Segunda, 11 Abril 2016 14:19

 

Por Waldir Bertúlio*

 

Passado o Carnaval e a Semana Santa, quando os políticos de mandatos pensam começar trabalhar, retomam a prática marcada pelo signo da catástrofe e da absoluta ingovernabilidade. A constatação factual, é que o que vem depois, a verdade nua e crua, as tantas cidades e países em um só. Após o carnaval, a fugaz alegria transitória se esvai como bolha de sabão. Ressurgem as cidades e o país reais, como rebordosa do pós carnaval, retomando o povo os revezes para enfrentar a vida e suas vicissitudes, que continuam na ordem do dia. Explode de problemas e necessidades. O povo, visto só como uma massa de manobra desde pelo menos 1823 (Constituição), abordado com os olhos da nobreza e pelas elites políticas do velho e novo coronelismo. Este povo continuará sendo uma ralé amorfa? Com os tempos, novas formas de dominação, desde a escravidão, em busca do poder pelo poder. Aí, vale tudo. Como assistimos hoje na política brasileira. Acreditam que é possível dissimular tudo. Um tensionamento e engodo ao longo dos tempos, impondo injustiças a partir da população analfabeta e miserável, condenada a não ter nenhum porvir de vida digna. Aí está nesta modernidade a vista, a mortalha do desemprego, em níveis nunca verificados, atingindo hoje quase 10 milhões de brasileiros. Nenhum futuro, mantendo e ampliando as estratégias e aparelhos de saque ao Estado, e do cultivo da indigência política. O povo que se rale! A prática política vigente tem na maioria das vezes objetivo de estabelecer manobras sordidas para manutenção do poder em seus diferentes níveis, não importa o preço. O país está em desabalada queda recessiva, chegando ao ponto final nesse ciclo político com a crise gigantesca que enfrentamos e enfrentaremos ampliadamente. A Semana Santa e Páscoa lembra uma passagem bíblica (evangelho de São Matheus).Frente ao luxuoso templo que os discípulos mostravam ao mestre, ele fala: “em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sob pedra que não seja derrubada”. Surge imediatamente a imagem do avanço da operação Lava Jato. A investigação agora da lista da Odebrecht, a declarada delação premiada proposta desde Marcelo Odebrecht e seus executivos (2010,2012,2014). Lista extensa que alarga aos horizontes da própria Petrobrás, abrangendo ao menos duzentos políticos e 24 partidos. Muito trabalho para o Ministério Público e a Polícia Federal, acrescenta aí o desdobramento investigatório da Andrade Gutierrez (2010) e a delação da operação Acrônimo, aproximando perigosa e certeiramente dos próceres do Governo, da base aliada, e de partidos de oposição. Não há luz no fim do túnel com a esperada debandada do adesista, oportunista e mau exemplo de partido (ética e decorosidade), o PMDB, para chegar ao comando do país. A tal base aliada implodida do atual Governo  quer assumir o poder e certamente exerce-lo também no “vale tudo”. São vergonhosas as argumentações que ouvimos em defesa da  continuidade do atual mandato, tentando barrar todas iniciativas para colocar a verdade a limpo. O Ministro da Justiça surge como um verdadeiro “leão de chácara” ao gosto das argumentações e declarações “chulas” e inconsistentes que tem sido manifestadas na defesa de inúmeros desvios da função pública. O Governo e seu partido, suas lideranças, desprovidos de qualquer senso crítico, como se falassem com uma plebe burra e ignara. Infelizmente até ao nível internacional, em desespero, frágeis e inconsistentes tergiversações que nos ridicularizam. Infelizmente, há um golpe sim, contra o que encarna Sérgio Moro no combate a corrupção. Tentam agora arrastar os outros para a vala comum com objetivo de articular uma luta antecipada de blindagem e impunidade para todos os outros. Vida longa a Sérgio Moro e sua corrente de pensamento na justiça. Temos que lutar juntos para que caminhe no sentido de não ficar “pedra sobre pedra”, no caminho do combate a rede mafiosa instalada na apropriação das verbas públicas e no processo eleitoral brasileiro. Aos espasmos, fazem qualquer coisa, levando o vale tudo as últimas consequências,. Jogo sujo a perder de vista!

 

*Waldir Bertulio é professor da UFMT. 

 

 
 
 
 
 

 

Terça, 22 Março 2016 10:06

 

Por Waldir Bertúlio*

 

O Governo Federal, dos tempos de Getúlio Vargas, decidiu extinguir o Território do Iguaçu (entre Paraná e Santa Catarina).  Havia também o Território de Ponta Porã, que ocupava áreas desde a hoje grande Dourados até as fronteiras com o Paraguai. O então parlamentar João Ponce de Arruda, sub-repticiamente insere na lei a ser votada, também o território de Ponta Porã. Extinguiram os dois territórios em uma só canetada e votação. Equipe do Governo do Estado foi receber o acervo dos territórios, chefiada por Arquimedes Pereira Lima. Dourados e mais sete municípios pertenciam ao território de Ponta Porã.

