animal foi essencial para superar os limites biofísicos do corpo humano. O uso de animais aumentou drasticamente a produtividade agrícola por unidade de trabalho humano. Com um arado puxado por bois, um lavrador podia cultivar superfícies muito maiores do que com ferramentas manuais.

A domesticação do boi para tração ocorreu por volta de seis mil anos antes de Cristo, no Crescente Fértil, e depois se espalhou para a Índia, a África e a Europa. Já o cavalo, domesticado nas estepes da Eurásia por volta de três mil anos antes de Cristo, revolucionaria a agricultura, e consequentemente o transporte e a guerra. A biga puxada por cavalos alteraria o curso de batalhas. O camelo permitiu a travessia de desertos. O búfalo asiático foi essencial nos arrozais da China. A energia dos animais moldou geografias inteiras.

 

 

Uma das representações visuais mais antigas desse processo encontra-se na tumba de Sennedjem, artesão egípcio que viveu durante os reinados de Séti I e Ramsés II, por volta de 1200 a.C. Na pintura, vemos um camponês conduzindo um arado puxado por bois, simbolizando uma técnica agrícola, que utilizava energia externa ao corpo humano para produzir movimento.

Fernand Braudel (1979), em Civilização Material, Economia e Capitalismo, observa que as sociedades pré-industriais dependiam enormemente da energia animal. Tudo que andava, arava, puxava ou girava era movido por músculos, humanos ou animais. Os próprios moinhos, símbolos da revolução dos fluxos, muitas vezes só se tornaram viáveis com a tração inicial dos animais. Antes da energia fóssil, havia a força dos cascos.

A força animal tornou possível o surgimento de excedentes agrícolas, a expansão de territórios, o transporte de mercadorias em longas distâncias e até mesmo a construção de grandes obras.

 Jared Diamond (1997), em Armas, Germes e Aço, destaca que apenas algumas regiões do planeta dispunham de grandes mamíferos domesticáveis, o que teve impactos profundos na trajetória das civilizações. Das 14 espécies domesticadas em larga escala, 13 eram originárias da Eurásia (Europa e Ásia) como bois, cavalos, porcos e camelos. Na América do Sul, apenas a lhama foi domesticada, e mesmo ela tinha limitações importantes: não servia para arar, não produzia leite e não era montável. Esse acesso desigual a animais de tração e carga gerou uma profunda assimetria histórica. Em regiões com essas espécies, foi possível ampliar drasticamente a produção agrícola, a mobilidade e até a eficácia militar.

Apesar de seus ganhos, a tração animal também tem limites. A conversão de vegetais em trabalho via animal é ineficiente do ponto de vista puramente termodinâmico, pois mais de 90% da energia é perdida no metabolismo do animal antes de se transformar em força útil. Mas essa energia era “gratuita”, captada via pasto ou forragem, o que tornava sua ineficiência aceitável.

E se olharmos atentos, podemos observar uma ambivalência simbólica. Os animais de tração aparecem nas mitologias e ritos. O Centauro, meio homem meio cavalo, expressa a fusão entre intelecto e força. O Minotauro, meio homem meio touro, representa a dominação e o poder da força animal. Em ambas as figuras, há um reconhecimento da força bruta como parte constitutiva da humanidade civilizada, seja para trabalhar a terra ou guerrear.

A própria linguagem reflete essa herança. Dizemos força bruta, animal de carga, potência de tração. Até mesmo a unidade cavalo-vapor (CV ou Horsepower - HP), utilizada até hoje em muitos países para especificação de motores (elétricos ou de combustão), sobreviveu como medida simbólica da potência, uma lembrança da época em que o cavalo era, de fato, o motor mais eficiente disponível.

Importante destacar que essa revolução energética é externa ao corpo humano, mas não necessariamente libertadora. Em muitas sociedades, a força animal se somava, e não substituía, à força de trabalho humano, seja ele servil, assalariado ou escravizado. A relação entre força animal e exploração humana é profunda e estrutural.

No entanto, do ponto de vista técnico e energético, o uso de tração animal marca uma passagem fundamental. Os Sapiens tornaram-se controladores de uma força externa, capaz de armazenar energia em biomassa, converter em movimento e aplicar com finalidade produtiva. Essa lógica, conversão, controle e uso de energia externa, esteve presente em todas as revoluções energéticas seguintes: das turbinas às usinas nucleares.

