Terça, 10 Dezembro 2019 10:06

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Para os mato-grossenses, 2019 é daqueles anos marcantes: Cuiabá, sua capital, completa 300 anos; sua universidade federal (a UFMT), 49.

Dito assim, tudo poderia ficar apenas no calor dos aplausos. Todavia, a UFMT tem buscado marcar este momento com homenagens valorizadoras da identidade do “povo cuiabano”. Assim, destaco um título já concedido e uma demanda ainda em curso na Instituição.

Em meados de novembro, o Conselho Superior da UFMT outorgou o título de Dra. “Honoris Causa” a Domingas Leonor da Silva. Hoje, dia 10/12, no Teatro Universitário, ocorre a cerimônia pública da homenagem.

No início dos anos 90, recém-chegado em Cuiabá, durante viagens a diversas cidades de MT para o compartilhamento de saberes acadêmicos e populares com trabalhadores da educação, conheci a Domingas, que simplesmente me ensinou a amar esta terra, esse povo, essa cultura.

Mas quem é Domingas?

Uma cuiabana de descendência indígena que, provavelmente num dia de sol, nascera em 1954, na Comunidade de São Gonçalo Beira Rio. Desde cedo, absorvera os saberes herdados de seus pais e avós.

Nas palavras do prof. Fernando Tadeu, relator do processo de outorga, “os saberes da Sra. Domingas Leonor sobre o modo de viver do ribeirinho, os segredos da arte em cerâmica, da culinária regional e a manifestação disso tudo em poesia garantem a preservação, transformando em arquivo vivo uma fonte de oralidade das mais preciosas”.

Em 1993, Domingas fundou o “Flor Ribeirinha”, o grupo de dança que já fez franceses, alemães, belgas, chineses e turcos assistirem ao siriri e ao cururu, duas das maiores expressões culturais de MT. Na Turquia, o grupo foi campeão mundial do Festival Internacional de Arte e Cultura.

Que honra ter podido participar também desse momento! A Dra. Domingas Leonor, agora mais do que nunca ao nosso lado, só nos enriquece, nos enche de orgulho.

Por outra sorte, o primeiro título de “Notório Saber” que já poderia ter sido concedido na UFMT, ainda se arrasta nos meandros da burocracia, que, aliás, pode estar escondendo ações (ou omissões) indevidas.

Explico: desde 2016, o professor Abel Santos Anjos Filho vem pleiteando o título de Dr. Notório Saber. Infeliz e imprudentemente, há quem lhe indique o percurso convencional para a obtenção do título de doutor.

Aqui, advirto para a possibilidade de preconceitos diante da solicitação desse colega. O convencional é para os convencionais, que são muitos. A notoriedade é para os notórios, que são poucos. Simples assim. As produções acadêmicas e artísticas do professor Abel se encaixam na notoriedade. Ademais, seu pleito é legal.

Abel pertence ao grupo dos primeiros colegas que tive no Instituto de Linguagens. De cara, passei admirá-lo como artista buscando valorizar a arte e a cultura populares de MT. Logo depois, a respeitar também sua trajetória acadêmica, pois foi ele o primeiro a levar os signos mais representativos de nossa cultura regional ao exterior.

E seu percurso artístico/acadêmico tem sido profícuo. Até o momento, são quatro livros publicados, além de diversas composições de obras musicais eruditas, sacras e populares. Do conjunto, destaco a “Sinfonia Pantaneira”, primeira obra, no mundo, para viola de cocho e orquestra.

Em 1995, Abel foi escolhido como um dos personagens do Programa “Gente que faz”, da Rede Globo/BamerindusAssim, produziu e compôs arranjos musicais de 26 CD’s sobre a cultura regional, com destaque às manifestações do cururu e siriri.

Na condição de palestrante, em 1996, foi recebido pelas universidades portuguesas do Porto, Aveiro e Évora. Em Paris, apresentou-se a um grupo de Etnomusicólogos da Sorbonne.

