Terça, 23 Maio 2017 15:58

VITAMINA D GRÁTIS - Valfredo da Mota Menezes

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Vitamina D grátis

 

 Valfredo da Mota Menezes*

 

O Sol foi considerado e adorado como um Deus por muitos povos. Foi considerado e amado como um Rei, durantes séculos, por todos os povos. Nos primeiros anos do século passado descobriu-se que seus raios curavam algumas doenças de pele, reverteram quadros de raquitismo e o sol passou a ser considerado como opção de tratamento (helioterapia). Durante quase todo o século passado o “banho de sol” transformou-se numa atividade terapêutica e estética. Todas as moças queriam ter um “corpo dourado do sol de Ipanema....” ou de qualquer outro lugar. O Brasil era um país moreno.

 

Há muitos anos a ciência já havia mostrado que os raios ultravioletas (UV) do sol, principalmente UVB, quando penetra na pele transforma o precursor da vitamina D na forma ativa da vitamina D (D3); que a exposição da pele ao sol é a principal fonte de vitamina D. Há muitos anos já se conheciam os efeitos benéficos da Vitamina D sobre a estrutura óssea das pessoas. Ela ajuda na absorção, na deposição e mobilização do cálcio nos ossos. Crianças sem vitamina D serão crianças sem cálcio e, consequentemente, raquíticas. Adolescentes sem vitamina D serão adultos com osteoporose e consequentemente com fragilidade óssea e fraturas. A sua diminuição, ao alterar a absorção de cálcio, leva a fraqueza muscular e óssea, facilitando à queda e a osteoporose com consequente fratura de bacia e/ou vertebral, que em pessoas idosas pode, pela imobilização prolongada, levar a morte. Entretanto, desde o último quarto do século passado, depois de ter sido associado ao câncer de pele, o sol passou a se execrado, temido e evitado. As recomendações e alertas sobre seus “malefícios” passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas e foram endossadas por entidades acreditadas e respeitadas mundialmente, como a própria Organização Mundial de Saúde que, em 1992, concluiu que a radiação UV é fator de risco para o câncer de pele. “O sol dá câncer de pele”. Esta foi e tem sido a frase aterrorizadora que, mesmo sem a necessidade de algum complemento ou explicação, faz com que a maior parte das pessoas passe a usar proteção contra seus raios. Isto ficou ainda pior com as consequências que viriam do “buraco na camada de ozônio”. Todos nós íamos morrer de câncer e sapecados pelo sol. “Vamos salvar as nossas crianças!”. “Cubram as quadras esportivas”, “cubram as piscinas”; “não deixe ninguém sair de casa sem protetor solar”. As moças já não queriam o “corpo dourado”. Ficaram pálidas e passaram a pintar o cabelo. Viramos um país de “loiras”.

 

