Quarta, 04 Setembro 2024 13:46

Crise Climática: conheça o GTPAUA, grupo de trabalho que debate Política Agrária, Urbana e Ambiental dentro do sindicato Destaque

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Cuiabá está há dias tomada pela fumaça das queimadas. Imagem: Corpo de Bombeiros de Mato Grosso  

 

Cidades inteiras alagadas em maio, temperaturas extremas em agosto, fogo e fumaça em todos os lugares em setembro. As alterações climáticas decorrentes da forma como os seres humanos exploram o meio ambiente e se organizam nas cidades passaram do âmbito das projeções e já são uma incômoda realidade.

 

O fenômeno é mundial. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), 2023 foi o mais quente dos últimos 174 anos, com temperatura média da superfície global 1,4°C acima da média. O Brasil é um dos países que mais sentem essas mudanças, por conta da sua dimensão continental, da localização em área tropical e das desigualdades sociais. Também no ano passado, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) informou que os meses entre julho e novembro foram os mais quentes no país desde 1961.

 

Mesmo assim, a devastação não para. Em agosto deste ano, o país registrou 68 mil focos de incêndio. A grande maioria, sabe-se, provocados com a intenção de abrir pasto para criação de gado ou extração ilegal de madeira. De acordo com a Rede MapBiomas, a perda acelerada de vegetação nativa no Brasil, que tem incidido mais profundamente nos biomas Amazônia e Cerrado, coincide com a vigência do novo Código Florestal, aprovado pelo Congresso Nacional em 2012.

 

Essas políticas, que na ponta atingem o cotidiano de toda a população, também são debatidas dentro do sindicato. O Grupo de Trabalho responsável por aprofundar as análises dessas relações é o GT Política Agrária, Urbana e Ambientais.

 

Criado pelo Andes-Sindicato Nacional em 1989, durante o 8º Congresso, o GTPAUA tinha como objetivo discutir a Questão Agrária. No entanto, o acúmulo sindical foi transformando o perfil do GT ao longo desses 35 anos. Hoje, segundo o próprio Andes-SN, o grupo trata das temáticas relacionadas ao meio ambiente, à degradação ambiental e às consequências para a vida na cidade e para as comunidades e povos originários e tradicionais, considerando sempre, devido ao caráter classista do sindicato, as repercussões da apropriação privada da terra.

 

 

Imagem Retirada do site O Globo com créditos à Nasa mostra mapa de focos de incêndios no Brasil no final de agosto de 2024

 

GTPAUA da Adufmat-Ssind

 

 

Na Adufmat-Ssind, o GTPAUA foi resultado da fusão de um grupo já existente, o Grupo de Trabalho de Meio Ambiente (GTMA), que incorporou, para atender a demanda do sindicato nacional, o debate acerca da política agrária e da temática urbana.

 

Para refletir sobre os desafios locais do GTPAUA, o professor José Domingues de Godoi Filho, coordenador do GT, relembra o histórico de incorporação da Amazônia Legal ao capital nacional e internacional, processo vigente desde a Constituição Federal de 1946. De acordo com o docente, desde aquele momento, a União determinou a aplicação de recursos públicos em montante não inferior a três porcento da arrecadação, por pelo menos 20 anos consecutivos, para implementação do “Plano de Valorização Econômica da Amazônia”. Os estados situados na região da Amazônia Legal deveriam direcionar o mesmo percentual de sua arrecadação para o mesmo fim.

 

Esta ofensiva, que já dura ao menos 78 anos, ficou marcada por uma série de políticas institucionais praticadas por todos os governos desde então, justificadas por intenções aparentemente nobres, na busca por progresso. Assim, foram criadas a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em 1953, da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), que substituiu a SPVEA em 1967, e a própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), no final de 1967, além da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), em 1973.

 

“Para atender a voracidade do capital, os planejadores desconsideraram a importância estratégica dos nossos recursos naturais e, sucessivamente, dentre outros, impuseram à região projetos do tipo PIN [Programa de Integração Nacional, criado durante o Governo Médici com o objetivo de ocupar a região amazônica], POLAMAZÔNIA [Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, também criado durante a ditadura militar entre 1975 e 1979 para “aproveitar as potencialidade” agrícolas e minerais na região], POLONOROESTE [este de 1981, voltado para a “integração social e econômica de ”Rondônia e Mato Grosso], PGC [Programa Grande Carajás, lançado em 1982 e extinto apenas em 1991 – seis anos após o final da ditadura militar -, era voltado para exploração de recursos da província mineral Carajás, no Pará, considerada até hoje uma das mais ricas do planeta], Calha Norte [programa criado em 1985 e vigente ainda hoje, com atuação em 442 municípios, distribuídos nos seguintes estados: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Matogrosso, Matogrosso dos Sul, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins; segundo o Ministério da Defesa “engloba 85% da população indígena brasileira em uma área que corresponde a 99% da extensão das terras indígenas”], PROFFAO [Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira da Amazônia Ocidental, criado junto a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1985], PLANAFLORO [Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia, financiado pelo Banco Mundial no início da década de 1990, passou por diversos questionamentos e investigações], PODEAGRO [Projeto de Desenvolvimento Agro Florestal, criado em 1994, voltado à ‘proteção’ da população indígena, inclusive isolada]”, cita o professor.

