Quarta, 22 Abril 2020 14:06

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Roberto de Barros Freire*
 

Esses que não respeitam o isolamento social e que não fazem parte daqueles responsáveis pelas atividades essenciais, serão responsáveis por termos que ficar ainda mais tempo nessa quarentena, ampliando a reclusão. Ainda que não sejam a maioria, havendo uma grande obediência as normas de saúde, esses desobedientes são em grande quantidade. Mais ainda, incentivados pela presidência e ignorantes, insensatos, afora saírem em contraposição à norma civilizatória da saúde, poderão causar mais danos, propagando a doença, não havendo hospital para todos, não havendo respiradores para todos, nem UTI, nem ambulância, teremos corpos espalhados por todo lado.


Alguns só perceberão que o Coranavirus é grave quando perderem alguém próximo. A arrogância de se achar acima dos demais, que as doenças não os pegam, e pode ser até que não a sofra, mas a espalhará aos demais, levando para alguém próximo. Ora, é preciso que se perceba que deve haver um esforço coletivo, que não devemos nos dividir, com cada um fazendo o que quer do seu jeito. É preciso civismo e humanismo nesse momento, se perceber como parte do todo, responsável por si e pelos demais.


O que se vê, infelizmente, no país, é uma minoria pedindo não apenas desobediência às normas de saúde e civilizatória, a abertura do comércio e de toda atividade econômica, mas um golpe de Estado, que as forças armadas imponham uma nova ditadura, enfim, algo não apenas contra a saúde, mas um ato criminoso, de terrorismo, que deveria ser punido exemplarmente por estarem proclamando e propagando atos contra a constituição e a imensa maioria da população. Esses poucos loucos acham que são o povo, quando é um bando de gente arrogante com carro importado passeando pela cidade, enquanto o povo está ou trabalhando nos serviços essenciais, ou em casa não propagando o vírus. O povo mesmo está também nos ônibus, está em bairros afastados, está em condições sofríveis de existência, e em grande número, muito maior do que dos carros, e desses infames a proporem o fim da democracia e sem ver a grande maioria; só circulam pelas avenidas refinadas. Não querem conversar como afirma o nosso débil presidente, querem impor a todos suas prescrições fundamentadas nas suas vontades egoístas e mesquinhas tão somente. Falta pouco para esse insano achar que é preciso alguma atitude de força sobre a nação, quando inflamados pelo doido todos desobedecerem a tudo, como nos induz o comportamento errático de Bolsonaro.


Esses que se acham superiores aos cientistas, sábios e a grande maioria da humanidade civilizada, que seguem o isolamento social como forma de mitigar os males da doença, não apenas são péssimos cidadãos, são contrários à humanidade. São favoráveis à ditadura, à tortura, à morte, ao extermínio de tudo (as instituições) e de todos (a oposição). Enfim, devem ser repreendidos, processados e multados, pois que esses só têm no bolso a sensibilidade da sua pequena alma. Sentem mais a perda dos bens do que das pessoas.


Se todos seguíssemos o isolamento, maciçamente, o aumento da epidemia seria contido, e teríamos tempo suficiente para novos remédios e para uma vacina. Teríamos garantido que teríamos recursos hospitalares para abrigar a todos, e algum tempo para nos preparar melhor para o crescimento da doença que sempre pode ocorrer, visto que não temos ainda anticorpos para esse vírus, por ser um vírus novo e desconhecido.


Devemos ignorar o presidente e seus fanáticos seguidores, e num gesto político proclamemos que seguiremos a ciência, os sábios, a experiência bem sucedida dos outros povos, não as vontades presidenciais, que sem base em nada que não seja sua visão estreita e pequena, proclama como se fosse superior a todos do planeta regras equivocadas e prejudiciais. Ainda que cada um esteja em sua casa, estamos juntos contra a doença, esperando o momento certo para retomarmos as atividades normais. Continuemos seguindo as autoridades competentes para nos instruir, os médicos e a ciência.

 

 
*Roberto de Barros Freire é professor do Departamento de Filsofia/UFMT

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Segunda, 20 Abril 2020 15:06

 

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Por Lélica Elis Lacerda*
 

O governo brasileiro entende que atender às urgências do sistema financeiro é 7,5 vezes mais importante do que salvar a vida da população brasileira da COVID-19. Esta é proporção de investimento do pacote de salvamento de cerca de uma dezena de bancos, que receberam R$ 1,2 trilhão, em relação aos R$ 160 bilhões destinados ao amparo de mais de 200 milhões de brasileiros. Isso aos trancos e barrancos, depois de muita pressão social para que o governo entendesse que, sem auxílio, a população morreria de fome.
 
Essa prioridade existe porque os bancos nos cobram uma suposta e impagável dívida pública, no valor de R$ 5 trilhões. E já que a prioridade é cobrar dívidas, proponho, aqui, relembrarmos - e cobrarmos! - uma dívida histórica ainda mais antiga.
 
A elite bancária internacional de hoje teve como principal meio de acúmulo de capital o mercado triangular no qual a Inglaterra ganhava dinheiro a partir do tráfico negreiro - venda de pessoas sequestradas e escravizadas. A matéria prima barata e o trabalho escravo das colônias barateavam ainda mais as mercadorias. O dinheiro dos bancos de hoje é proveniente, portanto, das mãos negras e indígenas escravizadas, tornadas mercadorias rentáveis, que produziam ou extraiam outras mercadorias: ouro, prata, açúcar, café, etc. Todo o trabalho realizado pelo povo escravizado serviu para o enriquecimento dos antepassados da elite que hoje abocanha, anualmente, entre 40 a 50% do orçamento federal brasileiro – e a quem o pacote de salvamento econômico de R$ 1,2 trilhões se destina.
 
Nossa elite nacional, por sua vez, foi formada por senhores de escravos, donos de engenhos, de fazendas de café e de minas, nas quais vidas humanas eram consumidas por meio de trabalho penoso e muito açoite para “fomentar” a exploração máxima. O Brasil foi um dos países que mais comprou pessoas escravizadas no mundo e o último país ocidental a abolir a escravidão.
 
Essa elite, sob a violência do açoite e da pólvora, submeteu homens, mulheres e crianças indígenas e africanas a um intenso processo de expropriação formal da humanidade, reduzindo-os a instrumentos de trabalho falantes. Por mais de três séculos, o trabalho escravo barateou o preço das matérias primas da indústria central nascente por meio do consumo dos corpos humanos. A vida útil de um trabalhador escravizado era, em média, de 19 a 25 anos. O que viabilizou essa forma de economia pautada na descartabilidade dos corpos foi a inesgotabilidade de oferta de mão de obra que os brancos europeus encontraram a partir da desumanização de indígenas e africanos.
 
Atualmente, elites de dois países tiveram a desumanidade de ir às ruas para pressionar os governos a determinarem o retorno da população ao trabalho. No Brasil, um desfile de carros importados defendeu que os trabalhadores peguem ônibus lotados para socorrer a economia, pois ela não pode parar, mesmo que voltar ao trabalho custe a vida de boa parte da população periférica, majoritariamente negra. Nos EUA, um aglomerado de homens brancos portando a bandeira da suástica reivindicou quase o mesmo.
 
Não por acaso, Donald Trump minimizou a gravidade do coronavírus, o que faz com que os EUA sejam hoje o país com maior número de mortos do mundo. O presidente estadunidense até mudou a postura diante do caos provocado pela pandemia, mas isso não resultou em nenhuma autocrítica. Pelo contrário, exercendo sua masculinidade branca (e narcisista), projetou a culpa na Organização Mundial da Saúde (OMS) e, tragicamente, se negou a continuar repassando recursos à entidade. No Brasil, temos o único presidente que ainda ignora a pandemia e sai às ruas para cumprimentar as pessoas. Jair Bolsonaro foi eleito pelo The Washington Post o pior estadista do mundo no trato do coronavírus.
 
Evocando o passado escravagista dos dois países, podemos observar quem são as pessoas que ainda estão sem receber a renda mínima – no Brasil aprovada há mais de 15 dias. A resposta é óbvia: trabalhadores autônomos e informais, os mais precarizados, os mais pobres, as mulheres chefes de família, os negros e indígenas.
 