A domesticação da força animal constituiu uma revolução lenta, difusa e heterogênea. Não teve um marco preciso, uma data inaugural ou um nome consagrado, ligeiramente diferente das demais etapas abordadas, e seguindo a nossa trajetória de reflexão, em que a dimensão biofísica se sobressai ao recorte puramente social. Ainda assim, esta revolução energética moldou profundamente a organização do trabalho, o traçado das cidades, a estrutura das economias e a iconografia das civilizações.

Antes do vapor, dos combustíveis fósseis e da eletricidade, havia o boi, o burro, o cavalo, animais vivos, que respiravam, se alimentavam, e que funcionavam como motores orgânicos. Dessa forma, a energia animal acelerou o progresso técnico, ampliou a construção das estruturas sociais e políticas, o que explica, em parte, por que algumas sociedades que tiveram esta disponibilidade avançaram mais rapidamente do que outras.

  

Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

 

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Terça, 22 Julho 2025 10:09

 


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JUACY DA SILVA*

 

Talvez você não consiga resolver a situação de bilhões ou milhões de pessoas que vivem na miséria, na pobreza, sofrendo injustiças, violência ou com fome ao redor do mundo, mas pode ajudar a resgatar algumas delas todos os dias. Embora esses desafios globais sejam complexos, as ações individuais e locais têm o poder de fazer a diferença na vida de pessoas específicas.

Diversos países do mundo, incluindo o Brasil, mesmo em pleno século XXI, ainda são caracterizados por uma extrema desigualdade social e econômica, onde um percentual mínimo, as camadas que integram o chamado “andar de cima” — os 1%, 5% ou, no máximo, os 10% da parte superior da pirâmide populacional — concentram mais de 30%, 40% ou até quase 50% da renda, riqueza e propriedades nacionais.

A soma dos bens, renda, riqueza e propriedade das 40 maiores fortunas do mundo tem um valor maior do que o PIB de mais de 170 países, onde vivem mais de 7 bilhões de pessoas, quase a metade na linha da pobreza ou abaixo da mesma.

O resultado dessa desigualdade, que choca quem para um minuto para refletir sobre esta triste realidade, é a presença de grandes camadas populacionais — quase um bilhão de pessoas — vivendo às margens dessas sociedades e países, tendo a fome, a miséria, a falta de moradia, de saneamento básico e todas as formas de violência como o cotidiano em que meramente sobrevive tanta gente. Isto é uma afronta à dignidade humana.

De forma semelhante, a precariedade dos serviços públicos como água, esgotamento sanitário, educação e saúde, e a precariedade das relações de trabalho e baixa qualificação para o trabalho, empurram essas grandes massas para o desemprego, para o subemprego, para o trabalho informal, ou até mesmo para o trabalho escravo ou semiescravo (eufemisticamente denominado de condições análogas à escravidão), impedindo ou dificultando que, ao final da vida, possam ter as mínimas garantias sociais como aposentadoria e renda que lhes possam permitir desfrutar de uma vida digna.

Existem alguns mecanismos de mitigação dessas situações que, apesar de apenas minorarem temporariamente este sofrimento, não alteram as estruturas econômicas, sociais e políticas injustas que empurram milhões ou bilhões de famílias para uma exclusão permanente, facilitando o que é denominado de “reprodução social e estrutural da pobreza, da miséria e da violência”.

É neste contexto que surgem as chamadas políticas assistencialistas e compensatórias que, mesmo sendo políticas públicas existentes em todos os níveis e estruturas de poder, não conseguem promover mudanças que são denominadas de “sociotransformadoras”.

Essas medidas são apenas formas paliativas de “minorar” tais condições e que podem e, efetivamente, são formas em que tanto os entes públicos governamentais quanto os não governamentais — pessoas, entidades caritativas, igrejas, clubes de serviço e tantos outros arranjos sociais — costumam atuar, esporadicamente.

