Terça, 20 Outubro 2015 08:20

SOMOS TRABALHADORES E NÃO FAZEMOS “GREVE PELA GREVE”

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Marluce Souza e Silva[1] 

Mesmo que a greve nas universidades estivesse colocada apenas como instrumento de reivindicação salarial, ainda assim seria legítima. Mas ela é muito mais do que isso. É uma luta árdua por melhores condições de trabalho, por valorização da docência e por investimentos públicos que permita chamar o Brasil de “Pátria de Educadora”.

Nossa mobilização tem história e respeita a história de lutas daqueles que nos antecederam nos Comandos Locais e/ou Nacionais de Greve, entre os quais estiveram docentes que hoje estão na estrutura administrativa da UFMT. Todos, creio, defendem a universidade e não pactuam com a ideia de entregá-la nas mãos dos investidores privados.

Nós, membros do atual Comando Local de Greve – CLG, não fazemos greve pela greve como supõe alguns colegas. Construímos, com legitimidade, um movimento de resistência por acreditar que viemos “na vida” para defender um projeto justo de sociedade.

Estamos em greve porque não podemos permitir que um projeto neoliberal, nefasto, destruidor de tudo que é nacional, transforme o trabalhador/a docente em um freelancer sem autonomia política e compromisso social.

Estamos de pé, apesar de cotidianamente, sofrer pressões e constrangimentos não apenas do estado, mas especialmente e doloridamente dos companheir@s que defendemos. Profissionais que desqualificam o movimento e querem que façamos outro formato de greve.

Como seria isso? Seria retomar às atividades, atender aos alunos mal e porcamente, dar aos orientandos migalhas de nosso tempo, atender a administração com preenchimentos intermináveis de relatórios, continuar uma pesquisa cujos recursos foram reduzidos ou esgotados, manter os projetos de extensão como oportunidade para a universidade mostrar sua fragilidade e, esgotados, entrar em sala de aula para manter uma relação de aprendizagem rasa e cansativa? Será este o novo formato de greve? Permanecer oferecendo uma educação pobre para pobres alunos?

Não é difícil fazer uma greve neste formato. Vivemos esta experiência desde a suspensão da greve de 2012 até a sua retomada em 2015. Contabilizamos um período de quase três anos, onde alunos da graduação reclamaram e enfrentaram (literalmente) a apatia estabelecida em sala de aula, e onde alunos das pós-graduações convocaram coordenadores para dar condições materiais aos docentes que se apresentaram, quase vencidos, em sala de aula.

Alguém desconhece esta experiência? Alguém nesse período nos apresentou uma política de valorização docente? O governo chamou algum de nós para negociar e rever a estrutura da carreira? Nada disso aconteceu. Pelo contrário, assistimos a um processo de desvalorização da categoria, um processo de sobrecarga, um processo de disputa por espaço físico para realizar pesquisa e garantir orientação de qualidade. Trabalhamos, produzimos, colocamos a UFMT em situação de destaque, mas permanecemos como trabalhadores invisíveis e insignificantes na estrutura do Estado.

Daí nossa dificuldade em entender qualquer outro formato de greve. Qual seria? Como fazer pressão e negociação com um governo que não nos enxerga? Como militar se o “trabalho retira de nós todo o tempo para a República e para os amigos”, parafraseando Lafargue.

Para o governo, sabemos todos, que basta estarmos em sala de aula, dando plasticidade a uma atividade acadêmica pouco formadora e realizadora de novos sujeitos. Ao governo basta que as universidades estejam de “portas abertas” para formar pessoas que modifiquem as estatísticas educacionais do Brasil.

Esta é a nossa conflituosa realidade. E então? Será que devemos voltar para nossas salinhas sujas, escuras, insalubres e manter um “movimento de resistência com rendição e subalternização"?

Podemos “jogar a toalha”, retornar e esquecer que a universidade é um direito geracional, que no entendimento de Celso Lafer (1988, p. 131) são aqueles direitos cujo “titular deixa de ser a pessoa singular, passando a sujeitos diferentes do indivíduo, ou seja, os grupos humanos como a família, o povo, a nação, coletividades regionais ou étnicas e a própria humanidade”.

Portanto, podemos pôr fim ao movimento grevista e esquecer que a UFMT é patrimônio de toda a população brasileira. Podemos esquecer que ela é fruto de lutas empunhadas por mentes e esforços anteriores aos nossos e que, creio, foram companheiros valentes e que, esperam de nós, uma brava e permanente luta. 

[1] Professora graduada em Serviço Social e em Direito, com mestrado e doutorado em Política Social.

Ler 2701 vezes Última modificação em Terça, 20 Outubro 2015 08:21