Destinar mais recursos a bancos em vez da garantir uma renda mínima digna para a população passar a quarentena em segurança equivale a um chicote de açoite moderno que pode matar num só golpe milhões de moradores das periferias, no Brasil e nos EUA. Priorizar o setor financeiro em vez do acesso à saúde pública é outro açoite, agora contra as mãos retintas que trabalham para a economia não parar, acabam infectadas e não encontram atendimento nos hospitais. Quando se prioriza bancos e não a compra de equipamentos de segurança para os trabalhadores, é porque o chicote da “responsabilidade fiscal” está agindo em detrimento da preservação das vidas das técnicas de enfermagem, enfermeiras, trabalhadoras da limpeza, entre outras, que estão expostas na linha de frente do enfrentamento ao coronavírus.
 
Persiste, portanto, a concepção de subordinar o sangue retinto aos lucros dos homens brancos e ricos. Isso porque as elites jamais deixaram de tratar os pobres, negros e indígenas como não humanos, meros instrumentos de trabalho, cuja única razão de existir é dar-lhes dinheiro. Quanto mais esta elite nos desumaniza, mais desumana se torna. Por isso são as duas únicas no mundo que defendem abertamente o genocídio ao confrontar a quarentena.
 
Essa postura genocida, racista e patriarcal é tão cega de ódio que não se permite enxergar o caráter coletivo da saúde que a COVID-19 nos convida a compreender. Enquanto houver foco da doença em algum ponto do planeta, ela continuará sendo uma ameaça para todos!
 
Não adianta a Casa Grande pensar que a doença vai afetar apenas a Senzala. Não cabe mais a ideia dos países centrais que nos tratam como colônias habitadas por corpos descartáveis. É tempo de impor, pela luta, o reconhecimento de fato de nossa humanidade, cobrando das elites internacionais o compartilhamento de riquezas e tecnologias produzidas por nós, trabalhadores, capazes de constituir vigoroso sistema de saúde e centros de pesquisa em universidades em todos os países do mundo!
 
É tempo de taxar fortunas, lucros milionários, o Agronegócio e os bancos para garantir a todos o direito de quarentena (e renda) pelo tempo que a pandemia apresentar ameaça. É tempo de investir expressivamente em saúde pública para a constituição de sistemas de saúde capazes de fazer testagem em massa e tratamento dos doentes. É tempo de investir em educação e ciência para o desenvolvimento de equipamentos de segurança, tratamentos e vacinas.
 
Superar o coronavírus no Brasil exigirá, também, a superação da nossa condição de colônia e das elites que se portam ainda como colonizadoras!
 

 

*Lélica Elis Lacerda, assistente social e diretora da Associação dos Docentes da UFMT (Adufmat-Ssind)
 

 

Sexta, 17 Abril 2020 14:29

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Neste tempo de (quase) isolamento social, muitos têm profetizado que sairemos melhores – como seres humanos – após a experiência COVID-19. Será?  

Diante de tantas manifestações positivas sobre o porvir, confesso que, de início, quase que nelas acreditei. Essa minha quase crença se deu pelo fato de eu desejar muito ver a espécie humana, de fato, mais humana.

Um outro fator que me influenciou na quase crença desse futuro refinamento da humanidade foi a arte, sempre sublime. Nunca como antes compartilhamos tanta arte. Nunca como antes trocamos tantos poemas e músicas, todos importantes para o enfrentamento da quase solidão das horas... Talvez, a “live” de Bocelli, cantando na vazia Catedral de Milão, tenha sido o ápice disso tudo.

E as aulas de danças que nos enviam!? Tudo isso junto vai nos dando a sensação de pertencimento – mesmo sem saber exatamente a que – poucas vezes experimentada.

E as experiências de solidariedade?! De receitas culinárias a exercícios físicos e relaxamentos mentais, há um pouco de tudo. Insiro nesses espaços as campanhas para ajudar a matar a fome de tantos que, mesmo em condições “normais” de vida, já não têm como se alimentar no cotidiano feroz de diferentes sociedades.

No mesmo clima de positividade sobre o porvir estão as manifestações de agradecimentos a profissionais indispensáveis, com destaque aos da área da saúde. A eles, aplausos e emocionantes homenagens são vistos mundo afora. Tudo muito lindo e verdadeiro! Tudo muito humano! Enfim, um mundo novo desejado...

Mas, pergunto: desejado por quem?

Por quem já é minimamente humano; por quem já enxerga o outro como um ser que merece respeito; por quem já tem a vida humana acima de tudo; por quem já tem o privilégio de conseguir apreciar boas manifestações artísticas; por quem já é solidário desde sempre; por quem sempre quis ver a humanidade, de fato, mais humana.

Todavia, nem só desse tipo – tipo o trigo no meio do joio – foi “criada” a humanidade; aliás, eu diria que a “criação” da humanidade é bem mais cheia de estranhamentos do que poderíamos supor; portanto, na contramão desses tipos realmente humanos estão o que sempre estiveram, quais sejam: os que não enxergam o outro, a não ser que o outro lhe seja cópia fiel; os que nunca puseram a vida humana, principalmente a dos outros, acima de tudo; os que nunca conseguiram apreciar boas manifestações artísticas e, tampouco, ser solidários, a não ser com seus interesses; os que, por meio de seus espelhos embaçados, acreditam que a humanidade atingiu o apogeu, estando acima de todos, quiçá, só abaixo de um deus, em que pensam e juram acreditar, talvez porque nunca o enxergarão por aqui.

Como exemplos desses tipos, cito as lideranças políticas que, hoje, desrespeitando o conhecimento científico, atuam para desmontar as recomendações de cuidados sociais que visam a preservar vidas.

Cinicamente falando em nome da salvação de economias, tais “mitos” políticos incentivam uma legião de cegos e odiosos seguidores, mesmo alguns escolarizados, como aquele empresário, e tesoureiro do PSL de um munícipio mato-grossense, que atrai para a janela de seu carro um morador de rua, oferecendo-lhe dinheiro e, ao invés disto, quando o rapaz se aproxima, lhe dá um covarde murro no rosto. Desumanidade.

Por tudo isso, que pode infectar bem mais do que o próprio novo corona-vírus, infelizmente, digo que as relações humanas e as desumanas continuarão, basicamente, como dantes nas terras dos abomináveis e boçais mitos.

 

Quinta, 16 Abril 2020 11:50

 

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Wescley Pinheiro

Professor do Departamento de Serviço Social - UFMT

Doutorando em Política Social - UnB

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  Com as incertezas e impossibilidades impostas pela pandemia da Covid-19, da necessidade de isolamento social e de todas as questões da política que potencializam o sofrimento, o debate sobre saúde mental  tem aparecido como algo essencial. 

       Essa discussão, no entanto, não pode se limitar em formulações simplistas quando boa parte da população brasileira não tem condições materiais de desenvolvê-las. Sem tergiversar: o seu yoga, as lives musicais, os filmes no streaming, a manutenção de uma rotina, a alimentação saudável, a terapia por skype e os exercícios mentais para ser positivo... tudo isso é importante, mas saúde mental é outra coisa.

Afinal, há morte lá fora. Aqui dentro de nós, angústia. Em casas apertadas e espíritos suprimidos assistimos a falta de assistência encurralando quem precisa sobreviver. Vamos intercalando entre o ímpeto dos escapes e a vontade de acompanhar tudo-ao-mesmo-tempo-agora, esperando os piores noticiários, numa luta constante para subviver. 

“Quase democrático” em seu contágio, mas muito seletivo na forma e meios de tratamentos, o Corona Vírus é um adversário invisível que joga em nossa cara todos os outros tão mais antigos e concretos. A doença que causa prejuízo econômico pode ser também a cura para as tarefas do “quase democrático” liberalismo. Se viver é meritocrático chegou a hora de aprofundar a necropolítica e com ela, além de não morrer, é muito difícil não enlouquecer.

    É tempo de golpes. De horizonte rebaixado, de profunda confusão. De um governo apostando no caos como combustível para a barbárie, de viver o desespero. Parece não haver alternativas fora do sofrimento quando não estamos presos somente em nossas casas, mas sim nunca sociedade que sequer permite o isolamento social para sobrevivermos numa pandemia. 

Compreender o tamanho do problema é fundamental. Nesse sentido, sofrer por isso também é saudável. No entanto, se a percepção desse fenômeno supera as condições individuais e subjetivas, o cuidado com a saúde mental toma contornos mais potentes, afinal, se manter são ou, ao menos, desenvolver formas de se fortalecer emocionalmente é, cada dia mais, uma questão política, afinal, será preciso não sucimbir, será necessário está bem, tanto por nossa dimensão individual, quanto para resistir ao genocídio em curso.