Neste aspecto, existem dois pontos que precisam ser mencionados. O primeiro é a volúpia pelo consumo de bens materiais, o que denominamos de consumismo, que tem como corolário, consequência, o desperdício de inúmeros bens como alimentação, energia, água, roupas, calçados, material de construção etc.

Alguns dados estatísticos chocam quem para um minuto e tenta refletir sobre esta realidade. Por exemplo, aproximadamente um terço (33%), ou em alguns países até 40%, de todos os alimentos que são produzidos no mundo vão parar no lixo, quando deveriam chegar à mesa de quase um bilhão de pessoas famintas, que vivem na miséria, sem sonhos e esperança de dias melhores. Diariamente, vemos fotos de pessoas esquálidas em inúmeros países e continentes, e o Brasil faz parte dessa triste fotografia.

De igual modo, todos sabemos que muita gente possui uma quantidade enorme de roupas e calçados que, ao longo do ano, 365 dias, praticamente “não repetem” o mesmo vestuário e calçado, indicando que possuem centenas de pares de sapatos, ternos, camisas, calças, shorts, vestidos, que são usados apenas uma ou pouquíssimas vezes, enquanto do outro lado da pirâmide social existem milhões de pessoas utilizando roupas surradas, remendadas, descalças ou com sapatos ou sandálias que demonstram o estado de pobreza permanente em que vivem.

Para produzir alimentos, roupas, sapatos e, enfim, todos os bens necessários à vida social e econômica, é necessária a utilização dos “recursos”, bens da natureza, como solo, água, as florestas, matérias-primas, minerais, e isso causa um tremendo impacto na saúde do planeta, acarretando a destruição dos ecossistemas, dos biomas, da biodiversidade; aumentando a produção de rejeitos sólidos/lixo, contribuindo também para a produção de gases de efeito estufa, o aquecimento global e as mudanças climáticas — enfim, a crise climática e as tragédias que impõem perdas econômicas e sociais, provocam sofrimento e morte.

Aí é que entra a questão do desapego e da frugalidade, como tanto enfatizou o Papa Francisco, e neste processo podemos praticar a caridade, o amor ao próximo, a solidariedade, repartindo, doando não apenas o que não estamos utilizando ou consumindo, mas sim percebendo que não precisamos nos apegar tanto aos bens materiais, doando um pouco do que temos. Além, claro, dos impostos que já pagamos aos organismos públicos (organismos de arrecadação), cujas receitas deveriam ser aplicadas com ética, eficiência, transparência, sem corrupção e sem malandragem, tentando driblar os órgãos de controle público.

Se, pelo menos, de vez em quando pudermos dar uma olhada em nossos guarda-roupas, em nossas geladeiras, em nossas “despensas”, poderemos perceber que temos muita coisa que não estamos utilizando e, ao invés de deixarmos que as traças destruam ou que os alimentos percam as suas qualidades nutritivas e se deteriorem, com certeza, mesmo que não consigamos, individualmente, resolver os problemas da miséria, da pobreza e da fome que destroem vidas e barram os sonhos de uma vida digna no mundo todo, podemos contribuir para que algumas poucas pessoas e famílias possam se alegrar pelo menos por um curto período de tempo ou em determinados momentos.

Foi nesta perspectiva que o Papa Francisco criou o “Dia Mundial do Pobre”, para podermos, pelo menos por um dia, refletir que, se somos todos e todas filhos e filhas de Deus, ou seja, irmãos e irmãs, não podemos “passar ao largo” de quem está sofrendo e marginalizado.

O espírito da caridade, como bem é enfatizado na Bíblia, é fundamental para que a vida cristã seja vivida na plenitude do Evangelho. “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três; mas a maior destas é a caridade”, conforme a Carta de São Paulo, 1ª Coríntios, 13:13.

Quando falamos em caridade, o desapego aos bens materiais significa que, ao dividir um pouco do muito que temos com quem tem bem menos ou nada, estamos também nos conectando com a ecologia integral, com a economia circular, ou seja, dando mais vida útil a bens materiais que não estão sendo corretamente utilizados ou que vão acabar no lixo, evitando que destruam a natureza para produzir tais bens.

Pense, reflita e veja o que você pode fazer pelo seu próximo que, mesmo sendo seu próximo fisicamente, está muito distante em termos de dignidade humana — e isto deve “mexer” com quem tenha, de fato, um espírito cristão ou de solidariedade e amor universal, como tanto é enfatizado nos fundamentos de todas as religiões.

