Terça, 13 Outubro 2015 12:40

 

A rotina da vida foi-se instituindo de forma radicalmente fundamentada no “trabalho”, mas não no sentido ontológico marxiano, e sim no sentido capitalista que elevou essa ontologia à máxima potência matemática, e em contradição nos despotencializou subjetiva, coletivamente e, por fim, humanamente.

Temos nossa casa, nossos horários, nossas relações permeadas pela rotina da atividade laboral; e a consequência disso?

Perdemos a capacidade para lidar com o extraordinário no sentido estrito do termo, como aquilo que está fora da ordem, sem programação, aquilo que não é o trivial, rotineiro, ou seja, ordinário. E quando os eventos extraordinários acontecem nos deslumbramos e paralisamos, depois buscamos encaixá-los na ordem, racionalizamos e nos incomodamos com sua existência, não sabemos lidar com os “estados de exceção” que tais eventos proporcionam. É assim quando nos apaixonamos, por exemplo, quando somos tomados de um sentimento que nos inunda a vida e que não faz sentido algum, a não ser o de tornar-se o sentido próprio da vida, até que transformemos esse sentimento em ordinário e, então, o encaixamos na rotina.

Este é também, o incômodo que nos causa o rompimento com a rotina laboral que uma greve nos provoca. Assim, vamos racionalizando sua função, seu objetivo, criticando a paralisação que ela causa, em última instância, em nossas vidas, afinal, em nossa sociedade, instituiu-se a máxima de que “somos aquilo que fazemos” enquanto atividade produtiva para o capital, ou seja, enquanto capacidade de produzir riqueza para o capital. Quantas vezes nos apresentamos às pessoas nos referindo a nossa atividade laboral? (Oi prazer, sou fulana, sou professora, psicóloga etc.). E quantas vezes, muitos de nós, julgamos como “vagabundos” aqueles que não produzem essa riqueza? FHC e seu discurso sobre os aposentados ilustra bem esse juízo de valores, que remunera mais às profissões que melhor servem ao capital.

Somos tão colonizados que transportamos para nossa vida íntima as metas produtivas que nos impõem o capital, num estado de competição eterno competimos com nossos pares, instauramos a competição em nossas relações cotidianas afetivas (sejam elas de amizade, de amor ou de trabalho). Quem cumpre melhor a meta ideal para ter uma vida perfeita e feliz?! Entre “ser feliz ou ter razão”, não há escolhas quando se faz da própria felicidade uma competição mascarada! Uma eterna busca do cumprimento da meta “felicidade”. Para tanto, aceitamos sem questionar que devemos ter isso, fazer aquilo e as eternas listas com receitas de como conseguir aquilo que não se tem ainda.

Na lógica social que nos damos e que nos é dada, de modo muito superficial, devemos ter uma boa casa, uma profissão em que sejamos socialmente reconhecidas e competimos com nossos colegas para sermos melhores, lógica absurda em que “melhor” se resume em ser “mais” (mais artigos, mais citações de seu nome, mais metas alcançadas, mais... mais... sempre mais!). Vivemos uma época das quantidades! E de “mais” em “mais” vamos nos tornando subjetivamente “menos” humanos, “mais” máquinas!

E seguimos na ilusão “máquina” de não sentir; o império da razão se sobrepôs à emoção e se instituiu (desde os gregos) que a razão coincide com pensamento e, em nossa sociedade atual, institui-se que pensar/razão é o que nos faz fortes e “melhores”. Aos sentimentos é relegada a fraqueza, a instabilidade, a insanidade. Não descumpra, não questione as regras, seja policamente correto! Controle-se! Não seja LOUCO! Não chores, não ria, não se irrite, não “perca a cabeça”, pois é nela, por herança de Platão, onde mora a razão.

Somos tão máquinas, que não aprendemos a lidar com a humanidade e a transformamos em superstição, transcendência, já dizia Espinosa: “(...) os homens são dominados pela superstição enquanto dura o temor (...)”. E seguimos cumprindo as metas das provas, das datas de formatura, dos prazos que nos impomos, em suma, aprisionamos a vida pública e privada, nossa razão e emoção à meta das quantidades.

Fomos colonizados, emoldurados, formatados para seguir o absurdo das conquistas imediatistas (a tão almejada meta). Agimos em prol dos resultados. E que resultados têm uma intensa atividade política que ultrapassou longos quatro meses?

Acúmulo histórico, político e resistente. It´s bullshit! Qual foi a meta, o resultado concreto, real e imediato alcançado?

Em tempos de imediatismo, “cagamos” para o acúmulo histórico, para as conquistas que não nos são palpáveis. Esquecemos que a política é parte de nosso “fazer ser” seres humanos. Deixamos o estágio abstrato e nos fixamos no concreto. Pobre Piaget, que entendia como natural, a partir da interação com o meio, essa passagem; talvez se sentisse perdido com a capacidade humana de não apenas aceitar, como “lutar” por permanecer na mediocridade concreta e imediatista.

 Pois bem, na contramão dessa lógica dos absurdos (eu invoco como um mantra) nosso saudoso poeta-menino Manoel de Barros e lhes digo: “Perdoai eu preciso ser outros!”.

 

Profa. Vanessa C. Furtado

Professora do Departamento de Psicologia

Instituto de Educação/ UFMT

Sexta, 09 Outubro 2015 09:51

 

De repente, fiquei sabendo que você se despediu de nós. Nem tempo de dizer adeus tivemos. Até entendo: você foi poetar noutros recantos. 

Jamais me esqueço daquilo que, um dia, você me disse: A vida é uma festa. Merece ser bem vivida. Estou convencido de que você não queria ir tão cedo, preocupado sempre com suas duas princesas. Deus é o dono da vida. Que sua vontade prevaleça! 