Além disso, quando transcendemosl, percebemos que autocuidado não é auto-ajuda, muito menos que saúde mental se limita ao seu próprio bem estar e, portanto, esse debate precisa superar as questões clínicas ou circunscritas nas escolhas cotidianas. É preciso sim pensar as estratégias subjetivas diante do isolamento, mas temos que anotar algo ainda mais grave: assim como toda a saúde pública, a política de saúde mental vem sofrendo ataques históricos e chega no quadro da pandemia profundamente debilitada. 

Não é pouca coisa ou um tema secundário. É preciso pensar no autocuidado, mas é fundante ir além. É imperativo pensar que saúde mental é mais que uma opção, um conjunto de alternativas, fórmulas, dicas ou tratamentos que o sujeito pode  ou não escolher. Saúde mental é um direito, mais ainda, enquanto política, a saúde mental é um dever coletivo. 

Nessa direção, o binômio desresponsabilização do Estado e privatização/refilantropização da saúde sustenta uma contínua contrarreforma na saúde mental ampliando desafios. Esta dualidade aparece nos retrocessos legais, no desmonte da política de saúde, na privatização do SUS, nos cortes de verbas e precarização dos espaços e condições de trabalho.

Pensar a saúde mental enquanto uma política social é elementar para superar caracterizações voluntaristas ou fatalistas diante da totalidade histórica. Perceber as disputas diante das mediações entre cotidiano, política e economia e o processo de produção e reprodução da vida são pontos cruciais para a reflexão diante da constituição da política de saúde, as particularidades brasileiras, as conquistas firmadas desde as lutas dos anos 1980 e os atuais retrocessos.

A construção de relações subjetivas numa sociedade repleta de cisões é elemento chave para a compreensão do adoecimento mental e daquilo que esta mesma sociedade compreende sobre que é saúde e suas formas de tratamento. As diversas expressões da questão social atravessam os sujeitos, demarcam seus limites e possibilidades, apresentam alternativas a partir de sua classe, cor, etnia, gênero, orientação sexual, origem e geração. Mais que questões somente físico-químicas, elementos genéticos e fisiológicos o aprofundamento de relações coisificadas e de uma lógica desumanizada mergulha a formação subjetiva nas intempéries do seu tempo histórico.

Esses elementos estabelecem condições peculiares para a saúde mental da classe trabalhadora, com o aumento da pauperização e da degradação cotidiana dos espaços de vida e trabalho, ampliando as condições de adoecimento. O crescimento de uma lógica conservadora e moralista patologiza sujeitos, culturas e grupos, além de fortalecer a lógica manicomial e de tratamento centrado na medicalização e na repressão.

No campo ideológico temos o avanço das novas roupagens conservadoras explicitando velhas práticas, fortalecendo valores comprometidos com a manutenção de estereótipos e exercendo parte da função punitiva historicamente construída como substrato cultural imputado à loucura. Essa lógica tanto individualiza os elementos fundamentais da saúde mental e, portanto, de sua política, estruturando intervenções com esse caráter, fortalece o conteúdo reacionário e todo o ranço manicomial e, por fim, aprofunda o abismo de classe para o direito ao tratamento.

Aos pobres o manicômio, a internação compulsória, os fármacos, a suposta caridade das comunidades terapêuticas ou simplesmente o nada. Para as camadas médias, a clínica particular, os consultórios fetichizados, tabelados por diferentes preços, com seus profissionais e diferentes abordagens. Para essa parcela também temos os fármacos, tabelados pela moda do momento, aliados às terapias alternativas, palestras, livros de auto-ajuda, além dos coach´s, “os treinadores da vida”. Aos ricos, tudo, absolutamente tudo, inclusive a espetacularização da saúde e da doença.

Remediada para dormir e para acordar, a sociedade naturaliza as substâncias lícitas, vendidas nas farmácias, tolera outras tantas, vendidas nos supermercados, convive com a ilicitude de drogas sintéticas próximas das elites, enquanto aprofunda a ideologia de “guerra às drogas” com a lógica proibicionista, bélica e de aprisionamento em relação às camadas populares e se centrando em substâncias específicas.

O autocuidado no capitalismo é um privilégio, seja em tempos de pandemia ou não. O encarceramento penal imputado ao povo negro, historicamente escravizado e também aprisionado nos manicômios, junto de mulheres e outras parcelas oprimidas e marginalizadas se revitaliza no tradicional metamorfoseado. O moralismo e o bom mocismo, seja fundamentalista religioso, seja da segurança pública ou ainda das terapias alternativas, vai esfarelando a política pública estruturada em rede, com controle social da população, buscando alternativas reais para tratamento e enfrentamento por vias estruturadas em resultados efetivos e humanizados.

As perdas são incontáveis. Da Emenda Constitucional 55, que congela o financiamento das políticas sociais por vinte anos, da contrarreforma trabalhista de 2016 ou, ainda, nas publicações específicas da saúde mental como as GM Nº 3.588 de 21 de dezembro de 2017 do Ministério da Saúde, a Portaria nº 679 de 20 de março de 2018 do Conselho Nacional de Álcool e Drogas (CONAD), a Portaria GM nº 2434 do Ministério da Saúde e, por último, da Nota Técnica Nº 11/2019 intitulada “Nova Saúde Mental”, publicada pela Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde temos um conjunto de ações que impactam diretamente na pressão, enxugamento e deteriorização da saúde mental. 

Essas ações atingem seus profissionais e os usuários, impactando as condições de trabalho, mas também aprofundando uma lógica que volta a ter o hospital psiquiátrico como referência da política de saúde mental. O processo contínuo de regressividade vai se naturalizando dentro do cotidiano profissional e, por vezes, consolidando o minimalismo como única possibilidade de atuação.

O desprezo do governo brasileiro não é apenas com a vida dos idosos e outras parcelas do grupo de risco de mortalidade sob a pandemia do corona vírus. A forma de tratamento no campo da saúde mental atravessa a história de modo a invisibilizar sujeitos sobrantes na lógica da economia. Nesse genocídio quem restará?

Em tempos de isolamento precisamos pensar na clausura de quem já sofria intensamente, estando diagnosticado ou não com psicopatologias. Em tempos de ampliação do sofrimento precisamos pensar qual estrutura temos para realizar acompanhamento psicológico das profissionais da rede de saúde, dos familiares dos enfermos, de todos nós.

Em tempos de barbárie precisamos pensar em que direção estão indo os equipamentos e políticas da saúde mental. Sob a desculpa do cuidado, com essa população e com toda a sociedade, para milhares de pessoas, a covid-19 será a porta de entrada para suas internações compulsórias, para o extermínio das pessoas que vivem em situação de rua, para o aprisionamento em comunidades terapêuticas. O aperto no peito que todos sentimos no isolamento social é apenas uma das características de como o Estado Brasileiro trata as pessoas em sofrimento mental intenso.

E não para por aí. Para milhões de pessoas a terapia é algo distante, desconhecido, impossível. Para quase todos nós da classe que vive do próprio trabalho, qualidade de vida é um fetiche, um não-lugar. Manter-se são é resistência, talvez sorte. 

Quando a crise do capital degrada a condição de vida das pessoas, o Estado busca tomar as rédeas para administrar a possibilidade das taxas de lucro, a moral aparece como instrumento mistificador da realidade, engabelando possíveis resistências frente às questões essenciais e dirigindo olhares para a superfície. 

Por isso, as relações subjetivas, os espaços cotidianos de trabalho, a família, os lugares coletivos onde buscamos fortalecer o espírito, as relações de amizade, entre outros afetos surgem com toda a violência possível, materializando em nossas vidas aquilo que se projeta, se propaga e se consolida na lógica do protofascismo contemporâneo.

Nesse tempo histórico, o autocuidado individual passa por reinventar coletivos com sentido. Na exacerbação da forma mais grave da sociabilidade capitalista a reprodução do protofascismo e o aprofundamento do sofrimento mental exigirá de nós respostas contundentes. Entre as estratégias e as táticas, entre sofrimentos, desapontamentos e desafetos, entre a necessária resistência e a vida cotidiana haverão ainda mais desafios. O exercício de diálogo, de enxergar as pessoas, de construir relações para visibilizar nossa humanidade nos outros será também rebeldia em tempos de cólera.

O desafio, mais que terapêutico, é o de compreender essa angústia individual dentro de um conjunto de contradições desenvolvidas coletivamente. Nesse difícil momento de isolamento social a dificuldade também passa por perceber que essa frustração impenitente pelo aprisionamento de nossos planos e suspensão de nosso cotidiano precisa se conectar à consciência de algo mais amplo que nunca tem se efetivado, a nossa emancipação enquanto humanidade. 