Concluindo, vejamos o que nos diz o Apóstolo Tiago (2:26): "a fé sem obras é morta". Ele afirma que, assim como o corpo sem o espírito está morto, a fé sem obras também está morta. Essa passagem bíblica enfatiza a importância de demonstrar a fé através de ações e práticas, mostrando que uma fé verdadeira se manifesta em ações concretas.

Em outras palavras, a fé não é apenas uma crença interna, subjetiva, conectada de forma transcendental à divindade em que cremos, mas, fundamentalmente, uma força que impulsiona a pessoa a agir de acordo com essa crença, a engajar-se para que, enquanto estamos neste mundo material, ele seja justo, solidário e sustentável. Se a fé não se traduz em obras, isso indica que a fé não é genuína ou não tem poder para transformar a vida das pessoas.

Além da importância de nossas ações individuais, mitigatórias, emergenciais, também não podemos nos esquecer da dimensão profética e libertadora do Evangelho e da vida cristã — e de outras crenças religiosas — no sentido de lutarmos por mudanças profundas nas estruturas sociais, políticas e econômicas que geram a exclusão, o racismo, os preconceitos, a fome, a miséria, as injustiças sociais e todas as formas de violência.

As ações assistenciais ou até mesmo assistencialistas só existem porque ainda não temos sociedades e países onde a justiça social, a solidariedade, a inclusão e a paz sejam seus fundamentos verdadeiros.

 

*Juacy da Silva é professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em Sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral Região Centro Oeste. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.; Instagram @profjuacy 

Quarta, 09 Julho 2025 14:09

 

 

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JUACY DA SILVA*

 

“Hoje vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades – orgulhosas de sua revolução tecnológica e digital – que oferecem inumeráveis prazeres e bem-estar para uma minoria feliz..., porém negam o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e se lhes chama, elegantemente, 'pessoas em situação de rua'... Um sistema político-econômico, para seu desenvolvimento saudável, necessita garantir que a democracia não seja somente nominal, mas sim que possa se ver moldada em ações concretas que velam pela dignidade de todos os seus habitantes sob a lógica do bem comum, em um chamado à solidariedade e uma opção preferencial pelos pobres... Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade.” — Papa Francisco, pronunciamento na Cúpula Pan-Americana de Juízes, em 04-06-2019, promovida pela Pontifícia Academia de Ciências Sociais, no Vaticano, em Roma.

Estamos, no Brasil inteiro, sob os holofotes da realização da 6ª Conferência Nacional das Cidades, que tem como tema central "Construindo a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: caminhos para cidades inclusivas, democráticas, sustentáveis e com justiça social". O escopo da conferência abrange a discussão e o desenvolvimento de políticas públicas para o desenvolvimento urbano, com foco em áreas como habitação, mobilidade, saneamento, gestão estratégica e financiamento, além de questões relacionadas à diversidade ambiental e climática.

Esta Conferência das Cidades está sendo realizada em três etapas: as conferências municipais que já foram, estão ou serão realizadas até o final de julho; as conferências estaduais (nas capitais) até o final de setembro e, finalmente, a Conferência Nacional, em Brasília, no final de outubro próximo.

Há mais de 70 anos, a questão do desenvolvimento urbano vem sendo discutida no Brasil, principalmente a partir da década de 1960, quando o Brasil deixa de ser um país demograficamente rural para se transformar em um país urbano e industrial.

Ao longo dessas sete décadas, o crescimento rápido das cidades brasileiras ocorreu de uma maneira totalmente caótica, sem planejamento, sem investimentos em infraestrutura urbana compatível com os índices de concentração e crescimento populacional.