 

 

O xavante Juruna denuncia ao Tribunal Russell IV, em 1980 (Holanda), três casos brasileiros indicados como violadores da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, praticados pela ditadura militar: o esbulho das terras e as ameaças às vidas dos guaranis e caingangue de Mangueirinha (Paraná) em uma articulação entre os órgãos públicos e empresas particulares, e outros dois na região da Amazônia Legal, a violação dos indígenas aruaques e tucanos do rio Negro por missões salesianas, com a conivência do Estado; e a expropriação sistemática das terras do povo Nambiquara do Vale do Guaporé (MT). Crédito: Outras Mídias/ International Institute of Social History (acesso aqui). 

 

Somente em 1981 o Brasil passa a ter uma Política Nacional de Meio Ambiente que, nas palavras de Godoi, é “atualmente deformada e não cumprida. Com isso, assistimos e continuamos assistindo ‘a guerra dos famintos contra os mortos de fome’– Yanomami exausto contra expropriados desesperados. Uma guerra que atende os interesses econômicos facilmente identificáveis, aliados a setores militares e sua anacrônica doutrina de segurança nacional. Nesta lógica, os garimpeiros na terra indígena Yanomami, não criam problemas para a cidade, estimulam o comércio regional, não impedem a instalação de grandes mineradoras e preparam a ‘exploração racional’ e a divisão da terra Yanomami. Pode-se afirmar que o ele se aplica as demais terras indígenas”.

 

Em Mato Grosso, um dos nove estados que integram a Amazônia Legal (os outros são Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão), a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) foi a responsável por “promover o desenvolvimento econômico” da região Centro-Oeste. Ela defendia um sistema de transporte que permitisse “correntes migratórias para regiões vazias”, o escoamento da produção para os mercados consumidores do sul, formação de grande pecuária nacional no vale amazônico e eletrificação para instalar o processo metalúrgico de complementação da indústria básica. Em seus informes, sugeria a existência de estanho, cobre, chumbo, zinco, titânio, alumínio, amianto, níquel, cobalto e cromo na região de Uruaçu e de Niquelândia em Goiás. 

 

A SUDECO implementou as BRs [rodovias] 163 (Cuiabá-Santarém), 364 (Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco), 174 (Juína-Vilhena expandindo para o Amazonas e Roraima), 158 (que em Mato Grosso vai de Barra do Garças em direção a Redenção-PA), que se entrelaçam com diversas rodovias estaduais, e são, até hoje, palcos de diversos conflitos agrários.

 

Vale destacar que competia, ainda, à SUDECO, extinta em 1990: realizar programas, pesquisas e levantamentos do potencial econômico da Região; definir os espaços econômicos suscetíveis de desenvolvimento planejado com a fixação de polos de crescimento capazes de induzir o desenvolvimento de áreas vizinhas; concentrar recursos em áreas selecionadas em função do seu potencial e da sua população; adotar política imigratória para a Região, com aproveitamento de excedentes populacionais internos e contingentes selecionados externos; incentivar e amparar a agricultura, a pecuária e a piscicultura como base de sustentação das populações regionais; ordenar a exploração das diversas espécies e essências nobres nativas da Região, inclusive através da silvicultura e aumento da produtividade da economia extrativista, sempre que esta não possa ser substituída por atividade mais rentável; aplicar de forma coordenada os recursos, federais da administração centralizada e descentralizada, e das contribuições do setor privado e fontes externas; e coordenar e concentrar a ação governamental nas tarefas de pesquisa, planejamento, implantação e expansão de infraestrutura econômica e social, reservando à iniciativa privada as atividades agropecuárias, industriais, mercantis e de serviços básicos rentáveis.

 

 

BR-163. Imagem: Site Só Notícias/ Julio Tabile

 

Também importa para a formação do espaço de luta mato-grossense a criação, em 1974, dos Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, com a implementação de três deles no estado, de um total de 15. São os polos Xingú-Araguaia, polo industrial Suiá-Missu - que gerou conflito com a Terra Marãiwatsédé, dos Xavantes; polo Juruena, núcleos agropecuários no polígono formado pelos rios Teles Pires, Juruena e Arinos – que também envolve problemas com a construção de barragens;e polo Aripuanã, que realiza pesquisas florestais, de solos e de recursos naturais em apoio ao núcleo pioneiro de Humboldt (polo avançado de criação da Universidade Federal de Mato Grosso).

 

O professor destaque ainda que a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, foi criada em 1972, vinculada ao Ministério da Agricultura, para promover a “modernização” nacional da pesquisa agropecuária, com a importação de pacotes tecnológico e o objetivo de inserir [“entregar?”, provoca o entrevistado] a produção brasileira no mercado mundial.