Lá mesmo, um ano depois, no “Musée de L’Homme”, mas na condição de concertista, realizou um concerto-palestra na abertura da temporada de Primavera de Paris. Ao final, em nome de todos nós, presentou o museu com um exemplar da viola de cocho; faltava esse instrumento naquele espaço. Não falta mais.

Na sequência, recebeu uma bolsa de investigação científica pela Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa, o que lhe possibilitou realizar pesquisas sobre a viola de cocho em território europeu. Isso se encontra documentado no Livro/CD “Uma Melodia Histórica”, de 2002.

Portanto, após o importante “honoris causa” a Domingas Leonor, a UFMT, infelizmente, fechará 2019 com o débito do “Notório Saber” ao professor Abel.

Espero que a dívida seja reparada em 2020, estando sua importante presença na centralidade das comemorações dos 50 anos da Instituição. Assim, gostaria de vê-lo aplaudido não somente porque poderá abrilhantar – como tem feito há décadas – mais uma cerimônia da UFMT, mas porque todos os presentes terão reconhecido seu notório e notável saber.

Em tempo: o ex-reitor Paulo Speller, na cerimônia do dia 10, recebeu o título de Emérito da UFMT.

 

Quinta, 05 Dezembro 2019 10:25

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

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2019 já está em sua reta final. Se me perguntarem sobre um dos sentimentos que mais experimentei durante este ano, respondo sem medo de errar: vergonha alheia; aliás, há alguns dias, a vergonha alheia tem sido acionada a cada momento, bem mais do que o esperado.

Mas por que esse sentimento tem sido tão recorrente?

Porque temos um governo de sociopatas. Até onde se pode perceber, poucos dos que nos governam conseguiriam fugir dessa triste, vergonhosa e miserável condição humana.

Antes de tudo, vale dizer, ainda que de forma mais genérica e chão possível, que a “sociopatia” refere-se ao “transtorno de personalidade que é caracterizado por um egocentrismo exacerbado, que leva a uma desconsideração em relação aos sentimentos e opiniões dos outros”.

No caso dos agentes governistas brasileiros, mais do que isso: como esse egocentrismo parece não ter o menor registro de limites, a desconsideração em pauta vai além dos “sentimentos e opiniões dos outros”: ela ignora o real concreto; ou seja, aquilo que está absolutamente posto em termos de construção histórica, de lógica, de sustentação científica etc.

Nesse sentido, nos últimos dias, o país assistiu a capítulos impensáveis para o século XXI.

Do conjunto de enunciados abusivos, começo pontuando o que permeou o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20/11.

Por “coincidência”, o novo presidente da Fundação Cultural Palmares, Sr. Sérgio Nascimento de Camargo, que assumira o cargo no dia 27/11, começou declarando que aquela comemoração, que busca reviver a luta da população negra, historicamente excluída de condições dignas de sobrevivência, bem como resguardar a cultura afro-brasileira, deveria ser abolida. Aquele senhor chegou ao sarcasmo de afirmar que a escravidão foi benéfica ao negro, pois lhe possibilitara a conquista das cotas nas universidades. Francamente.

Em uma de suas redes sociais, autoritário por excelência, dentre tantas aberrações que ali podem ser vistas, disse que “negro de esquerda é burro, é escravo”; que, em seu Face, “todo esquerdista será bloqueado; todo comentário de esquerdista será excluído. Não perca sem tempo aqui. Não sirvo capim!”.

Que ser ofensivo! Que inteligência duvidosa!

Durante minha carreira no meio acadêmico, mesmo pertencendo ao campo progressista, sempre convivi com incontáveis colegas inseridos nos quadros da direita brasileira; obviamente, via de regras, tive posturas políticas adversas a desses colegas. Contudo, o respeito mútuo sempre foi a tônica. Aliás, reconheci em diversos instantes a inteligência de muitos componentes dos quadros da direita.

Infelizmente, esse reconhecimento pelo senhor em pauta é simplesmente impossível. Nesse sentido, talvez o fato de ele não se prontificar servir capim a quem que seja se dê pela necessidade de se autoalimentar com as ervas de que dispõe. Em seu caso, qualquer distribuição de capim a outrem poderia lhe fazer falta para sua sobrevivência. Simples assim.