 

João Augusto Capilé Junior era Prefeito de Dourados, assumindo a gestão no lugar de Carvalinho, a quem apoiou na eleição a prefeito. Para assumir a prefeitura, renuncia ao mandato de Vereador, ao qual foi eleito com o maior sufrágio de votos, tendo comandado a prefeitura de Dourados por duas gestões. Mais conhecido como Sinjão Capilé, defendia princípios de austeridade, inovação e progresso para o município. Aqueles tempos eram de enfrentamento pesado na política, onde a violência e a briga entre clãs e grupos políticos eram duras e sangrentas. Uma das inovações era o planejamento, a transparência no uso dos recursos públicos. Os oponentes políticos lutavam permanentemente para encontrar algo que desgastasse ou maculasse seu nome na gestão do município de Dourados.

 

Nada encontrando, denunciaram como desvio, o desaparecimento de uma simples “bigorna” de ferreiro que existia na Usina a óleo diesel que fornecia luz para a cidade. Denúncia: roubaram a bigorna, outra, que o gestor da Usina era compadre do então prefeito, por isso, “mancomunados”. A equipe do Governo deu oficialmente como extraviada a bigorna, que tentavam como a única prova frágil de possível desvio. Sua gestão foi ilibada. Ele tinha concretizado através da proposta encaminhada pelo parlamentar Dr. Camilo a criação do município de Itaporã. Ativista de um projeto de colonização pública, foi fundador da Colônia de Dourados. Veio de vez para Cuiabá em 1961, ocupando vários cargos públicos. Pensou e implementou projetos de colonização para pequenos e médios agricultores. Um sonhador com pés no chão, sabendo sobretudo, que a política é jogo duro e pesado. Exímio articulador político, conduziu uma proposta de modernização e rigor na gestão pública.  

 

Mas, o que é encantador na história de vida de Sinjão Capilé? A compreensão essencial de que na política, no jogo político, é que se expressam as decisões que podem melhorar a vida da população com a boa gestão pública. Caminhou com sua experiência, conhecimento e persistência, em uma pedagogia política do convencimento sobre o caráter público das representações políticas. Culto, literato, sóbrio e crítico nos embates e conflitos políticos. Como pensador, manteve crítica radical aos valores da sociedade e seu confronto com uma filosofia de vida que veio reduzindo implacavelmente os valores humanos e éticos. Dizia, temos que procurar em nossas condições, buscar os espaços socialmente disponíveis. Temos que desafiar a realidade, na audácia suficiente para que não fiquemos fingindo de acreditar ingenuamente que as realizações podem estar ali, prontas e completas. É preciso construí-las, e sem esperança e crença, isto não seria possível. Nos últimos tempos aguçou sua preocupação com os destinos do Brasil, especialmente dos dois Mato Grosso com a necessidade do progresso e o empobrecimento profundo da representação política.

 

Dizia, tenho saudade sim do passado, mas é o futuro que nos espera. Sua inquietude: como parar e reabilitar a feroz máquina de moer governamental que coloca a política em descrédito e no fundo do poço? Sinjão Capilé completaria hoje 100 anos de idade, deixou este plano há nove meses atrás. Seguiu acreditando no caminho da redenção política, do crescimento e do progresso sócio econômico. Sem dúvida, um homem à frente dos seus tempos vividos. Com a certeza da mudança no tempo presente!

 
 
*Waldir Bertulio é professor da UFMT. 

Segunda, 07 Março 2016 10:11

Por Waldir Bertulio*

 

A história dos retornos do AEDES, suas idas e vindas, o recrudescimento de doenças por eles transmitidas impõem medo e pânico à população. Em sua evolução, a Dengue, Chikungunya e Zika, favorecidas pela incúria na evolução da gestão pública. Por que os mosquitos expandem seus espaços? Especialmente na alteração de habitats naturais, com sua expansão para ambientes artificialmente criados pela ocupação humana. A urbanização desregrada e implacavelmente destrutiva mais a degradação ambiental que vem desde a área rural, são motores que condicionam a escalada de mosquitos, outros tipos de vetores e suas doenças.  Em 1854 Jonhn Snow, o primeiro pensador que criou as bases da epidemiologia, utilizou método de investigação ligando o surto da cólera em Londres com a água poluída e infectada pelos esgotos do Rio Tâmisa, que eram consumidas pela população. Ele, como médico, investe no processo preventivo, que evolui para as técnicas de investigação de doenças hoje disponíveis. Desde lá então, já está bem definido que o monitoramento de vetores, de doenças, o processo de   pesquisa são fundamentais para que não sejamos pegos de “calças curtas”. Esta é função do poder público, para que não ocorram ameaças pontuais, como do vírus Ébola e outros no processo migratório. O caso do Zika é emblemático, entrada transfronteira e que exige variadas linhas de pesquisas, tal a sua complexidade. É importante saber o que ocorre além fronteira em relação a expansão destes vetores, destas doenças. Lições que apesar do Brasil ter muitos problemas, passa ao largo dos impactos ambientais que atingem a população em seu “modelo” de ocupação rural e urbana. A construção de barragens e reservas aquáticas proliferam potencialmente vetores como o casa da equistossomose em Gana, alimentada pelo rio Volta. Estes vetores, caramujos de água doce, são ameaças no Brasil, que já enfrentou enormes surtos da doença, inclusive em São Paulo.  A Malária, na África Subsaariana foi agravada pela construção de grandes barragens. Foram 1,1 milhão de novos casos, sabendo que as águas represadas são habitats para os mosquitos transmissores (Anopheles). Aqui em Mato Grosso e na Amazônia sofremos por décadas a tragédia da Malária, com o desmatamento indiscriminado desde a região de Cáceres, Barra do Bugre até as fronteiras amazônicas. A migração contribui para a expansão da doença, invadindo novas regiões, especialmente quando são frágeis os sistemas de monitoramento. Na África Ocidental, 1987, uma pesada epidemia da “Febre do Vale do Rio Rift”. Causa? – modificações ecológicas nos rios, conduzidas pelos Governos da Mauritânia e do Senegal. O Centro de Pesquisas Médicas, Veterinárias e Agrícolas dos EUA elaborou longo estudo concluindo que modificações de áreas naturais como desmatamento, queimadas, barragens, trouxeram endemias. Tal como aconteceu no Brasil e em MT.  Desmatamento, mosquitos e falta de política de saneamento do meio consequente, colocaram em emergência doenças como o Ébola na África Ocidental, e aqui no Brasil continua grande descuido no controle da entrada deste vírus no País. Desde cidades como Sorriso na área Amazônia até Cuiabá e Várzea Grande, o avanço da leishmaniose ameaçando a população urbana como no caso do AEDES. A temperatura alta e a umidade favorecem muito a expansão dos mosquitos transmissores. Pesquisas da Universidade de Winsconsin mostram desde o Quênia, que em áreas desmatadas, mudanças do uso do solo, afetam o clima local, habitats e a biodiversidade, favorecendo a migração das doenças.  Nos EUA o AEDES já é uma ameaça, principalmente o ALBOPTICUS, oriundo da Ásia, expandindo perigosamente (Chikungunya). Portanto,  Dengue, Chikungunya e Zica tem  nas alterações urbanas e rurais e na pobreza sua determinação, implementada tragicamente com a falta de investimentos em pesquisas, vigilância de vetores e doenças, e no recrudescimento para aniquilar com o SUS em nosso país. É dizer, essas doenças tem que ser entendidas no viés da ecologia política. A saúde, como as políticas estruturantes e sociais, são decididas na política. Qual política?

 

WALDIR BERTÚLIO é professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

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Quarta, 24 Fevereiro 2016 13:36

Somando-se à crise política, econômica e social brasileira, o mosquito aedes aegypti ameaça todos os continentes. No Brasil, avança há mais de um século, compondo hoje a crise no setor estatal da saúde, diante do trágico avanço das doenças transmitidas através deste mosquito. Desde a febre amarela no início do século, este mosquito vem produzindo doenças que desaguaram na Dengue, Chikunguniya e Zika. Infelizmente, todas as sinalizações e alertas estão historicamente demarcados. Indicam que a saúde pública não avançou o necessário, as expensas da morosidade concreta na implementação de Políticas Públicas abrangentes conectadas com o setor saúde. A saúde pública é, “prima-pobre” na relação de prioridades que caminham na mercantilização da saúde no País. É preciso alertar para os sinais que abatem-se sobre a população, na tragédia que chega ao vírus Zica. Sabe-se não muito sobre ele, mas que é capaz até de comprometer futuras gerações, frear este tipo de doença não está no campo das concepções hegemônicas da prática médica. Vítima também da expansão de um mercado chamado: complexo médico/industrial (como o agroindustrial), centrado no lucro e na ampliação da demanda de mercado, na lógica da doença. Assim, a prática médica pode até não significar saúde, em sua concepção densa e ampliada.. Para se ter uma ideia, as residências em Saúde Coletiva multidisciplinares, mesmo em clinica médica (geral) são pouquíssimas, e desvalorizadas pela própria lógica de mercado. Adeus generalistas na medicina, quase todos demandam para a superespecialização, em cada vez menores partes do corpo, em um país onde mais de 80% das doenças são prevenidas e/ou contidas e curadas na atenção básica. Os sanitaristas, profissionais de Saúde Coletiva, são essenciais na mudança necessária que desafia a saúde aqui no Brasil e em Mato Grosso. Lutamos para a criação de graduações na área, também aqui na UFMT, e que já dispõe de profissionais formados em outra lógica ao setor hegemônico da saúde. Forma Sanitaristas, que anteriormente eram egressos de cursos de pós graduação, preparados para a gestão e operacionalização integral do sistema.  Pelo visto, os sistemas Estaduais e Municipais de Saúde não estão absorvendo estes profissionais. Uma pena, este tema deveria ser pauta da AMM, do COSEMS e de toda gestão do setor. Suas práticas ancoram-se em determinantes sociais, ambientais, culturais, além do enfoque biológico. Um dos inúmeros exemplos de distorção na rede de serviços é a disfunção das UPAS, tornando-se ao invés de atendimento de urgência e emergência, uma porta de entrada do sistema, além de ameaçar o esvaziamento da atenção básica. Neste rumo, demanda para a hospitalização, grande parte das vezes desnecessárias se ocorresse de fato atendimentos de qualidade nos níveis básicos e intermediários. O alerta é, para onde caminha o SUS? Sem ação intersetorial nas políticas públicas, especialmente sociais e infraestrutura, não é possível avançar, conter a escalada destas doenças. São doenças típicas da pobreza, agora atacando de alguma forma outros grupos sociais neste processo de ocupação rural e urbana desumanizadas. Para entender melhor a saga deste mosquito e destas doenças, não há como, sem entender o papel do Estado nesta tragédia anunciada, imposta pelo Aedes Aegypti. Está no cenário o aumento da epidemia de dengue, com 1,6 milhões de casos e 839 mortes, mais de 500 mil casos de contaminação pelo vírus Zika, com 2975 casos de microcefalia sendo investigados. As projeções apontam cem mil casos em 2016. Falta de saneamento básico e ambiental, desfiguração do meio ambiente, ausência de investimentos e prioridades na  atenção à saúde, Vigilância Sanitária, Ambiental e Epidemiológica, Ciência e Tecnologia e descaso histórico do poder público completam a equação desta tragédia. Anunciada!

