Sexta, 06 Novembro 2020 15:08

 

 Como outras cidades do país, nesse sábado, 07/11, às 8h30, Cuiabá também terá uma manifestação contra os fatos que ocorreram durante o julgamento do processo iniciado pela influencer Mariana Borges Ferreira (Mari Ferrer), que denunciou o empresário André de Camargo Aranha por estupro durante um evento em Santa Catarina. O ato “Na rua por Mari Ferrer e por todas nós” será na Praça Alencastro, região central da capital mato-grossense. 

O caso de Mari Ferrer repercutiu não só pela absolvição do réu, mesmo com as evidências biológicas encontradas nas roupas de Mariana, mas também pelo argumento que levou à sentença: de que o acusado teria cometido o ato sem saber que a vítima não queria. A estratégia jurídica montada para balizar a absolvição gerou comparações ao conceito penal de “crime culposo” – quando ocorre ato ilícito sem intenção. Assim, mobilizações por todo o país destacaram a frase “estupro culposo não existe”, como forma de repudiar a sentença de absolvição.

Além disso, as imagens do julgamento chocaram pelo grande apelo moralista utilizado pelo advogado de defesa do acusado, Cláudio Gastão da Rosa Filho, que chegou a utilizar fotos publicadas nas redes sociais da vítima para tentar “argumentar” que a acusação seria “uma farsa”. Apesar de dizer que Mari Ferrer organizou um “show”, o teatro foi mesmo de Rosa Filho, agredindo, acusando e desrespeitando a vítima, enquanto outros quatro homens – atônitos ou coniventes – assistiram com quase nenhuma reação. 

As atuações do juiz Rudson Marcos e do promotor Thiago Carriço estão sendo analisadas pela Justiça. 

Manifesto

O grupo que organiza o ato dessa sexta-feira em Cuiabá é composto por meninas e mulheres de diferentes perspectivas e atuações políticas. Todas, porém, indignadas com mais esse caso de violência contra as mulheres.  


Por isso, alguns textos e materiais diferentes serão divulgados no ato e nas redes sociais. Um deles é o Manifesto “Queremos Respeito! Não existe estupro culposo. Existe machismo estrutural”, assinado por militantes feministas de Cuiabá e Sinop, cuja íntegra está disponível abaixo:


QUEREMOS RESPEITO!
NÃO EXISTE ESTUPROCULPOSO. EXISTE MACHISMO ESTRUTURAL! 

Os Movimentos e Organizações Sociais  que assinam esta carta manifestam seu repúdio aos fatos ocorridos na audiência do caso de Mariana Ferrer que veio a público no dia 03 de novembro de 2020 a partir da divulgação do vídeo da sessão pela The Intercept. 

Assistimos estarrecidas à violência que Mariana sofreu nessa audiência: na qual ela foi culpabilizada e humilhada pelo estupro sofrido no ano de 2018. Nessa sessão, ela, a única mulher da sala, foi vítima de uma tortura psicológica feita pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, responsável pela defesa do acusado, o empresário André Aranha, que a xingou e a desqualificou sem ter sido por nenhum momento defendida pelo assistente de acusação, o promotor Thiago Carriço, ou pelo juiz Rudson Marcos, que sequer pediram “pela ordem” na audiência. Assistiram tudo inertes, coparticipando então da violação de dignidade humana da vítima. 

Tal cena choca e indigna, pois mostra o quanto nós, mulheres, estamos abandonadas neste país, uma vez que homens brancos e ricos conseguem achar brechas jurídicas para escapar do Crime de Estupro. Crime esse que todo dia 180 mulheres sofrem no Brasil. Ser mulher, aqui, é viver em constante pesadelo. É não confiar na própria justiça, pois essa não é cega, ela é seletiva, classista, misógina e machista.

Na ocasião da sentença, o juiz absolveu André Aranha por entender que não houve estupro, fundamentando sua decisão em motivos fúteis, tais como o fato da vítima estar com a roupa limpa e cabelo arrumado, estar apenas bêbada e não drogada e, ainda, por ter conseguido andar de salto ao sair da boate – como se houvesse apenas estupros em que a vítima sai ensanguentada e sem conseguir andar.

Razões pelas quais a mídia veiculou que o réu André Aranha foi absolvido por “estupro culposo”, uma forma de ridicularizar os fundamentos da sentença.

É certo que “estupro culposo” não existe, tampouco assim constou na sentença ou nas alegações finais do MPSC. Mesmo porque tal modalidade não está prevista no Código Penal, que apenas prevê em seu art. 213 que estupro é “ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, sem tipificação no que tange a sua intencionalidade pois é inadmissível pensar que alguém estupra acidentalmente, sem intenção de cometer o ato, por falta de percepção do significado de um “não” ou de ausência de palavras.

De todo modo, ao certo o que ocorreu foram movimentações durante o processo que não deixa dúvidas: a sentença foi escrita por muitas mãos que queriam, mais uma vez, livrar um homem do crime de estupro.

A começar pela mudança de promotor sobre o caso, a alteração de tese da promotoria que até então sustentava o estupro e, apenas, nas alegações finais entendeu que: “não foi possível comprovar que Mariana não tinha capacidade para consentir com o ato sexual”, as alterações de provas feitas pelo advogado de defesa, a ausência de atuação do assistente de acusação e a ineficiência do juiz, seja em audiência, seja no sentenciamento.

Reiteramos: a audiência e a sentença do caso Mariana Ferrer são parte de um circo armado por um conjunto de homens que se unem, se autoprotegem e usam suas posições para legitimar o machismo estrutural. Nesse sentido, podemos dizer que aquela sentença foi escrita por muitas mãos.

Permita-nos explicar melhor.

 Certamente você deve se lembrar de quando o atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, respondeu a um discurso da deputada Maria do Rosário contra a ditadura militar afirmando que ele não a iria estuprar porque ela "não merece". Ainda quando questionado por preta Gil sobre o que ele faria se seu filho se apaixonasse por uma negra, o presidente, achando que a pergunta se referia a uma mulher trans ou um homem gay, respondeu: “Ô Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados, e não viveram em ambientes como, lamentavelmente, é o teu”. 

Você, agora, deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com o caso da Mari Ferrer? Um pouco mais de calma que você vai entender. 

Assim como essas frases proferidas pelo presidente, relembramos mais algumas que têm essências parecidas. Reportamo-nos à fala do advogado de defesa do acusado, Cláudio Gastão da Rosa Filho, ao afirmar que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana, e citamos os dizeres do ex radialista da Jovem Pan, Rodrigo Constantino, que, ao vivo, em sua atuação profissional, ao comentar do caso da Mariana Ferrer frisou que caso o episódio tivesse acontecido com sua filha, não denunciaria o ocorrido para polícia e ainda a deixaria de castigo. “Ela vai ficar de castigo feio, eu não vou denunciar um cara desses para a polícia, eu vou dar esporro na minha filha, que alguma coisa ali ela errou feio e eu devo ter errado para ela agir assim!”.

Percebe a semelhança nos discursos?

Todos esses homens que nos referimos são brancos que ocupam lugar de grande influência. Sustentamos a tese de que quando nenhuma atitude foi tomada sobre a fala de Jair Bolsonaro, quando o discurso foi validado pela complacência do Judiciário - a ele foi imputado um pedido de desculpa que quase reafirmava sua postura machista e preconceituosa em sua conta no twitter –abre-se a prerrogativa a todos os outros homens manifestarem esse tipo de posicionamento. 

Mato Grosso também tem seus algozes. Queremos lembrar que em Cuiabá uma defensora foi impedida pelo Juiz de acompanhar a vítima que usando de sua autoridade declarou, segundo relato da própria defensora: “neste local não se fala de gênero, aqui, a senhora não vai defender mulher, aqui, não precisa da defesa da mulher”. O caso foi amplamente noticiado nas mídias. 

Terminamos nossos exemplos, lembrando do movimento denominado exposed, ocorrido, principalmente, nas cidades de Sinop e Sorriso, cujo objetivo era denunciar, através do twitter, as violências sofridas por garotas. A maioria das vítimas era muito jovem. Essa conta foi derrubada reiteradas vezes, pois homens se uniram numa ação orquestrada para denunciar e derrubá-la. As meninas tentaram manter a página de denúncia, mas adoeceram pela revitimização e medo por suas vidas. A mídia não quis fazer matéria. Imagina, expor os poderosos da cidade? Silenciadas, essas garotas amargaram a mesma decepção de Mari e de tantas outras. 