Além dessa figura, outras bizarrices surgiram. Destaco o novo presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), maestro Dante Mantovani, discípulo do ultraconservador Olavo de Carvalho. Além de Mantovani desconsiderar todo acúmulo científico sobre a circunferência da Terra, postura bem comum a muitos do atual governo, ele ainda consegue ligar o rock a drogas, sexo, aborto e satanismo. Para essa sua última ligação, Mantovani afirma que o próprio John Lennon disse que fizera “um pacto com o diabo”.

Pergunto: temos ou não muitos motivos para vergonha alheia sem-fim?

Quinta, 28 Novembro 2019 13:16

 

 

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JUACY DA SILVA*
 

Quem mora em grandes ou  médias cidades, em regiões que possam ser atingidas por terremotos, maremotos, furacões, tornados, encostas de morros ou áreas alagadiças  como no Brasil e em vários países, onde desastres naturais ou ataques/bombardeios aéreos, como em regiões afetadas por guerras civis,  está mais do que acostumado com as sirenes de ambulância, corpo de bombeiros ou da defesa civil a qualquer hora do dia ou da noite. Isto é o que representa emergência.


A razão desses alertas é para reduzir as perdas humanas durante esses desastres e catástrofes. Mas nem sempre tais alertas tem conseguido atingir seus objetivos e cada vez mais milhares e milhares de pessoas acabam perdendo a vida ou bens materiais incalculáveis. Emergência então serve como um alerta permanente para evitar as consequências das catástrofes.


O mundo todo e não apenas alguns países estão em estado de EMERGÊNCIA CLIMÁTICA. Há mais de meio século praticamente todos os anos, milhares de cientistas vem alertando governantes, empresários e a população em geral quanto aos riscos crescentes resultantes das mudanças climáticas, decorrentes do aquecimento global, provocado por emissões crescentes de gases do tipo efeito estufa, fruto da ação humana, em certo sentido, irresponsável.


As mudanças climáticas provocam, além do aumento da temperatura média do planeta, também o aquecimento das águas e elevação do nível dos oceanos,  podendo desalojar mais de duzentos milhões de pessoas que moram em regiões próximas dos mesmos; aumentar a poluição do ar, afetando também dezenas de milhões de pessoas.


Segundo os dados dos últimos relatórios da ONU e da OMS sobre as mudanças climáticas e saúde, atualmente mais de sete milhões de pessoas morrem todos os anos em decorrência da poluição do ar. Esta já é a terceira maior causa de mortalidade no mundo.


No último relatório do Painel intergovernamental das mudanças climáticas da ONU, desta última semana de novembro de 2019, a grande maioria dos países, principalmente os integrantes do G20, responsáveis por praticamente 80% das emissões  de gases de efeito estufa não cumpriram com as metas estabelecidas no Acordo de Paris em 2015, metas essas aceitas pelos referidos países.


Além de não terem conseguido reduzir a quantidade de emissão desses gases, na contramão dos termos do referido acordo, tais emissões aumentaram em media entre 8% e 10%, colocando em risco não apenas o cumprimento das metas estabelecidas mas também a sobrevivência da espécie humana no planeta terra e  a destruição da biodiversidade.


Por outro lado, as mudanças climáticas vão impossibilitar o cumprimento dos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável, estabelecidos pela ONU e homologados por todos os países, inclusive o Brasil, tendo como horizonte temporal o ano de 2030, mesmo ano também estabelecido pelo Acordo de Paris para que o aumento da temperatura do planeta não ultrapasse 1,5 graus centígrados e a emissão de gases do tipo efeito estufa retorne aos patamares de 1990.