Waldir Bertúlio

Professor aposentado da UFMT

Segunda, 22 Fevereiro 2016 13:53

A crise brasileira é tida como uma das dez maiores ao nível internacional em 2016. Em 2015 foram recolhidos mais de 2 trilhões de impostos da população. Frente a isto, a solução apresentada pelo Governo é cobrar mais impostos como uma das saídas para um “tapa-buracos”. As desonerações tributárias passam de 280 bilhões saídos dos cofres da união em 2015. Tentam arrecadar cerca de 32 bilhões com a CPMF, ao lado de cortes como os 10 bilhões do Bolsa Família (53%). Gastos tributários cresceram nos últimos seis anos. Em 2008, equivalente a 3,33% das riquezas produzidas, em 2015 a 4,93% do PIB (10 vezes o Bolsa Família). No início da década passada, era menos de 2% do PIB. Em todas projeções a diminuição na desoneração e a renúncia fiscal diminui no máximo 6%. As renúncias, como bem conhecemos aqui em Mato Grosso, estimulam também a sonegação e a evasão fiscal, sustentando também empresas pouco produtivas. Quem paga é a sociedade. Pode ocorrer ainda, o aumento da carga tributária em outros setores para compensação. A renúncia fiscal em 2015 foi no valor de 0,15% do PIB, equivalente a 10,3 vezes o Bolsa Família. Hoje, com a taxa de inflação em dois dígitos no acumulado de 12 meses, a taxa de juros seria o instrumento da política econômica para controlar a escalada dos preços. A última reunião do COPOM recuou e decidiu mantê-la em 14,25%. Como aumentar a taxa de juros, se isto leva de imediato a uma retração do consumo, de bens duráveis e dos investimentos, aprofundando mais a crise e taxas como do desemprego, especialmente o formal. Isto sem falar nos efeitos devastadores sobre as finanças públicas. A ameaça da elevação de juros está ligada ao aumento da inflação, efeito de medidas que apenas adiaram sua subida, refletindo no que assistimos hoje. Há uma expectativa de aumento de inflação nos próximos doze meses, alimentadas pela depreciação do real. Há incerteza se os juros tem hoje eficiência no controle da inflação, talvez muito pelo grande fosso criado na política fiscal. Enquanto isso, cortes e contenções afetam drasticamente a crise. Como na Saúde Pública, com a ameaça terrível do avanço do mosquito Aedes Aegypti e sua carga de doenças que assolam a população. Muitos agravos, vidas ceifadas e gerações futuras comprometidas inexoravelmente pelo vírus Zika, voltando a um quadro de horror conhecido desde o século passado. Cortes e contenções são verificados, confirmados nos cortes e repasses para as Vigilâncias Sanitária e Epidemiológica dos Estados e municípios. É um abismo cada vez maior no desvio das concepções do SUS. Nesta refrega, foram adiadas recente, até entrega de kits aos Estados para detecção da dengue, visitas domiciliares e ações de combate ao mosquito. Pior, as condições para investimentos estruturantes nesta questão sanitária como saneamento básico e ambiental em déficit crescente, somado ao modelo destrutivo de expansão na ocupação humana/rural e urbana, tendo a destrutividade ambiental como elemento importante nesta tragédia anunciada que se avoluma. Desde 1903, com Oswaldo Cruz (RJ), Adolfo Lutz em SP (1901), sabemos que não há mágica. É preciso que o Governo tenha poder decisório voltado para priorizar gastos neste setor. Aqui no Brasil e em MT, não faltam equipes e profissionais competentes a esta tarefa, sempre adiada na agenda da saúde. Sanitaristas bem sabem, atuar só no fim do processo com a prática de clínica médica é limitado. Neste modelo hegemônico das práticas de saúde, não dá conta de intervenções eficazes para resolução do problema. Cuiabá, Rondonópolis e Várzea Grande podem entrar em situação de calamidade pública se não ocorrer intervenção estrutural sobre a expansão dos vetores, seus condicionantes e suas doenças, cada vez mais agressivas. Este é o exemplo do cotidiano feroz que vivemos. Assistimos o Governo preparando o maior processo de privatizações no âmbito Federal, desde o sistema Telebrás há 20 anos atrás. O rombo das contas públicas ainda é uma zona cinza em seus limites. Além do que, o momento não é nada propício a esta sanha na busca de recursos a qualquer custo, vendendo empresas estatais e ativos, quanto mais, a preço de lixo. Como disse Jacques Wagner, o Ministro que sumiu do pedaço: “...a prioridade não é a economia, é manter o mandato da Presidente”. Infelizmente o PT está nas “cordas”, apesar de ocupar os mais altos cargos da República, junto com seus aliados. Estamos à mercê da sorte?

 

Waldir Bertúlio

Professor aposentado da UFMT

Terça, 16 Fevereiro 2016 17:09

 

Habita outro plano, Gegé de Oyá. Você, figura proeminente em nossa sociedade, que sonhou com uma família, achando força na espiritualidade e na contenda com os reflexos da escravidão e na sua ancestralidade. Esta que foi tão dura aqui na baixada cuiabana, e que levou negros a serem jogados tal qual buchas de canhões ao morticínio da Guerra do Paraguai, com a promessa de libertação. Você, que condoía com o sofrimento da escravidão negra nas minas do Sutil. Como primeiro colunista social da nossa cidade, saudado e bajulado pelas elites da terra na fotogenia narcísica dos demandantes no desfile das colunas sociais. Mais do que isto, guia espiritual até de curas, de reencontros, de amores clandestinos guardados a chaves possíveis nas intempéries das falsas e reais relações amorosas, que levou tantos para terreiros, a conhecer um pouco da crença na religiosidade afro. Que construiu em terreno fértil a poética da resistência, do enfrentamento ostensivo das diferenças, do conservadorismo e da intolerância. Enfrentou de peito aberto, nunca recuando no orgulho à dignidade e na conquista dos seus desejos. Menino que nasceu na síndrome da fome, no velho sertão de Rosário Oeste. Acolhido e apoiado em pequeno, pela família Cuiabano. Que foi estudar Artes e Ofícios desde o primário no Colégio São Gonçalo, já encantado com a arte da costura, que continuou na antiga Escola Artífice. Gegé sempre se postou como um príncipe negro, incorporando como marca em seu talento, criatividade, a estética e o vestuário afro. Estudou, pesquisou, desde os trabalhos como alfaiate (dizia costureiro), até a de colunista social badalado nas hostes ditas “chiques”. Nunca deixou de lado as referências das famílias pobres e tradicionais em seus textos. Sobretudo, sarcástico com as incoerências das superficialidades que marcam um tipo de colunismo servil, mercantil e vazio. Tinha uma visão crítica sensata e 'finória' da alta sociedade, sabendo que acumulou poder e força através deste ofício, vendo isto como um instrumento de resistência em sua ligação sincrética com o catolicismo e a religiosidade afro. Foi amigo desde Dom Aquino, outras referências católicas em Cuiabá, até os núcleos de Candomblé, Umbanda e Espiritismo. Referências como Dandi, Pai Edésio, Joãozinho do Axé, Jojô, Robson e Seo Arlindo. Certa feita, em Brasília (levado por Isabel Campos, amizade forte), foi recepcionado com honras de Chefe de Estado, confundido com o Rei da Nigéria, que ainda não tinha chegado. Sua indumentária afro era componente da sua arte e estética. Carnavalesco, sua presença era marcante, o povo aplaudia em delírios, as crianças adoravam suas performances nos velhos carnavais e batalhas de rua. Assinava ponto nas madrugadas em bares e espaços como Choppão e Sayonara, passando por clubes como Operário, o Dandi, Náutico, Grêmio Antonio João, além dos clubes Feminino e Dom Bosco. Sua entrada foi vetada no Dom Bosco em uma comitiva dirigida pelo saudoso Mestre Batista, que culminou com contendas e o encerramento da festa naquela noite. Quando podia, “dava bananas” ao racismo e machismo da cidade, com o desprezo e elegância de sempre, ele, que enfrentou centenas de hostilidades desta natureza. Também produziu na rádio Difusora o programa denominado “ Uma Rosa para uma Dama Triste”. Gegé de Oyá foi fortemente identitário, pioneiro e verdadeiro no seu pertencimento cultural, racial, no gênero e na orientação sexual. Em tempos dificílimos. Sempre ancorado na religiosidade e no sincretismo. Gegé de Oyá é história, memória e orgulho da nossa terra! 

