Sexta, 26 Outubro 2018 14:54

RELATO PÓSTUMO SOBRE ANTIPETISTAS FUNDAMENTALISTAS - Aldi Nestor de Souza

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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Aldi Nestor de Souza
 

Estou, nesse momento em que escrevo, dentro de uma sala hermeticamente fechada, uma sala que sequer tem portas. Só paredes, piso e teto reforçados. É uma sala sem ar, sem água, sem móveis, sem luz, sem decoração, sem nada. É uma sala distante de tudo, alheia a qualquer tipo de relação. Essa sala é o lugar onde vivem os antipetistas fundamentalistas.

Claro, esse tipo de sala é o mesmo onde vivem os fundamentalistas em geral, só escolhi os antipetistas devido ao calor da hora. É claro também que os petistas fundamentalistas vivem numa sala igual.

Pra eu entrar nessa sala, evidentemente, tive que optar por morrer primeiro, entendendo que só a morte poderia me proporcionar peripécias tais como atravessar paredes instransponíveis e achar que eu não tenho nada a ver com o que ocorre no mundo, com as mazelas da sociedade em geral.

Pois, pelo menos a meu juízo, é exatamente isso o que ocorre com os antipetistas fundamentalistas: a sensação de viverem num mundo à parte, num mundo sem relações, num mundo idealizado, num mundo hermético, num mundo só deles. E aqui estou falando de todos os antipetistas fundamentalistas. Todos: dos intelectuais aos hipopótamos.  

Uma característica bem visível de um antipetista fundamentalista é que ele não consegue falar, como um todo, dos governos petistas. E isso é compreensível, até bem natural, de quem se julga fora do processo, fora do embate, dentro de uma sala hermeticamente fechada.

Por exemplo, o combate à fome, o bolsa família, raramente entra na sessão de argumentos de um antipetista fundamentalista. E não entra por um motivo também evidente: não se pode falar contra, com desenvoltura, de um programa que tirou , segundo a ONU, pela primeira vez nos últimos 500 anos,  o país do mapa da fome. A fome é difícil de medir, ela é singular demais pra caber na pena ou na bile de um sujeito enfurecido e alheio às relações que determinam a vida em sociedade. A fome desconcerta qualquer argumento. A fome é a fome e ponto final.

Também não se fala do lado positivo da expansão de universidades e de institutos de ensino públicos nascidos ao relento e espalhados país afora. No lugar disso, como é óbvio, é muito mais confortável centrar força na precariedade da expansão.  

Aqui, na sala onde estou, fala-se aos gritos desses males. Nesse momento, por exemplo, uma pessoa não para de erguer os braços, de gesticular com ferocidade e de bradar as mais terríveis palavras de repúdio ao campus da Federal que brotou lá no meio da caatinga nordestina, lá onde só tinha pedra, xiquexique e gente, lá onde não tinha nada. Mas o brado é porque tá faltando alguns ingredientes pra um laboratório e grana pra se fazer aula de campo. Quase todo o resto tá funcionando, tem gente se formando, tem gente trabalhando, a cidadezinha de merda prosperou, o xiquexique floresceu, a pedra deu experimento. Mas nada disso vale, quando se vive numa sala hermeticamente fechada.

Mas a coisa preferida mesmo dos antipetistas fundamentalistas, pelo menos é a mais badalada aqui na sala e a grande geradora de ódio, é a execrável corrupção. A corrupção é sedutora demais, levanta até a moral dos velhinhos sem saúde. E a corrupção tem a vantagem de já vir pronta, não precisa explicação, o censo comum basta.

Mas a corrupção, inevitável no modo de produção capitalista, não faz nem cócegas nos problemas sérios do Brasil. Por exemplo, segundo a polícia federal, após mais de quatro anos de investigação, o famoso Petrolão, muso inspirador de jornalistas e articulistas de pena pesada, desviou 42 bilhões da Petrobrás. Uma fortuna, realmente. Inaceitável. Essa fortuna gerou uma infinidade de assustadoras manchetes de jornais e artigos de opinião, segundo os quais a empresa petroleira brasileira, em função disso, havia quebrado.

Perto da avalanche sobre o escândalo do Petrolão, a notícia de que cinco brasileiros, exatamente cinco, tem a mesma renda de metade da população mais pobre, virou apenas uma reles notinha de pé de pagina. Uma coisa que, de tão nanica, quase ninguém lembra mais.

Por outro lado, segundo o jornal correio brasiliense, de 19/05/2018, em uma semana de greve dos caminhoneiros, greve que ocorreu em maio, a Petrobrás teve um prejuízo de 118 bilhões de reais. Ou seja, quase três Petrolões em apenas uma semaninha e a empresa segue firme, vendendo normalmente seus pedaços de pré sal pro mercado internacional. Esse Prejuízo, no mundo das narrativas antipetistas, sequer foi comparado ao Petrolão.

Outra coisa que os antipetistas fundamentalistas não levam em conta é a simbologia, para a classe trabalhadora, do ex metalúrgico, aquele de dedo torado no torno. Aqui a coisa fica mais complicada. Falar desse ex metalúrgico é como tocar num ponto nevrálgico, de dor cortante.  Para os antipetistas fundamentalistas, o ex metalúrgico não é um ex metalúrgico, não é um ex retirante nordestino, que almoçava do marmitex da empresa e guardava a carne pra janta, não é um degustador de cachaça, não é um sujeito que engole plurais.

Não. Nenhum desses símbolos, símbolos estes que caracterizam a enorme maioria da classe trabalhadora brasileira, é levado em conta. Nenhum. Na briga de narrativas, para um antipetista fundamentalista, mesmo para aqueles que são trabalhadores, valem apenas as coisas óbvias: as “irrefutáveis”, as “apuradas” em investigações, as denunciadas pelos ex companheiros, as “julgadas” pela justiça, as que horrorizam o componente moral.

Por fim, um antipetista fundamentalista, de tão certo, parece capaz de se submeter à barbárie, de deixar fraquejar a democracia, de deixar fraquejar os direitos humanos, de não maneirar no julgamento nem na pena, mesmo diante da catástrofe, e de fazer crítica pesada, repetida e requentada, ao partido e ao ex metalúrgico, mesmo estando todos nós à beira do abismo e de uma tragédia bem maior, tragédia que poderá tirar, até dos mortos, o direito de pensar livremente e de opinar.
 

*Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática. UFMT/Cuiabá.
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