O Brasil, por exemplo, pouco ou quase nada tem feito, principalmente pelo governo Temer e atualmente pelo Governo Bolsonaro, para cumprir as metas estabelecidas, tendo, pelo contrário aumentado em 8% as emissões de gases efeito estufa, cujas origens são o Sistema de transporte, o parque industrial obsolete e em desacordo com as normais ambientais, o desmatamento e as queimadas em todos os biomas, principalmente na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal,  a precariedade do saneamento básico, principalmente a questão da produção e tratamento de lixo/resíduos sólidos e a falta de  coleta e tratamento de esgotos, entre outros desafios.


Esses são apenas alguns dos principais desafios que a COP 25, reunião do Clima que será realizado , sob os auspícios da ONU em Madrid, a partir da próxima semana, entre os  dias 02 e 13 de Dezembro de 2019, quando mais de 25 mil pessoas, entre representantes de governos, entidades não governamentais, empresariais, cientistas, estudiosos e ativistas contrários às mudanças climáticas e ao aquecimento global estarão debatendo o estado atual das questões ambientais e o futuro do planeta.


O Relatório do Painel intergovernamental das mudanças climáticas e os resultados de outros relatórios climáticos e do meio ambiente tanto da ONU quanto de outras organizações que tem sido divulgados são mais do que um alerta geral, chegando mesmo ao nível de indicar que estamos diante de um desastre ambiental sem precedente e cuja gravidade parece que tem sido simplesmente ignorada por governantes e empresários ao redor do mundo, muito mais preocupados com o poder, com as próximas eleições ou outras mediocridades que embasem suas ações. No caso do setor empresarial, ignoram todos os alertas quanto `a emergência climática e ambiental e se debruçam única e exclusivamente na exploração predatória dos recursos naturais, na busca do lucro imediato e na acumulação de renda, riqueza e propriedades, deixando para  o presente e para as próximas gerações um passivo ambiental impagável tanto em termos econômicos/financeiros quanto social e ambiental.


Ao assim agirem tanto governantes quanto empresários e, em certo sentido boa parte da população, agem como criminosos a quem pouco importa a sorte do planeta, das camadas mais empobrecidas, continuam insensíveis como tem acontecido com grileiros, madeireiros, latifundiários e falsos empresários que destroem as florestas ou empresas mineradoras a quem pouco importa a sorte de pessoas que perdem suas vidas e propriedades quando crimes ambientais são cometidos.


O alerta contido no  último e mais recente relatório do painel do clima diz textualmente “ nossos oceanos, nossas terras, o ar que respiramos, enfim, a humanidade inteira estão na iminência de um risco gravíssimo, ou seja, uma EMERGÊNCIA CLIMÁTICA jamais vista, se os níveis da emissão de gases tipo efeito estufa não forem reduzidos drasticamente em curto tempo, até 2030”.


As discussões na COP 25, na próxima semana em Madrid, deverão girar em torno de alguns objetivos que também são os desafios mais prementes relacionados com as mudanças climáticas, cabendo destaque para: 1) Que os países, principalmente os integrantes do G20, que são responsáveis por, praticamente, 80% das emissões de gases de efeito estufa, principalmente a China, os EUA, a Índia, a Rússia, o Brasil, o Japão e alguns países da União Europeia; cumpram com os termos do ACORDO DE PARIS, de 2015 e as resoluções da COP 24, de 2018 na Polônia, para que o aumento da temperatura do planeta não exceda 1,5 graus centigrados até 2050.


Tanto no acordo de Paris quanto na COP 24, vários compromissos foram firmados por todos os países no sentido de que até 2020 e depois até 2030, todos os países reduzissem/ reduzam as emissões de gases de efeito estufa. No entanto, tais compromissos foram e continuam simplesmente ignorados e o volume das emissões aumentaram e continuam aumentando significativamente.


2) Que todos os países signatários do ACORDO DE PARIS e das resoluções da COP 24 cumpram integral, fielmente e imediatamente com seus compromissos, para que as metas relativas `as emissões de gases efeito estufa sejam cumpridas de fato.


3) Que o Mercado de carbono como aprovado na COP 24 seja uma das prioridades nas discussões da COP 25 e que os mecanismos de redução das emissões sejam efetivamente colocados em vigor.


