Quinta, 01 Março 2018 08:55

SOBRE OPÇÕES CULTURAIS - Roberto Boaventura

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

No último sábado, assisti à entrevista de Antônio Fagundes a Mário Sérgio Conti” (Programa “Diálogos”; GloboNews). Destaco a resposta dada sobre a atual situação de nossa cultura.

Não sem lamentar, o ator registrou a força que trabalhos de baixa qualidade cultural estão tendo em matéria de público. De fato, a miséria cultural se multiplica como erva daninha. A cada hora, a mídia encontra algum desvalido de criatividade para alavancar e faturar em cima.

Pior: para Fagundes, o apoio popular a tais “trabalhos artísticos” não passa pela questão financeira; passa por opção. “Tem gente com boa condição financeira que prefere pagar caro para assistir ao MMA a ir ao teatro”.

Em casos tais, refutar a afirmação não é simples. Todavia, o problema é mais complexo. Talvez pelo curto tempo de que dispõe o programa de Conti, o ator não pôde desenvolver melhor suas pertinentes reflexões.

A elite brasileira sempre foi na onda da moda. No séc. 19 e ao longo do 20, era o teatro. Hoje, pode ser o MMA. Todavia, a maior parte de nosso povo está alijada do contato com a arte de qualidade, que nos humaniza. Nunca se ofertou tanto lixo cultural às classes sociais pobres como hoje.

Portanto, essa exclusão da cultura de qualidade, antes de tudo, se dá, sim, por fatores econômicos. Todavia, a boa condição financeira de cada um, por si, de fato, poderia não salvar a situação de indigência cultural por que passa o Brasil.

Esse tipo de “salvação” só viria pela educação que ensinasse a valorização da arte realmente criativa e inteligente. Desde tenra idade, nossas crianças precisariam ser postas perante o que houvesse de melhor no campo dos bens simbólicos, tão necessários quanto os materiais. Pra relembrar, os Titãs já disseram que “A gente não quer só comida// A gente quer comida, diversão e arte...”.

Eis o “X” do problema.

Pergunto: como é possível a maior parte de nosso povo ter contato com a arte de qualidade se, dos professores que atuam hoje, a maioria já não tem repertório qualificado para compartilhar com seus alunos?

Como um professor mal preparado pode mostrar a seus alunos um Mozart, um Picasso, um Niemayer, um Villas Lobo...?

Até onde sei, só se compartilha com, quando se tem algo a ofertar. Com raras exceções, o que tem a ofertar culturalmente professores recém formados?

Em geral, seu repertório em nada se difere do das pessoas que jamais puseram os pés em uma escola. Por isso, “palmas”, e bem fortes, a todos que apostaram teoricamente que um professor não deveria mais ensinar, mas apenas mediar conhecimentos. Aliás, se não é preciso ensinar, para que aprender?

Resultado: vitória da estupidez de uma nação inteira. Nunca fomos tão medíocres e violentos.

A quem duvidar, visite uma escola em datas comemorativas. Quando menos esperamos, um repertório musical mais chulo possível já está sendo compartilhado com as crianças nas dependências da escola; isso quando o repertório não ofende as integridades intelectual e moral da criança, cada vez mais, vítima da ignorância de professores vazios de conteúdo e distantes da produção cultural qualificada.

A questão agora é saber como sairemos desse abismo.

Em minha opinião, o professor precisa voltar a ter resgatada a aura de ser professor. Ele precisa voltar a ser visto e reconhecido socialmente como alguém em quem se pode confiar até mesmo para uma simples indicação de uma boa leitura, uma boa música, um bom filme, uma boa peça de teatro, um bom show...

Enfim, ou resgatamos esse papel do professor ou a tragédia social será ainda mais intensa. 

 

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