É fundamental se indignar, se desesperar, não. É fundamental que essa raiva persistente se transforme em ódio de classe. Falo aqui de sentimento, não de ressentimento, não de uma raiva requentada, mas de potencializar nossas experiências para destruir o que nos faz sofrer e, assim, construirmos o novo. 

Se é salutar não se deixar corroer por pensamentos e atitudes destrutivas, é tão urgente não deixar amortecer a necessidade de reação, a potencialidade de nossa insatisfação para nos fazer forte diante das tarefas que virão. Que cada lágrima impossível de não ser derramada não vire romantismo, mas  fermente a força coletiva. Que cada sorriso no meio do caos não seja escapismo vazio, mas exercício de rebeldia e esperança.

A partir do momento em que evidenciamos os limites e as possibilidades, que descortinando  os fundamentos de nossos sofrimentos para além da lógica em-si-mesmada, podemos exercitar individualmente meios para sobreviver à desumanização presente. E podemos mais. Podemos encontrar humanidade, esperança na prática e não nas esquivas, experienciar, ainda que isolados fisicamente, a construção do novo pela luta coletiva.

É muito saudável ter perspectiva e é possível tê-la! Quando sairmos de nossas cercas, se juntarmos os nossos medos e as nossas coragens e direcionarmos para o que nos estrutura. Não há tempo para se enganar. Nesse momento histórico há um inapelável chamado para enxergar a dureza das coisas, mas podemos fazer sem perder toda a ternura.

Quarta, 15 Abril 2020 17:02

 

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 José Domingues de Godoi Filho¹

 

O volume de dados e informações sobre um inimigo invisível, disponibilizados diariamente, torna imprescindível não esquecermos das incertezas e indeterminações do saber científico. Só assim será possível melhor utilizá-los e, entendermos a importância dos cuidados e precauções indicadas pela Organização Mundial da Saúde, médicos, pesquisadores e, no caso brasileiro, também pelo resultado da “balbúrdia” realizada nas universidades públicas.

A utilização, sem criticidade, de modelagem matemática, que é uma importante metodologia de trabalho, porém com limitações e premissas, pode gerar, não raramente, interpretações e conclusões equivocadas, que, muitas vezes, refletem ou levam a imposições de interesses pouco defensáveis.

É uma das dificuldades, por exemplo, que tem se enfrentado na análise das avaliações ambientais. Para ilustrar, recentemente, em Mato Grosso, a EDF – Électricité de France, associada à um tipo de cérebro de aluguel, impuseram, com base em modelagem matemática, que distorcia a realidade pra “caber” em seu modelo e interesses que pagavam a conta, o fechamento da Usina Hidrelétrica Sinop, sem que o lago fosse limpo, contrariando a legislação. Desconsideraram o parecer contrário, que indicava o óbvio. Resultado, quinze dias após o fechamento das comportas e, desde então, já se acumularam, em mais de um evento, algumas toneladas de peixes mortos no rio Teles Pires. A endeusada modelagem matemática e seus infográficos e outros malabarismos computacionais empolgaram os medonhos tomadores de decisão. E foi por aí afora.

A situação atual, que estamos vivendo, demonstra, com clareza ímpar, os limites dessa metodologia, especialmente, quando envolve a vida de todos os animais, incluindo os humanos. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o modelo de apropriação dos recursos naturais, adotado pelo animal humano, primou por construir um aparato bélico capaz de destruir a vida e até mesmo partes do planeta várias vezes. Um modelo que se radicalizou a partir da Guerra dos Seis Dias (1967, entre árabes e israelenses); e, se impôs como pensamento único a partir dos governos Reagan-Thatcher. Para além das imposições socioeconômicas, o Governo Ronald Reagan, em 1983, elaborou o programa militar SDI (Strategic Defense Initiative), também conhecido como Star Wars, que incluía satélites antimísseis equipados com laser e muita modelagem.

Nos anos 2000, o programa foi reativado pelo Governo Bush com a denominação de “Escudos antimísseis”, para criar um escudo espacial de defesa do território americano. Com isso, os falcões americanos buscavam o monopólio do poder espacial, desrespeitando até mesmo o frágil equilíbrio nuclear do período da Guerra Fria. Reações e decisões aconteceram por parte de vários países como a Rússia, China, Índia, Paquistão, dentre outros. O animal humano conseguiu, com os armamentos construídos, se tornar a única espécie com capacidade de autodestruição. Novamente muita modelagem.

Paralelamente, no mesmo período, os “lost profhets”, uma verdadeira tropa de ocupação, formados na Universidade de Chicago e assemelhadas, invadiram o mundo com a imposição de um pensamento único e muita modelagem matemática, para justificar e atender os interesses do capital. Transformaram a espécie humana num agente geológico com alta capacidade de destruição. Construíram o cassino global e chegamos, com Trump, ao nacionalismo do America First e seu negacionismo climático e científico.

Com toda essa força, armamentos, pós-mentiras, dominação econômica, desigualdade social e muita modelagem matemática, o sistema e o modelo adotado estão colocados de quatro e o animal humano perplexo frente a um inimigo invisível. Tomara que os animais humanos aprendam e partam para a construção de uma sociedade diferente, utilizando os seus saberes, inclusive o científico e suas modelagens, a favor de um mundo mais igualitário e humanista.

A conjuntura atual obrigou, ainda que com atraso, o questionamento dos dados, modelagens, infográficos e outros malabarismos gráficos. Oxalá os questionamentos não sejam de má fé, muito menos para utilizar a mesma lógica do Leopardo – “mudar para continuar do mesmo jeito”. Ao contrário, a curva do vírus poderá enganar.

¹ Professor da UFMT/Faculdade de Geociências – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
 

Terça, 14 Abril 2020 18:28

 

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Por Valfredo da Mota Menezes*
 

Há vários anos, vimos ouvindo afirmações categóricas de variados setores da sociedade, principalmente dos concentradores de riqueza (rentistas, alguns líderes da indústria e do agronegócio), contrárias às ações do Estado no gerenciamento da economia ou no gerenciamento do dinheiro arrecadado com os impostos. As principais falas são que “o Estado está inchado”, que “o Estado é perdulário”, que os servidores públicos são uma corporação que “mama nas tetas” estatais..., que isso “é coisa de socialista”.

A saída para as recorrentes crises deveria ser a redução do tamanho do Estado. A saída seria o “Estado Mínimo”, com demissões, cortes salariais e suspensão de concursos e de novas contratações, além da venda das empresas estatais. Esses mesmos setores da sociedade, ávidos pelo poder, mas sem voto popular, já advogavam que bastaria tirar a Dilma, pois a “confiança voltaria e com ela os investimentos”; que a saída para a crise do déficit fiscal dependeria de reformar o Estado. Que a reforma trabalhista traria “imediata diminuição do desemprego”.

Embora nada disso tivesse dado certo, nas últimas eleições presidenciais a população, por ter optado pelo voto plebiscitário, acabou escolhendo uma liderança que preconizava que essa seria a saída. Uma liderança que nos levaria para uma política desestatizante, que nos levaria ao “Estado Mínimo”. Todo o “mercado” aplaudiu. “Agora os gastos públicos serão reduzidos e a iniciativa privada assumirá a condução do desenvolvimento do país!!!!”

Até há alguns dias, a frase que vinha sendo repetida era que, “com essa reforma acabaremos com a crise.....”. Como nem o desemprego diminuiu e nem o PIB aumentou, aproveitavam e diziam que “com a próxima reforma a coisa vai”. Assim, vêm, durante todo o tempo, utilizando da crise econômica para privatizar patrimônios públicos e aprovar todas as medidas possíveis contra os trabalhadores ou contra as ações do estado de bem-estar social. “O país está quebrado”. “Se não aprovar não teremos dinheiro para pagar nem as aposentadorias”. Se de um lado havia denúncia de chantagem, a chantagem do outro lado era explicita. 

A política econômica do atual governo foi, desde o início, baseada apenas na “economia”, ou seja, na redução de gastos. Não há intenção de “afrontar” as elites com aumento da arrecadação. A principal reforma, a tributária, até hoje não foi apresentada. Assim, todo o gasto foi reduzido: suspenderam qualquer investimento estatal; suspenderam todas as admissões de servidores públicos e, com isso, os benefícios do INSS; cortaram bolsas de estudo; acabaram com o programa Ciências sem Fronteiras; suspenderam bolsas de pós-graduação; suspenderam milhares de beneficiários do Bolsa Família; acabaram com o programa Mais Médicos e, com orgulho, o Presidente declarou: “numa canetada vou mandar de volta 14 mil médicos cubanos”. Como sem investimento não há crescimento, os resultados das reformas e da diminuição de gastos já começaram a aparecer: PIBinho e aumento da taxa de desemprego em fevereiro.

