Quarta, 15 Dezembro 2021 18:35

Fechar, municipalizar ou militarizar: o drama das escolas estaduais de Mato Grosso Destaque

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Depois de meses em luta para tentar evitar o fechamento de mais uma escola, estudantes, seus responsáveis e professores da Escola Estadual de Desenvolvimento Integral (EEDIEB) Licínio Monteiro da Silva tiveram uma resposta: a escola será militarizada. “Desapegar” tem sido a política de Educação do Governo Mauro Mendes (DEM) para um dos estados com os piores índices de analfabetismo do país, ou fecha, ou municipaliza ou militariza.

 

Sem receber informações oficiais, por escrito, na semana passada o diretor da unidade que fica em Várzea Grande, Cícero da Mota, recebeu uma ligação da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) avisando que, a partir de 2022, com o retorno das aulas presenciais, a escola, que até o final deste ano tinha cerca de 1760 alunos matriculados na educação regular e também voltada a jovens e adultos - muitos deles portadores de deficiência-, será responsabilidade do Corpo de Bombeiros. O novo diretor será, portanto, um militar.

 

Até então, outras escolas do município já haviam sido fechadas ou municipalizadas, mas a comunidade escolar da Licínio não recebia nenhuma informação sobre seu futuro. Foram muitos boatos, mas de concreto, mesmo, só a ordem de “dar baixa” no CNPJ da escola. Sem respostas a centenas de perguntas, alguns professores distribuíram suas aulas em outras escolas, e muitos estudantes ficaram sem saber onde fazer a matrícula.  

  

“O Governo que está aí não costuma dialogar com a comunidade. Nunca nos recebeu de forma a conversar, chegar a um meio termo. A gente sabe que a decisão vai chegar e pronto, acabado. Provavelmente vai ter uma reunião apenas para deliberar a militarização, como ocorreu com o Médici. Como a gente sabe, essa não é apenas a situação da nossa escola, isso aconteceu com outras, em consonância com o Ministério da Educação. O importante é que saibam que não foi a escola que buscou isso, foi o Governo”, disse Cícero da Mota durante assembleia realizada na quinta-feira, 09/12.

 

A assembleia já estava marcada antes do telefonema, com a intenção de deliberar sobre as próximas ações em defesa da unidade escolar, incluindo “implorar” ao Governo Mauro Mendes que não retirasse dos alunos mais essa oportunidade de estudarem. Para tentar obter respostas da Seduc, o diretor, que de início chegou a fazer greve de fome contra o fechamento da escola, até procurou o Ministério Público Estadual (MPE). A própria equipe de Imprensa da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (Adufmat-Ssind) entrou em contato com a Secretaria para a elaboração desta matéria, mas depois de dias de espera não obteve respostas às perguntas enviadas ou mesmo agendamento de entrevista, como sugeriu a própria Seduc.

 

Com a militarização da Linício Monteiro da Silva, a escola, que está toda reformada e em plenas condições de uso, não deverá mais receber estudantes do ensino voltado a jovens e adultos, e também os portadores de deficiência. Para o mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (PPGE/UFMT), Edzar Allen de Miranda Santos, esse é um dos prejuízos que será sentido de forma imediata pela comunidade. “Uma característica muito presente nas escolas militares, em Mato Grosso e no Brasil, é a construção da sua excelência através da escolha do público que entrará e permanecerá dentro dessas unidades. Quando uma instituição educacional seleciona e determina qual será o seu público de excelência, todos que, por ventura, não se enquadrarem perfeitamente nessas determinantes, serão excluídos”, alertou Santos, que também é professor da rede estadual.

 

Por isso, após o debate realizado na assembleia a partir da informação sobre o futuro da Licínio, a comunidade escolar aprovou três encaminhamentos: construir um Manifesto declarando a satisfação pelo fato de a escola permanecer aberta, mas preocupação pela militarização; elaborar orientações jurídicas aos profissionais que tomaram outras providências sem saber qual seria o futuro da escola; e solicitar ao Governo do Estado a manutenção da educação voltada a jovens e adultos no período noturno.

 

Gestão democrática?

 

A forma autoritária como Mauro Mendes toca as políticas voltadas para a Educação durante sua gestão demonstra bem sua afinidade com o Governo Jair Bolsonaro. Em 2019, o Decreto Federal 9.665 incorporou à Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação a atribuição de “promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por adesão do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais, estaduais e distrital, tendo como base a gestão administrativa, educacional e didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e Bombeiros Militares”. O documento foi substituído em dezembro do mesmo ano pelo Decreto Nº 10.195, preservando a redação citada acima.

 

A meta do Governo Federal é estabelecer entre 108 e 216 escolas cívico-militares em todos os estados e Distrito Federal até 2023.

 

Ocorre que, assim como as práticas autoritárias do Governo Mauro Mendes não respeitam o preceito de gestão democrática das escolas previsto pela Constituição Federal de 1988, as escolas militares também não condizem com a prerrogativa constitucional de pluralidade política e de ideias.  O próprio Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares estabelece princípios liberais/neoliberais como valores fundamentais para a formação de estudantes do ensino básico e fundamental, notadamente: “patriotismo, civismo, respeito aos símbolos nacionais, noções de hierarquia e de disciplina, valorização da meritocracia e outros”.

 

A proposta militar é evidentemente de padronização do comportamento discente, esvaziando qualquer possibilidade de debate e postura crítica. No entanto, esses alunos em formação são os futuros trabalhadores, eleitores e cidadãos que decidirão sobre as questões sociais que os cercam. Retirados de ambientes que valorizam construções coletivas e democráticas, esses estudantes reproduzirão, em sociedade, o que aprenderam com os militares. E é impossível construir uma sociedade, ou mesmo educação de qualidade, a partir de ambientes privados de liberdade de expressão e de práticas pedagógicas.

 

“A militarização de uma escola é a construção de sujeitos moldados na obediência cega e submissão. É a entrega da autonomia em construir cidadãos críticos para a construção de cidadãos castrados pela estrutura militar. Obedecer e obedecer. Qualquer possível criticidade está forjada nos parâmetros da Doutrina Militar”, explica Edzar Allen.

 

Para o cumprimento desse modelo, o ambiente, por si só, se faz hostil, com a presença de militares em todos os espaços da escola, tutorando os profissionais e monitorando os alunos.

 

Além disso, a experiência brasileira de militarização das escolas já acumula inúmeras denúncias que vão desde a cobrança de taxas e fardamentos, que também ferem o princípio constitucional de gratuidade de ensino, até agressões e proibições de qualquer crítica à instituições militares, gírias, paquera ou qualquer contato físico que denote envolvimento entre estudantes, de uso de batons ou esmaltes, de mascar chicletes, além da obrigação de bater continência e caminhar marchando, de cortar o cabelo de forma padronizada, entre outras.

 

“Nossa sociedade ainda possui uma profunda cultura de obediência e, com isso, há a crença de que a educação militarizada seja a melhor, pois a obediência cega é tida como o principal caminho para se ter ‘cidadãos de bem’. O prejuízo dessa militarização é justamente a mentira da ‘excelência’. As escolas regidas pelos militares possuem, no Brasil todo, vários casos de violência física, psicológica e até mesmo sexual contra os estudantes. Isso para não falar na prática de assédio contra os trabalhadores, dos professores em sala de aula, e o controle total sobre o que se pode ou não falar em uma aula”, afirmou Santos.

 

O alerta soa ainda com relação à valorização dos profissionais da escola, já que ficarão vinculados ao regime militar, conhecido também por cercear, além da liberdade de expressão, a liberdade de associação profissional.

 

“Uma sociedade presa sobre a doutrina militar, a obediência cega, culturalmente adestrada na submissão, seguirá impotente para derrubar verdadeiros tiranos, seguirá fragilizadas em conseguir enxergar as enormes problemáticas que os militares enterraram na história do Brasil e da própria educação brasileira. Educação forjada na mentira, no medo, na censura... é educação ou doutrinação?”, questionou Santos.

 

Por fim, o professor e mestrando lembrou que a militarização das escolas de ensino básico ganha força no Governo Bolsonaro, mas não começou aí. “A militarização também teve grande proporção nos governos petistas. Por isso, a luta contra esse projeto educacional deve ser ampliada ao máximo, independentemente da coloração que esteja pintando a esfera federal, estadual ou municipal”, concluiu.

 

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Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

 

 

 

 

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