Waldir Bertúlio

Professor aposentado da UFMT

Quarta, 03 Fevereiro 2016 14:00

A trajetória do modelo econômico a partir de 2003 reembarcou no boom das commodities que chegou até 2013, inclusive amenizando os impactos da crise de 2008. Para um país chamado mercado emergente como o Brasil, a desvalorização da moeda chinesa e suas medidas para manter o crescimento impõe tempos ruins ao nosso país, colocando o Brasil em apuros. Mato Grosso, especialmente dependente do mercado chinês, apesar do agronegócio ter apresentado crescimento em relação a outros setores ,tem na retração do mercado chinês um fator declinante. Somam-se a isto as condições climáticas, impondo perdas, além de que, a monocultura industrial é perversa na concentração de renda e na deterioração ambiental. É hora de mudar esta equação regressiva, superconcentradora de riqueza e ainda torpedeada na lei Kandir. A China vem desacelerando sua economia desde 2014, com cenário ruim ao menos pelos próximos dois anos, com o aumento da queda na produção industrial e excesso na capacidade produtiva. Na verdade, a redução da capacidade de crescimento não se limita a China, mas  a Europa e EUA. O Brasil é sem dúvida vítima do modelo exportador primário, como na política conduzida por Delfim Neto, criando no início da década de 70 a política dos corredores de exportação. Endividamento externo a perder de vista. É este modelo que retoma a política econômica pós 2003, acoplada a matriz econômica neodesenvolvimentista, que presume um grande pacto social entre o capital e o trabalho. Incorporou-se o investimento em infraestrutura (PAC) e outros, criando projetos sociais efêmeros e de baixa incorporação de recursos públicos como o Minha Casa Minha Vida. Se analisarmos suas planilhas de custo, foram concebidas para favorecer empreiteiras do ramo imobiliário. Para se ter uma ideia disto, a ONG Contas Abertas analisou as contas da Presidente em 2014, mostrando a verdade sobre o motivo das pedaladas fiscais. Do montante, 40 bilhões foram para grandes empresas e para o agronegócio; para Minha Casa Minha Vida, foi 7,66 bilhões; para o BNDES sustentar investimentos na Inovação, Produtos e Compras de bens de capital, foi 12,16 bilhões. O BNDES empresta com juros menores do que capta, a diferença é o tesouro nacional quem paga. Colocou 7,44 bilhões para subvenção ao agronegócio, mais do que o Projeto Minha Casa Minha Vida. Então, as pedaladas na tergiversação tosca dos argumentos de Lula da Silva, “foram para o bem”, para os projetos sociais. Por isso, Dilma mereceria o perdão. Esta face do neodesenvolvimento são cosméticas e irrisórias. A ministra Katia Abreu retoma agora o período pré 1988 da Constituição Federal. Assume a mercantilização, retoricamente colocada como pensamento governista para mercadejar novas frentes que capturem verbas públicas. A crise impôs duros golpes aos neodesenvolvimentistas. Esgota-se o ciclo expansivo das commodities, expondo a fragilidade estrutural do país que “nadou” na exportação de produtos primários e de produtos industriais de baixo e médio valor tecnológico. E importa produtos de maior valor agregado, incidindo sobre o déficit crescente das transações comerciais. O principal pilar utilizado foi via concessão de créditos subsidiados como do BNDES. Na última década, este banco público teve seu capital aumentado 10 vezes, o Banco do Brasil também foi fortemente abalado. A corrupção exposta pela Lava-Jato expõe o desvio dos investimentos em infraestrutura. A queda drástica do Petróleo no mercado internacional, e aqui, o petróleo e seus derivados continuam subindo a vista, puxado pelos combustíveis. Por que? O Petrolão responde. A China tem avançando no Brasil no setor de bens de capital, nutrindo-se da corrosão nacional, como outras instituições financeiras multinacionais. A crise viceja em um país onde o setor bancário expande lucros nas taxas de juros mais altas do mundo. Com recordes de lucros, as ações dependem da divida pública, que continuam a subir, expondo a fragilidade do modelo econômico. Cortes nas áreas sociais, o que parece ser uma conquista neodesenvolvimentista nas áreas sociais entre 2005 e 2012, ficam inexpressivas frente a perdas assustadoras. Retirados de vez pela inflação, alto desemprego, até pelo congelamento e suspensão das “bolsas de assistência”, aniquilamento das políticas sociais, como no eixo da Seguridade  (Saúde, Previdência e Assistência Social)  e da CLT. A desigualdade, a carestia e a pobreza aumentando vertiginosamente. Na crise política e econômica, por hora, não há luz no fim do túnel! Qual pacto será possível?

Waldir Bertúlio

Professor aposentado da UFMT

Quarta, 27 Janeiro 2016 17:48

 