O resultado são as cidades que temos, na verdade duas ou três cidades em territórios compartimentados: uma, a cidade das periferias, onde moram as famílias pobres, excluídas e injustiçadas, sem infraestrutura, com baixa qualidade de vida; outra, a cidade para a chamada classe média, com alguns tipos de infraestrutura; e, finalmente, a cidade dos ricos, das camadas mais abastadas, dos donos do poder e dos barões da economia — verdadeiros “apartheids”, quase à semelhança das cidades da Idade Média, condomínios fechados, com muros altos, cercas elétricas, com vigilância eletrônica ou com guardas particulares armados, demonstrando que essas camadas privilegiadas temem as ameaças das chamadas “classes perigosas” que vivem nas favelas, nos cortiços, nas palafitas, dominadas também pela violência do crime organizado ou das milícias.

Diante do processo caótico do crescimento das cidades, ainda na década de 1960, ou seja, há sete décadas, surgiu um grande movimento de lutas sociais, no contexto das chamadas reformas de base, denominado de Movimento de e pela Reforma Urbana.

Este foi um movimento que visava transformar as cidades, promovendo o acesso de todos os cidadãos aos seus benefícios, como habitação, infraestrutura e serviços. Este movimento, impulsionado por segmentos progressistas da sociedade, propôs mudanças estruturais na questão fundiária e no uso e ocupação do solo, com o objetivo de democratizar o acesso à cidade e garantir direitos urbanos fundamentais para quem vive ou meramente sobrevive nas cidades.

No dia 01 de janeiro de 2003, início da primeira gestão de Lula, foi criado o Ministério das Cidades, com os objetivos de combater as desigualdades sociais, transformar as cidades em espaços mais humanizados e ampliar o acesso da população à moradia, saneamento, mobilidade urbana, incluindo transporte de massa moderno e decente.

Antes da chegada de Lula à Presidência, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso Nacional aprovou, quase que por unanimidade, e FHC sancionou o Estatuto da Cidade em 10 de julho de 2001, através da Lei Federal nº 10.257. Essa lei regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais para a política urbana no Brasil.

Essa lei passou a ser um marco fundamental e importante na definição e implementação da política nacional e, por extensão, das políticas estaduais e municipais de desenvolvimento urbano, com dimensões de sustentabilidade, modernidade, justiça social, justiça climática, inclusão social e econômica e segurança.

Além dessas dimensões, o Estatuto das Cidades criou diversos instrumentos jurídicos e urbanísticos para que as cidades pudessem — ou possam — ser espaços democráticos e participativos, envolvendo todos os atores e não apenas as elites na definição das cidades que queremos e merecemos, ou seja, CIDADES PARA TODOS E TODAS e não apenas para uma minoria, enquanto as grandes massas permanecem excluídas dos “benefícios” que uma cidade deve promover à sua população. Exemplos são o IPTU progressivo no tempo e a possibilidade de desapropriação de imóvel urbano pelas prefeituras com pagamento de títulos da dívida pública municipal, aprovados pelo Senado, e outras normas e regras para o bem viver no espaço urbano.

O desenvolvimento tanto urbano quanto rural, econômico e social no Brasil não prima pelo planejamento de curto, médio e, muito menos, de longo prazo. Uma das características desse processo, principalmente do “crescimento” populacional e físico (perímetro urbano e periurbano) das cidades, como já mencionado, ocorre à revelia dos governantes, principalmente integrantes dos poderes Executivo e Legislativo, que se mostram avessos à ideia e prática do planejamento, eternos improvisadores quando se trata das ações governamentais.

Isso é demonstrado através da crise fundiária urbana, que gera muita violência e conflitos; da falta de saneamento básico; das deficiências do sistema de transporte coletivo, frotas e sistemas totalmente obsoletos e de baixa qualidade; do estrangulamento da mobilidade urbana; da inexistência ou precariedade de calçadas, que limitam o deslocamento de pedestres, colocando vidas em risco; da falta ou precariedade de arborização urbana e periurbana, afetando o microclima urbano, principalmente nas áreas centrais; e da deterioração dos centros históricos, com perda da memória das cidades, como ocorre em Cuiabá e tantas outras cidades históricas no Brasil.

Todas essas dimensões, desafios e problemas deveriam ser equacionados no contexto dos Planos Diretores de Desenvolvimento Estratégico, tanto das cidades (dimensão urbana propriamente dita) quanto das áreas periurbanas e rurais dos municípios, principalmente das cidades com mais de 20 mil habitantes, onde os planos diretores, democráticos e participativos, são obrigatórios e deveriam balizar as ações das administrações municipais.