Aí surgiu o imponderável! Do mesmo modo que o outro disse que era só “uma marolinha”, o atual disse que era só “uma gripezinha inventada pelos chineses”. Minimizou, mas, no início, tentou dela aproveitar para fazer mais restrições e para vender a Eletrobrás.

Entretanto, a gripezinha virou o mundo de cabeça pra baixo. Agora todos descobrem a importância de um Estado organizado e voltado para o bem-estar de todos. Todos passaram a ter a consciência da importância do SUS e dos seus trabalhadores da saúde. Agora todos vêem a importância da assistência médica e o vácuo que a “canetada” deixou. Agora, todos entenderam que um “Estado Mínimo” é o total abandono das ações de proteção à população mais pobre. Agora já ninguém quer o tal do “Estado Mínimo”. Os mesmos que pediam cortes rogam desesperados pelos benefícios do Estado. Agora todos se dizem solidários. Agora todos querem socializar as ações do Estado. Aí apareceu o dinheiro que não existia. A máscara caiu. Se tinha dinheiro, por que os diversos contingenciamentos? Por que o abandono com a educação e com a ciência e tecnologia? Por que os cortes do programa bolsa família? 

 Sabemos, entretanto, que esse sentimento atual de solidariedade e de preocupação com a população não vai perdurar depois que o vírus for derrotado. Toda a fome neoliberal vai voltar e, com mais apetite, vão querer vender tudo para cobrir os “gastos” atuais, para cobrir as despesas com a saúde, para cobrir o “rombo” e o “prejuízo”.

Caberá à sociedade manter viva a percepção e a conscientização que a “gripezinha” nos devolveu.

 

*Médico; Doutor em medicina interna e terapêutica; Professor Associado da Faculdade de Medicina da UFMT

Segunda, 13 Abril 2020 14:08

 

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Por José Domingues de Godoi Filho* 

 

Certamente, nos últimos 300 anos, a Páscoa de 2020 é uma das mais importantes para nossas gerações.Um marco irreversível para a história das relaçóes humanas, a despeito dos altos custos sociais que estamos vivendo e que ainda virão.Por isso mesmo, somos privilegiados por estarmos vivos nesse momento.

 

Páscoa é passagem e um momento, para, nos cantos da quarentena,  pensarmos sobre nossas vidas. Um espaço para entendermos que nossas lutas e dificuldades nos trazem a esperança de construção de um mundo melhor. Na Páscoa de 2020, é preciso termos coragem para anunciar o “Fim do Mundo”, como o fez o grande poeta das montanhas de Minas, Carlos Drummond de Andrade, em seu “POEMA DA NECESSIDADE”:

 

É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.

É preciso viver com os homens
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar O FIM DO MUNDO.

 

A Páscoa 2020 é um momento para resgatarmos nossa fé e esperança para estabelecermos novas metas e possibilidades para as relações humanas.

 

Tomo de empréstimo a imagem do cedro do Líbano, muito citada e lembrada pela minha avó e tios libaneses, como um bom exemplo para nossa tarefa  e,  para a passagem irreversível que a humanidade está iniciando; como já ocorreu, em alguns momentos de nossa história, desde pelo menos dez mil anos atrás.

 

 

 

O cedro do Líbano cresce lentamente até atingir 40 metros de altura. Nos primeiros anos cuida para que suas raízes aprofundem e atinjam cerca de um metro e meio de profundidade, enquanto, em superfície a planta não passa de cinco centímetros.

 

A Páscoa de 2020 nos obriga entender que precisamos criar, aprofundar e fortalecer as raízes para a passagem para um novo tempo. Como o cedro do Líbano, devemos aprofundar nossas raízes. Quanto mais coragem  tivermos de dar uma chance ao amor e a  vida, mais profundas e robustas serão nossas raízes e, como o cedro do Líbano,  poderemos atingir os quarenta metros de altura.

 

Com raizes profundas e robustas, o cedro do Líbano é muito resistente, uma das árvores de maior longevidade. No quintal dos ancestrais libaneses de minha mãe, há exemplares com mais de mil anos e, no Líbano, algumas que atingem três mil anos. Mas há necessidade de sempre buscar as águas mais profundas,  que só são encontradas quando buscadas. Não estão na superficie. Indiferença, comodismo, individualismo e imobilismo não nos levarão ao encontro das águas profundas.

 

Que a Páscoa de 2020, nos permita assimilar os ensinamentos da figura do cedro do Líbano, para entendermos e lutarmos pela passagem para um mundo mais igualitário, fraterno e de amor a vida.

 

Boa Páscoa e coragem.

 

* Professor da UFMT/Faculdade de Geociências - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

 

Quinta, 09 Abril 2020 18:14

 

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Por Marluce Souza e Silva*

 

Em tempos de elaboração de propostas para enfrentamento da Pandemia de Covid-19, senti a necessidade de contribuir, especialmente a partir da compreensão de como se deu a origem da chamada “dívida pública dos Estados”. Os governos falam em ajustes fiscais, contingenciamento de recursos, redução de salário dos servidores, emissão de títulos da dívida pública e outras propostas esdrúxulas, que nada mais fazem do que transferir dinheiro público ao setor financeiro.

 

Não podemos ignorar que endividar uma nação é a missão maior dos países capitalistas para manter seus impérios. Sempre foi assim, e assim pretende permanecer, visto que endividar um país “nada mais é do que aquilo que chamamos de alienação do Estado”, como afirmou Karl Marx; e um Estado alienado perde, por completo, sua soberania e a capacidade de socorrer a sua população, mesmo em momentos de guerra.

 

Na última sexta-feira, 03/04, o Congresso Nacional apreciou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 20/2020, denominada “Orçamento de Guerra”, que pretendia - pelas emendas 4 e 5 - reduzir em 50% os salários dos servidores públicos, dando continuidade ao sistema de proteção, que todos os estados capitalistas fazem, às BOLSAS de INVESTIMENTOS e às BANCAS DO CAPITAL nacional e internacional. As referidas emendas foram retiradas do texto, mas as ameaças permanecem.

 

Percebendo os riscos, a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) (associação sem fins lucrativos) elaborou e apresentou uma proposta para garantir recursos financeiros ao Ministério da Saúde e defende que o Congresso Nacional suspenda o pagamento da Dívida pública brasileira e proceda sua auditagem, como prevê a Constituição Federal de 1988. No entanto, nossos parlamentares resistem, preferem alternativas como “emissões de novos títulos do tesouro”, o que contribui para  o endividamento público.

 

Essa proposta definitivamente não atende aos interesses dos trabalhadores e, tampouco, do Brasil, pois sabemos que desde a origem do sistema de crédito público (que tem registro em Gênova e Veneza na Idade Média, e se espalhou por toda a Europa durante o período manufatureiro), esse é também um instrumento de subtração de recursos da população e de destruição da nossa soberania.

 

Precisamos lembrar que os Estados, em qualquer tempo e espaço, nunca produziram dinheiro. Pelo contrário, sempre foram sustentados pelos contribuintes, ou seja, pelos trabalhadores que pagam impostos e, assim, garantem o seu funcionamento. Além desse tipo de arrecadação, das chamadas fontes ordinárias de receitas, os Estados também contam com as receitas extraordinárias, nas quais se enquadram os empréstimos.

 

Assim, o problema maior dos endividamentos é que os empréstimos têm sido uma ferramenta poderosa de acumulação primitiva, fazendo com que, a um toque de mágica, o dinheiro improdutivo se transforme em capital e a soma emprestada se converta em títulos da dívida pública, facilmente transferíveis e que, em mãos de credores protegidos pelo sigilo bancário, continuam a funcionar como se fossem dinheiro vivo.

 

Assim, esse dinheiro “capital” é emprestado para o Estado e transformado em títulos que recebem a garantia estatal de que serão rateados e redistribuídos nos mercados de valores com o fim de diluir os riscos e formar novos empréstimos, alimentando, por conseguinte, um sistema de especulação e renda que não cria correlação com o trabalho, mas com o poder político-financeiro do capital. Essa prática vem sendo aperfeiçoada desde o surgimento dos Bancos Centrais, em especial o Banco Central da Inglaterra.

 

Segundo Marx, desde o nascimento, os grandes bancos, condecorados com títulos nacionais, nada mais são do que sociedades de especuladores privados, que se colocam sob a guarda dos governos e, graças aos privilégios recebidos, dão robustez aos empréstimos concedidos aos próprios governos.