 

“Ronaldo Conde Aguiar, um importante pesquisador brasileiro, fez a seguinte avaliação: os traços mais gerais da modernização sublinham o fato de que ela não se processou endogenamente, mediante um regime de acumulação autossustentado e dinâmico. O impulso da modernização teve origem de fato, num ‘exterior’, o Estado. A hipótese básica que emerge daí é a de que é possível deduzir a constituição do sistema nacional de pesquisa agropecuária – cujo órgão central é a EMBRAPA do processo de subordinação da agricultura à lógica do capital internacional”, sustenta o docente.

 

Além disso, as políticas mais atuais demonstram que “investir” no estado continua sendo um bom negócio. “Do ponto de vista empresarial, agravado pela emenda constitucional, aprovada no Governo Fernando Henrique Cardoso, que alterou o conceito de empresa nacional, somada à Lei Kandir, que praticamente libera o pagamento de impostos pelo extrativismo mineral e agropecuário, então, investir na região continua sendo entrar com pequena parte de capital financeiro. Como resultado, por exemplo, dos generosos incentivos fiscais concedidos principalmente ao setor agropecuário, foi facilitada a apropriação da maior parte das terras amazônicas pelas grandes empresas, à custa da expropriação de posseiros, caboclos, indígenas, etc. Também os projetos de colonização tanto oficiais, como os privados, pouco acrescentaram de benefícios para região e sua população”, concluiu.

 

Todo este histórico faz com que a região da Amazônia Legal, que inclui Mato Grosso, seja uma das mais violentas com relação à luta pela terra. Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) demonstrou que, em 2023, houve aumento de 15% no número de vítimas de violências diversas em comparação com o ano de 2022. 

 

Gráficos retirados de O Globo
(Índigenas são as maiores vitimas: Brasil bate recorde de conflitos no campo em 2023, autoria de Lucas Altino, publicada em 22/04/24) 

 

No entanto, o Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - dados de 2023,produzido pelo Conselho Indigenista Missionários (CIMI) revela que os números podem ser ainda maiores. Segundo o documento, foram identificados 411 casos de violência, sendo 17 ameaças de morte, 208 assassinatos (124 ocorreram em Mato Grosso), 18 lesões corporais, 38 casos de discriminação étnico-cultural, 35 tentativas de assassinato e 23 registros de violência sexual (leia a íntegra do Relatório aqui).

  

 

Organização e produção

 

Para se debruçarem sobre todo este histórico, o GT realiza reuniões sem periodicidade definida, geralmente de maneira híbrida, para atender os sindicalizados de diversos campi, explica o coordenador.

 

Ele lembra que a participação é voluntária e todos os sindicalizados podem integrá-lo, basta comunicar a disposição ao sindicato. Lembra, também, que os GTs do Andes-SN são espaços de formação sindical, não deliberativos, responsáveis por auxiliar a diretoria em suas formulações políticas. Como o próprio Andes-SN define: “os GTs docentes se mantêm atualizados sobre temáticas importantes para a sociedade e não apartam o seu ativismo sindical da realidade social. Na prática, as seções sindicais fazem reuniões dos GTs para discutirem temas locais. A socialização do trabalho realizado acontece nas reuniões nacionais, coordenadas por membros da direção do ANDES-SN, responsáveis por cada GT”.

 

Sobre as atividades realizadas pelo GTPAUA da Adufmat-Ssind, o professor José Domingues cita a apresentação de Textos Resoluções (TRs) nos Congressos e Conselhos (Conads) e a participação, sempre que possível, nas reuniões nacionais, espaços nos quais o GT local tem conseguido pautar algumas questões importantes.  

 

“Foi aprovado e editado, por sugestão do GT local e de outras seções sindicais, um número da revista Universidade e Sociedade nº 59 (disponível aqui). Também foi a partir do TR 63, apresentado no 41º Congresso Nacional, pelo nosso GT, que foi deliberado pelos 65º e 66º Conads, bem como pelo 42º Congresso, a realização do Seminário Nacional do ANDES-SN sobre a COP 30, a ser realizado nos dias 04, 05 e 06/09/24 na cidade de Belém-PA, que ocorrerá de forma conjunta com o Encontro das Regionais Norte 1 e Norte 2 do ANDES-SN”, destaca o docente.

 

Apesar do ambiente delicado de atuação, Godoi afirma que o grande desafio do GT ainda é a baixa participação da categoria. Isso pode mudar, considerando que os debates do GTPAUA estão relacionados a áreas de pesquisa de muitos docentes da Universidade Federal de Mato Grosso.  

 

Vale lembrar que outros GT’s da Adufmat-Ssind debatem temas como Política Educacional (GTPE), Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria (GTSSA), Carreiras (GTCarreira), Ciência e Tecnologia (GTC&T), Multicampia e Fronteiras (GTMulticampia e Fronteiras), Política de Formação Sindical (GTPFS), Comunicação e Arte (GTCA), Políticas de Classe para as Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS). Para participar basta entrar em contato com a Secretaria do sindicato por meio do e-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. ou pelos telefones (65) 99686-8732, (65) 99696-9293, informando o GT de interesse e contato para receber os informes do mesmo.

 

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Ler 117 vezes Última modificação em Quarta, 04 Setembro 2024 14:53