Domingo, 30 Agosto 2020 14:50

Propriedade privada e estupro são ideias ligadas às raízes do capitalismo no Brasil Destaque

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A luta contra a cultura do estupro é, também, a luta contra o capitalismo. Ouve-se dizer, o tempo todo, que a cultura do estupro está relacionada à ideia de que o corpo da mulher é visto como uma propriedade do homem. No entanto, pesquisas apontam que a ideia do estupro se refere à propriedade do corpo da mulher visando também a propriedade da terra.

 

Nas últimas semanas, o caso da menina estuprada e engravidada pelo tio no Espírito Santo chocou pela barbaridade da violência em si, mas também pelas reações de grupos conservadores. As perseguições e ataques à família da vítima, com o objetivo de evitar o acesso ao direito de abortar o fruto de um histórico de estupros, também ganhou as páginas de jornais – porque também representaram violência à criança.

    

Ficou nas entrelinhas, no entanto, qualquer discussão mais profunda sobre o que tudo isso representa. O conservadorismo e seu discurso raso de conservar tradições, famílias e propriedades, não é um movimento que pretende, apenas, influenciar a vida particular. É um movimento de influência social que visa, antes de tudo, preservar o ideal capitalista de propriedade privada.

 

“A violência contra essa criança negra vem da ideologia de propriedade privada no Brasil, fundada pelo estupro das mulheres não brancas. O senhor de escravo branco, que veio com sua família monogâmica e branca para tomar posse de um imenso latifúndio, demandaria uma linha de poder e violência para manter sua dominação num imenso território e contingente populacional escravizado. Paralela à necessidade de manter relação sexual com a esposa branca para gerar o herdeiro das terras, fez uso do estupro sistemático dos corpos das mulheres negras e indígenas para gerar filhos bastardos que garantissem o papel hierárquico entre o senhor e seus escravos. Assim, as terras deixaram de ser espaços livres e se tornaram propriedade na mesma medida em que os corpos femininos se tornaram propriedade submetidas ao poder patriarcal do senhor”, explica a pesquisadora Lélica Lacerda, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e diretora da Associação dos Docentes da universidade (Adufmat-Ssind), Lélica Lacerda.

 

Doutora em Serviço Social com ampla experiência nas pesquisas acerca do tema “Questão Social na América Latina”, a professora afirma que a dominação sexual masculina não pressupunha qualquer consentimento, porque não se atribuía à mulher o status de humanidade. “Tratava-se apenas da reprodutora do filho do senhor patriarcal que perpetuaria suas propriedades e poder. A prática do estupro era o meio de tomar posse; assim, o estupro foi naturalizado”, sustenta.

 

Assim, desfaz-se qualquer aparente coincidência entre o fato de o pensamento conservador, moralista, tentar influenciar tanto social quanto economicamente um país no qual 33% da população ainda culpa a mulher por ser violentada. Da mesma forma, não é coincidência que a culpa sobre as vítimas venha acompanhada de um sentimento anticomunista. Qualquer movimento relacionado à defesa dos direitos das mulheres é imediatamente colado a reivindicações anticapitalistas. Embora nem todo o movimento feminista tenha a intenção racional de ruptura com o modelo social vigente, a correlação faz sentido. Os agentes do capital sabem que romper com sua lógica em qualquer sentido é uma ameaça a sua estrutura.

 

Nesse sentido, cabe observar que mesmo quem não tem acesso à propriedade privada, mas se reconhece conservador, tende a compreender as violências contra indígenas e trabalhadores rurais sem terra que reivindicam seu direito constitucional a um pedaço de terra. O estupro, assim como a expropriação - o roubo - capitalista de terra e dos bens, está entranhado no imaginário coletivo, e qualquer movimento que questione a estrutura estabelecida – na qual o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez mais pobre - aparece como ameaça. Assim, as “caças às bruxas”, a feministas e comunistas são campanhas constantes de conservadores.

 

A luta contra a cultura do estupro é também a luta contra a ideologia capitalista. O estupro tem a ver com a ideia de poder, de controle social, da dominação capitalista, material, exercida sobre as mulheres e sobre qualquer população vulnerável.

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Imagem: Blog Socialista Morena

Ler 1204 vezes Última modificação em Domingo, 30 Agosto 2020 15:06