Sabe, Rômulo, não de hoje acredito que, quando a gente nasce, nasce à semelhança de uma estrela. Brilha com grande intensidade. Aos poucos, essa luz vai se apagando com a sequência de nossas primaveras. Vão minguando seus lampejos. Até que chega um dia em que, de novo, somos convidados a luzir noutro palco, brilhando na companhia do Pai, por tempos que não morrem. 

Isto nos conforta: em cada um de nós repousa um poderoso Deus. Este, sim, eterno! 

Há bem pouco, você me assegurava que velho tem todo o direito a rabugice. Mas a sua, meu compadre, era carga pesada. Agora sei por quê: também os poetas são rabugentos. Aí a explicação da dose dupla... 

Nisto eu acredito: fomos criados para viver. Afinal, se é verdade que Deus é vida, o fato de sermos seus filhos nos garante – por si só – que nosso ciclo não se encerra. O Pai nos convoca à vida sem fim! 

Não lastimamos sua partida, apenas choramos sua ausência. Como sua falta nos faz falta! Amigo, você foi presenteado pelo destino com uma alma grande. Some a isso a sorte de ter tido a seu lado o companheirismo e o amor da Beth. Açucarou-lhe a existência. 

Defeitos você tinha, mas quem não os tem. Nem de longe chegaram a deslustrar suas extraordinárias qualidades. Dou meu testemunho: você foi um escritor de mão-cheia. Sua adega mental esteve sempre abastecida de vinhos do mais erguido conhecimento. 

Em nossos encontros, uma coisa me chamava a atenção: você sempre desdenhou os bens deste mundo. Esperto, aspirava continuamente a bens que jamais findam. Agora, tem todo o direito de curti-los. 

Receba meu muito-obrigado. Valeu, Rômulo! O bem que você espalhou é obra que tempo nenhum consome. O Pai – estamos certos disto – já o acolheu, abrindo- lhe os braços.

Quem vive no coração dos que o amam de verdade, não morre nunca. Você vive!  Com Deus! 

 

Lúcia Helena e Germano, amigos para sempre.

Quinta, 08 Outubro 2015 10:48

 

Por Roberto Boaventura

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

Hoje falo da expressão “gatos pingados”, que, geralmente, vem acompanhada de outra expressão: “meia dúzia”. Juntas, tem-se a duplicidade de uma carga semântica que aponta para um grau fabuloso da depreciação de um grupo de pessoas. Quando se quer desqualificar o trabalho coletivo exercido por poucos cidadãos, basta afirmar tratar-se de algo feito por “meia dúzia de gatos pingados”. Paradoxalmente, na história do Brasil, a força dos gatos pingados é constante, é vibrante.

Os estudiosos de nossa cultura não têm acordo sobre as origens da expressão. Por si, o termo “gato” traz uma gama de informações, dais quais destaco alguns tópicos. De chofre, lembro da suposta dificuldade que se diz ter para matar gatos, prática cruel entre diversos povos. Disso decorre a fama de que esses felinos têm sete vidas; logo, por natureza, são resistentes.

Resistente também é o couro de seus corpos. Daí que do couro dos gatos, faziam-se os tamborins e as cuícas que, juntos, na passagem do século XIX para o XX, ajudavam a dar os melhores sons de percussão entre os escravos recém libertos.

Já uma das acepções do verbo “pingar”, de onde vem o complemento da expressão, refere-se aos suplícios que pingos de líquidos ferventes, como a água e o óleo, causavam nos seres em que eram “pingados”. No Brasil, pingavam-se os escravos, os gatos e outros animais, a depender do sadismo do algoz.

Há algumas décadas, Henfil criou a personagem “Gato Pingado” para representar os pouquíssimos torcedores do América Futebol Clube.

Em agosto deste ano, um vereador de Jacarezinho-PR depreciou um grupo de moradores da cidade – chamando-os de “gatos pingados” – que se revoltaram com as mordomias dos políticos locais. Os gatos pingados procriaram-se e algumas das mordomias foram cortadas.

Mas por que estou falando disso?

Porque ajudo na construção de uma greve – que agora já se aproxima do término – de resistência contra a destruição das federais. E nossa greve tem sido conduzida por “meia dúzia de gatos pingados”, como dizem alguns colegas que sempre se opõem às lutas; por isso, nunca resistem a nada.

Mas como é possível um professor universitário se opor a uma greve necessária, num panorama de humilhação a uma das profissões mais importantes a uma nação?

Por vários motivos. Com a imersão do programa neoliberal nas universidades, elas vêm sendo privatizadas aos poucos. Esse processo só ganha espaço porque muitos docentes parecem ter mentes colonizadas. Com a abundância desse tipo de mentalidade, tem sido fácil aos governos imporem a lógica do mercado entre nós.

Logo, por bem pouco e sempre com algo circunstancial (bolsas de projetos de pesquisa, participação em cargos administrações etc), muita gente tem esquecido de olhar para o futuro.  

Aliás, o olhar de muitos é turvo, politicamente falando. Há pouco dias, uma colega dizia sobre seu horror de estar em uma greve, coordenada por meia dúzia de gatos pingados, por mais de 120 dias.

De fato, uma greve longa é um horror, pois demonstra a falta de disposição do governo ao diálogo; no mais, os prejuízos são enormes, principalmente aos estudantes. Todavia, horror bem maior do que isso foi o anúncio do pacote de ajuste do governo, lançado no dia 14/09.

Portanto, é desse pacote, que corta orçamento para todas as políticas públicas, incluindo as verbas para as universidades, que todos os cidadãos deveriam ter horror. Perante os “ajustes fiscais”, tudo é fichinha em termos de tragédia coletiva, inclusive uma greve de resistência como a que estamos vivendo.

Segunda, 05 Outubro 2015 15:48

 

Cruel imaginar que, enquanto a União Europeia discute se são “imigrantes” ou “refugiados” os milhares de indivíduos que tentam abandonar seus países devido às guerras, a pobreza, repressão religiosa ou política, entre outros motivos, morram sem que ninguém se comova.

Os últimos acordos datam de 1970, quando a Europa fechou as suas portas para os expatriados, salvo em condições especiais – se eles fossem importantes para os países que os recebessem.
De lá para cá, o mundo se tornou mais violento e mais pobre.  Alguns países da África e do Oriente Médio foram se tornando inviáveis para as suas populações.
O que nos apavora é que o resto do mundo, mergulhado nas suas perspectivas capitalistas desumanas, não se sensibiliza, aparentemente, com esse verdadeiro genocídio.
As perdas de vidas são diárias nessa fuga desesperada. Famílias inteiras desafiam a morte através de caminhos marítimos ou terrestres.
A rota preferida por essas pessoas é: chegar à Itália ou à Grécia por meio de embarcações precárias, atingir, por via terrestre a Macedônia, daí para a fronteira com a Sérvia e, finalmente, para a Hungria, país que seria a porta de entrada final para a Alemanha e para os outros países ricos da Europa.
A Macedônia já se declarou em estado de emergência. A Hungria vem construindo uma imensa cerca de arame farpado para impedir a entrada desses imigrantes.
Acontece que as fronteiras de todos esses países já se transformaram em imensos campos de refugiados, com todos os problemas que isso acarreta para as suas devidas organizações.
A Organização Internacional para Migração (OIMpublicou um relatório mostrando que mais de 4.000 pessoas morreram em 2014 tentando migrar para outros países.
Em 2015 quase 1.000 pessoas já morreram em busca de uma vida melhor – segundo dados do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados)
A mais recente e chocante foi a morte de uma família síria em sua tentativa de fuga desesperada para o Canadá.
A imagem do corpo do menino sírio, de apenas três anos de idade, encontrado em uma praia da Turquia parece que, finalmente, acordou o mundo para este sério problema. Ele morreu juntamente com seu irmão de cinco anos e sua mãe. O pai foi o único sobrevivente dessa desgraça.
O Jornal britânico The Independent estampou em sua página: “Se essa imagem extraordinariamente poderosa de uma criança síria morta em uma praia não mudar a atitude da Europa com os refugiados, o que irá?”.
O jornal português também publicou a imagem chocante e justificou: “Vamos de forma paternalista proteger o leitor de quê? De ver uma criança morta à borda da água, com a cara na areia? Não sabemos se esta fotografia vai mudar mentalidades e ajudar a encontrar soluções. Mas hoje, no momento de decidir, acreditamos que sim”.
Eu também quero acreditar que sim. Quero crer que aquela imagem brutal e bestial do resgate do menino sírio Aylan Kurdi seja o início de tentativas sérias para se resolver esse grande problema.
Aquela imagem que chocou o mundo, já se tonou o símbolo da terrível crise migratória que hoje presenciamos.

Gabriel Novis Neves
20/09/2015

Quarta, 30 Setembro 2015 13:07

 

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Não terá governo, nem direito sem justiça
Nem juízes, nem doutores em sapiência
Nem padres, nem excelências.

Mauro Iasi 

Não é “conversa de corredor”: um conjunto de universidades públicas federais completou 120 dias em greve essa semana no país. Movimento, resultado de um processo democrático de consulta às bases, mediante assembleias realizadas em todas as sessões sindicais. Porque parece, na maioria das vezes, pelos “comentários de corredores”, que essa greve está literalmente comandada por meia dúzia de professores e professoras que não têm vocação para sacerdócio e que não sabem fazer pesquisa, por isso, fazem greve; e que só acontece na UFMT! Creio que a grande maioria precisa acreditar nisso para justificar sua omissão ou convicção em não fazer greve.

Aproveito a ocasião para registrar aqui alguns sentimentos e minhas convicções em participar de movimentos grevistas há quase 30 anos nesta universidade. Espero que não pareça discurso piegas ou arrogante, mas sinto necessidade de mais uma vez registrá-las, ainda que já tenha feito por diversas vezes em plenárias.

A mais importante, penso, trago da minha formação política: é a clareza que vivemos numa sociedade de contradições, de luta de classes e de que pertenço à classe trabalhadora. Isso eu aprendi ainda com o Partido dos Trabalhadores, quando defendia um projeto classista “rumo ao socialismo” ou o chamado Projeto Democrático e Popular, tantas vezes alardeado pelos timoneiros da razão instrumental.  Se o PT me ensinou isso errado, problema dele que para mim perdeu a legitimidade enquanto partido de esquerda.

O professor Mauro Iasi avalia que o governo do PT tem aberto mão até mesmo de uma alternativa democrática e popular que com todas as suas limitações, poderia tensionar a ordem capitalista, aprofundando as lutas de classes e criando as condições para uma ruptura revolucionária. Contraditoriamente, a alternativa adotada desarma a classe, desmobilizando as suas organizações e fortalecendo a burguesia. É o controle e o apassivamento da classe trabalhadora; partido que se metamorfoseou de democracia de massas para democracia de cooptação. Eis sua tese. Eis o PT. (Iasi, 2006).

Para não ficar apenas no argumento de um professor comunista que, portanto, gosta de fazer greve, vou lançar mão da referencia inquestionável de um dos mais importantes ideólogos do PT, o professor Carlos Nelson Coutinho. Afirma ele: “Infelizmente, fui depois obrigado a constatar que o governo Lula, iniciado em 2003, longe de representar uma tal alternativa (refere-se à democracia de massas), tornou-se uma nova e radicalizada expressão do neoliberalismo; e o PT, em vez de se afirmar como o principal instrumento desta nova hegemonia, abandonou inteiramente seu velho programa e deixou-se envolver pelos piores vícios da politica brasileira”. É do conhecimento de grande parte dos intelectuais a defesa do professor Carlos Nelson da tão propalada democracia como valor universal e isso pressupunha para ele a presença de um sindicalismo forte e combativo. (Coutinho, 2006, p.53-54).

Tenho outra convicção que trago da minha formação acadêmica como assistente social e professora de Serviço Social (com mestrado e doutorado na área), cujo projeto ético-político é claramente comprometido com outra sociabilidade que imprima uma nova direção social anticapitalista: “esse projeto tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero” (NETTO, 1999). Nesse projeto eu tenho construído as minhas bases profissionais e políticas.

Também faço greve porque minha trajetória na UFMT foi de muita luta e conquista. Para entrar aqui tive que passar em 1º lugar, ou seja, me submeter a várias provas. Mas as conquistas se somam: uma carreira de 30 anos com mestrado e doutorado públicos, meus livros, meus (três) filhos/as formados nesta instituição. Sem contar no plano afetivo, os/as companheiros/as e companheiros de departamentos que convivi e a legião de alunos e alunas que estudam meu livro por esse país, quiçá no continente.

Quero dizer ainda que não faço greve por aumento salarial exclusivamente, pois 5% não muda o poder de compra do meu salário. Disse em assembleia: “entrei pobre e saio pobre da universidade”.

Retomando as “conversa de corredores”, soube de comentário provavelmente capitaneado por alguém sem leitura sociológica ou análise de conjuntura, dizendo que eu estava passando “atestado de pobreza”. Ora, nós professores/as que vivemos somente dos proventos da universidade, não ganhamos o que merecemos; nós formamos cotidianamente um conjunto de profissionais de todas as áreas do conhecimento desse país, produzimos pesquisa, realizamos projetos de extensão e sequer temos o reconhecimento de um delegado de polícia, porque esse provavelmente é mais funcional ao Estado penal.

Para quem não conhece os principais eixos de nossa luta são: defesa do caráter público da universidade, condições de trabalho, garantia de autonomia, reestruturação da carreira e valorização salarial de ativos e aposentados. Lutamos, sim, principalmente, pelo que resta de uma instituição pública que vem sendo sucateada desde a ditadura militar, para que possa servir a várias gerações de homens e mulheres que necessitarão de uma universidade pública, gratuita, com qualidade e socialmente referenciada.

Retomando o projeto da minha profissão faço uma analogia dizendo que, como é um projeto e não uma religião, nem todos/as os/as assistentes sociais necessariamente farão sua defesa ou pautarão seus valores teórico-prático e ético-político pelo mesmo. Justo por preconizar princípios como autonomia e liberdade de escolha entre alternativas concretas dirão alguns: escolhi não fazer greve. O que me assusta é quando grande número tem essa convicção. Mas, eu disse muitas vezes, também em plenária, que já passei da idade de fazer cobrança: cada um com suas convicções. Da minha parte, continuarei na luta! 

Ivone Maria Ferreira da Silva

Professora do Departamento de Serviço Social/CHS/UFMT

Terça, 29 Setembro 2015 13:44

 

- “Intolerância e dogmatismo: “as doenças infantis” do sindicalismo sectário” -

 Marcos Macedo Caron. Doutor em Educação/UnB; Professor do IE/ UFMT.

Nas mentes de sã consciência, uma greve que se estende por praticamente quatro meses tem alguma coisa de força, por durar tanto tempo, e alguma coisa de fraqueza, exatamente pelo mesmo motivo. Saber qual dos dois polos predomina num dado momento é um enigma tão complexo que, como é de se esperar, dificilmente conseguimos decifrá-lo de forma exata no calor da luta.

Desse modo, questionar a forma como vem sendo comandada a continuidade de uma greve (ou das greves do setor público em geral) é condição natural de reflexão não só acadêmica, obrigação primeira da nossa natureza profissional, mas de preocupação real e honesta com os destinos da categoria e da comunidade universitária.

Foi essencialmente na linha desta preocupação que elaborei, junto com outros companheiros da base da nossa categoria, dos mais variados posicionamentos e opiniões políticas, o “Manifesto à Razão” (anexo aqui ao texto), documento exposto de forma aberta e “sem tergiversação ou subterfúgios de propósitos e ideias” (como antecipava já no seu primeiro parágrafo) na última assembleia da Adufmat, em 17/09, na qual tratamos sobre o tema em debate.

O que dissemos ali? Basicamente, o que uma parte significativa da categoria (não saberíamos, nem poderíamos, dizer o percentual exato) provavelmente deve estar pensando neste difícil momento da luta, ou seja: 1º) “Há outras táticas e estratégias de fortalecimento da greve?” 2º) “Devemos buscar outros caminhos e saídas de negociação que não apenas a extensão “ad infinitum” dos dias paralisados?”

No entanto, para as posturas intolerantes e sectárias, esta preocupação legítima consiste em “grave heresia” ou “traição de classe” pelo simples fato de debater, em algum dado momento da luta, o “pecado original” da suspensão da greve, mesmo que esta se dê claramente sob a defesa de condições favoráveis à categoria e exigindo do governo uma pauta digna para o acordo. Infelizmente, a referida postura foi a escolhida por um membro do comando local de greve (e por vezes do comando nacional), contumaz colunista aqui do “Espaço Aberto”, ao comentar de forma bastante descortês as questões por nós levantadas no “Manifesto à Razão”. Ao invés de polemizar conosco politicamente sobre as divergências em pauta neste fórum - direito pleno e necessário do colunista – ele optou por ataques pessoais em um nível ético que não condiz com o respeito que nos esforçamos em cultivar no cotidiano profissional acadêmico.

Críticas políticas, e por vezes duras, são necessárias e nada temos contra, nem as tememos, até porque também as fazemos. Porém, em nenhum momento resvalamos para o campo do ataque pessoal. Nesse sentido, ao nos chamar de “lunáticos”, ao dizer que “destilamos o nosso ódio contra os trabalhadores e a categoria nas assembleias”, ao afirmar que nosso lugar “não é na universidade pública” e ao insistir que “deixamos a categoria constrangida, no sentido ético e profissional, pela nossa presença e opinião, bem como outros impropérios (como o absurdo de supor que nossos alunos devem ser “infelizes” e “mal preparados” em função das nossas reflexões, além de outros termos que a boa educação me impede em dizê-los), o frequente colunista entorpece o debate e não contribui para sairmos do impasse do conflito, mas sim o agrava, ao criar a funesta ficção de que há “inimigos por todos os lados”, marca comum nas análises de viés autoritário.

Ao tentar nos imputar a falsa imagem de “agressores da classe trabalhadora” e de “capituladores da categoria”, simplesmente por divergências na condução do movimento, nosso oponente parece que avalia, numa versão moderna e adaptada do lema, como se “La Classe Ouvrière c’est moi”, ou seja, “A Classe Trabalhadora sou eu”. Trata-se de uma personificação despropositada que não corresponde em hipótese alguma à realidade, uma vez que a classe trabalhadora, na sua verdadeira integridade histórica, é muito maior do que o nosso meio e nossas polêmicas internas, ainda que dela façamos parte. Não sei de onde nosso oponente retirou sua “autorização” para falar exclusivamente em nome dela, talvez por se identificar com uma direção sindical nacional que se sente “orgulhosa” por não terminar as greves, mas sim em esgotá-las.

Contudo, obviamente que reconhecemos que nossas reflexões não são isentas de defeitos nem imunes às críticas. Nesse sentido, convidamos o leitor a analisar o “Manifesto à Razão” e tirar dali suas próprias conclusões. A despeito de concordar ou não com o que propusemos no documento, cremos que o leitor, desde que liberto do sectarismo dogmático, reconhecerá que ao menos há esforços e tentativas de contribuição sobre questões que nos aflige no campo imediato da greve e no nosso cotidiano profissional, além de propostas concretas e objetivas de reajuste e carreira no sentido sindical dos termos.

Por último, como acadêmicos que somos e eternos crentes na capacidade de reflexão e tolerância de nossos colegas, chamamos o nosso oponente, tal como o título do nosso “Manifesto”, à razão. Pela capacidade e preparo que tem como professor e intelectual da UFMT, temos a certeza que refletirá com ponderação sobre o que disse sobre nós e, principalmente, da forma como o disse. Estaremos sempre de alma e coração abertos ao debate político de alto nível, como é da tradição de todos aqueles que lutam verdadeiramente em prol da emancipação dos trabalhadores e por um mundo mais justo e igualitário.

Clique aqui para baixar artigo na íntegra ...

Segunda, 28 Setembro 2015 18:46

 

“Cada hora, de cada dia, a gente aprende

uma qualidade nova de medo!”

GUIMARÃES ROSA, Grande Sertão Veredas. 

Confesso que não imaginava que a ideia de radicalização, evocada na assembleia de greve dos docentes da UFMT, realizada no dia 17/09/2015, provocasse tanto temor em alguns colegas, a exemplo do que fora manifestado em Carta publicada no Espaço Aberto, do dia 18/09/2015.

É bem verdade que tempos sombrios parecem querer instaurar-se, outra vez, na vida de muitos de nós, afugentando-nos da luta interminável pela conquista de direitos políticos e sociais em nosso país, distanciando-nos do reconhecimento de nós mesmos como sujeitos da própria ação política.

Creio que a organização social do trabalho na universidade, especialmente nos dias de hoje, oculta a sua relação com o mundo real, com a dinâmica do capital em sua etapa globalizada. A produção e a difusão do conhecimento, já faz tempo, deixou de ser um exercício filosófico artesanal diletante (se um dia o foi), praticado em nome do sacerdócio. Cada vez mais o trabalho docente, nas universidades e fora delas, subsume-se aos ditames do mercado nos moldes do capitalismo avançado, reduzindo a sua autonomia intelectual e científica às técnicas de controle e reprodução da ordem social, segundo os interesses das forças hegemônicas.

Sem que nos apercebêssemos, fomos gradativamente reduzidos à condição de trabalhadores assalariados, regidos pela lógica da produção de mercadorias em sentido lato, submetidos à cadeia de produção de bens e serviços. Querendo ou não, somos todos vendedores de força de trabalho no mercado, somos todos proletários modernos, apesar da distinção que gostamos de evocar em relação ao produto do nosso próprio trabalho.

Sei que o desvelamento de nossa condição proletária consiste em um processo difícil, complexo. Trata-se de uma dimensão relacionada ao exercício da própria prática política, nela residem os limites estruturais impostos pela ordem social vigente, impossibilitando-nos de nos reconhecer como sujeitos historicamente determinados.

Todavia, são nos momentos de crise estrutural, como esta que estamos enfrentando agora, que o capital revela as suas formas mais plenas de produção e reprodução social, expondo de maneira mais aberta a força de trabalho ao processo de mercantilização geral em curso na sociedade.

É, também, nos momentos de crise que os trabalhadores reagem às ofensivas do capital no processo de exploração e precarização de seus direitos e conquistas sociais e políticas. A greve é, nesse contexto, o instrumento mais radical de luta empreendida pelos trabalhadores, inclusive pelos setores classificados como trabalhadores abstratos, produtores de bens imateriais como é o nosso caso.

Diante das considerações acima, creio que podemos pontuar alguns elementos relacionados à noção de “radicalidade”, a partir de pressupostos filosóficos. A radicalidade, nessa perspectiva, pressupõe a capacidade de realizar uma reflexão rigorosa e de conjunto sobre os problemas apresentados em uma dada realidade, mas não problemas quaisquer. Nesse particular, cabe então, recuperar a nossa pauta de greve, a centralidade da nossa LUTA.

Desde a sua fundação, o ANDES-SN defende, incondicionalmente, a Educação como um direito social, pública e socialmente referenciada, cabendo às Universidades, em especial, a produção e difusão do conhecimento gratuitamente a todos os segmentos sociais, na perspectiva de sua universalização.

Na contra face da centralidade exposta acima, o que vem ocorrendo é exatamente o seu contrário. As possibilidades de concretização desse direito distanciam-se do horizonte de seus defensores, mediante as ofensivas, cada vez mais agressivas, de governos e agencias de desenvolvimento, a fim de colocar a Educação a serviço da lógica mercantil. As práticas e os instrumentos aplicados são inúmeros e eficazes. Debates e denúncias sobre essa questão já vêm de longa data, em vários fóruns locais e nacionais.

Concomitante, e como parte do processo de desmonte da Educação Pública em geral, e da Universidade Pública em particular, verifica-se a precarização acelerada das condições de trabalho nessa instituição, reveladas, entre outras, pelo desmonte da carreira docente e pelos baixos salários pagos pelos sucessivos governos. É contra isso que estamos em greve. Radicalizar significa, sobretudo, ser capaz de identificar a raiz dessas questões, por meio do debate coletivo entre professores e estudantes, na interface mais geral com a sociedade.

Não se trata aqui de fechar e/ou quebrar laboratórios, tampouco manchar a imagem de nossa instituição. Definitivo e irrecuperável é deixar, pelo medo ou pela omissão, que o patrimônio público seja reduzido tão somente à sanha do lucro desenfreado de alguns em detrimento da perda de direitos da maioria. A Universidade hoje, diferentemente daquilo que supõe alguns, está carregada de interesses privados, de caráter mercadológico. Perdeu a sua dimensão de instituição social, afastou-se da crítica dos problemas da sociedade em que se insere.

Vejamos a greve como a oportunidade de ação pedagógica e política para além dos horizontes de nossos gabinetes de produção científica. Quanto mais negamos a nossa condição de sujeitos coletivos, as nossas entidades de organização política - os sindicatos, os partidos - e os nossos instrumentos de resistência e luta, a exemplo da greve como forma de mobilização e ação político-social, a opressão e precariedade invadem o nosso cotidiano no trabalho e na vida privada.

Como nos ensinam os estudiosos dessa questão, “A proletarização não é apenas proletarização da vida produtiva strictu sensu, mas proletarização da totalidade da vida social [...]”, expressa na perda de direitos, no aumento da exploração da força de trabalho, entre outros.

Vejamos a organização, a mobilização e a pressão coletiva como requisitos para o êxito da ação política. Somente a democratização dos direitos políticos e sociais pode libertar-nos da barbárie em curso, e a socialização do conhecimento como conquista coletiva é imprescindível nesse processo. 

Sirlei Silveira

Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política/ICHS/UFMT

Quarta, 16 Setembro 2015 12:56

 

JUACY DA SILVA* 

Um dos motivos da Inconfidência Mineira, que acabou levando Tiradentes à forca , mas que solidificou o sentimento libertário dos habitantes do Brasil, então colônia de Portugal, foi a chamada “derrama”,  ou seja, o  aumento exagerado  da carga tributária que era imposta ao povo brasileiro.

Ao longo das últimas sete décadas,  desde o início dos anos quarenta,  os sucessivos governos foram e continuam aumentando uma abusiva carga tributária sobre todos os setores  econômicos  e diferentes camadas sociais.  Uma  constante em todos os governos tem sido a implementação de um  sistema tributário regressivo, ou seja, as camadas mais humildes e os consumidores pagam proporcionalmente  um montante mais pesado de impostos.

O sistema  tributário brasileiro além  de extremamente injusto, recai muito mais sobre o consumo,  enquanto diversos outros países tributam menos o consumo e mais a renda,  a riqueza  e a propriedade de forma progressiva.  Além  deste aspecto, o nosso sistema tributário cria  uma série de  mecanismos que abre brechas para que grandes  empresas e camadas de alta renda, os milionários e ultimamente  os bilionários,  acabem sendo ajudados pelo Estado no processo de acumulação de capital. O Estado  brasileiro é um “Robin wood”  as  avessas, tira dos pobres  para ajudar os ricos e isto é a maior contradição no atual  governo Dilma/Lula, que tem uma retórica trabalhista e socialista, apenas de fachada.

Diversos incentivos fiscais,  a  título de alavancar investimentos para   o desenvolvimento de algumas regiões  ou setores econômicos, acabam gerando enormes distorções no sistema tributário, principalmente pela  falta de transparência e falta de fiscalização pelas  estruturas governamentais. Exemplos típicos, bilhões de cruzeiros  ou ultimamente  reais, que foram desviados sob o manto dos incentivos fiscais concedidos pela SUDAM, SUDENE e outros setores.

Agora mesmo,  em Mato Grosso, uma CPI  instalada na Assembleia Legislativa do Estado  está retirando um verdadeiro véu que ao longo dos últimos  20  anos encobria  uma política opaca de incentivos fiscais que a cada ano subtraia  bilhões de reais  que seriam melhor empregados  na saúde, na  educação, na  segurança, no saneamento, na infraestrutura urbana e rodoviária, do que para beneficiar  uma minoria privilegiada que tem acesso a tais recursos graças  `a sua  aproximação com o poder  e ao tráfico  de influência.

Outra distorção que afeta o sistema tributário brasileiro é a prática da renúncia fiscal  adotada pela União, pelos Estados e Municípios, quando o poder público , deliberadamente, abre mão de uma parcela da arrecadação a que  faz jus.  Só o Governo Federal a cada  ano abre mão de  arrecadar  mais de 250 bilhões  de reais, afetando não apenas o OGU –Orçamento Geral  da União, mas  também os Estados e municípios, através da redução dos recursos a serem transferidos  constitucionalmente através do FPE e FPM,  respectivamente, Fundo de Participação dos Estados e Fundo de Participação dos Municípios.

Outra  sangria nas receitas  públicas tem sido a enorme parcela  de tributos que são sonegados, graças  à incompetência no processo de arrecadação e de recebimento de impostos sonegados, além da corrupção que acaba criando mais uma distorção no sistema. A  cada ano só a União perde mais de 350 bilhões com a sonegação. O montante acumulado de tributos federais sonegados até julho ultimo, já ultrapassava  R$ 1,1 trilhões, sendo que723,3  bilhões (65,7%) deste valor são de  grandes  sonegadores, que representam apenas 1% do universo das empresas sonegadoras.

Finalmente, para completar  o quadro dessa  distorção do  sistema tributário/fiscal são os subsídios que acabam sendo pagos pelo tesouro nacional, onerando de uma forma generalizada os contribuintes. Os  empréstimos do BNDES, por exemplo, são captados pelo Tesouro pagando juros pela taxa Selic, que no momento está acima  de 14%  ao ano e aquele Banco empresta a outros organismos públicos como estados e municípios e principalmente a grandes grupos econômicos a juros que mal  chegam a metade dessas taxas.

Diante dessas distorções chegamos a conclusão de que não é preciso nenhum aumento da carga tributária para buscar-se  o equilíbrio orçamentário e fiscal como deseja o Governo Dilma, que está praticando um verdadeiro terrorismo sobre os contribuintes. Basta ter  mais   eficiência na arrecadação,  acabar com os favores que  o  governo concede, seletivamente, a grupos influentes e poderosos, reduzir a corrupção e melhorar a qualidade da gestão pública, combatendo a incompetência generalizada da administração pública.

O povo não  aguenta mais tantos impostos e em troca serviços públicos de baixíssima qualidade  e uma corrupção enorme. Está  na  hora de um basta  nesta extorsão institucionalizada. Voltarei a  este tema oportunamente!

*JUACY DA SILVA,  professor  universitário, titular e aposentado UFMT,  mestre em sociologia, articulista de A Gazeta. E-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  Blog  www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy

Terça, 08 Setembro 2015 16:45

 

 

JUACY DA SILVA*

A Guatemala é o terceiro maior país  da América Central,   com 108.9 mil km2, pouco maior do que o Estado de Pernambuco que tem 98.300 km2,  com uma população de 15,5 milhões de  habitantes, sendo que  na  área metropolitana  da cidade de Guatemala, a capital, estão concentrados aproximadamente 4,8 milhões de habitantes, 31%  do total da população, que em sua grande maioria ,  mais de 80% são  descendentes dos  Maias.
Apesar  de ser um país  subdesenvolvido, como tantos outros da América Central, Caribe e do Sul, tem uma das mais fortes economias da região, o PIB deste ano está previsto em 90,0  bilhões de dólares ou aproximadamente 340  bilhões de reais, pouco menos do que o PIB de Minas Gerais ou quase cinco  vezes  o PIB de Mato Grosso.

Este é  um país marcado  por revoluções, golpes de estado  e que viveu em Guerra civil entre 1960 e 1996, tendo de um lado grupos que recebiam apoio dos EUA  e de outro grupos  de esquerda. Durante  este período mais de cem mil  pessoas  foram mortas, incluindo alguns massacres contra indígenas  e quase  um  milhão  deixaram o país,  fugindo da Guerra civil, a maioria com  destino aos EUA.

Em 1990, como integrante do Inter-American Defense College, tive a oportunidade de visitar a Guatemala  e a Costa  Rica por duas semanas em viagem de estudos. Apesar do clima de violência e medo decorrente da Guerra civil, como observadores podíamos ver que a esperança de um futuro sem violência, com desenvolvimento e democracia  era a energia que movia aquele povo humilde  e sofrido da Guatemala.
Todavia, os  atuais governantes traíram  as esperanças do povo ao transformarem a corrupção em instrumento de gestão pública, podendo lançar novamente o país  em um novo  período de conflito e instabilidade econômica, política, institucional e social.

O atual governo que teve inicio em 2012 e tudo levava a crer que a Guatemala  iria  passar  por um período de estabilidade democrática. Todavia, aos poucos vários integrantes do governo passaram a ser acusados de corrupção, muitos dos quais acabaram  renunciando, até  que há  poucas semanas a vice-presidente da República foi afastada  do cargo e presa, por  envolvimento com a corrupção, conforme organismos vinculados a ONU que combatem  a corrupção constataram que tais práticas  estavam alastradas pelas diversas  instâncias do Governo.

Inconformada com a situação, há meses, bem  mais de um ano, a população da Guatemala está  saindo às ruas em protestos  contra a corrupção no Governo.  Atendendo aos reclamos populares, o Congresso há poucas semanas  cassou a imunidade do Presidente e iniciou um processo de investigação quanto ao envolvimento  do mesmo em casos de corrupção e por considerar que o Presidente  sabia e na verdade comandava um grande esquema de corrupção, responsável por verdadeiras quadrilhas que dilapidavam  os cofres públicos e faziam  tráfico de influência.

Como  as pressões  populares aumentaram não  restou ao Presidente  Otto Molina, agora ex-presidente, outra alternativa a não ser a renúncia, na esperança de que seu ato pudesse  trazer a tão sonhada paz social e política e estancar as acusações de corrupção contra o seu governo, as  vésperas das eleições  gerais, incluindo para Presidente da República.

O que o Presidente não  imaginava é que tão logo deixasse o cargo seria preso e iria ter que prestar contas à justiça  e ao povo guatemalteco e poderá  ser condenado  a décadas na cadeia, local de residência de todos os corruptos  tanto naquele país  quanto em outros abaixo  ou acima do linha do equador.

Qualquer semelhança da situação da Guatemala e  o que tem sido revelado no MENSALÃO, no PETROLÃO/LAVA JATO e em outros setores  da Administração  brasileira, pode não ser  mera coincidência, já que a corrupção é  uma verdadeira epidemia que  está muito presente em todos os países, principalmente na América Latina.

Oxalá  também no Brasil,  como  está acontecendo na Guatemala, os corruptos possam pagar pelos seus crimes  e ver o sol nascer quadrado por vários anos e que isto possa  servir  de exemplo para  que outros ladrões de colarinho branco ou outras vestimentas  também sejam  demovidos de roubar o dinheiro público!

*JUACY DA SILVA, professor universitário,  titular e aposentado UFMT,  mestre em sociologia, Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy

Quinta, 03 Setembro 2015 16:51

 

JUACY DA SILVA* 

Parece que nossas autoridades, governantes em todos os níveis e poderes, não conseguem encontrar  um rumo para que o Brasil possa sair de uma das  mais graves crises  em que se encontra atualmente. Não  bastassem as crises econômica, social, moral, financeira, orçamentária que estão  destruindo a economia e as esperanças do povo brasileiro, aos poucos também está vindo à tona  uma crise institucional que pode lançar o país em um caos maior do que imaginamos, com sérios riscos para a estabilidade institucional e a democracia.

A inflação acumulada de janeiro a agosto já chegou a 7,35%  e ainda temos mais sete meses pela frente, tudo leva a crer que a inflação em 2015  deva superar os 10%, sendo que nos últimos doze meses já chegou a  9,04%. Como normalmente a inflação penaliza  mais as camadas mais pobres  e a classe média baixa, além de aposentados, cujos ganhos estão abaixo  de dois salários mínimos, isto  deverá fomentar mais insatisfação não apenas nessas camadas, mas também e principalmente junto aos servidores públicos, cujos salários estão muito defasados em relação à inflação acumulada nos  últimos dez anos, próximo de 45%  e isto é sentido por todas as categoriais de trabalhadores, que recorrem às greves não por aumento salarial mas sim pela recomposição das perdas inflacionárias, ocorridas nos governos Lula e Dilma.

Em um cenários como este não é difícil prever  que o Brasil irá enfrentar uma das  maiores fases  de greves e manifestações populares, cuja origem da insatisfação é a perda do poder aquisitivo, a queda da renda dos trabalhadores e aposentados  a que se somarão mais de 12 milhões de desempregados e o dobro de subempregados por este Brasil afora. São mais de 90 milhões de  pessoas insatisfeitas com o atual governo e nossas instituições que  estão aquém das necessidades e das aspirações do povo.

Neste  contexto  começam também a surgir rusgas entre autoridades como integrantes do STF, TSE, Procurador de Justiça,  Tribunal de Contas  da União, Senadores, Deputados Federais, Governadores  e a Presidência da República.
O que está acontecendo no Rio Grande do Sul pode ser uma amostra do que poderá vir a acontecer em diversos estados e municípios. Lá o atual governo eleito há  pouco mais de seis meses, herdou um estado   falido, com  um nível de endividamento acima do que  se consegue administrar. Esta é a herança deixada pelo   governo do PT que o antecedeu.

Sem recursos para pagar salários o atual  governo só encontrou duas alternativas, deixar de pagar parcelas da dívida com  a União e, ainda mesmo assim, ter que parcelar em duas ou até quatro vezes os salários dos servidores, gerando mais greves e o caos, agravado ainda mais pelo bloqueio que o Governo Federal fez em relação aos repasses para o Estado.  Se o atual governo, que não se alinha com o gestão Dilma ,  fosse do PT  com certeza o governo federal seria mais “compreensivo”, como tem sido com vários grandes  grupos econômicos que continuam mamando nas tetas dos bancos oficiais.

Outro dado ilustrativo da gravidade da atual crise é o fato de que o Governo Dilma, pela primeira vez na história recente, em mais de 50 anos,  apresentou ao Congresso um orçamento deficitário  para o ano seguinte (LOA para 2016), em mais de 30  bilhões, mas que para muitos analistas este déficit pode ser muito maior, atingindo a casa dos 70 ou 80  bilhões de  reais. O mesmo foi feito pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, LOA para 2016  com mais de 15 bilhões de déficit.

Se ao longo de décadas o Governo Federal apresentava “superavit primário”  para poder pagar parte dos juros e encargos da dívida pública, que mesmo assim, durante os governos Lula e Dilma passou de  586 bilhões de dólares para algo em torno de 2,4 trilhões em dezembro vindouro, podemos imaginar o impacto que este caos orçamentário e financeiro terá sobre a dívida pública, que já consome quase  50% do OGU – Orçamento Geral da  União, apesar do aumento descomunal da  carga tributária brasileira, que já beira 40%, uma das maiores do mundo e serviços públicos semelhantes aos países mais pobres da África, Ásia e América Latina e Caribe.

Em um cenário como este não é difícil prognosticar que os protestos, movimentos de massa e a pressão para que a presidente Dilma  renuncie ou sofra  o impeachment vai ficar cada vez mais forte. O FORA  DILMA, FORA PT, FORA LULA  vão estar ecoando com mais vigor pelos próximos meses  e no ano que vem quando serão realizadas eleições municipais.

 

*JUACY  DA SILVA,  professor  universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista de A Gazeta.  Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  Blog  www.profeessorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy