Terça, 22 Outubro 2019 11:49

DESIGUALDADE, PIB E O COEFICIENTE DE GINI - Juacy da Silva

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JUACY DA SILVA*
 

Para medir a concentração de renda e riqueza nos diversos país, o índice ou Coeficiente de GINI é o mais utilizado pois permite comparações ao longo do tempo para um mesmo país e também entre países.

Assim, quanto mais perto de um (1) for este coeficiente, maior é a desigualdade na distribuição da renda nacional pelos estratos da população e quanto mais próximo de zero, menor é a desigualdade interna em cada país, ou seja, mais igualitário e mais justo é o país.

O Brasil é o país com o maior índice de desigualdade na América do Sul; perde apenas para o Haiti na América Latina e Caribe; só perde para a África do Sul entre os membros dos BRICs; perde para todos os países do G20; para todos os países da União Europeia e tem a segunda maior desigualdade entre as 50 maiores economias do planeta (responsáveis por mais de 90% do PIB Mundial), neste grupo só perde para a África do Sul.

O Brasil é o país que apresenta a maior concentração de renda, patrimônio e riqueza entre essas economias mais importantes do mundo e, assim, a questão da desigualdade, representada pela pobreza, miséria, fome, exclusão social, econômica e politica, baixos níveis e condições de vida em que vivem mais de 50%, mais da metade da população, é o problema mais sério que o país enfrenta, muito pior do que o desequilíbrio das contas publicas, muito pior do que a violência e a corrupção e até mesmo muito pior do que a degradação ambiental.

Durante o governo/período militar ou ditadura como alguns dizem, quando o Brasil ostentava elevados índices de crescimento econômico, iguais ou até superiores aos da China, da Índia, Japão, EUA, países europeus e Coréia do Sul entre outros, o então todo poderoso ministro da Fazenda, hoje ministério da economia, Delfim Neto, cunhou uma frase que se tornou antológica, que expressa bem o cinismo das elites do poder e das classes dominantes, ao dizer que “é preciso primeiro fazer crescer o bolo, (o país e o PIB de fato crescerem) e, só depois vamos ou podemos pensar em melhor dividir este bolo (PIB/Renda)”. 

Só que isto jamais aconteceu nesses 55 anos, desde que os militares  derrubaram o Presidente João Goulart e ocuparam a Presidência, através de generais de exército, almirantes de esquadra e tenentes brigadeiros da ativa até 2018 e 2019, quando outros militares foram eleitos e tomaram posse como presidente e vice presidente da República (respectivamente um capitão do exército e um general de exército reformados).

O PIB do Brasil entre 1963 até 2019, e projetado para 2022, término do mandato do atual presidente da República, apresentou e apresenta períodos de crescimento expressivos e também períodos de estagnação e recessão, com as mais altas taxas de juros  e os maiores índices de inflação e arrocho salarial até então conhecidos em nosso país.

Todavia, quando comparamos o tamanho do PIB de 2019, com o de 1963 ou de 1964, inicio do período militar, percebemos que o “bolo” ou seja o PIB – Produto Interno Bruto cresceu bastante, muito mesmo.

A preços de R$ de 2010,  considerados como referência ou termos  comparativos, em 1963 o PIB brasileiro era de “apenas” R$500 bilhões de reais; passou para R$520 bilhões em 1964; atingiu R$780 em 1970, inicio do chamado “milagre brasileiro”, chegou a R$1,770 trilhões em 1980, pulou para R$1,870 em 1985, no final do governo Figueiredo. Ou seja, entre 1964 e 1985, em 21 anos o PIB brasileiro cresceu 259,6%.

No período da chamada redemocratização, durante os governos Sarney, Collor e Itamar Franco, de 1985 até 1995 o PIB cresceu de R$1,870 trilhões para R$2,430 trilhões de reais, isto equivale a um crescimento de 29,9%, coincide com a chamada década perdida e com os altos índices de inflação, que, em alguns anos chegaram a mais de 700%.

Com o advento do plano real e mais uma, entre tantas substituições da moeda, a inflação foi controlada e o PIB real cresceu de R$2,430 trilhões em 1995 para R$2,820 trilhões ao final do Governo FHC, ou , 16,04%.