 Porém, nada melhor “que um sol depois do outro”. O tempo passou e alguns estudos, já neste século, começaram a por em dúvida a afirmação categórica da culpa do sol em todas as situações e em todas as pessoas. Mostraram que, embora o sol seja um fator de risco para o aparecimento do câncer de pele, o melanoma (o câncer de pele que pode levar à morte) ocorre em pessoas com predisposição genética, principalmente em pessoas com pele muito clara, ruivas, ou com grande número de nevos (pintas) na pele e que já sofreram repetidas queimaduras solares1 . Mostraram, também, que “a incidência de melanoma está associada ao aumento do índice UV e baixa latitude e somente em brancos não-hispânicos” 2 . Mostraram, ainda, que os cânceres mais benignos (basocelular e de células escamosas) ocorrem com mais frequência em pessoas de pele muito clara e com exposição crônica e repetidas queimaduras solares3 . Também neste século estudos chamaram a atenção para a deficiência de vitamina D em diversos países. No Brasil, alguns estudos mostraram um alto grau de deficiência em várias cidades pesquisadas: São Paulo com taxas de até 96%; Curitiba com 90,6%; Rio de janeiro com 67%; Belo Horizonte com 42%; Recife com 66%; Vitória com 42%; João Pessoa com 33%.(Apud – Sergio S. Maeda et al.)4 . A descoberta recente de um receptor da vitamina D em diferentes células do organismo levantou a possibilidade de que ela pudesse também ter efeito protetor sobre essas células5 . Além disso, três recentes revisões sistemáticas mostraram benefícios da Vitamina D. Uma sugere que pessoas com deficiência de vitamina D têm maior índice de mortalidade6 , outra que a vitamina D diminui o índice de quedas em pessoas idosas7 e outra mostra o benefício da vitamina D na diminuição de resfriados8 . Esses fatos – déficits de vitamina D e benefícios da suplementação de vitamina D - talvez sejam os causadores do aumento exponencial da prescrição de vitamina D que vem ocorrendo nos últimos tempos. Grande parte da população (desde crianças a idosos) passou a tomar a vitamina D por via oral. Isto é, grande parte da população está comprando vitamina D. Se sabemos que a principal fonte de síntese da vitamina D é o sol, por que estão comprando quando basta sair ao sol??. A resposta está no excessivo medo que nos impuseram sobre a possiblidade de o sol provocar câncer. A Sociedade Brasileira de Dermatologia chega mesmo, como em seu último Consenso, a quase proibir qualquer exposição ao sol. A recomendação é tão radical e fundamentalista que, no mínimo, as mulheres deveriam usar burca e as crianças deveriam voltar para dentro do útero o só saírem depois de mais nove meses, e já lambuzadas de protetor solar e todas tomando vitamina oral9 . A Sociedade Brasileira de Endocrinologia, embora reconheça e enfatize a importância do sol, em seu Consenso, entretanto, só recomenda a reposição oral4 . Infelizmente, o fato de o Autor principal e de alguns coautores do Consenso serem palestrantes e receberem pagamento de duas indústrias que fabricam e comercializam a Vitamina D fragiliza muito essa recomendação.

 

 Acredito que as Sociedades médicas e mesmo a OMS, diante das novas evidências, poderão, em pouco tempo, mudar a recomendação de que nenhum sol deve ser permitido para algum sol deve ser permitido.

 

É natural que, depois de tantas informações sobre os malefícios do sol, as pessoas continuem com medo. O sol realmente é um fator de risco (principalmente quando causa queimaduras), entretanto a falta dele é outro sério fator de risco especialmente para crianças e adolescentes. Então qual é a exposição segura? Qual deve ser a dose de radiação considerada segura para a síntese de vitamina D sem que provoque queimadura com consequente risco de câncer de pele? Já começaram a surgir alguns oportunistas que tentarão tirar seu dinheiro. Já tem gente vendendo “doses de sol”. Estão prescrevendo o uso do sol ou de radiação UVB sob supervisão. Oferecem segurança contra seus malefícios, síntese de vitamina D e você ainda “pega uma cor”. Ninguém precisa pagar para isso.

 

O que as pessoas precisam saber é que para diferentes tipos de pele serão necessários diferentes tempos de exposição e que qualquer coisa que influencie a penetração do raio UVB na pele pode alterar a produção de Vitamina D. Assim, quanto mais escura for a tonalidade (mais melanina) e mais protegida estiver a pele (protetor solar, roupa, nuvens etc.) menor será a penetração e menor a formação de vitamina D. Quanto mais clara, maior a penetração e menor deverá ser o tempo de exposição. Na dependência da sensibilidade à radiação solar, a Dermatologia classifica a pele em seis diferentes tipos que vai do Tipo I (pele muito clara, com pouca ou nenhuma melanina, que quando exposta ao sol por cerca de 40 - 60 minutos fica vermelha, irritada e não bronzeia) até pele do Tipo VI (pele escura e com muita melanina que nunca fica vermelha ou irritada e que aumenta a tonalidade com o sol). Uma pele muito clara que fica irritada, vermelha, mas que consegue ficar ligeiramente bronzeada é do Tipo II, a do Tipo III é semelhante ao I e II, porém consegue um bronzeamento mais intenso. As dos Tipos IV e V são semelhantes a VI, porém com menos melanina, não ficam irritadas ou vermelhas e aumentam facilmente o bronzeado10 . É importante que a população conheça esta classificação para fazer a sua própria dosagem segura de radiação.