Por isso afirmamos que a sentença do caso Mariana Ferrer foi escrita por muitas mãos: as mãos do compadrio, da naturalização das violências de gênero, do machismo estrutural que alicerça nossa sociedade às custas da opressão e vida de muitas mulheres. Ele sim nos violenta e nos mata todos os dias! 

Não é apenas por Mariana Ferrer, mas por cada uma e todas nós cujas vozes não podem ecoar. Sim, Mari é mulher, branca com muitos privilégios sociais e é só por isso que tamanha violência foi noticiada. Contudo, esse caso expõe o que muitas mulheres passam todos os dias ao procurar por justiça. A classe nos separa, mas o gênero e a dor nos une! E que dor! A dor de Mari é nossa também!

Não queremos aqui desencorajar a denúncia e sim dividir a dor e o pranto. Queremos reforçar que precisamos falar sobre o machismo estrutural, masculinidade tóxica e políticas públicas para mulheres. Infelizmente, vivemos ainda numa sociedade cuja construção de masculinidade se dá pela opressão de mulheres, sejam elas cis ou trans. Não toleraremos isso caladas! Reafirmamos, aqui, que se mexer com uma mexeu com todas e convidamos você, homem, a assumir seus privilégios, reconhecer o seu machismo e se comprometer com a sua responsabilidade de mudança!

Em coro, nós, mulheres gritamos com Mariana: “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, no mínimo”! Não vamos compactuar com nenhum tipo de violência. A dor dessa mulher, sem dúvida é a nossa dor. Esse episódio é uma afronta a nossa dignidade sexual. Choramos juntas. Queremos justiça! Queremos respeito! Queremos o direito à vida com dignidade! 

AMT-MT Ação Mulher Trabalhista
Centro Acadêmico de Serviço Social-UFMT Gestão Maria Felipa de Oliveira
Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro -CFCAM MT
Coletivo Feminista Sinop para Elas
Comissão Pastoral da Terra-MT
DCE- Gestão O Futuro exige coragem
Frente Mulheres na Luta MT
GTPCEGDS- ADUFMAT – Grupo de Trabalho em Políticas de Classe para as Questões Etnicorraciais, de Gênero e Diversidade Sexual
GTPCEGDS- ADUNEMAT- Políticas de Classe para as Questões Etnicorraciais, de Gênero e Diversidade Sexual
Mulheres do HIP HOP
Mulheres do Sintep e Sintep-MT
Mulheres Petistas do MT
Núcleo Interinstitucional de estudos da Violência e cidadania-NIEVCi-UFMT
PDT Sinop
UJC- União da Juventude Comunista 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Sexta, 21 Agosto 2020 19:02

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Publicamos a matéria abaixo a pedido do Prof. Juacy da Silva 

 

Só em 2018, 58 meninas de até 14 anos deixaram de abortar por dia no País; Ex-diretora do Ministério da Saúde diz que cenário piorou nos governos Temer e Bolsonaro.

 
Por Marcella Fernandes

A história da criança capixaba de 10 anos vítima de estupro que enfrentou diversas barreiras para ter acesso ao aborto legal não é rara no Brasil. Todo ano, mais de 20 mil meninas entre 10 a 14 anos dão à luz. Toda relação sexual com menor de 14 anos é considerada crime de estupro de vulnerável no País. Nesses casos, não importa a idade do agressor ou eventual consentimento, de acordo com o Código Penal.


Só em 2018, 21.172 meninas de 10 a 14 anos estupradas deixaram de abortar – o equivalente a 58 por dia.

  
Um estudo do Ministério da Saúde que cruzou dados de estupro e de nascimentos entre 2011 e 2016 identificou 4.262 meninas de 10 a 19 anos que tiveram uma gestação resultante de violência sexual denunciada e o consequente nascimento do bebê. Em média, 710 crianças e adolescentes tiveram o direito ao aborto legal negado, a cada ano.


Muitos casos não chegam ao sistema de saúde. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, foram registradas 66.041 ocorrências de estupro. Desse total, 53,6% (mais de 35 mil) das vítimas tinham no máximo 13 anos. Ampliando a análise até 17 anos, temos 71,8% de todos os registros de estupro nesta faixa etária, mais de 47 mil vítimas. Também há subnotificação nessa base de dados.

 
Integrante do ministério na época em que o levantamento foi feito, a médica Maria de Fátima Marinho estima que o cenário se agravou nos últimos anos devido ao aumento dos casos de estupro e redução dos serviços de abortamento legal. “Muitos serviços de aborto legal foram fechados. Muitas mulheres estão indo fazer em São Paulo. São poucos os lugares que estão mantendo. Com o [governo de Michel] Temer já tinha fechado um tanto, e aí arrasou em 2019 e 2020”, afirma a professora de saúde pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e consultora da organização Vital Strategies.
 
Marinho foi exonerada do Ministério da Saúde em fevereiro de 2019, no início do governo de Jair Bolsonaro. Até então ela era diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde.


A médica também chama a atenção para os dados de violência sexual. “Aumentam os estupros depois de 2016. Muito ainda no governo Temer e em 2018, com a relativização da violência contra a mulher. Escutei várias vezes falarem que ‘as mulheres exageram quando reagem, que às vezes não é estupro, que os homens não podem mais tocar nas mulheres’. Eles relativizaram demais”, completa.


As evidências de violência sexual têm crescido nos últimos anos tanto ao analisar os dados de saúde quanto de segurança. De acordo com o DataSUS, o total de estupros cresceu 50% entre 2015 e 2018, de 29.979 para 45.219; com um aumento proporcional entre meninas de 10 a 14 anos (48%).

Estupros registrados no sistema de saúde:

2015: 29.979 registros, sendo 8.541 vítimas de 10 a 14 anos
2016: 32.704 registros, sendo 9.477 vítimas de 10 a 14 anos
2017: 39.471 registros, sendo 11.019 vítimas de 10 a 14 anos
2018: 45.219 registros, sendo 12.599 vítimas de 10 a 14 anos

A mesma tendência é observada na base de dados da segurança, fonte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Foram 45.460 estupros em 2015. Subiram para 49.497 em 2016. Avançaram para 60.018 em 2017 e chegaram a 66.041 em 2018.

De acordo com o estudo “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da saúde”, publicado em 2014 pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 7,1% dos casos de estupro em 2011 resultaram em gravidez, segundo dados dos sistema de saúde. Para vítimas de até 13 anos, esse índice é de 10,6% e sobe para 15% no caso de adolescentes entre 14 e 17 anos. 

O número de brasileiras de 10 a 14 anos que foram mães nos últimos anos também é uma evidência de que essas meninas não tiveram acesso ao direito previsto em lei desde 1940 no Brasil.

Mães crianças e adolescentes:

2015: 26.700 mães tinham de 10 a 14 anos e 520.864 entre 14 e 19 anos
2016: 24.135 mães tinham de 10 a 14 anos e 477.246 entre 14 e 19 anos
2017: 22.146 mães tinham de 10 a 14 anos e 458.777 entre 14 e 19 anos
2018: 21.172 mães tinham de 10 a 14 anos e 434.956 entre 14 e 19 anos

Ao analisar os dados de 2018, das mais de 21 mil mães na faixa etária de 10 a 14 anos, 15.851 (74,8%) eram negras. Nesse grupo, há indicadores de precariedade no atendimento: 650 meninas não foram a qualquer consulta de pré-natal e 7.559 tiveram acompanhamento gestacional considerado inadequado. Também em 2018, foram registrados 13 óbitos maternos (durante ou até 42 dias após o término da gestação) nessa faixa etária. 

RICARDO MORAES / REUTERS

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, foram registradas 66.041 ocorrências de estupro. Desse total, 71,8% das vítimas tinha até 17 anos.


O casamento infantil no Brasil


Quanto ao estado civil, 154 das mães de 10 a 14 anos em 2018 eram casadas e 4.067 tinham união consensual. Atualmente o Código Civil brasileiro só permite o casamento a partir dos 18 anos ou dos 16 anos, com autorização de ambos os pais.  