4) Que a questão do acesso aos mecanismos de mitigação das perdas e danos estabelecido no Acordo de Warsóvia em 2013, associados aos impactos que as mudanças climáticas tem provocado nos países subdesenvolvidos e emergentes seja debatida e aprofundada, estabelecendo as bases de ação em relação a tais perdas e danos ambientais, econômicos e sociais.


5) A imperiosa necessidade do avanço das discussões e negociações quanto aos fundos e recursos financeiros que os países desenvolvidos se comprometeram a repassar aos países subdesenvolvidos e emergentes, para implementarem ações de combate `as mudanças climáticas, o chamada Fundo Verde do Clima.


Ainda no contexto das discussões a serem travadas na COP 25, temas como produção e consumo sustentáveis; a economia circular, reciclagem, logística reversa, redução do desperdício, redução da produção, tratamento e destino do lixo , agroecologia, a agricultura urbana e periurbana, o reflorestamento, cidades sustentáveis, substituição das matrizes energética e elétrica que atualmente usam combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) por energias limpas e alternativas como energia solar, eólica, biomassa; eficiência energética; ampliação e modernização do Sistema de transporte público de massa,  de qualidade em substituição ao uso de transporte individual por carros e outros veículos movidos a combustíveis fósseis (gasolina e óleo diesel).


Outro aspecto que começa a ganhar corpo nessas discussões é a questão de um imposto sobre danos ambientais e poluição a ser cobrado de todos os setores e agentes poluidores e que degradam o meio ambiente, incluindo frota de veículos,  fábricas, mineradoras, ou seja, a ideia é que quem polui e degrada o meio ambiente deve pagar pela poluição e degradação provocada e não deixar a conta para o público em geral ou as futuras gerações.

A lógica atual da privatização lucro e a socialização das perdas, em todos os setores, mas principalmente em relação ao meio ambiente é danosa à sociedade em geral e aos cidadãos em particular e incentiva práticas degradadoras.


Esta lógica perversa precisa acabar e em seu lugar estabelecer ônus a quem não respeita o meio ambiente e pensa apenas no lucro imediato.

Enfim, mais uma vez, como em anos anteriores, o mundo estará sendo confrontado com desafios que não podem ser postergados e muito menos ignorados como tem acontecido até o momento. Este é o sentido do ativismo ambiental que temos visto crescer de forma significativa mundo afora e que precisa ser também estimulado no Brasil, antes que seja tarde demais!


Para que esta EMERGÊNCIA CLIMÁTICA seja enfrentada o ativismo ambiental, a luta em defesa do planeta, o compromisso de que as futuras gerações possam exercer o direito a um meio ambiente saudável, menos poluído é mais do que imperativo, é uma luta em defesa da vida, um direito humano fundamental de todos os seres humanos.


Existe um proverbio que afirma “quem não luta em defesa da vida não é digno/digna de vive-la”, ou seja, não podemos ser meros expectadores passivos do que acontece no mundo, a começar pelo que acontece a nossa volta, em nossa vizinhança, nossa comunidade, nossa cidade, nosso Estado, nosso país. Devemos “pensar globalmente e agirmos localmente”.


Precisamos lutar para que a questão das mudanças climáticas, enfim, o meio ambiente ou o que o Papa Francisco tanto enfatiza como a Ecologia Integral, faça parte das  discussões públicas, da agenda pública nacional, estadual e municipal, principalmente, no caso do Brasil, que em 2020 estarão sendo realizadas eleições municipais, base de todas as nossas ações.


Não  podemos continuar assistindo passivamente a tanta mediocridade, ou planos de governo que pouco ou nada apresentem em termos de propostas relativas ao meio ambiente.


Precisamos urgentemente de uma politica de meio ambiente e de um Plano Nacional, Planos Estaduais e Planos  Municipais de meio ambiente, com o estabelecimento de objetivos, metas, indicadores, recursos a serem investidos nesta área, mecanismos de articulação das ações governamentais em todos os níveis de poder e mecanismos de controle e avaliação dos resultados. Sem isso estaremos perdendo o bonde da história e colhendo apenas os resultados negativos que esta omissão produz.