Lamentavelmente, tais planos, quando existem, como em Cuiabá, acabam sendo apenas documentos para enfeitar prateleiras de gabinetes, longe das realidades urbanas, principalmente das periferias urbanas.

Em todos os setores, e não apenas nas questões urbanas, existem dois problemas, desafios quase insuperáveis diante das práticas políticas clientelistas e corruptas existentes. O primeiro é a falta de continuidade de políticas, programas e ações governamentais; cada administração que assume, seja nos municípios, nos estados ou no governo federal, abandona quase tudo o que vinha sendo realizado e a prática é inventar novas obras, novos programas e novas ações, contribuindo para o desperdício, mau uso ou corrupção, em prejuízo dos interesses e necessidades do povo, principalmente dos pobres e excluídos.

Os exemplos são milhares e milhares de obras federais, estaduais e municipais paralisadas, praticamente em todos os municípios e cidades brasileiras, como o famoso Hospital Central de Cuiabá, paralisado por quase ou mais de 40 anos, o que não deixa de ser uma vergonha e um desperdício de recursos públicos diante das necessidades da população.

Outro problema é a falta de articulação das políticas públicas, inclusive da política de desenvolvimento urbano, entre as três esferas do poder público (governos federal, estaduais e municipais), a começar pela falta de coincidência de mandatos.

Presidente da República, Congresso Nacional, governadores de estado e DF e Assembleias Legislativas são eleitos 2 anos antes que prefeitos e vereadores. Assim, os instrumentos de planejamento como PPA – Plano Plurianual de Investimentos – e LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias – não coincidem.

Um terceiro problema que contribui para esse processo caótico de gestão pública é o desrespeito à autonomia dos municípios, tanto por parte dos governos estaduais quanto federal.

Finalmente, temos mais um problema, que é a gestão das regiões metropolitanas e das conurbações urbanas, que, em princípio, devem ter também seu planejamento integrado e harmônico, em setores vitais como mobilidade/transporte intermunicipal; questões de saneamento, principalmente a questão dos resíduos sólidos, esgotamento sanitário, os desafios da moradia popular e da regularização fundiária.

Neste aspecto, o problema se agrava, porquanto, na gestão metropolitana, além da autonomia de cada município da mesma, ainda existe a figura da presença de entes dos governos estaduais e, com frequência, também do governo federal.

Um exemplo concreto dessa balbúrdia política, administrativa e de gestão pública pode ser mencionado nas famosas obras da Copa de 2014, cujas obras — algumas delas como o VLT de Cuiabá e Várzea Grande — iniciadas em 2012, nunca concluídas, consumiram quase um bilhão de reais, pela má gestão e corrupção, e que até hoje, depois de trocarem de modal do VLT para BRT, representam uma grande cicatriz na paisagem do maior aglomerado urbano de Mato Grosso e da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá.

Neste mesmo diapasão, em 01 de janeiro de 2019, início do governo Bolsonaro, os Ministérios das Cidades e da Integração Nacional foram extintos, dando lugar ao surgimento/criação do Ministério do Desenvolvimento Regional, e o Conselho Nacional das Cidades praticamente extinto e esvaziado.

Com a posse de Lula para mais um período governamental, o Ministério das Cidades foi recriado em 01 de janeiro de 2023 e o Conselho das Cidades recuperou suas atribuições, e as Conferências das Cidades e outras conferências setoriais, como mecanismo de participação popular e de outros segmentos, voltaram a acontecer.

É importante destacar que as Conferências das Cidades são um espaço de diálogo e participação de todos os segmentos que vivem e constroem as cidades — momento para que a população participe dos esforços de construção de cidades que ofereçam condições e qualidade de vida para todas as pessoas que nelas vivem, trabalham e sonham com um futuro melhor, digno e com justiça social.

Finalizando, é importante ressaltar que as Conferências das Cidades buscam incentivar a participação social e popular; um espaço de diálogo e debate dos principais problemas e desafios urbanos; debater e propor subsídios para a formulação e reformulação da política e do sistema nacional de desenvolvimento urbano, tanto na dimensão local quanto metropolitana, estadual e nacional.