Até 2019, contudo, era permitido o casamento antes dessa faixa etária “para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”. Mesmo com a alteração no ano passado, ainda não existem sanções legais para os envolvidos em casamentos infantis nem previsão legal específica anulação.


Em súmula editada em 2017, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reforçou o entendimento do Código Penal sobre o estupro de vulnerável, conduta tipificada como crime em 2009. De acordo com o documento, o delito “se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”.


Estupro dentro de casa: um problema crônico


Os 4.262 estupros entre meninas de 10 a 19 anos de 2011 a 2016 identificados pelo levantamento do Ministério da Saúde que resultaram em gestação não interrompida são divididos em duas faixa etárias. Entre 10 e 14 anos, são 1.875 casos. Nesse grupo, em 68,5% dos registros o autor do estupro foi familiar ou parceiro íntimo e em 72,8% dos casos a agressão tinha caráter repetitivo.


Na faixa etária de 15 a 19 anos, foram 2.387 estupros que resultaram em gestação não interrompida. Em 37,7% dos casos o autor da agressão foi familiar ou parceiro íntimo e em 44,1% dos registros a violação tinha caráter repetitivo.


A pesquisa cruzou dados de nascidos vivos de mães adolescentes registrados no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e as notificações de violência sexual por estupro inseridas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Foram comparados dados como nome da paciente, data de nascimento e município de residência.

 
Desde então, não foi feita uma atualização desse cenário pelo Ministério da Saúde. O HuffPost Brasil procurou a pasta, por meio da assessoria de imprensa, mas não obteve resposta até a publicação desse texto.


Os dados são semelhantes aos de outras pesquisas que traçam o perfil da violação sexual de crianças e adolescentes no Brasil. “Pelo menos desde os anos 1990 diferentes pesquisas têm indicado que o abuso sexual em geral é praticado por membros da família ou de confiança das crianças, revelando padrões assustadores de violência intrafamiliar”, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública com dados de 2018.

RICARDO MORAES / REUTERSEntre 10 e 14 anos, são 1.875 casos de gravidez após estupro. Nesse grupo, em 68,5% dos registros o autor do estupro foi familiar ou parceiro íntimo e em 72,8% dos casos a agressão tinha caráter repetitivo.


No caso de crianças e adolescentes vítimas de estupro que engravidam, esse ambiente de vulnerabilidade por si só já é uma barreira para o acesso ao aborto legal. “A gente tem um fato que é a percepção tardia da gravidez, exatamente porque a adolescente, e principalmente a criança, não tem conhecimento sobre seu corpo. Ela demora a se perceber grávida. Por isso acaba chegando com uma idade gestacional mais elevada”, afirma a psicóloga Daniela Pedroso, do Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA).


Como o abuso sexual geralmente é cometido por um familiar, muitas vezes a menina sofre ameaças, que “fazem com que ela demore mais para ter essa percepção da gravidade do caso” e consiga buscar ajuda, segundo Pedroso. “São meninas que não são orientadas. Não sabem o que devem fazer numa situação como essa”, afirma a especialista que atua no atendimento a vítimas de violência sexual.
De acordo com a psicóloga, o caminho para prevenção é por meio do diálogo com a criança, tanto em casa quanto na escola. ”É importante conversar com a criança, orientá-la e passar noções de que o corpo dela é só dela, que ninguém tem o direito de tocá-la, que se algo acontecer, ela deve falar sobre isso”, afirma.


No caso que ganhou repercussão nacional, a criança de 10 anos foi estuprada pelo tio, de 33 anos, por anos. A gravidez foi identificada pela equipe de saúde do Hospital Roberto Silvares, na cidade de São Mateus, no norte do Espírito Santo, no último dia 8. Na capital do estado, Vitória, o Hucam (Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes) se recusou a fazer o procedimento que só foi feito no último domingo (16), no Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), em Recife (PE), após decisão judicial.


O caso envolvendo deveria ter sido mantido em sigilo devido ao tipo de crime e à idade da vítima. A ativista Sara Winter, contudo, publicou em suas redes sociais o nome da criança e do hospital em Recife. Os ativistas contrários ao aborto legal se aglomeraram em frente ao estabelecimento, tentaram invadi-lo e chamaram a vítima de estupro e os profissionais de saúde de assassinos.


Para a psicóloga Daniela Pedroso o dano psíquico de uma criança vítima de estupro que engravida é comparável à tortura. ”É alguém que, a cada dia que passa, é mais um dia que está grávida desse estupro. A gente pode comparar essa situação com situações de tortura. Não é só uma violação de direito sexual ou reprodutivo. É uma negação de direitos humanos”, afirma.


“O caso dessa menina me fez pensar em casos de crianças que atendi na mesma idade. Quando elas descobrem a gravidez, elas não sabem do que a gente está falando. Até a compreensão da interrupção da gestação é uma construção difícil e muito delicada. A gente está falando de vários traumas: a questão da violência, de um abuso sexual crônico de alguém que deveria em tese protegê-las. A gente está falando da descoberta dessa gravidez e de enfrentar minimamente essa decisão, que não é uma decisão fácil”, completa a especialista.

"É alguém que, a cada dia que passa, é mais um dia que está grávida desse estupro. A gente pode comparar essa situação com situações de tortura"(Daniela Pedroso, do Grupo de Estudos sobre Aborto)


Não é necessária autorização judicial para interromper gravidez decorrente de estupro. Também não é necessário que a vítima prove a agressão por meio de boletim de ocorrência, por exemplo. Basta procurar o serviço de saúde. 


De acordo com portaria do Ministério da Saúde, a vítima deve preencher um documento chamado ”Termo de Relato Circunstanciado”, em que descreve a agressão. O médico deve emitir parecer técnico após “detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que porventura houver”. A norma prevê que a paciente seja atendida por equipe de saúde multiprofissional composta, no mínimo, por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo.


Também é necessário que a gestante assine um termo de responsabilidade com advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica e de aborto, caso não tenha sido vítima de violência sexual. Se for menor de idade, cabe ao responsável a assinatura.


Desde 1940, o Código Penal permite a interrupção da gestação em caso de estupro e risco de vida da mãe. Decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2012 ampliou esse direito para casos de feto anencéfalo.

NURPHOTO VIA GETTY IMAGES“Em poucos lugares funciona bem. Toda essa política começa a ser escanteada. Não são tempos para mulheres”, diz a consultora da Vital Strategies e ex-integrante do Ministério da Saúde, Fátima Marinho.


Ministério da Saúde admitiu falha no aborto legal 


No levantamento com dados até 2016 feito pelo Ministério da Saúde foram identificados entraves ao aborto legal. “Os serviços de aborto legal são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o entendimento jurídico é de que a mulher tem o direito a realizá-lo no caso de estupro, independentemente da autorização judicial ou de processo contra o autor do crime. Porém, na prática, nem sempre esse direito é garantido, principalmente considerando que adolescentes precisam de acompanhamento do representante legal, o que pode inibir a realização desse direito”, diz o documento.


A pesquisa do ministério afirma que “do ponto de vista da gestão, tornam-se estratégicos o fortalecimento da Vigilância de Violências e Acidentes, das Redes de Atenção e Proteção às Pessoas em Situação de Violência no Território e a expansão dos Núcleos de Prevenção de Violências e Promoção da Saúde”. ”É imperioso reduzir a gravidez na adolescência no Brasil e, em especial, reduzir a violência sexual e intrafamiliar e a gravidez resultante dela”, diz a pesquisa publicada em 2017.


Desde então, o governo federal tem atuado na contramão desse entendimento. Lançada em 2008, a distribuição da Caderneta do Adolescente foi descontinuada. O material distribuído em postos de saúde para crianças e adolescentes de 10 a 19 anos trazia informações sobre cuidados com o corpo, transformações na puberdade e relações sexuais. 


O documento de 52 páginas incluía orientações sobre o uso da camisinha feminina e masculina, pílula do dia seguinte e indicava fontes para informações sobre outros métodos contraceptivos como pílula, injeções, DIU e diafragma. Não havia informações sobre aborto legal.


A cartilha foi criticada pelo presidente Jair Bolsonaro em março de 2019 e retirada do site do Ministério da Saúde. À época, Bolsonaro sugeriu que os pais rasgassem as páginas com ilustrações de como usar preservativos. “Quem tiver a cartilha em casa, dá uma olhada porque vai estar na mão dos seus filhos, e, se você achar que é o caso, tira essas páginas que tratam desse tipo de assunto”, disse. 