Com a chegada de Lula `a presidência da República, novamente o país voltou a crescer de uma forma mais continuada, mesmo apesar da crise mundial de 2008. Assim, o PIB cresceu de R$2,820 trilhões em 2002 para R$3,880 trilhões em 2010, final do Governo Lula, um crescimento de 37,6%.

Durante o Governo Dilma, no primeiro mandato, de 2011 até 2014, mesmo em meio a algumas crises internas e sobressaltos internacionais, o PIB cresceu de R$3,880 trilhões para R$4,260 trilhões no final de 2014, ou, 9,8% em quatro anos.

No período de 12 anos de governo Lula e Dilma, ao final de seu primeiro mandato em 2014, o PIB do Brasil cresceu 51,1% e a desigualdade foi reduzida através de reajustes do salário mínimo acima da inflação, o Pronaf destinado a financiar a agricultura familiar, a chamada agricultura dos pobres, em comparação com o setor bilionário do agronegócio, ampliação dos programas sociais de redistribuição de renda como o bolsa família, o fome zero, implementação dos sistemas de quotas e de financiamento da educação superior, possibilitando que boa parte da população pobre, principalmente afrodescendentes pudessem desfrutar de uma melhor qualidade de vida e de melhores chances de mobilidade social vertical.

Em relação ao salário mínimo é fundamental entender que o mesmo desde a sua criação/surgimento no inicio da década de 1940, vem perdendo poder aquisitivo, com algumas exceções, como durante o Governo Lula, quando foi corrigido anualmente por índices superiores `a inflação.

Considerando os termos da Lei de sua criação e também o que consta da Constituição de 1988, o salário mínimo deveria atender, direta ou indiretamente, dois objetivos, primeiro garantir uma vida digna aos trabalhadores que estivessem no patamar inferior da pirâmide social e, segundo, possibilitar uma melhor distribuição de renda, para ampliar e fortalecer o Mercado interno.

À medida em que sucessivos governos atualizam/”reajustam” o salário mínimo abaixo ou apenas pelo índice da inflação do ano anterior, contribui para o empobrecimento de milhões de pessoas que recebem apenas o salário mínimo ou menos do que esta importância, enfim, garante apenas a manutenção do “status quo” vigente em relação `a concentração de renda.

Outra consequência desta politica oficial de deterioração do poder de compra do salário mínimo é o encolhimento do mercado interno, pois milhões de pessoas que poderiam dispor de renda para consumir, ficam alijados do mercado.

A Constituição de 1988 assim se refere ao salário mínimo  em seu artigo 7º, inciso IV, que é definido como: “... um direito dos trabalhadores urbanos e rurais (...) fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Pergunta-se, será que um trabalhador que ganha R$ mil reais (valor atual do salario mínimo) e tenha uma família de cinco pessoas (marido, mulher e três filhos/filhas) consegue ter uma vida digna e poder de compra como estabelece a constituição federal?

Todavia, muitos governantes preferem politicas paternalistas e assistencialismos, cujos programas são sujeitos a manipulação politica, eleitoral e a corrupção, do que definir um salario mínimo que possibilitasse não apenas a sobrevivência, mas também o progresso social e econômico, vale dizer, a mobilidade vertical das camadas mais pobres da população, libertando milhões de pessoas dos grilhões da miséria, da pobreza e da manipulação oficial.

Voltando à reflexão sobre a evolução socioeconômica e politica, podemos perceber que no segundo mandato de Dilma, iniciado em 2015, a crise politica, econômica e institucional se agravou até atingir o impeachment (impedimento) da mesma. Este curto período de ano e meio foi marcado pela estagnação e recessão econômica, com uma queda do PIB de R$4,260 trilhões para R$3,970 trilhões.

Seguiu-se o mandato tampão de Temer, com uma pequena retomada do crescimento do PIB, que ao final de 2018 atingiu R$4,060 trilhões, um crescimento de 2,6%; todavia menor do que o PIB ao final de 2014, que foi de R$ 4,260.

Contrariando os prognósticos tanto da equipe econômica do Governo Bolsonaro e quanto de Agências e organismos internacionais, o Brasil continua patinando, praticamente estagnado, longe de um crescimento do PIB de 3,0% ou 3,5%  como chegou a ser estimado, no máximo nos dois primeiros anos do atual governo (2019 e 2020) as projeções variam entre pouco mais de zero a no máximo 1,2% ou 1,5% para o próximo ano.

As projeções internacionais (FMI, Banco Mundial e OCDE) estimam que ao final do Governo Bolsonaro, o PIB brasileiro deverá estar em R$4,350 ou seja, apenas 2,1% maior do que o PIB alcançado ao final do primeiro mandato de Dilma, em 2014 e 7,1% quando comparado com o final do governo Temer.

Resumindo, mais uma década perdida, em termos de crescimento do PIB de nosso pais e, mesmo assim, a concentração de renda nas mãos de uma minoria continua sua marcha.

Todavia, quando comparamos o PIB atual, de 2019, c om o PIB de 1963, um período de quase seis décadas, entre altas e baixas taxas de crescimento e até mesmo recessão, o PIB brasileiro pulou de R$500,0 bilhões de reais, para R$4,098 trilhões, descontada a inflação deste longo período, isto representa um crescimento real do PIB de 719,6%, ou mais de sete vezes.

Portanto, apesar dos percalços ao longo desses 56 anos, o bolo (PIB) cresceu bem acima da média da maioria dos países e o Brasil se firmou entre as dez maiores economias do mundo, no entanto, a distribuição dos frutos deste crescimento não ocorreu e nem ocorre de forma equitativa, ou seja, as camadas dos 10% e 1% dos mais ricos abocanharam uma fatia muito maior do bolo, deixando, apenas migalhas para as camadas dos 10% e 1% e até mesmo dos 50% mais pobres da população.

Até mesmo a chamada classe média, os 40% que se situam entre os 50% mais pobres e os 10% mais ricos, não conseguiu abocanhar a parcela que lhe era devida proporcionalmente quando comparada a sua representação populacional, se a repartição do bolo (PIB) tivesse sido mais justa.

Por isso, os altos índices de miséria, pobreza, analfabetismo, níveis precários de saneamento, situação caótica e vergonhosa da saúde publica e da educação, enfim, todos os indicadores sociais, demonstrando que mesmo em meio a este crescimento econômico e mudanças dos padrões tecnológicos e inovações, enfim, “modernização” do país, muitas coisas ainda estão nos mesmos patamares que há mais de meio século.

Isto significa que temos dois ou diversos “brasis”, um moderno, rico que desfruta de elevados níveis de bem estar comparados aos países do primeiro mundo e outro ou outros, vivendo na mais completa miséria, pobreza e fome, bem próximos de seus congêneres africanos e asiáticos.

Um exemplo patente é a situação das regiões norte e nordeste e das periferias urbanas das regiões sudeste, sul e centro-oeste, cujos índices e indicadores sociais aproximam pouco mais de 50% da população brasileira aos índices de pobreza e miséria vigentes nos países mais atrasados do planeta.

O coeficiente de Gini do Brasil era de 0,490 em 1950; evoluiu para 0,550 em 1960; 0,580 em 1970; para 0,570 em 1980; passou para 0,590 em 1990 e atingiu 0,610 em 2000. Segundo dados da OXFAM, em 2019 este coeficiente atingiu 0,629. Portanto, a concentração de renda tem aumentado, mesmo com o bolo tendo crescido; ou seja, alguns grupos estão abocanhando um pedaço maior deste bolo, tornando o país mais Desigual e mais injusto.

Precisamos voltar a discutir a questão das desigualdades sociais no contexto do processo de desenvolvimento nacional e da dinâmica politica, incluindo como as politicas públicas ao longo de décadas tem contribuído para a acumulação de capital em poucas mãos, piorando o agravamento dessas desigualdades, diferente do que as vezes tem sido propalado por governantes, empresários e outros setores que pouco importa com a sorte de milhões de pessoas que vivem na miséria e na pobreza extrema neste imenso Brasil.

Será que é este o Brasil que queremos? Com o qual devemos nos orgulhar? Será que um outro Brasil, justo, solidário  e com menos desigualdade é possível? Reflita sobre a realidade brasileira e tire as suas próprias conclusões.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá; sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação Twitter@profjuacy Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com

 

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