Os principais problemas e desafios que não podem ficar de fora das Conferências das Cidades são: mobilidade urbana; habitação, principalmente moradias populares; regularização fundiária; sustentabilidade climática; arborização urbana (Planos Diretores de Arborização Urbana: municipais e metropolitanos, florestas urbanas e periurbanas); saneamento básico, principalmente as questões dos resíduos sólidos/lixo e esgotamento sanitário.

Além disso, é fundamental que, nas Conferências das Cidades, sejam também debatidas as questões da modernização da “máquina” administrativa, da gestão estratégica, da visão de médio e longo prazo e das fontes de financiamento, orçamentos; a questão da segurança pública, principalmente nos territórios periféricos, atualmente objeto do domínio do crime organizado, verdadeiro poder paralelo em inúmeras cidades e estados no Brasil.

Finalmente, é fundamental que as discussões levem em consideração a questão dos bolsões de pobreza, principalmente nas áreas/territórios periféricos, buscando construir mecanismos nas políticas públicas que promovam a inclusão social e econômica e a justiça social, ou seja, o bem comum.

Só assim estaremos construindo cidades como espaço em que todos tenham qualidade de vida e dignidade humana.

 

*Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, ex-secretário de Planejamento e Gestão, ex-ouvidor Geral/Ombudsman e ex-diretor Executivo do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de Cuiaba. Atualmente, articulador da Pastoral da Ecologia Integral – Região Centro Oeste. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.; Instagram @profjuacy

Quinta, 03 Julho 2025 09:57

 

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Danilo de Souza*

  

 Se o domínio do fogo foi a primeira grande virada energética da história dos Sapiens, a segunda revolução não foi menos transformadora: trata-se do domínio da fotossíntese, ou, dito de outra forma, da invenção da agricultura. Nesse momento-chave da história dos Sapiens, esta espécie deixou de depender exclusivamente da coleta e da caça de alimentos silvestres e passou a produzir, armazenar e planejar sua energia alimentar. Dominar a fotossíntese significou submeter os ciclos naturais das plantas ao controle dos Sapiens, e com isso redefinir para sempre a forma como se relacionam com o tempo, o espaço e a natureza.


É importante destacar que a agricultura não surgiu como um evento isolado, mas como um conjunto de práticas que emergiram de forma independente em diferentes regiões do mundo entre 10 e 12 mil anos atrás, como na Crescente Fértil, no Sahel africano, na China, na Mesoamérica e nos Andes. Jared Diamond (2005), em seu clássico Guns, Germs and Steel, chama esse processo de “transição de caçadores-coletores para agricultores”, e argumenta que foi ela que estabeleceu as bases para o desenvolvimento de civilizações complexas, com escrita, hierarquia e tecnologia. O que está por trás dessa transição não é apenas a produção de comida, é a reorganização completa da matriz energética que possibilita a reprodução dos Sapiens e o seu avanço na biosfera.

 


 

 

Nesse cenário, ao cultivar grãos e raízes, ao domesticar plantas que transformam energia solar em biomassa comestível, os Sapiens criaram um novo ecossistema artificial, o campo agrícola, do qual passaram a depender. A energia, que antes era captada por forrageamento em áreas silvestres, passou a ser concentrada em áreas delimitadas, plantadas e protegidas. Esse domínio da fotossíntese trouxe como consequência direta o aumento da densidade populacional, a fixação no território, a criação de excedentes, e, posteriormente, a necessidade de desenvolvimento da estrutura atualmente chamada de Estado.


Como evidenciam Mazoyer e Roudart (2010), no livro intitulado História das Agriculturas no Mundo, esse processo foi, ao mesmo tempo, técnico e social. Não bastava plantar: era preciso desenvolver ferramentas, rotinas, conhecimentos empíricos sobre solo, clima e estações. Era necessário, sobretudo, criar regras de partilha, definir propriedade, inventar o imposto, instituir o calendário. O ciclo da planta tornou-se o ciclo da sociedade. A sazonalidade da energia fotossintética moldou, além do prato dos Sapiens, os seus mitos, suas religiões e suas guerras.