Discursos vazios, demagogia ou obscurantismo ambiental não podem continuar como práticas de governantes e empresários que simplesmente ignoram a degradação ambiental, crimes ambientais e o future do planeta.


Só assim estaremos combatendo as mudanças climáticas e salvando nosso planeta de uma destruição sem volta.


*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy

 

Quarta, 27 Novembro 2019 15:57

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

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Quem nunca “deu uma de médico”, receitando “remediozinho” a alguém, ou nunca armou alguma loucura, geralmente bem pensada, que atire uma pedra. Por isso, poucas expressões da língua portuguesa abarcam mais o povo brasileiro do que a conhecida “De médico e louco, todo mundo tem um pouco”.

Mas o que pode acontecer quando extrapolamos os limites daquele “...um pouco” dessa expressão idiomática?

Muitas e impensáveis coisas; e é disso que trato aqui. Para tanto, lançarei mão da entrevista do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao Jornal da Cidade, concedida no dia 22/11/19.

Desde que assumiu o MEC, buscando combater “as ideologias” advindas do “marxismo cultural”, Weintraub tem dito inúmeras inverdades. Todavia, na entrevista em questão, ele passou dos limites; fez afirmações inimagináveis, tentando macular as universidades federais.

Após acusações tão graves, ações judiciais serão movidas pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior e pelo Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior. As duas entidades terão como sustentação de suas ações justamente a entrevista em pauta.

Mas o que Weintraub disse que provocou tanta indignação, se dizer tolices já é marca registrada de sua atuação no MEC?

Começou afirmando que a autonomia das universidades (garantida pelo Art. 207/ CF) transfigurou-se em soberania; por isso, pasmem, para ele, “em algumas federais”, podem ser encontradas “...plantações extensivas de maconha, a ponto de (se) ter borrifador de agrotóxico...”.

Diante de afirmação tão grave quanto leviana, o ministro passa a ser, legalmente, obrigado a apontar onde há essas plantações; ou o ministro indica os locais e apresenta provas ou incorre em crime, pois a um servidor público não é permitido omitir informações, quando as detém. E não vale “plantar” provas contra a vítima. Isso é bem comum no Brasil.

Mas Weintraub disse mais: “Você pega laboratórios de Química – uma Faculdade de Química não era um centro de doutrinação – desenvolvendo drogas sintéticas, metanfetamina, e a polícia não pode entrar nos ‘campi’. O desafio é esse. Foi criada uma estrutura muito bem pensada durante muito tempo”.

Que afirmação gravíssima! Que erro grotesco dizer que a polícia não pode entrar nos campi! A Polícia Federal pode. As outras, constitucionalmente, não.

Agora, o ministro também terá de dizer quais laboratórios estão “desenvolvendo drogas sintéticas”.

Diante dessas duas afirmações, Weintraub sugere – de forma genérica – saber de ilícitos, além de, subjetivamente, comparar as universidades a espaços sociais de alta criminalidade.

Quanto ódio! Quanto despreparo para um cargo! Quanta humilhação para um país!

Até quando?

O MEC nunca desceu tanto de nível. Nessa descida, o ministro ainda afirma que as federais “são madraças de doutrinação”.

Com essa expressão, a um só tempo, Weintraub ofende a comunidade acadêmica e a fé muçulmana, pois “madraças” são escolas muçulmanas ou casas de estudos islâmicos.

Todavia, mesmo sem nível algum, o ministro segue fazendo campanha para difamar um dos mais importantes patrimônios (materiais e imateriais) de nosso país, que é o conjunto de nossas federais.

Com essa postura, Weintraub encerrou a entrevista, dizendo que, nas federais, quanto mais se adentra mais se “conhece”; que, depois de “cada enxadada é uma minhoca”.

Perplexo, afirmo: a permanecer esse ministro no MEC, com tantas minhocas na cabeça, a educação brasileira ruma ao fundo do poço; e muito velozmente... 