Em fevereiro de 2020, o governo federal lançou uma campanha para reduzir a gravidez precoce com o slogan “Tudo tem seu tempo: Adolescência primeiro, gravidez depois”, em referência indireta à promoção da “abstinência sexual”, ideia defendida pela ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves. O debate sobre gênero –que inclui a violência contra mulheres – nas escolas também é desencorajado pelo governo Bolsonaro.


De acordo com a consultora da Vital Strategies e ex-integrante do Ministério da Saúde, Fátima Marinho, os fluxos criados nas políticas públicas para atendimento de vítimas de violência doméstica, incluindo violência sexual, não têm funcionado. “Em poucos lugares funciona bem. Toda essa política começa a ser escanteada. Não são tempos para mulheres”, afirma.


No caso do aborto legal, ela ressalta que “as pessoas não têm informação ou atrapalham de propósito”. “Pedem mais exames, como no caso da menina, e aí começa a perder o prazo”, afirmou em referência ao marco previsto pelo ministério. 


Na prática, nem sempre esse direito [ao aborto legal] é garantido, principalmente considerando que adolescentes precisam de acompanhamento do representante legal, o que pode inibir a realização desse direitoDocumento do Ministério da Saúde de 2017
De acordo com a norma técnica da pasta, a interrupção da gestação no caso do estupro deve ocorrer até 20 ou 22 semanas ou se o feto pesar até 500 gramas. Em geral, os serviços de saúde só realizam procedimentos após esse prazo se houver autorização judicial. Não há limite definido pelo ministério no caso de risco de vida da mãe ou de feto anencéfalo. 


Aborto legal limitado na pandemia


Qualquer hospital com serviços de ginecologia e obstetrícia deve ter equipamento adequado e equipe treinada para realizar aborto legal, mas na prática não é o que ocorre. Na pandemia de covid-19, a situação se agravou. De acordo com levantamento feito pela ong (organização não-governamental) Artigo 19, em parceria com a Revista AzMina e o site Gênero e Número, apenas 55% dos centros de saúde que faziam o procedimento antes mantiveram o serviço. São 42 unidades de saúde identificadas no Mapa do Aborto Legal.


Referência nacional no atendimento de vítimas de violência sexual, o Hospital Pérola Byington, em São Paulo, realizou 1.600 atendimentos no primeiro semestre de 2020, sendo 728 vítimas com até 11 anos, de acordo com dados enviados pela Secretaria de Saúde ao HuffPost Brasil. No mesmo período do ano passado, foram 1.954 atendimentos, incluindo 855 nessa faixa etária.

 
Quanto aos procedimentos de aborto legal, foram275 no primeiro semestre de 2020. Em 2019, no mesmo período, foram realizados 190, de um total de 377 no ano todo. A Secretaria não informou quantos desses procedimentos foram feitos em crianças.


O esforço para dificultar o acesso ao aborto legal e a métodos contraceptivos no SUS em meio à crise sanitária vem de dentro do Ministério da Saúde. Em junho, funcionários da Secretaria de Atenção Primária foram exonerados. A pasta foi responsável pela formulação de uma nota que defendia que “as unidades que oferecem serviços de SSSR (saúde sexual e reprodutiva) são consideradas essenciais, e os serviços não devem ser descontinuados durante a pandemia”, conforme orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde).


De acordo com o documento, devem ser considerados como serviços essenciais e ininterruptos a essa população: “os serviços de atenção à violência sexual; o acesso à contracepção de emergência; o direito de adolescentes e mulheres à SSSR e abortamento seguro para os casos previstos em Lei; prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo diagnóstico e tratamento para HIV/AIDS; e, sobretudo, incluindo a contracepção como uma necessidade essencial”.


A nota técnica do ministério foi deturpada pelo presidente Jair Bolsonaro. Em 3 de junho, ele chamou o documento de “minuta de portaria apócrifa sobre aborto que circulou hoje pela internet”, em uma rede social.


No dia seguinte, a pasta divulgou nota oficial em que afirmava que o documento não tinha “legitimidade” porque o assunto não havia sido “discutido” no ministério. Em seguida, Flávia Andrade Nunes Fialho, então coordenadora de Saúde das Mulheres, e Danilo Campos da Luz e Silva, que era coordenador de Saúde do Homem, deixaram a pasta.


O acesso a esse tipo de serviço está diretamente ligado a uma série de problemas de saúde no Brasil, como mortalidade materna, gravidez precoce e disseminação de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST).


Também em junho, o ginecologista Raphael Câmara Medeiros Parente, conhecido por sua postura ‘pró-vida’ e ativismo contra o aborto em qualquer circunstância, foi nomeado secretário de Atenção Primária do ministério. A pasta é responsável pela organização de ações voltadas a unidades de saúde e diretrizes de cuidados básicos no atendimento na rede.


LEIA MAIS:



 
Marcella Fernandes Repórter de Política e Mulheres do HuffPost Brasil

Fonte: Site https://www.huffpostbrasil.com

Barreiras ao aborto legal: Mais de 20 mil meninas mantêm gravidez resultado de estupro por ano no Brasil
Fonte: Site https://www.huffpostbrasil.com 19/08/2020 

Quinta, 20 Agosto 2020 14:20

 

A culpa é das mulheres? Nessa sexta-feira, 21/08, às 19h, a Adufmat-Ssind recebe quatro mulheres para debater violência patriarcal na pandemia. A quarentena que se impõe já há cinco meses com o objetivo de proteger a população também intensificou as violências domésticas. 

Nesse sentido, as convidadas da Live, Amairi Kaiabi (liderança no Xingu), Madah (promotora popular em Defesa da Mulher), Andressa Mendes (pedagoga e advogada especialista em Direito Público) e Rafaella Felipe (bióloga e coordenadora do projeto Gaia/Sinop) analisam os casos que trazem horror à sociedade desde muito antes da Covid-19, e os mecanismos de denúncia e proteção às mulheres.

Você pode participar fazendo a sua pergunta no chat durante o debate ao vivo, que poderá ser acompanhado pela página oficial da Adufmat-Ssind no Facebook (https://www.facebook.com/ADUFMAT-SSIND-211669182221828) e também pelo Youtube (link será disponibilizado em breve).     

Quinta, 20 Agosto 2020 12:37

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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 Por Lélica Lacerda*

 
Imagine uma criança de dez anos, sistematicamente estuprada por quatro anos consecutivos, e grávida. O que seria justo que acontecesse com ela? Reparar e resguardar da violência sofrida, óbvio!

Quais são as consequências desta obviedade? O direito ao aborto legal, em sigilo e segurança, além de receber apoio de saúde física, mental e proteção social para que possa voltar a estudar e se desenvolver.

No entanto, assistimos estarrecidas o caso de uma criança, negra, ser inúmeras vezes vitimizada pela violência patriarcal de pessoas que se autodenominam cidadãs de bem.

Vejamos o "bem" que fizeram estes cidadãos. Os profissionais do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes, de Vitória, negaram à menina o procedimento de aborto seguro, infringindo seu direito constitucional à saúde, e mantendo uma gravidez de risco num corpo estuprado, de 10 anos. Isso é omissão por parte dos profissionais, e violência institucional contra a criança.

E não parou por aí. Uma liderança de extrema direita, cidadã de bem, branca, se deu ao direito de divulgar dados sigilosos sobre a sua identidade e o hospital para onde seria transferida, cometendo mais uma violência.

Outras pessoas brancas atribuíram-se o direito de falar em nome de Deus, querendo impor a maternidade a uma criança de 10 anos. Quiseram controlar seu corpo, e a acusaram de assassina por abortar um feto fruto de um histórico de quatro anos de violência.

A cultura de estupro defendida pelo cidadão de bem está entranhada no cotidiano, e até mesmo nos poemas e músicas que retratam a “beleza das curvas da mulher brasileira”. O que omitem é que o corpo da mulher brasileira é talhado pela dor de um capitalismo patriarcal que transpira o machismo em cada dimensão da vida.