 

Esses empréstimos, iniciados pelo Banco Central da Inglaterra, representam um fenômeno que ocorreu, paralelamente, à autorização do Parlamento, para que este mesmo banco cunhasse dinheiro e emprestasse aos clientes em geral e ao próprio Estado. Assim, o Banco Central inglês passou a conceder empréstimos a quem lhe deu a concessão e, a partir de então, tornou-se um credor perpétuo da nação. Como ironizou Marx, esta foi uma “época em que a Inglaterra deixou de queimar bruxas, e começou a enforcar falsificadores de notas bancárias”.

 

Os Estados passaram, então, a garantir as dívidas e os bancos transformam isso em valor para seus clientes. Construiu-se então um sistema que assume dívidas com base em duas certezas: as elevadas receitas estatais e as contribuições advindas da força de trabalho dos trabalhadores. Trabalhadores que, mesmo em momentos de pandemia, são novamente chamados a suportarem os custos de uma operação de socorro mundial, enquanto as instituições financeiras dormem em berço esplêndido.

 

Nós, trabalhadores/contribuintes, ainda não nos demos conta de que somos apenas “escravos modernos”, garantidores de dívidas impagáveis e realizadores de atividades que constroem riquezas às custas de uma sobrecarga de trabalho e de uma bitributação que está acima de nossas capacidades físicas e mentais. Essa falta de percepção novamente nos remete a Marx, quando afirma que “[...] na Holanda, onde esse sistema foi primeiramente aplicado, o grande patriota de Witt o celebrou em suas máximas como o melhor sistema para fazer do trabalhador assalariado uma pessoa submissa, frugal, aplicada e sobrecarregada de trabalho”. 

 

Esse é o aparato estatal de dominação patrocinado pelos financistas, que se utilizam das rendas do Estado para ampliar seus instrumentos de acumulação do capital. É preciso que tenhamos noção de que essa relação atinge a todos diretamente.

 

Por ora, nós, trabalhadores do setor público, lutamos contra o corte de 50% de nossos salários e vencemos. Mas todos nós precisamos lutar também contra a emissão de novos títulos da Dívida pública e da autorização de aquisição de títulos podres (sem valor no mercado), pois essas propostas nada mais são do que uma autorização para a concentração de renda e de aceleração exponencial da nossa pobreza.

 

*Professora no Curso de Graduação em Serviço Social e no Programa de Pós-Graduação em Política Social da UFMT, graduada em Serviço Social e em Direito, Mestre e Doutora em Política Social pela UNB e coordenadora do Núcleo de Auditoria Cidadã da Dívida de Mato Grosso. E-mail:< O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. >.

 

 

Referências

 

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I. O processo de produção do capital. 2ª Edição. São Paulo. Boitempo. 2017.

 

Quinta, 09 Abril 2020 14:57

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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O título deste artigo reflete um absurdo: o antagonismo entre os que apostam no poder da ciência e os que creem nos labirintos da ignorância, movida por achismos, paixões e crenças em lendas e mitos criados por uma legião de ignaros. Por falar deles, Bolsonaro, em 06/04, sugeriu que demitiria o ministro da Saúde, Luiz Mandetta. Não demitiu, pelo menos por enquanto. Também pelo menos por enquanto, Bolsonaro foi enquadrado por outros governistas.

De minha parte, destacarei a atuação pontual de Mandetta; porém, para não ser confundido como integrante da legião, relembro que o ministro da Saúde, em recente passado, fora financiado politicamente por planos de saúde. Ele também é investigado por fraude à frente da Secretaria de Saúde de Campo Grande (MS); logo, o jaleco do SUS não fazia parte de seu guarda-roupa.

A bem da verdade, Mandetta opunha-se ao Mais Médicos. Para ser indicado ao Ministério, teve aval da Frente Parlamentar da Saúde, que reúne representantes dos interesses privados dos planos de saúde, santas casas e organizações sociais de saúde. Só faltava um item biográfico: declarar-se cristão...

Não sem lamentar por tudo isso, hoje, Mandetta, mesmo forjado no ninho bolsonarista, aparenta ser pedra no caminho de seu chefe; e isso não é questão menor diante da magnitude do problema de saúde pelo qual passa o Planeta. Sem aqui pregar a absolvição de eventuais pecados capitais de Mandetta, o fato é que: ruim com ele, pior sem.

Digo isso porque, enfim, um bolsonarista federal defende a ciência. Não fosse essa postura, acompanhada da orientação do isolamento social, os números da COVID-19, no Brasil, seriam absurdamente maiores.

Pois bem. Em seu discurso do “dia do Fico”, Mandetta foi didaticamente sofisticado, o que também é raro em seu habitat político. Além de ironias, citou o “Mito da Caverna” (Livro VII de A República) de Platão, que, dialeticamente, explora os conceitos de escuridão e ignorância, luz e conhecimento.

No “Mito da Caverna”, é descrito que, desde sempre, alguns homens encontram-se aprisionados em uma caverna, de onde não conseguem se mover, pois vivem acorrentados. De costas para a entrada da caverna, veem apenas o seu fundo, mas, atrás deles, há uma parede, onde existe uma fogueira. Por ali passam homens transportando coisas, mas como a parede oculta seus corpos, apenas as coisas transportadas são projetadas em sombras e vistas, pelos prisioneiros, sempre de forma distorcida.

Certo dia, um dos acorrentados escapa e vê uma nova realidade. Todavia, a luz da fogueira, bem como a luz externa à caverna, agride seus olhos. Esse homem tem a opção de voltar e manter-se como até então, ou encarar a nova realidade. Optando pelo novo, ele ainda podia voltar para libertar os demais, dizendo o que havia descoberto; contudo, correria o risco de não ser acreditado, já que a verdade era o que conseguiam perceber da sua vivência na caverna.

Uma das possibilidades interpretativas desse texto é a de que o senso comum, que dispensa a reflexão/ciência, é representado pelas impressões aparentes, vistas pelos homens “por meio de sombras”. Por sua vez, a ciência, baseada em comprovações, é representada pela luz.

No discurso de Mandetta, o “Mito da Caverna” tinha alvo: seu chefe, visto como mito por seguidores. Todavia, esse mito tupiniquim ainda estaria acorrentado na caverna; daí a distorção de seu olhar sobre a realidade.

Ao final de seu discurso, outra preciosa citação de Mandetta: “Tocando em frente” de Almir Sater.

Até quando?

 

Segunda, 06 Abril 2020 14:46

 

 

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JUACY DA SILVA*

 

O mundo todo, praticamente todos os países estão sendo sacudidos, uns em maior e outros em menor grau, por esta onda do coronavírus que teve inicio na China e rapidamente, em pouco mais de um ou dois meses, espalhou-se por todos os continentes e países.

Para entendermos o que esta acontecendo, apesar de existirem diversas teorias e interpretações tanto para o surgimento desta virose, seu poder de infectar já mais de um milhão de pessoas e provocar a morte em mais de 53 mil pessoas, e, tudo leva a crer, ainda continuará sua caminhada provocando mais sofrimento e mortes mundo afora, inclusive no Brasil, a menos que realmente, um esforço coordenado e efetivo ocorra tanto no plano mundial quanto, principalmente dentro dos países.

Assim, primeiro precisamos entender o que é epidemia, depois o que é pandemia e, neste emaranhado de conceitos e realidades distintas, o que é pandemônio, entendendo bem esses e outros conceitos correlatos como gestão dos sistemas de saúde, planejamento governamental, integração de esforços, é que teremos os instrumentos necessários para melhor diagnosticar a realidade, substituindo os achismos e opiniões equivocadas, pelas recomendações das comunidades de cientistas, médicos e pessoas que realmente estão com “a mão na massa”.

Imaginemos o seguinte, se nem a campanha de vacinação contra a gripe/influenza, que já é bem conhecida, tem vacina e formas de tratamento os governos federal, estaduais e municipais não tem competência para fazer corretamente, pois ainda existem milhões de idosos, pais afora, que não estão conseguindo se vacinar. Em todos os Estados e quase todos os municípios idosos fazem filas e em menos de uma ou duas horas as vacinas acabam. Uma vergonha.

Se nem para vacinar a população idosa contra a gripe, maior grupo de  risco de morte para a coronavírus, como vamos acreditar se esta pandemia do coronavírus chegar para valer no país, onde os governos federal , estaduais e municipais, que não se entendem sequer como orientar a população, qual será o tamanho do problema? Talvez igual ou pior do que já está acontecendo na Europa e nos EUA.