O solo, o arado, o grão e a colheita passaram a ser objetos de disputa. A revolução agrícola não democratizou o acesso à energia, ela criou, pelo contrário, novas desigualdades. Pimentel (2008), no livro Food, Energy and Society, alerta para o fato de que o cultivo intensivo e a monocultura alteraram drasticamente o balanço energético dos sistemas ecológicos. Cada caloria produzida passou a demandar trabalho humano, animal ou, mais tarde, combustível fóssil. A agricultura, que parecia libertar os Sapiens da escassez, passou a exigir sua servidão ao campo em um primeiro momento.
Essa mudança se reflete na própria fisiologia humana e na organização do trabalho. Populações agrícolas, como mostram os registros esqueléticos, apresentaram diminuição na estatura média, aumento de doenças ósseas e menor diversidade nutricional. A energia calórica passou a ser obtida em maior quantidade, mas com menor qualidade. O pão substituiu a carne, e o mingau, o fruto. Alimentar-se tornou-se uma rotina repetitiva, e trabalhar a terra, uma obrigação diária.


No entanto, o domínio da fotossíntese permitiu a multiplicação de pessoas por hectare, a formação de cidades, e a especialização do trabalho. Um grupo podia plantar, outro guerrear, outro rezar. A energia solar, capturada pelas folhas das plantas e acumulada em grãos e frutos, tornou-se a base invisível de todas as pirâmides sociais. A energia da fotossíntese, que até então era difusa na paisagem, foi domesticada e centralizada. A agricultura fez dos Sapiens, além de agricultores, também soldados, escravos e imperadores.


Jared Diamond (2005) argumenta que os continentes onde a agricultura surgiu de forma mais produtiva, com espécies domesticáveis ricas em proteínas e fácil armazenamento (como o trigo, a cevada, o arroz), foram os mesmos que originaram os impérios expansionistas. A vantagem energética derivada do domínio da fotossíntese não se limitou à nutrição, ela se traduziu em capacidade de sustentar exércitos, gerar excedentes e financiar inovação. Foi, portanto, uma vantagem geopolítica.


Mazoyer e Roudart (2010), por outro lado, ressaltam o papel da agricultura como vetor de desigualdade global. Enquanto algumas regiões intensificaram suas práticas, mecanizaram e acumularam capital, outras permaneceram presas a sistemas tradicionais com baixa produtividade. O domínio da fotossíntese, nesse sentido, é também a história do desequilíbrio energético entre povos, regiões e classes sociais. A monocultura exportadora, o latifúndio, a dependência alimentar, todos são legados dessa segunda revolução energética.


Pimentel (2008), com foco no balanço ecológico, chama atenção para os custos energéticos da agricultura moderna: erosão do solo, perda de biodiversidade, uso intensivo de fertilizantes e defensivos. A fotossíntese, embora gratuita e renovável, exige contexto ecológico estável. Ao desequilibrar o ciclo natural com práticas agrícolas agressivas, os humanos colocaram em risco justamente aquilo que pretendiam dominar: a capacidade das plantas de transformar luz solar em vida.


No plano simbólico, a agricultura moldou as cosmovisões humanas. Deuses da colheita, rituais de fertilidade, festas de plantio e colheita estão presentes em praticamente todas as culturas camponesas. A semente enterrada que renasce foi, por séculos, metáfora da própria existência humana. A energia solar internalizada na planta passou a ser vista como milagre, como bênção, como dádiva, e, também, como punição, quando falhava.


Do ponto de vista energético, o domínio da fotossíntese foi a segunda grande conversão da história dos Sapiens: da energia do fogo à energia do sol transformada em amido, fibra e proteína. Diferentemente da energia química do fogo, a energia da agricultura é mais lenta, mais cíclica, mais dependente do tempo. Mas é, ao mesmo tempo, mais produtiva em termos de densidade populacional, e mais estratégica em termos de poder.
Com o domínio da fotossíntese, os Sapiens tornaram-se dominantes de processos mais complexos de conversão de energia, não apenas consumidores. Deixamos de perseguir alimentos para fazer com que eles crescessem diante de nós.


Se a primeira revolução energética, o fogo, nos deu sobretudo a ampliação do cérebro, a segunda, a agricultura, nos deu a civilização.


OBS: Coluna publicada mensalmente na revista - "O Setor Elétrico".

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.