Nada disso é fatalidade. A violência contra essa criança negra vem da ideologia de propriedade privada no Brasil, fundada pelo estupro das mulheres não brancas. O senhor de escravo branco, que veio com sua família monogâmica e branca para tomar posse de um imenso latifúndio, demandaria uma linha de poder e violência para manter sua dominação num imenso território e contingente populacional escravizado.

Paralela à necessidade de manter relação sexual com a esposa branca para gerar o herdeiro das terras, fez uso do estupro sistemático dos corpos das mulheres negras e indígenas para gerar filhos bastardos para que garantissem o papel hierárquico entre o senhor e seus escravos.

Assim, as terras deixaram de ser espaços livres e se tornaram propriedade na mesma medida em que os corpos femininos se tornaram propriedade submetidas ao poder patriarcal do senhor. A dominação sexual masculina não pressupunha qualquer consentimento, porque não se atribuía à mulher o status de humanidade. Tratava-se apenas da reprodutora do filho do senhor patriarcal que perpetuaria suas propriedades e poder. A prática do estupro era o meio de tomar posse; assim, o estupro foi naturalizado.

A violência colonial fundadora de nosso país segue ecoando. Somos o quinto pais que mais mata mulheres no mundo, o que mais mata LGBTs. A cada 20 minutos, uma menor de idade é estuprada no Brasil. A média é de que 180 mulheres passam por isso todos os dias.

Nós construímos a noção sobre nossos corpos e sexualidade atravessadas pela dimensão da objetificação. A maior parte só entende o que seja violência física ou sexual pós-fato. Grande parte vive os abusos do patriarcado sem perceber que está sendo violentada! Todo corpo feminino carrega em si marcas do controle e violência patriarcal.

Enquanto sonhamos em controlar nossos corpos, escolhendo entre a maternidade, a contracepção e o aborto para conquistarmos inclusive liberdade sexual e econômica, os fundamentalistas querem tolher o poder e a liberdade a partir do domínio do corpo, impondo a maternidade compulsória, mesmo em caso de estupro, mesmo que a vida da mulher corra riscos.

O fundamentalismo religioso impõe a submissão dos corpos femininos ao poder de dominação patriarcal, e não é por acaso! Quanto mais os trabalhadores são submissos, mais podem ser explorados. É assim que retiram nossos direitos e nossa dignidade.
 
A intensificação da exploração econômica se impõe pelo autoritarismo sustentado pelas opressões. Para ampliar os lucros, vão querer levar os negros de volta para a senzala, as mulheres para o fogão e as LGBTs para o armário... eis o dilema histórico da luta de classes do século XXI. Mas isso não ocorrerá, porque seremos resistência!

 
 
*Lélica Lacerda é professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Mato Grosso e diretora de Imprensa da Adufmat-Ssind  

Terça, 12 Março 2019 10:16

 

  

Com o advento de um novo modo de organização social, no século XVIII, o direito à vida se tornou reconhecidamente o mais elementar. A partir daí, resguardadas as afinidades e divergências da disputa entre modelos de sociedade, estabeleceu-se um consenso sobre a imprescindibilidade da vida. No entanto, o que não há, é acordo sobre quem tem esse direito.

 

Três séculos depois, o sistema capitalista aprofunda seus tentáculos, se reinventa para resistir a crises cíclicas inevitáveis, transforma o mundo em tecnologia, mas as mulheres continuam a brigar em defesa desse direito “fundamental e inalienável”.

 

Com os dados de feminicídio em mãos, elas voltaram às ruas na última sexta-feira, 08 de Março, para denunciar, em todo o mundo, os altos índices de assassinato, entre outras violências físicas e simbólicas às quais são submetidas diariamente. “Parem de nos matar!”, “Vivas nos queremos!” e “Nenhuma a menos!”, foram, certamente, algumas das frases mais lidas e ouvidas nos últimos dias.

 

Pelo terceiro ano consecutivo, mulheres de diversos países responderam ao chamado de greve geral internacional. Idealizado por Angela Davis e Nancy Fraser, entre outras intelectuais e ativistas, a partir das marchas das mulheres contra Trump no início de 2017, o movimento propõe um urgente “acerto de contas com o feminismo empresarial hegemônico e seus limites” para construir, em seu lugar, “um feminismo para os 99%, um feminismo de base anticapitalista, solidário com as trabalhadoras, suas famílias e aliados em todo o mundo.”

 

No Brasil, milhares de mulheres foram às ruas na sexta-feira, em todas as capitais, além de vários municípios do interior. O país é um dos mais violentos e foi, certamente, a partir da crescente organização e mobilização das brasileiras, que os números, antes maquiados, começam a aparecer – estima-se que a taxa de subnotificação ainda seja superior a 7,5%, podendo chegar a 10%.

 

De 2017 a 2018, os casos registrados de feminicídio passaram de 1.047 para 1.173. Divididos pelos 365 dias do ano, temos que, em média, pelo menos três mulheres foram assassinadas todos os dias de 2018, variando sempre para mais. Nos dois primeiros meses de 2019, já foram mais de 200 casos notificados.      

 

Em Mato Grosso, a taxa de registro de feminicídio aumentou 37,5% em 2018. Por esse e outros motivos, elas se reuniram na Praça Alencastro, em frente à Prefeitura da capital, Cuiabá - e também nos municípios do interior, como Sinop (479 km ao norte) -, denunciando o quadro por meio de atos públicos, panfletos e debates.

 

 Ato em Sinop/MT. Créditos: Luís Ohira

 

No auditório da Adufmat-Seção Sindical do ANDES-SN, as professoras Lélica Lacerda e Ana Luisa Cordeiro expuseram uma série de questões que motivam a construção da greve feminista. “Nós paramos, porque o machismo mata todos os dias; porque uma mulher é vítima de estupro a cada nove minutos no Brasil; porque nós temos os salários e as condições de trabalho mais precarizadas”, afirmou a professora Lélica Lacerda.

 

 Debate "A Luta das Mulheres: da reparação ao ataque estrutural ao direito de existir", no auditório da Adufmat-Ssind. Créditos: Luana Soutos

 

Já a professora Ana Luisa Cordeiro, estruturou sua fala na perspectiva da mulher negra. “Eu sou uma sobrevivente”, afirmou, antes de demonstrar como a sociedade capitalista, de base patriarcal, olha para as mulheres negras.  

 

A pauta sobre o corpo feminino é imensa. Além dos assassinatos, as agressões físicas, sexuais e emocionais se mostram presentes desde o ambiente de trabalho, até - e principalmente - o local em que deveriam sentir mais segurança: a própria casa. Em 2017, em média, 135 mulheres foram estupradas por dia; a Fundação Perceu Abramo e outros centros de pesquisa apontam uma média de cinco espancamentos a cada dois minutos.       

 

E se as mulheres brigam ainda pelos direitos mais fundamentais, como a vida e a integridade física, os direitos sociais e trabalhistas, que teoricamente pertencem a todos os cidadãos, “iguais perante a Lei”, também não lhes são garantidos.

 

No Brasil, o cenário tende a piorar a partir das Contrarreformas Trabalhista e da Previdenciária, da flexibilização das regras para posse de armas, e da proposta do ministro Sérgio Moro, de flexibilizar também as penas daqueles que alegarem que praticaram assassinatos movidos por “violenta emoção”.

 

Recebendo salários cerca de 40% menores do que os dos homens para exercerem os mesmos cargos, e trabalhando até sete horas diárias a mais, para cuidar dos filhos, uma Reforma Trabalhista que (novamente) flexibiliza os direitos, oferecerá às trabalhadoras condições ainda mais instáveis e precárias. Associada à Reforma da Previdência, que aumentará a idade (de 60 para 62 anos) e os anos de contribuição (de 30 para 35) - que a partir da aprovação da proposta se tornará, inclusive, condição obrigatória -, novamente as mulheres aparecem ainda mais prejudicadas.

 

Assim, está evidente que três séculos de capitalismo não foram o suficiente para garantir sequer o direito mais fundamental às mulheres, assim como não admite outros vários direitos básicos à boa parte da população mundial. Pelo contrário, a concentração de renda aumenta na mesma proporção que a desigualdade, sempre a partir da flexibilização cada vez mais exagerada dos direitos.

 

            

 Ato na Praça Alencastro, em Cuiabá. Créditos: Luana Soutos

 

Em resposta, crescem as mobilizações do 8 de Março, e seguem unidas as mulheres em defesa das suas vidas, seus corpos, seus direitos e, cada vez mais, contra o modelo de sociedade vigente.