1 - Abrimos 2016 com o pais em grave e insustentável crise politica, ligada umbilicalmente a crise econômica, com determinações internacionais e, expressivamente locais. Neste contexto, produzimos teses e propostas para debater a agenda política anual da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior, o ANDES-SN para enfrentamento especialmente da crise  sobre a educação e as Universidades do pais. Não há ensino qualificado sem a produção de conhecimentos voltados para as necessidades da população. Realça a PEC 10/2014, criando o Sistema Único  Educação Pública. Nada a ver com o que defendemos para o SUS e para a Cultura, Trata-se de romper com a autonomia outorgada pela Constituição  para este nível de ensino. Retomam o PL  518/2004, que propõem a mercantilização da educação, transformando o MEC em Ministério da Educação de Base, levando o ensino superior, a pesquisa, a extensão e avaliação para o Ministério da Ciência e Tecnologia, no caminho para demanda de mercado. Mais uma conexão, o PL 4648/2012 criando em seu artigo primeiro um  fundo patrimonial,  tirando de vez do Estado o dever do  financiamento público.  É o empresariamento do ensino superior público. Além do  corte de no mínimo 11 bilhões da educação, o Acordo Geral de Comércio e Serviços  (AGCS) da Organização Mundial do Comércio, no  Acordo Trade in Service Agreement (TISA), voltando a educação para o mercado, além de romper com a proteção para setores como  saúde, deixando de ter características de serviços públicos. Uma agenda importante, dentre outras, é o Encontro  Nacional da Educação, realizado de forma autônoma e independente para discutir, avaliar  e propor  novas intervenções em todos níveis no sistema de ensino  brasileiro. Na economia, a crise  internacional tem de fato efeitos sobre o Brasil e os condicionantes específicos aqui produzidos que  corroem os pilares desta nossa decadente  República, frente a uma maioria esmagadora de Congresso, partidos  e Governo manietados, servindo a interesses espúrios. A crise politica corre na promiscuidade entre níveis de poderes e agentes externos, instalando balcões de negócios distantes do interesse  público. A corrupção alastrada depende da  firme  e leal atuação do Ministério Público, Polícia Federal e de juízes comprometidos visceralmente  com  a  justiça. Uma vergonha aos que professam o direito como uma nobre profissão, a “ Carta da impunidade” assinada  por pouco mais de uma centena de advogados com inconsistentes acusações à Lava Jato, naturalmente defendendo seus clientes contraventores. Somente 4 por cento das decisões do juiz Sérgio Moro e sua  grande equipe não foram acatadas pelos tribunais superiores, tal a consistência da sua atuação. A Lava Jato não pode parar, custe o que custar, é preciso garantir que eles não passarão, enfim, ameaçando chegar até as mais altas autoridades da nação. Os reflexos da crise mundial na economia brasileira manifestam--se a partir das características de um país dependente e semicolonizado O marco mais recente vem da crise dos EUA em 2008, alastrada por toda Europa. Em países como o nosso, a crise aumenta a rapina, com  efeitos imediatos como  presenciamos agora  no desemprego  índices não vistos nesses últimos vinte anos, inflação, juros altos, supressão de direitos sociais, em uma economia subordinada drasticamente ás oscilações internacionais. Especialmente   flutuando nas causas e impactos  internos da péssima gestão pública e seus desvios, que sangram a economia nacional , com  um Congresso mais conservador e atrasado em todos os tempos. O declínio mais que trombeteado, ignorado por lideranças como Lula da Silva e sua (ex?) pupila, então Presidente. Lembram os quadrinhos do saudoso Henfil, em “Ubaldo, o Paranóico”. Mania persecutória até que ponto consciente, levando petistas fanáticos e neófitos oportunistas também ao delírio, na defesa dos desvios, trapalhadas e mania de grandeza. Ou  será uma performance e ensaio de esquizofrenia? Escárnio à mostra!

Waldir Bertúlio

Professor aposentado da UFMT

Sexta, 15 Janeiro 2016 17:39

 

Habita outro plano, Gegé de Oyá. Você, figura proeminente em nossa sociedade, que sonhou com uma família, achando força na espiritualidade e na contenda com os reflexos da escravidão e na sua ancestralidade. Esta que foi tão dura aqui na baixada cuiabana, e que levou negros a serem jogados tal qual buchas de canhões ao morticínio da Guerra do Paraguai, com a promessa de libertação. Você, que condoía com o sofrimento da escravidão negra nas minas do Sutil. Como primeiro colunista social da nossa cidade, saudado e bajulado pelas elites da terra na fotogenia narcísica dos demandantes no desfile das colunas sociais. Mais do que isto, guia espiritual até de curas, de reencontros, de amores clandestinos guardados a chaves possíveis nas intempéries das falsas e reais relações amorosas, que levou tantos para terreiros, a conhecer um pouco da crença na religiosidade afro. Que construiu em terreno fértil a poética da resistência, do enfrentamento ostensivo das diferenças, do conservadorismo e da intolerância. Enfrentou de peito aberto, nunca recuando no orgulho à dignidade e na conquista dos seus desejos. Menino que nasceu na síndrome da fome, no velho sertão de Rosário Oeste. Acolhido e apoiado em pequeno, pela família Cuiabano. Que foi estudar Artes e Ofícios desde o primário no Colégio São Gonçalo, já encantado com a arte da costura, que continuou na antiga Escola Artífice. Gegé sempre se postou como um príncipe negro, incorporando como marca em seu talento, criatividade, a estética e o vestuário afro. Estudou, pesquisou, desde os trabalhos como alfaiate (dizia costureiro), até a de colunista social badalado nas hostes ditas “chiques”. Nunca deixou de lado as referências das famílias pobres e tradicionais em seus textos. Sobretudo, sarcástico com as incoerências das superficialidades que marcam um tipo de colunismo servil, mercantil e vazio. Tinha uma visão crítica sensata e 'finória' da alta sociedade, sabendo que acumulou poder e força através deste ofício, vendo isto como um instrumento de resistência em sua ligação sincrética com o catolicismo e a religiosidade afro. Foi amigo desde Dom Aquino, outras referências católicas em Cuiabá, até os núcleos de Candomblé, Umbanda e Espiritismo. Referências como Dandi, Pai Edésio, Joãozinho do Axé, Jojô, Robson e Seo Arlindo. Certa feita, em Brasília (levado por Isabel Campos, amizade forte), foi recepcionado com honras de Chefe de Estado, confundido com o Rei da Nigéria, que ainda não tinha chegado. Sua indumentária afro era componente da sua arte e estética. Carnavalesco, sua presença era marcante, o povo aplaudia em delírios, as crianças adoravam suas performances nos velhos carnavais e batalhas de rua. Assinava ponto nas madrugadas em bares e espaços como Choppão e Sayonara, passando por clubes como Operário, o Dandi, Náutico, Grêmio Antonio João, além dos clubes Feminino e Dom Bosco. Sua entrada foi vetada no Dom Bosco em uma comitiva dirigida pelo saudoso Mestre Batista, que culminou com contendas e o encerramento da festa naquela noite. Quando podia, “dava bananas” ao racismo e machismo da cidade, com o desprezo e elegância de sempre, ele, que enfrentou centenas de hostilidades desta natureza. Também produziu na rádio Difusora o programa denominado “ Uma Rosa para uma Dama Triste”. Gegé de Oyá foi fortemente identitário, pioneiro e verdadeiro no seu pertencimento cultural, racial, no gênero e na orientação sexual. Em tempos dificílimos. Sempre ancorado na religiosidade e no sincretismo. Gegé de Oyá é história, memória e orgulho da nossa terra! 