 

Algumas pesquisas mostram que basta cerca de 10 a 20 minutos de exposição solar para se manter um nível adequado de vitamina D 11-13 . Pesquisadores da Noruega propõem o uso de uma calculadora que, embora não tenha ainda sido validada no Brasil, serve como um parâmetro mínimo para que cada pessoa possa fazer seu próprio calculo14 . https://fastrt.nilu.no/VitD_quartMED.html

Todo esse volume de novos estudos provocará novas discussões e novos direcionamentos em relação à exposição solar, vitamina D e câncer. Todavia, fica claro, que a reposição pela exposição solar é a mais fácil e a mais barata. A minha recomendação é: o Sol faz bem, porém use com moderação.

 

 

*Médico, Prof. Associado/Faculdade de Medicina/UFMT (aposentado) Doutor em Medicina Interna e Terapêutica

 

(1)Nielsen K, et al. A prospective, population-based study of 40,000 women regarding host factors, UV exposure and sunbed use in relation to risk and anatomic site of cutaneous melanoma. Int J Cancer. 2012;131(3):706-15. (2) Eide MJ et al. Association of UV index, latitude, and melanoma incidence in nonwhite populations--US Surveillance, Epidemiology, and End Results (SEER) Program, 1992 to 2001. Arch Dermatol. 2005;141(4):477-81. (3) Zanetti R et al. Comparison of risk patterns in carcinoma and melanoma of the skin in men: a multi-centre case-case-control study. Br J Cancer. 2006;94(5):743. (4) Sergio S.Maeda et al. Recomendações da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) para o diagnóstico e tratamento da hipovitaminose D Arq Bras Endocrinol Metab vol.58 no.5 São Paulo July 2014. (5) Holick MF. Biological Effects of Sunlight, Ultraviolet Radiation, Visible Light, Infrared Radiation and Vitamin D for Health. Anticancer Res. 2016;36(3):1345-56. (6) Bjelakovic G et al. Vitamin D supplementation for prevention of mortality in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2014 Jan 10;(1):CD007470. (7) Kalyani RR, et al. Vitamin D treatment for the prevention of falls in older adults: systematic review and meta-analysis. J Am Geriatr Soc. 2010;58(7):1299-310. (8) Martineau AR, et al. Vitamin D supplementation to prevent acute respiratory tract infections: systematic review and metaanalysis of individual participant data. BMJ. 2017;356:i6583. (9) Schalka S et al. Brazilian Society of Dermatology Brazilian consensus on photoprotection. An Bras Dermatol. 2014;89(6 Suppl 1):1-74. (10)Fitzpatrick TB The validity and practicality of sun-reactive skin types I through VI. Arch Dermatol. 1988;124(6):869-71. (11)Chuck A et al. Subliminal ultraviolet-B irradiation for the prevention of vitamin D deficiency in the elderly: a feasibility study.Photodermatol Photoimmunol Photomed. 2001;17(4):168-71. (12)Reid IR et al. Prophylaxis against vitamin D deficiency in the elderly by regular sunlight exposure. Age Ageing. 1986;15(1):35- 40. (13)Holick MF. Sunlight and vitamin D for boné health and prevention of autoimmune diseases, cancer, and cardiovascular disease. Am J Clin Nutr. 2004;80(6Suppl):1678S-88S. (14)Webb, A.R. and O. Engelsen (2006) Calculated Ultraviolet Exposure Levels for a H ealthy Vitamin D Status. Photochemistry and Photobiology. 82(6), 1697-1703

 

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