 

GALERIA DE IMAGENS

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind  

 

           

Segunda, 11 Março 2019 10:13

 

 

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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JUACY DA SILVA*
 

Nesta sexta feira, 08 de março  de 2019 será “comemorado” o DIA INTERNACIONAL DA MULHER, reconhecido como um dia especial pela ONU desde 1975, para que no mundo inteiro este dia seja um momento de reflexão e de alerta quanto `as condições em que ainda vivem ou sobrevivem bilhões de mulheres, ainda tratadas como pessoas de segunda classe em diversos países, muitos dos quais se consideram ou são considerados estados democráticos de direito, inclusive o nosso Brasil.


A cada ano a ONU cria ou estabelece um tema, em torno do qual as reflexões ou comemorações devem dar maior atenção ou ênfase. Neste ano de 2019, o tema indicado pela ONU é tecnologia e inovação, mas no sentido de como este binômio pode ser “trabalhado” para promover igualdade e equidade de gênero em termos de direitos, de oportunidades e de tratamento.


O DIA INTERNACIONAL DA MULHER pode ser considerado um movimento global de celebração e também de denúncia.  Celebração das conquistas sociais, econômicas, politicas e culturais das mulheres, graças a muitas lutas, sacrifícios, até mesmo de vidas humanas para que a igualdade de gênero seja algo real e palpável. Denúncia das mazelas, como  discriminação, violência, especialmente estupros e feminicídios; desigualdade no mercado de trabalho e de salário e outras tantas formas que impedem que as mulheres sejam tratadas com justiça e a dignidade que merecem.


A condição da mulher como objeto, como mera reprodutora humana, sem direitos fundamentais garantidos a todos os seres humanos vem de longe, por séculos, talvez milênios, este sofrimento faz parte de uma cultura onde o machismo e a violência tem sido práticas comuns e aceitas pelas diversas sociedades, desde a patriarcal até a chamada família “monogâmica” e nuclear dos tempos “modernos” ou atuais.


Em diversos países meninas são “dadas” em casamento ou vendidas em tenra idade, as vezes com 12 ou 13 anos; de forma arbitrária por seus pais; em outros países como a Índia o estupro coletivo é algo bem comum e a impunidade para os algozes acaba as vezes levando a mulher, a jovem ou a adolescente ao suicídio.


Em inúmeros outros países as meninas não tem direito de irem a escola, em outros mulheres não podem votar ou até mesmo dirigir e permanecem praticamente na condição de escravas sexuais ou domésticas.


Aqui no Brasil, apesar de muita propaganda e mentiras oficiais, a condição da mulher ainda está muito longe da tão sonhada igualdade de gênero ou do empoderamento de que tanto a ONU e diversos outros organismos internacionais propalam.


Pesquisa recente, a segunda realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública há poucos dias indica que em 2018 nada menos do que 16 milhões de mulheres, adolescentes e jovens do sexo feminino foram vitimas de algum tipo de violência, isto representa 27,4% da população feminina de 16 anos ou mais, com destaque para o fato de que até mesmo as mulheres idosas, de 60 anos ou mais não escaparam desta violência.


Por faixa etária a violência atingiu 42,6% das mulheres jovens, entre 16 a 24 anos; 33,5% entre as mulheres de 25 a 34 anos; 27,1% na faixa etária de 35 a 44 anos; 17,8% entre as que tem entre 45 a 59 anos e 13,6% entre as idosas com mais de 60 anos. Neste grupo a violência atingiu 2,7 milhões de mulheres, o que não deixa de ser um absurdo abominável.


Segundo o Jornal Folha de São Paulo em 2017 foram registrados mais de 60 mil estupros, considerando que ocorre a subnotificação deste tipo de crime, os registros representam entre 15% e 20% no máximo, podemos concluir que no ano passado ocorreram entre 300 mil e 350 mil estupros no Brasil.

Uma outra pesquisa que merece ser consultada foi realizada recentemente pela ONG ÉNOIS Inteligência jovem, em parceria com o Instituto Vladimir Herzog e o Instituto Patrícia Galvão, intitulado “O que é ser menina no Brasil”, sob a ótica do machismo e da violência contra a mulher.


Esta pesquisa entrevistou 2.285 adolescentes e jovens do sexo feminino, com idades entre 14 e 24 anos, em 370 cidades do Brasil, de famílias com renda de até R$6.000,00. Os resultados confirmam outras pesquisa quanto o quão duro e cruel é o fato de ser “menina” em um país machista, onde a violência contra a mulher “faz parte” da cultura nacional, reforçada pela impunidade dos agressores e conivente com práticas desumanas, abomináveis e uma justiça extremamente morosa, que favorece ou até mesmo estimula a perpetuação desta crueldade, como vemos todos os dias estampada nas manchetes dos meios de comunicação de massa.


Alguns dos resultados desta pesquisa demonstram que neste universo 41% das mulheres/jovens e adolescentes já sofreram violência física, incluindo estupros; 77% já foram vitimas de assédio sexual; 94% ja sofreram assédio sexual verbal e importunação sexual; 90% já deixaram de fazer alguma coisa com medo da violência; 82% já sofreram preconceito/discriminação pelo fato de serem mulheres e 77% afirmam que o machismo afetou negativamente o seu desenvolvimento humano como pessoas.


Enfim, de pouco ou nada adiantam belos discursos, buquês de flores, caixas de bombons ou “mimos” de seus superiores, se no dia-a-dia milhões de mulheres continuam sendo vitimas de práticas machistas, discriminação e violência de toda ordem, chegando a desfigurar fisicamente, destruir psicologicamente ou assassinar mulheres indefesas.


Que este 08 de março de 2019 , DIA INTERNACIONAL DA MULHER, seja um dia marcado por reflexões mais profundas e encontremos os mecanismos, meios e os caminhos para que a igualdade de gênero em sua plenitude seja algo real e verdadeiro em nosso país. De pouco adianta ufanismo, patriotismo, belos discursos enquanto as mulheres que representam mais da metade da população brasileira continuarem sendo discriminadas e vitimas de tanta violência, pelo simples fato de terem nascido MULHERES.


O machismo e a violência contra a mulher devem ser discutidos e “trabalhado” nas famílias, na escola, na comunidade, nas igrejas, no mundo do trabalho e nas instâncias institucionais, sem o que jamais iremos superar esta nódoa que tanto envergonha e mancha indelevelmente nossa sociedade. Pelo fim do machismo, da violência contra a mulher e pela plena igualdade de gênero em nosso país!



*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista de diversos veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy Blog www.professorjuacy.blogspot.com

Quarta, 23 Janeiro 2019 14:14

O presidente Jair Bolsonaro assinou decreto no dia 15, flexibilizando o direito à posse de armas no Brasil. O novo decreto especifica o que é a “efetiva necessidade” expressa na lei para permitir a posse de armas, garantindo, na prática, o direito à posse a quase todos os brasileiros.

A decisão aumenta a preocupação em relação aos feminicídios e agressões à mulher. O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O sistema Datasus, que registra mortes ocorridas em atendimentos no sistema público de saúde, afirma que 2.339 mulheres foram mortas por disparos de armas de fogo no Brasil em 2016 — metade do número de mortes por agressão ocorridas no país. Nos casos em que a mulher foi morta dentro de casa, armas de fogo foram usadas em 40% dos casos.

A posse de armas pelo companheiro ou cônjuge chega a ser considerada agravante em diversos países no momento de determinar medidas protetivas para mulheres. Em entrevista à revista Época, Valéria Scarance, do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), aponta dados alarmantes. Entre 2011 e 2016, disparos de arma de arma de fogo foram a principal causa da morte de mulheres de até 29 anos de idade.

“Não ter arma de fogo não reduz o risco de violência doméstica. Mas a existência dela dentro de casa, seja a arma legal ou ilegal, agrava o risco de morte para as mulheres e acende a luz vermelha. É um consenso internacional. A existência de arma de fogo dentro de casa é um fator maior de risco. Afinal, em geral os homens que praticam violência contra a mulher e feminicídio são réus primários, têm bons antecedentes e residência fixa (condições que os credenciam a comprar armas)”, afirmou Scarance à Época.