Epidemia significa o surgimento e expansão do número de casos de uma doença, considerado grave que pode levar `a morte, muito além do que é esperado pelas autoridades sanitárias e cujo poder de contágio pode atingir em um tempo curto, não apenas uma localidade mas territórios mais amplos, como um estado, um país.

Já a pandemia, é quando uma epidemia, que pode ser conhecida, ter cura, ter vacina ou ser desconhecida, como no caso do coronavírus, e seu poder de contágio pode atingir muitos países  e diversos continentes  ao mesmo tempo, e, quando isto ocorre, não apenas “pega” as autoridades politicas e também as autoridades sanitárias de surpresa, revelando que os sistemas de saúde não estão ou não estavam devidamente preparados para encarar uma situação alarmante e destruidora, de vidas, da economia e das relações sociais.

Fala-se muito em Guerra biológica, bacteriológica e diversos países tem armas deste tipo, bem como também possuem armas e mecanismos de defesa para enfrentar uma Guerra biológica. Este assunto deve ser estudado e trabalhado/planejado pelos governos nacionais, seus ministérios, inclusive de defesa, de ciência e tecnologia. Mas parece que nada disso funcionou nem nos países centrais, potências econômicas e militares, que dizer de países como o Brasil, onde a improvisação, o jeitinho, as “gambiarras administrativas e politicas”, a falta de planejamento e a falta visão de futuro são as características de nossa “classe” governante?

A pandemia do coronavírus colocou governantes, gestores de sistemas de saúde em posições diametralmente opostas e até em conflito. Vejamos dois exemplos, o que aconteceu na China e o que está acontecendo no Brasil.

Na China, um país com 1,4 bilhão de habitantes, tão logo o governo central percebeu a gravidade da situação, juntamente com governo provincial e governo local, identificaram a realidade e prepararam uma estratégia e ações correspondentes.

Ao perceberem que a doença/epidemia era desconhecida, que não havia medicação e nem vacina, perceberam que o contágio era rápido, principalmente de pessoa para pessoa, tendo em vista que, por ser um país super populoso se não contivessem este contágio, milhões, talvez dezenas de milhões de pessoas poderiam contrair a doença/serem infectados e milhões poderiam morrer.

O falso dilema do que fazer entre salvar empregos (milhões de empregos) e salvar vidas (evitar que milhões pudessem não apenas perderem seus empregos, mas também suas vidas) a decisão foi clara, objetiva e rápida. Primeiro salvar vidas e depois salvar/reconstruir a economia e criar novos empregos.

Tudo na China se apresenta em números grandiosos, tanto a população quanto a economia. Por ano na China morrem mais de 11 milhões de pessoas das mais variadas doenças, ou seja, a morte de dezenas ou até mesmo centenas de milhares de pessoas não seria algo a provocar uma disrupção no país.

Mas percebendo a gravidade e a urgência que a situação da expansão do coronavírus indicava, o Governo chinês, com apoio decisivo do Partido Comunista Chines, não titubeou em tomar de inicio uma medida radical, determinou o confinamento total de uma província (Hubei) com 58,5 milhões de habitantes e também, principalmente, no epicentro da epidemia, a capital da província, cidade de Wuhan, com mais de 11 milhões de habitantes, a quarta maior do país.

Ninguém podia sair de casa, nada podia funcionar, com exceção dos serviços essenciais de fato, como áreas de saúde, abastecimento, alimentação; toda a região ficou isolada do restante do país, as fronteiras terrestres e o espaço aéreo foram fechados, ninguém saia e ninguém entrava na região, e o mesmo foi feito para Wuhan.

Wuham é um grande centro industrial na China, onde mais de 300 das 500 maiores empresas do mundo tem negócios, milhares de voos saem e chegam na cidade todos os dias, tanto em relação ao restante do país quanto de e para outros países.

Wuhan tem várias zonas industriais, é, também um grande centro estudantil 52 instituições de ensino superior e mais de 700 mil estudantes.

Só na província de Hubei, com 185 mil km2, com um PIB de 578 bilhões de US$, com uma renda per capita de US$9.326, existiam mais de 20 milhões de trabalhadores, incluindo quase 5 milhões em Wuhan, ou seja, uma economia pujante que cresceu 7,8% no ano passado, até o surgimento do coronavírus.

A província de Hubei corresponde mais ou menos a economia do Estado de São Paulo, com uma população bem maior do que os 41,3 milhões de habitantes que vivem em São Paulo, que é considerado a “locomotiva” do Brasil. Ai surge a indagação, será que o governo de São Paulo teria tido a coragem de colocar o seu estado em  quarentena e isolamento total, já que  esse estado tem o maior foco de casos e o maior número de mortes por coronavírus? Fazer o “lockdown”, para evitar que o coronavírus possa se propagar para o resto do Brasil?

Todavia, pensando primeiro em preservar vidas e evitar que a epidemia pudesse varrer o país, o Governo Chinês não titubeou em fazer o que é chamado o “lockdown”/fecha tudo. A estratégia, primeiro salvar vidas e depois, passada a epidemia, retomar as atividades e criar os empregos foi o fator determinante para aquela decisão.

Isto significa que não apenas em Hubei, mas nas demais províncias da China, a economia sofreu um grande baque, mas o governo chines, acostumado a mais de 50 anos a ter um projeto estratégico, sucessivos planos quinquenais aprovados no Congresso Nacional do Partido Comunista Chines e planejamento de suas ações, um  projeto de país, já está em franca recuperação e, tudo leva a crer, que após o fim do coronavírus a China sairá mais fortalecida do que seus demais concorrentes como EUA, G7 e União Europeia, com significativas consequências geopolíticas e estratégicas e no balanço do poder mundial.

Enquanto isso, aqui no Brasil além da pandemia do coronavírus, assistimos um verdadeiro pandemônio, tanto no sentido estrito quanto figurado do termo, conforme o dicionário da língua portuguesa: “Capital imaginária dos Infernos, reunião de indivíduos para a prática do mal (aqui se encaixa o que o governador João Dória e várias outras pessoas tem dito sobre o “gabinete do mal”) ou promoção de desordens. No sentido figurado também pode ser: assembleia tumultuosa, lugar onde reina a confusão e onde ninguém se entende; balbúrdia”.

Isto é o que está acontecendo em nosso país neste momento de pandemia. Por exemplo, não existe planejamento e articulação entre os governos federal, estaduais e municipais. O presidente da República não aceita o diagnóstico e as ações dos governadores, a quem acusa de verdadeiros crimes contra a economia, como exterminadores de empregos; diversos prefeitos, inclusive de capitais não se entendem com os governadores, como no caso de Cuiabá, do Rio de Janeiro e outros estados.

Todo mundo em todos os países sabe que as consequências econômicas, financeiras, no mercado de trabalho serão enormes, todos os países irão amargar recessão econômica, desemprego, fome, miséria e agitações sociais. Todavia, se no combate do coronavírus existe uma verdadeira balburdia, caneladas, bate cabeças até entre o Presidente da República e alguns de seus ministros, sem falar nas demais instâncias governamentais, incluindo o embate politico eleitoral entre Bolsonaro e o Congresso, além da falta de sintonia entre o poder executivo e o judiciário, como podemos imaginar que esta elite incompetente, carcomida, egoísta e autoritária possa sentar em uma mesma mesa e analisar como será e  o que poderá ser feito no dia seguinte, o “day after”, quando a onda do coronavírus acabar?

Qual vai ser o caldo social, politico, ambiental e cultural do pós coronavírus? Com certeza a situação brasileira que já é grave deverá piorar muito mais. A crises econômica, politica e social poderão arrastar o Brasil para uma verdadeira conflagração, ai será um “salve-se quem puder”.

Na quase totalidade dos países os governos centrais tomam a dianteira, lideram as ações, indicam rumos, inclusive na Índia, que também tem mais de 1,3 bilhão de habitantes, facilitando a coordenação dos esforços e ampliando os resultados positivos, aqui no  Brasil vivemos neste pandemônio em meio a uma pandemia.

Dando sequência `a sua mania persecutória, o Presidente Bolsonaro, a cada dia fica mais isolado e furioso, atacando todos em sua volta, inclusive alguns ministros e a imprensa, a quem culpa pela falta de rumo de seu governo.

Ao longo desses 15 meses de governo, o Presidente foi perdendo vários aliados que o ajudaram a ser eleito, diferente do que `as vezes ele afirma que esses ex-aliados o traíram nesses poucos meses de governo.

Além da mania persecutória que também acaba sendo aguçada pelo ciúme de não aceitar que ninguém ao seu redor possa brilhar mais do que ele e também esses dois aspectos são extremamente influenciados por uma cegueira e fanatismo ideológico, incluindo a famosa teoria da conspiração, ambiente em que vive permanentemente inserido, seja pela lorotas do astrólogo, que se diz filósofo, Olavo de Carvalho, que é o guru tanto de Bolsonaro quanto de seus filhos seja pela constatação de que alguns de seus ministros são avaliados de forma melhor do que o Presidente, em pesquisas de opinião pública.

Fruto de sua formação militar, se bem  que saiu das fileiras do Exército no meio da carreira, apenas como capitão, não podendo chegar a general de exército, posto que nas três forcas é chamada de “quatro estrelas”, em que tais oficiais realizam cursos mais avançados, Bolsonaro enveredou-se para a carreira politica, levando consigo parte da família, o presidente em sua atuação demonstra uma personalidade extremamente autoritária, voluntarista, dando palpite sobre tudo e todas as situações, falando muito e escutando pouco.

Neste sentido, Bolsonaro imagina que sabe tudo, que é o único dono da verdade, pouco importa os fatos, a realidade e as posições de outras pessoas, algumas com formação em suas áreas específicas.

Talvez seja por isso que a Deputada Janaina Paschoal, que chegou até ser cogitada para ser vice na Chapa de Bolsonaro, eleita com mais de dois milhões de votos em São Paulo tenha dito recentemente, em mais de uma ocasião, ““Esse senhor [Jair Bolsonaro] tem que sair da Presidência da Republica. Deixa o [vice-presidente Hamilton] Mourão, que entende de defesa. O nosso país está entrando em uma guerra contra um inimigo invisível”, ou “‘Me arrependi do meu voto”.

Outra ex-aliada de primeira hora de Bolsonaro, a Deputada Federal, que ocupou inclusive a liderança do Governo no Congresso Nacional, assim se expressou sobre o Presidente, pelo fato do mesmo estar contra o isolamento social e estar em contato com as pessoas na periferia de Brasília e interagido com manifestantes em frente ao Palácio do Planalto: “'Bolsonaro foi irresponsável, inconsequente e insensível! O Brasil precisa de um líder com sanidade mental', escreveu a deputada

Este é o Quadro atual da situação da pandemia no mundo e no  Brasil. Mesmo que outros governantes tenham “dormido no ponto” e imaginassem que o coronavírus poderia ser apenas “uma gripezinha” ou um “resfriadinho”, como afirmou recentemente o  Presidente Bolsonaro e, dentro deste entendimento não tenham tomado as providências contidas na recomendação das comunidades médica, científica e da própria OMS – Organização Mundial da Saúde, quando, finalmente a pandemia chegou em tais países, a realidade foi devastadora.

Nos EUA, onde Trump também ignorava e até dificultava as ações de governadores e prefeitos, como aqui faz Bolsonaro, de repente, não mais do que de repente, foi “surpreendido” com dezenas  de milhares de casos (no mundo até 02/04/2020 nada menos do que 1.038.166 casos e 53.210 mortes e nos EUA 245.646 casos e mais de seis mil mortes, com projeções aterradoras), de pessoas infectadas que, ao não terem sido orientadas para se manterem isoladas socialmente, levaram o coronavírus para o país inteiro e as mortes estão aumentando todos os dias.

O mesmo aconteceu na Itália, onde o Prefeito de Milão, chegou até a lançar uma campanha , recentemente copiada por Bolsonaro e pela turma do Palácio do Planalto, que também alguns auxiliares do Presidente já foram infectados, pois bem, a campanha do prefeito de Milão tinha como slogan “MILÃO NÃO PODE PARAR”.

Recentemente , de forma cínica, o referido prefeito foi as redes de TV pedir desculpas pela sua decisão equivocada que levou milhares de pessoas ao sofrimento e à morte.

Slogan semelhante foi criado para a campanha que o Palácio do Planalto desejava veicular para estimular a população a deixar o isolamento social e voltar ao  trabalho e outras atividades, mas que foi barrada na Justiça antes de sua oficialização.

Posição semelhante também foi tomada no inicio da chegada da pandemia do coronavírus na Inglaterra pelo primeiro ministro Boris Johnson, que numa demonstração de que não acreditava na gravidade do coronavírus foi a hospitais e num ato irresponsável, contrário `as recomendações médicas apertou as mãos dos doentes e ainda fez piada dizendo que ia sair `as ruas apertando as mãos dos eleitores.

Resultado, a pandemia chegou pra valer na Inglaterra e entre os infectados estão o próprio primeiro ministro e até o Príncipe Herdeiro da Coroa Britânica, Charles; além de diversos outros oficiais mais graduados. Em duas semanas a Inglaterra já conta com 34.173 casos de coronavírus e 2.921 mortes e as projeções indicam que poderá chegar, como nos EUA e outros países Europeus mais infectados, com mais de 100 mil casos e mais de 10 mil mortes.

Nos EUA ante a realidade Trump mudou radicalmente de posição admitiu a gravidade da pandemia, recomendou o isolamento social e até cogitou em estabelecer quarentena para os Estados de Nova Iorque, Nova Jersey e Delawere, impedindo que pessoas saiam ou entrem nesses estados, seguindo o modelo da China e da Coréia do Sul, que, antes a disseminação do coronavírus  impuseram severas medidas impedindo que a população se movimentasse.

Os resultados tanto na Coréia do Sul quanto na China, vieram dentro de pouco tempo e a pandemia foi razoavelmente controlada nesses dois países com um número considerado pequeno de casos e de mortes, principalmente na China que tem 1,4 bilhão de habitantes, quase 20 vezes a população da Itália ou da Espanha e menos da metade das mortes em cada um desses países.

Há semanas, praticamente desde o inicio da instalação do coronavírus no  Brasil o Presidente Bolsonaro, imitando  as posições equivocadas desses líderes mundiais, ignorando que os mesmos ante a escalada da pandemia não titubearam em mudar radicalmente de suas posições, volto a enfatizar, no Brasil enquanto o seu ministro da saúde teima em recomendar o isolamento social, da mesma forma que diversas outras instituições como Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado da República, cujo presidente também foi infectado pelo coronavírus e ficou em reclusão, isolamento completamente por duas semanas), o Poder Judiciário, praticamente todos os Governadores e prefeitos das capitais e das maiores cidades do Brasil, além de pesquisadores e cientistas, nosso presidente, à semelhança de Boris Johnson, continua mantendo contato e se movimento pela periferia de Brasília.

Situação bem diferente aconteceu com a primeira ministra da Alemanha, Ângela Merkel, que após ter tido contato com um médico e depois saber que o mesmo estava infectado, não titubeou e ficou duas semanas em quarentena e isolamento social.

Todos os dias, o Ministro Mandetta, da Saúde, afirma categoricamente que é importante e fundamental manter o isolamento social, que esta é a orientação da OMS e das comunidades médica e científica, no que é tangenciado pela Advogada Rosangela Wolff Moro, esposa do Ministro Sérgio Moro em suas redes sociais de ontem “postou” a seguinte mensagem: “"Entre a ciência e achismos eu fico com a ciência. Se você chega doente em um médico, se tem uma doença rara você não quer ouvir um técnico? Henrique Mandetta tem sido o médico de todos nós e minhas saudações são para ele. In Mandetta I trust", escreveu ela, conforme notícia do UOL/SP de 02/04/2020.

Até mesmo o guru da economia do Governo Bolsonaro, Paulo Guedes, quando perguntado sobre a questão do isolamento social, disse que “ como cidadão entendo que é necessário manter-se o isolamento social, é o que estou fazendo”.

Creio que não seria pedir muito para que nossos governantes, tivessem um pouco mais de humildade e responsabilidade neste momento de uma crise grave e em meio a tantos problemas que o país enfrenta há décadas como exclusão social, caos na saúde publica, educação pública em frangalhos, meio ambiente em degradação enorme, violência sem fim, falta de infraestrutura adequada, milhões de brasileiros sem água potável, sem esgoto, sem renda, desempregados, subempregados, desalentados, pudessem pensar mais um pouco no país, nos Estados e nos municípios e menos em seus currais eleitorais, seus projetos de poder, nas próximas eleições.

Oxalá, Deus se apiede de nosso país e de sua gente, principalmente quem mais sofre que são os trabalhadores  e nos devolva a esperança de dias melhores! Esta deve ser a nossa prece todos os dias!

 

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy