Discutir os efeitos das reformas da Previdência e Trabalhista sobre os setores oprimidos, que são os mais afetados nos momentos de crise econômica, foi o tema do painel realizado na tarde deste sábado (10), na reunião da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas. Os expositores foram Giulia Pierro, da Auditoria Cidadã da Dívida, Gean Santana, da Adusf/BA e Rosenverck Santos Estrela, da Apruma.
Os expositores apresentaram informações que demonstram o maior impacto das reformas sobre mulheres, negros e negras e LGBTs e destacaram que é preciso fortalecer a organização e lutas desses setores que, inclusive, têm sido protagonistas das mobilizações contra os ataques do governo no último período.
Giulia Pierro, do núcleo São Paulo da Auditoria Cidadã da Dívida, fez uma apresentação para explicar as causas da atual crise social e econômica no Brasil e foi contundente em afirmar que “o nó que amarra o Brasil e impõe os ataques do governo aos trabalhadores e a população é o Sistema da Dívida Pública”.
“Frente ao roubo que é essa Dívida, toda a corrupção que estamos assistindo hoje no país é café pequeno, uma cortina de fumaça, para um roubo de fato muito maior, que acontece há décadas e estrangula o país”, afirmou.
A palestrante apresentou dados de estudos e pesquisas feitos pela Auditoria Cidadã da Dívida, como, por exemplo, o levantamento que revela que, entre os anos de 2003 a 2015, o superávit primário feito pelo governo foi de R$ 824 bilhões. Contudo, nesses 12 anos, a Dívida se multiplicou de R$ 839 bilhões para quase R$ 4 trilhões. “É uma dívida inconstitucional fabricada por um sistema baseado em juros elevadíssimos, juros sobre juros, prejuízos do Banco Central para favorecer o setor bancário, emissão de dívida para pagar juros, benefícios fiscais descabidos que diminuem a arrecadação. O pior é que esta dívida é o pretexto para assumir mais dívidas e propor as reformas que retiram direitos dos trabalhadores”, explicou.
“A Dívida Pública deveria ser um mecanismo para captar recursos para o país funcionar melhor, atender dignamente a população, mas ocorre o contrário. Os governos de todas as esferas desviam recursos públicos para o sistema financeiro. É o desmonte do Estado. E o maior beneficiário é o sistema financeiro”, disse a representante da Auditoria Cidadã da Dívida, que defendeu a importância de se fortalecer a mobilização por uma auditoria independente, para que se possa revelar a inconstitucionalidade e ilegitimidade deste sistema.
Gean Santana, coordenador da Associação dos Docentes da Universidade de Feira de Santana (BA), seção do Andes-SN, falou em seguida destacando o impacto das reformas para os LGBTs. Trazendo dados sobre as condições de trabalho desse setor oprimido, que já são extremamente precárias, Gean foi enfático em afirmar que as reformas vão piorar ainda mais essa situação.
Destacando a situação de pessoas trans, Gean apresentou dados para demonstrar que a entrada no mercado de trabalho é altamente restringida e, mais do que isso, muitas vezes se morre antes disso. “No Brasil, 90% não tem carteira assinada e 51% dos homicídios de pessoas trans ocorridos na América central e do sul estão no Brasil. A expectativa de vida de pessoas trans é de 35 anos. Como se aposentar aos 65 anos de idade”, questionou.
Projetos em tramitação no Congresso para restringir e atacar os poucos direitos já conquistados por LGBTs também foram citados por Gean, que concluiu ser fundamental debater a realidade dos setores LGBTs e organizá-los numa perspectiva classista e combativa.
“Hoje, a burguesia já tem uma política para esses setores, por exemplo, através das novelas. Não podemos deixá-los vulneráveis. Nossa Central precisa apontar uma política classista, de organização e luta para os LGBTs”, disse. “A Greve Geral de 30 de junho ocorrerá dois dias depois do Dia Internacional do Orgulho LGBT, que marca a Rebelião de Stonewall. Precisamos chamar os LGBTs a construir e ser linha de frente nessa luta”, concluiu.
Rosenverck Santos Estrela, professor de história da África e estudos afro-brasileiros da Universidade Federal do Maranhão e militante do Quilombo Raça e Classe, iniciou afirmando que todos sabem da herança escravagista no Brasil e da existência das desigualdades sociais. Mas ponderou que constatar isso não basta. “Até a elite branca aceita isso. A questão é identificar quem sofre e por que sofre com a discriminação e a desigualdade no Brasil”, disse.
O professor resgatou o processo de escravidão e o projeto de imigração ocorrido no Brasil. “A primeira reforma trabalhista que ocorreu nesse país ocorreu a partir de um projeto pensado a partir de uma abolição da escravidão para dar início a uma imigração subsidiada. Toda uma população de negros e negras escravizados(as), que trabalhavam em todos os ramos e construíam a riqueza, após esse projeto passaram a ter taxados de vagabundos, marginais e preguiçosos e foram relegados ao desemprego, às favelas, às periferias, às cadeias”, disse.
“Os números estão aí para atestar a desigualdade, seja nos salários, na educação, no desemprego. O recente atlas da violência revela, mais uma vez que juventude negra está sendo exterminada. Foi assim no recente governo Lula. Como esta juventude negra vai se aposentar, se está sendo exterminada antes, se não consegue nem trabalhar”, questionou.
Rosenverck destacou ainda que a exemplo da Lei do Sexagenário (que garantia a liberdade aos escravos com mais de 65 anos), a atual reforma da Previdência chega a ter uma coincidência absurda. “Hoje a média de vida dos homens brancos é de 73 anos. Dos negros 67 anos. Da mulher negra é ainda menor. Ou seja, a população negra não terá chance de se aposentar por que morre antes, assim como na época da lei do sexagenário”, disse.
Segundo, Rosenverck é preciso, e esse é o papel da CSP-Conlutas, fazer o debate de raça e classe, de entender e discutir o racismo como estruturante das desigualdades neste país. “O racismo é um instrumento usado pelo capital em unidade para a exploração da classe trabalhadora. Se a população entender isso, ela passa a lutar contra o capitalismo. Nosso desafio é fazer essa relação e organizar a luta”, concluiu.
Após as apresentações do painel, as intervenções do plenário seguiram enriquecendo o debate, ressaltando também dados e informações dos efeitos das reformas sobre as mulheres, a exemplo do recente seminário promovido pela Central sobre o tema. Foi reivindicado que a CSP-Conlutas dê continuidade e aprofunde o debate acerca das opressões, abarcando outros setores como povos originários, como indígenas e quilombolas, e aposentados.
Fonte: CSP- Conlutas