Quinta, 02 Abril 2020 22:06

Vida e trabalho em tempos de pandemia Destaque

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Nos últimos dias, os brasileiros assistiram empresários realizarem buzinaços em várias capitais do país, implorando aos governos que determinem o retorno imediato dos trabalhadores aos seus postos de trabalho. Alegando prejuízos à economia do país, reproduziram frases de efeito do tipo “o Brasil não pode parar”, “a economia vale mais do que cinco ou sete mil mortes”, “se não morrerem atacados pelo vírus, morrerão de fome”.

 

Os desfiles quilométricos de carros, sob a orientação expressa de que ninguém deveria descer do veículo para evitar contaminações, não demonstrou outra coisa se não o fato de que os patrões estão desesperados sem seus empregados. Sim, eles também estão com medo do coronavírus, mas o mais importante da carreata foi a evidencia de que são os trabalhadores que produzem a riqueza dos patrões - e toda e qualquer riqueza que possa existir no mundo.

 

Além do presidente, alguns governadores e prefeitos reconhecem a demanda dos empresários, mas aparentemente a maior parte da sociedade não foi tocada pela manifestação. Os trabalhadores não estão convencidos de que suas vidas valem menos do que o lucro que garantem mensalmente aos patrões, e os sindicatos de trabalhadores também questionam a ideia de que a quarentena prejudicaria a economia.     

 

“A defesa da vida dos trabalhadores, além de ser uma questão ética, é também uma questão econômica. Por exemplo, o que é mais caro, uma caneta ou um carro? Um sapato ou uma casa? Um animal morto na rua tem algum valor econômico? Não, mas se você retirar o couro desse animal e fizer um sapato, ele vai ter valor econômico. É o trabalho humano que gera valor. Por isso o carro é muito mais caro do que a caneta, porque nele há muito mais trabalho agregado. Do mesmo jeito, a casa é mais cara do que um sapato, porque nela há muito mais tempo de trabalho. Trabalho é dinheiro, trabalho é valor”, explica a diretora da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (Adufmat-Ssind), Lélica Lacerda, que é assistente social.   

 

Se, de fato, os trabalhadores produzem a riqueza do mundo, suas vidas são muito mais valiosas. No entanto, seguindo a lógica de acumulação capitalista, produzir não é o mesmo que desfrutar. Nem mesmo nos momentos em que a vida está em risco, como agora.

 

Nesse sentido, a Adufmat-Ssind defende a posição de que a quarentena significa o direito à vida, e não é esse direito que pode quebrar o país. “Eu diria que quem vai quebrar o país são os bancos, pois o Brasil destina entre 40 e 50% de toda a sua arrecadação anual à dívida pública, ou seja, aos bancos”, afirma Lacerda.

 

“Segundo a Oxfam, em 2017, 1% da população mais rica acumulava 82% da riqueza mundial, e os 5% mais ricos já concentravam 95%. Ou seja, 5% da população mundial desfruta de 95% da riqueza, enquanto, ao contrário, os outros 95% mais pobres dividem apenas 5%”, enfatizou a docente.   

 

O mesmo Estado que é cobrado a atender a população continua, no entanto, editando medidas que garantem a concentração de renda do setor empresarial. Uma semana depois de ver fracassar a tentativa de permitir a suspensão de contratos com trabalhadores do setor privado por quatro meses (MP 927/20), o governo Federal lança mão de mais uma proposta para aliviar o capital: reduzir os salários de trabalhadores dos setores públicos (PEC 10/20) e privados (MP 936/20), além da alteração da jornada de trabalho e, mais uma vez, a possibilidade de suspensão de contratos.

 

Assim, o capital segue lucrando com ou sem crise. Discute-se sobre a vida e o trabalho, mas ninguém questiona o pagamento da dívida pública, os incentivos (isenções) fiscais. Ao contrário, além dos benefícios habituais, o Estado ainda cobre parte dos salários para “evitar” demissões, e injeta recursos no mercado para fazer girar a economia.      

 

“Se a gente naturalizar essas relações, então realmente não tem dinheiro. Mas a nossa posição é classista, a gente entende que esse é o momento de reduzir os lucros do capital para poder garantir a vida dos trabalhadores. Então, não é a quarentena do coronavírus que coloca a economia capitalista em xeque, é essa necessidade de auto expansão ampliada que não tem mais condição de ser realizada. Logo, o vírus da economia não é o coronavírus, é o capital”, conclui a professora.

 

Clique aqui para ver a análise completa da professora Lélica Lacerda. Acompanhe a Adufmat-Ssind também no Facebook, e Instagram @adufmatssind. 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Ler 3395 vezes Última modificação em Quinta, 02 Abril 2020 23:34