Waldir Bertúlio

Professor aposentado da UFMT

Quarta, 21 Outubro 2015 18:48

Gostei muito  do livro “Subversion feminista de la economia”. Aportes para um debate sobre o conflito capital x vida, editado em Maio de 2014 na Espanha. A autora é Amaia Perez Orozco, Doutora em economia e ativista em movimentos sociais e feministas. Deu ao livro o nome poético de “Traficantes de Sonhos”. Na verdade, ela ultrapassa a concepção capital x trabalho e suas contradições, para situar-se no que denomina capital x vida. Critica o desprezo na sociedade ao olhar feminista e a crítica ecológica, vendo a desigualdade e seus impactos sobre os segmentos sociais como uma resposta complexa a ser dada no processo social. Aponta que devemos deixar os coletivos homogêneos e conflitos simples, para priorizar o entendimento de como as assimetrias e conflitos sociais atuam entre si. Dá relevo a maior precariedade entre as mulheres, em uma reflexão sobre quem está na base e no topo da pirâmide social? Ela sustenta que há um conflito sem resolução entre a acumulação de capital e sustentabilidade da vida. Então, o mercado abre portas para que, vidas se coloquem por cima de outras, daí, somente algumas ou poucas valem verdadeiramente. Coloca como padrão de referência uma sociedade que é apoderada por uma elite branca, masculina, adulta e heterossexual. Quanto mais distantes deste padrão mais sofrem variados níveis de precariedade e exclusão, no escore da pirâmide populacional de desigualdades. Existe aqui uma identidade política, construída para sustentar o mercado, onde o capital é o elemento central. Diz que quanto a mulher, não é suficiente reconhecer o eixo da opressão de gênero. Os países do Sul foram e continuam sendo espoliados, desde gênero, a destruição da natureza, até ao trabalho escravo dissimulado por leis que retiram os direitos de quem trabalha. No entanto, coloca como urgente e central, a defesa do caráter público, apesar das perdas e deficiências estruturais dos Estados como um caminho para um lugar diferente, onde o centro, o eixo das políticas públicas seja a vida de todas (os). Coloca a ideia de pensar em formas de gestão do público de maneira comunitária e democrática, até a auto-gestão. O trabalho deveria ser produzido antes, pelo seu sentido social do que pelo salário. É importante que trabalhos invisíveis historicamente como o das mulheres em suas casas sejam considerados. A economia deveria estar a serviço das pessoas, e o trabalho a serviço da vida. Significa dizer, ser parte da vida, e não um tempo que se rouba a vida! Para isto, seria necessária uma mudança social, desde os lugares de moradia,  Não bastam leis, serviços e instituições. É preciso tentar uma repartição equitativa de trabalho e renda entre as pessoas. Aponta que redistribuir trabalhos não remunerados implica aos que o não fazem, perder comodidades e privilégios na vida cotidiana. Diz que o endeusamento do mercado nega a vulnerabilidade e interdependência das vidas humanas e seu espelho oculto, incluindo aí a dependência  feminilizada. A pergunta é, qual vida merece ser sustentada pelo sistema sócio econômico? Ele é um jogo de poder, impondo passar por cima do resto das vidas desfavorecidas pelas desigualdades. Quer dizer, em tempos de crise abissal que vivemos, o valor da vida para o modelo econômico adotado no Brasil e MT, é rigorosamente trágico. A saída então, seria colocar o sistema econômico a serviço da vida de todas pessoas. Para isso, viver tem que ser uma responsabilidade coletiva. Penso que, no caso do Brasil, é não deixar nas mãos dos protagonistas da crise moral e financeira que assola o país. Será que existe um limite de desigualdade social aceitável? Qual  modelo de desenvolvimento?

Waldir Bertúlio

Professor aposentado da UFMT