 

 Fonte: ANDES-SN (com informações de Atlas da Violência, The Intercept Brasil, Revista Época, Portal Vermelho e Revista Vice)

 

Quarta, 03 Outubro 2018 15:17

 

Na sexta-feira, 28 de setembro, foi celebrado o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto. Em Santa Maria (RS), a data foi marcada pelo painel de debate do ANDES-SN “Direitos sexuais e reprodutivos: legalização do aborto, defesa da vida das mulheres e a trabalhadora docente”. A atividade ocorreu na sede da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm – Seção Sindical do ANDES-SN) e trouxe a temática do aborto sob diversas perspectivas, entre elas a racial, a religiosa e a das pessoas com deficiência.

 

Representando a frente gaúcha pela legalização do aborto, ZadiZaro lembrou que o patriarcado, que concede privilégios ao gênero masculino, é milenar. Contudo, segundo disse, é no capitalismo que a opressão da mulher é intensificada. Ela reforçou que as desigualdades de gênero justificariam os menores salários e menos direitos para as mulheres.

 

Lembrando que o Brasil tem o Congresso mais masculino da América Latina, ZadiZaro disse que tramitam mais de 20 projetos de leis que visam aumentar a criminalização do aborto. “Alguns desses projetos poderiam criminalizar esta mesa de debate, pois seríamos considerados pessoas que fazem ‘apologia’ a um crime”, disse ZadiZaro.

 

Por que as mulheres negras abortam?

 

Ariane Moreira, militante do movimento de mulheres Olga Benário, em Porto Alegre, buscou responder ao questionamento: por que as mulheres negras abortam? Ela explicou que a maioria das mulheres negras que abortam tem até 25 anos, empregos informais, não têm condições de manter um filho, nem um companheiro com quem dividir as cargas emocional e econômica que acompanham a gravidez.

  

Para Ariane, o debate sobre descriminalização do aborto deve considerar questões de raça e de classe. A palestrante afirmou que a descriminalização do aborto é uma questão de saúde pública. “Não adianta apenas descriminalizar, é preciso que o SUS ofereça um serviço gratuito e seguro às mulheres”, ponderou.

 

Destacando que as mulheres não recorrem ao aborto como um método contraceptivo, Ariana lembrou que no Uruguai houve uma forte redução de casos, de 33 mil para 4 mil, em um ano. Segundo disse, a redução foi resultado da descriminalização e das campanhas sobre métodos contraceptivos e sobre saúde da mulher patrocinados pelo governo do país.

 

Disputa na igreja

 

Para Paula Grassi, do grupo ‘Católicas pelo direito de decidir’, o aborto não é frontalmente contrário ao campo religioso. Ela cresceu em meio a atividades da igreja católica e passou a integrar a Pastoral da Juventude na adolescência. Por participar da coordenação nacional da Pastoral, teve contato com cargos altos da instituição, em sua maioria ocupados por homens. “Como pode uma religião que tem tantas mulheres devotas não nos dar liberdade para falar sobre nossas vidas?”, questionou Paula, para quem a criminalização do aborto é sustentada pela moral cristã, que associa a mulher às ideias de culpa e sacrifício.

 

Mesmo o Papa Francisco, tido como progressista, situa o aborto no campo pecaminoso. “Antes mesmo das religiões existirem, as mulheres já abortavam. Penso que a questão não é ‘você é favorável ou não ao aborto’, a questão é ‘você é favorável ao aborto clandestino ou ao aborto legal e seguro?’”, concluiu Paula.

 

Mulheres com deficiência

 

As mulheres com deficiência são consideradas sujeitos assexuados. A constatação é de Anahi Guedes de Mello, militante e pesquisadora da UFSC. Para ela, é direito da mulher ter autonomia sobre seu próprio corpo. “O ônus fica sempre com a mulher, e o Estado não dá assistência pública. Descriminalizar o aborto é urgente por questões de saúde pública”.

 

Vigília constante

 

O capitalismo desenvolve-se entre a exploração escancarada e a alienação, diz Livia Barbosa, do Instituto Anis – O aborto no Brasil. “O capitalismo conta com a desigualdade de gênero para continuar existindo. As mulheres estão sob vigília constante do capital. Não encontramos nenhum correspondente jurídico para criminalizar os homens como existe com as mulheres”, disse, defendendo diálogo com a população sobre essas temáticas.

 

Avaliação

 

Caroline Lima, 1ª secretária do ANDES-SN e uma das coordenadoras do GTPCEGDS, diz que o debate foi fantástico por trazer uma mesa com cinco perspectivas diferentes sobre o aborto. “Falaram desde a Anis, que moveu a ADPF que busca descriminalizar o aborto no Supremo, até o movimento Católicas Pelo Direito de Decidir. Foi provocada a discussão deste tema nos sindicatos, porque o aborto é uma pauta das mulheres trabalhadoras. O aborto inseguro criminaliza, encarcera e mata as mulheres trabalhadoras”, diz.

 

Para ela, discutir direitos sexuais e reprodutivos é discutir direitos sociais. “Cumprimos a resolução congressual do ANDES-SN e conseguimos fomentar um bom debate que vai gerar outras discussões”, completou.

  

“O ANDES-SN marca seu lugar na história da combatividade e do enfrentamento de questões que dialogam com os movimentos sociais. Garantir uma mesa no dia 28 com debate sobre a legalização e descriminalização do aborto nessa conjuntura conservadora, de projeto fascista em curso no Brasil, mostra o lado em que o ANDES-SN está. Seguimos enfrentando esses debates”, concluiu Caroline Lima.

  

 

Fonte: Sedufsm-SSind (com edição de ANDES-SN).

 

Quarta, 03 Outubro 2018 14:48

 

A luta das mulheres de Sinop pela implementação de uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) começa a se materializar. Na última semana, o município inaugurou o espaço e iniciou os atendimentos na tão sonhada DEAM, fruto de muito debate e mobilização do grupo organizado no Coletivo Sinop para Elas, com apoio de duas seções sindicais do ANDES – Sindicato Nacional em Mato Grosso: Adufmat-Ssind, por meio da Subseção em Sinop, e Adunemat-Ssind.

 

“Até então Sinop não tinha dados de violência contra a mulher. Elas estavam invisíveis, não existiam. Não havia um sistema específico para registrar esses casos. Com a Delegacia, todos os dados registrados geram estatísticas e, para a nossa surpresa - entre aspas -, descobrimos que há muitas mulheres que sofrem violência em Sinop. Várias reportagens já registraram a ausência desses dados. Agora, com um núcleo, essas denúncias aparecem. Fica evidente que não apareciam porque não havia atendimento especializado”, explicou a professora Clarianna Silva, membro do Grupo de Trabalho de Políticas de Classe para questões Étnico-raciais, Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) da Adufmat-Ssind e uma das participantes do Coletivo.

 

A docente ressaltou, no entanto, que a DEAM está funcionando, mas o grupo tem consciência de que a luta ainda não acabou, pois as mulheres que sofrerem algum tipo de violência estão sendo atendidas pela escrivã e equipe da Polícia Civil, mas o mais adequado seria o atendimento multidisciplinar, com um grupo formado, no mínimo, por delegado especializado, psicólogo e assistente social.

 

“Por enquanto, o trabalho consiste basicamente em fazer o registro do Boletim de Ocorrência e encaminhar a vítima ao Instituto Médico Legal para exame. Mas o atendimento à mulher não tem como objetivo apenas prender. É preciso acolher e fazer encaminhamentos dos casos. Nesse sentido, a gente precisa dialogar com a Prefeitura, que até agora não apareceu. Precisamos saber como ela vai contribuir na formação dessa equipe para fazer o acompanhamento. E é importante que o Conselho da Mulher de Sinop se posicione conosco também na cobrança dessa equipe multidisciplinar”, disse Silva.  

 

Para a professora da Unemat, Thiélide Pavanelli Troian, também membro do Coletivo, a equipe multidisciplinar é imprescindível no atendimento à mulher, pois os casos de agressão extrapolam a violência física. “A abertura da DEAM marcou um dia histórico em Sinop, resultado de uma luta constante do Coletivo Sinop para Elas, que agrega mulheres e homens de diversas classes sociais e intelectuais do nosso município. Agora nós precisamos que a delegacia tenha uma mulher delegada que esteja preparada para o acolhimento, além do restante da equipe multidisciplinar. Essa questão é bastante complexa e muitas vezes envolve toda a família, a vulnerabilidade com relação ao agressor, ou até dependência financeira”, afirmou.

 

Segundo a docente, o ideal é que a rede de apoio consiga dar suporte, inclusive, para além do momento da denúncia. “É preciso ter uma casa de apoio, um lugar para onde essa mulher possa ir com a sua família, as vezes crianças pequenas. É extremamente importante que essa rede funcione junto com a DEAM, e a nossa luta agora é nesse sentido. Não adianta um atendimento relacionado apenas aos tramites policiais. Claro que isso é importantíssimo, mas o que acontece depois que essa mulher volta para casa? Depois que ela fez a denúncia? Isso é tão importante quanto ter o local onde denunciar”, pontuou Troian.

 

“Essa conquista em Sinop é extremamente importante e significativa, porque nós conseguimos observar que, apesar do contexto de retrocessos, retirada de direitos, de conservadorismo - sobretudo com relação as populações ditas minorias: mulheres, LGBT’s, Negros, Indígenas e Quilombolas-, na realidade concreta, os trabalhadores e trabalhadoras de modo geral têm buscado estratégias de organização para o enfrentamento desse conservadorismo”, avaliou a primeira vice-presidente do ANDES Sindicato Nacional, Qelli Rocha.

 

Membro do GTPCEGDS da Adufmat-Ssind, Rocha destacou que o trabalho realizado no local é fruto da unidade construída entre os movimentos sociais e o sindicato. “A diretoria do ANDES-SN tem se esforçado justamente para compor com movimentos sociais na busca para o enfrentamento desse cenário tão devastador, que beira a catástrofe e o barbarismo”, afirmou.     

 

A docente lembrou, ainda, que a DEAM é um instrumento de proteção e acolhimento reivindicado pelas mulheres brasileiras desde as décadas de 1970 e 1980, expressando a necessária intervenção do Estado nas demandas que atravessam o cotidiano da população em geral, ainda impregnada pela lógica patriarcal e machista.

 

A DEAM Sinop, que também atende ocorrências envolvendo crianças, adolescentes e idosos, está localizada no mesmo prédio da Delegacia Regional do município, na Avenida Caviúnas, 1.956, Setor Comercial, Centro.

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

 

Sexta, 28 Setembro 2018 13:49

 

Uma onda de mulheres promete ganhar as ruas neste dia 29 de setembro. Saindo das redes sociais, essa onda coloca na pauta a luta contra a violência, o feminicídio, a homofobia, o conservadorismo e o protofascismo. Há atos marcados em diversas cidades do país, em uma manifestação contra apologias à tortura e à ditadura militar.

 

O movimento começou nas redes sociais e ganhou enorme força após sofrer ataques de hackers simpatizantes desse ideário de violência. “A proposta sempre foi ir para as ruas, e o facebook foi um motor mobilizador. Sair das redes ir às ruas e às urnas, pensando em mobilizar contra um discurso, contra o que esse discurso representa”, diz Meimei Bastos, militante feminista e uma das organizadoras do ato que acontecerá em Brasília.

 

Para ela, a estrutura patriarcal da sociedade, que subjuga as mulheres, doutrina corpos e sentimentos, contribui para a criminalização das reivindicações feministas. “É muito difícil fazer essas pautas ecoarem para além dos círculos mais organizados [da militância feminista]”. Apesar disso, o aumento das denúncias de casos de feminicídio e a evidência da violência cotidiana a qual mulheres estão submetidas têm impelido essas pautas a ganharem as ruas. “As mulheres se identificam como vítimas da violência presente nesse tipo de discurso”.

 

Quando olhamos em retrospecto, percebemos que essa mobilização não começou agora. Como se diz nos círculos militantes: há um acúmulo de forças. “Nessa segunda década do século 20, o protagonismo das lutas sociais tem sido das mulheres”, avalia Caroline Lima, professora de História Social da UFBA  e diretora do ANDES-SN.

 

Caroline diz que em 2015, por exemplo, houve uma forte mobilização feminista para impedir a aprovação de um projeto de lei que criminalizava até o uso da pílula do dia seguinte. Para ela, as manifestações que acontecem agora acabam sendo a combinação desse histórico protagonismo feminino com o acirramento do processo eleitoral: “As mulheres estão em luta, rejeitando um projeto político misógino, homofóbico, transfóbico, racista, um projeto fascista”, explica.

 

Para Caroline, outros segmentos organizados da sociedade brasileira precisam entrar nessa briga: “o movimento sindical precisa se incorporar nessa luta”. Na sexta-feira (21), centrais sindicais publicaram nota reforçando as vozes se somando a esse esforço de organização contra forças autoritárias, machistas e apologistas à ditadura militar.

 

O posicionamento das centrais sindicais não ganhou muita repercussão na mídia comercial, diferentemente da cobertura dada ao engajamento das torcidas organizadas. A primeira foi a Gaviões da Fiel, seguida pela Torcida Jovem, do Santos, e pela torcida do Flamengo.

 

Artistas, celebridades e influenciadores digitais têm se manifestado contra o avanço das ideias conservadoras e da extrema-direita.  No twitter, a hashtag #EleNão esteve entre as mais compartilhadas no mundo por vários dias. Não é para menos que há uma forte e violenta reação acontecendo, tanto nas redes sociais, quanto nas ruas.

 

Aliás, foi a violenta reação à auto-organização das mulheres que as levou a buscar a mobilização nas ruas. Após terem seu grupo no facebook hackeado e transfigurado, as organizadoras tiveram seus telefones e dados pessoais expostos e passaram a ser alvo de ameaças. Das ameaças para as agressões não demorou muito. Na tarde de terça-feira (25), uma das organizadoras da manifestação de 29 de setembro foi agredida com socos e coronhadas, por três homens, na porta de casa, no Rio de Janeiro. Em Ribeirão Preto, por exemplo, mais de uma dezena de mulheres esteve na Delegacia de Defesa da Mulher denunciando que sofreram ameaças por estarem na organização ou por confirmarem participação no protesto.

 

Manifestações de cunho fascista têm ocorrido no país, sob o silêncio ensurdecedor do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, do Presidente da República. Se as instituições da República não se posicionam, cabe aos trabalhadores enfrentar o discurso do ódio, sobretudo às mulheres trabalhadoras.

 

Mulheres na luta

 

A mobilização contra as ideias conservadoras e reacionárias tem marcadamente e com justa razão um corte de gênero. Mas é preciso ter em vista que a movimentação conservadora e reacionária se dá com a retirada de direitos da classe trabalhadora.  Para Qelli Rocha, da direção do ANDES-SN, a reforma trabalhista, a proposta de reforma da previdência e a emenda Constitucional 95/16, que congela gastos públicos por duas décadas são expressões dessa mesma política. “Para nós, docentes do ensino superior público, essas medidas atingem diretamente as condições das universidades públicas, as nossas condições de trabalho, a nossa carreira e a nossa aposentadoria”, denuncia.

 

Para a docente, as manifestações do dia 29, além de enfrentar as ideias conservadoras e protofascista, vão denunciar os ataques que a classe trabalhadora vem sofrendo no Brasil. “É fundamental que a gente possa aderir de forma massiva aos atos para enfrentar esses projetos de lei que retiram direitos dos trabalhadores”, afirma.

 

Qelli Rocha defende que os atos também pautem outras reivindicações dos movimentos sociais, como a liberdade de manifestação e a não criminalização da militância dos movimentos sociais. Para a dirigente, uma palavra de ordem que não pode faltar nas mobilizações de sábado é: exigimos saber quem matou e quem mandou matar Marielle e Anderson. “Será um momento de luta em defesa da vida dos ativistas que têm sido mortos e perseguidos”.

 

Eblin Farage, da diretoria do ANDES-SN, lembra que para o Sindicato Nacional, "continua a ser um desafio a construção de um projeto de sociedade que de fato possa interessar a classe trabalhadora, superando todas as formas de exploração, dominação e humilhação. Por isso reafirmamos na importância de apontar que a luta real deve ultrapassar as urnas, confiando na capacidade dos setores explorados e oprimidos de construção de uma sociedade emancipada’.

 

Fonte: ANDES-SN