Terça, 26 Novembro 2019 13:18

 

 

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JUACY DA SILVA*

Costuma-se dizer que para resolver qualquer problema, primeiro a gente tem que aceitar/constatar que o problema existe, depois analisar detalhadamente suas origens, consequências, gravidade e, só então, estaremos em condições de planejar as ações para o seu enfrentamento, sob pena de, se assim não agirmos, estarmos imitando o avestruz e  a ema, que, ao perceberem um perigo `a vista, procuram o primeiro buraco e enfia a cabeça dentro, na ilusão de que, ao ignorar o problema estarão a salvo do mesmo e de suas consequências.

Desde o final dos anos cinquenta, tanto nos EUA quanto na Europa e em outros países, estudiosos, pesquisadores e cientistas vem alertando governos nacionais, setor empresarial, lideranças em geral e a população como um todo que o modelo de desenvolvimento e de crescimento econômico em curso desde o inicio da revolução industrial há praticamente dois séculos, não tem levado em consideração a capacidade de suporte do planeta terra e que na esteira deste modelo, que produz lucro e acumulação de  capital, renda, riquezas em poucas mãos, em detrimento da grande maioria da população que continua `a margem deste processo, vivendo na pobreza, na miséria e em precárias condições de vida, está também deixando um grande passivo ambiental.

O problema ambiental a nível mundial e, em maior ou menor grau em cada país, é agravado de forma direta ou indireta por alguns outros fatores como aumento global da população mundial, aumento da urbanização, aumento do consumo e do consumismo e do desperdício.

Este passivo ambiental é representado pelo uso e abuso de combustíveis fósseis, destruição das florestas, principalmente das florestas tropicais, em que a Amazônia pode ser considerada a “bola da vez”, após o desmatamento desenfreado na Ásia, África, Europa, Américas do Sul, do Norte e Central e tudo leva a crer que, a continuar neste ritmo dentro de poucas décadas não apenas a Amazônia brasileira, mas toda a Pan-Amazônia poderá se transformar em uma grande estepe ou mesmo um deserto, com a degradação dos solos, a desertificação, contaminação e assoreamento dos cursos d’água e até mesmo a morte de rios e córregos, inviabilizando a “galinha dos ovos de ouro” que é o agronegócio nesta vasta região e outras do Brasil e de outros países.

Ao par do uso indevido dos solos e também a construção de grandes barragens e atividades mineradoras, incluindo garimpos ilegais, não apenas na Amazônia, mas praticamente em todas as regiões do Brasil e de diversos países sul americanos, africanos, Austrália e Europa, estamos assistindo uma teimosia em manter a mesma matriz energética suja e altamente poluidora, que de forma direta contribui para as mudanças climáticas.

Em recente relatório para ajudar nas discussões da reunião do clima, a COP 25, que inicialmente deveria ser realizada no Brasil, mas que ante a decisão do governo Bolsonaro em desistir de tal evento, o mesmo foi transferido para o Chile e, diante do clima de violência social e politica naquele país, foi transferida para Madrid, o referido relatório destaca que a maioria dos países, principalmente os integrantes do G20, estão aquém das metas estabelecidas e aceitas como compromisso de todos os países signatários do ACORDO DE PARIS, em que todos os países se comprometeram a implementar ações para que o nível de aquecimento global, que é o principal fator das mudanças climáticas, não ultrapasse 1,5 graus do considerado aceitável, em relação ao que foi constatado no inicio da revolução industrial, sob pena de que essas mudanças climáticas contribuam para o aumento dos desastres naturais, como tempestades, maremotos, furacões, estiagens prolongadas, aumento do nível do mar e da temperatura dos oceanos.
 
Aqui cabe o destaque que a COP 25, será realizada nas duas primeiras  semanas de dezembro próximo em Madrid, quando são esperadas discussões muito acirradas em torno dos compromissos assumidos pelos países , cujas metas não estão sendo cumpridas.

No referido relatório é dito com todas as letras que a grande maioria dos países do G20, que são responsáveis por mais de 80% de toda a poluição/degradação do planeta, incluindo o Brasil, não apenas deixaram de cumprir com as metas estabelecidas mas também aumentaram os níveis de emissão de gases de efeito estufa, principalmente gás carbônico, metano e outros mais que afetam não apenas a atmosfera mas trazem consequências muito sérias para a saúde da população, com aumento da mortalidade.

Só a poluição do ar, afora outras formas de poluição e degradação, ambiental é responsável pela morte de mais de CINCO MILHÕES de pessoas a cada ano, podendo ser considerado a terceira causa de morte no mundo, atrás apenas das doenças cardiovasculares e dos diversos tipos de câncer. Estudos da Organização Mundial de Saúde recentes tem demonstrado uma correlação positiva, ou seja, contribuem para o aumento de diversas doenças, principalmente doenças pulmonares em crianças e idosos. Isto pode ser observado com o aumento de procura de atendimento medico/ambulatorial/hospitalar durante o período das internas queimadas que ocorreram na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e nos demais estados e também áreas urbanas no Brasil. No caso de idosos, constata-se também que as mudanças climáticas tem contribuído para o aumento da incidência dos vários tipos de demência e outras consequências mais.

Recentemente veio a público uma matéria em que as 20 maiores empresas ligadas ao ramo do petróleo, incluindo a Petrobrás que é a vigésima neste ranking mundial, contribuem sobremaneira para a emissão de gases tóxicos, não apenas nas operações de extração e refino, mas também no uso de combustíveis fósseis nas indústrias e nos sistemas de transporte e na geração de eletricidade.

Na mesma matéria foi dito que as três maiores empresas petrolíferas que mais poluem, em 2017 gastaram mais de US$200 milhões de dólares para tentar massificar junto à opinião a ideia de que contribuem para o desenvolvimento, nada falando sobre as consequências negativas do uso de combustíveis fósseis, pelo contrário boicotando, através de “lobby’ junto a setores governamentais o desenvolvimento de fontes alternativas como a energia solar e eólica.

Aqui mesmo no Brasil, vemos uma grande euforia quanto à exploração do petróleo do pré-sal e, ao mesmo tempo, um esforço do organismo regulador do setor energético em solapar a expansão do setor da energia solar, retirando o subsídio deste setor e mantendo subsídios, pouco transparentes, para tantos outros setores, inclusive de geração e distribuição de energia elétrica, na contramão do despertar mundial para a substituição de fontes de combustíveis fósseis por combustíveis limpos e renováveis nas matrizes energética e elétrica de nosso país.

Existe um acordo tácito entre os países, mas boa parte deste acordo não passa de letra morta, principalmente entre os países que estão no topo da lista dos grandes poluidores mundiais, a começar pela China, Estados Unidos, Índia, Brasil, Rússia, Japão, Coréia do Sul e mesmo a União Europeia como um todo, apesar dos esforços de alguns países como Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Espanha e uns poucos mais. Este acordo é no sentido de reduzir e dentro de algumas décadas acabar com o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), substituindo esta fonte poluidora por fontes alternativas e limpas, como energia solar, eólica, biomassa, nuclear, hidrogênio, ao lado de transformações tecnológicas que facilitem maior eficiência energética, com ganhos de produtividade econômica e a a redução do consumo per capita de energia.

Isto significa também, por outro lado, a busca de um novo modelo de economia como o que o Papa Francisco e diversos economistas e pesquisadores mundiais tem denominado de UMA NOVA ECONOMIA e também em certo sentido, a chamada economia circular. Enquanto a primeira induz a discussão quanto à repartição dos frutos do desenvolvimento e do crescimento econômico, a segunda chama a atenção para a necessidade de ampliar o uso útil dos fatores de produção e também dos produtos em si, reduzindo, drasticamente, o desperdício global.

Outro aspecto que vem chamando a atenção nesta equação climática é a questão do desperdício, em todas as esferas da atividades humana. O desperdício, que em alguns setores chega em torno de 30% de tudo o que é produzido, como no caso dos alimentos ou também no uso da água, tanto para consumo doméstico quanto comercial, industrial, na agropecuária e outros setores mais, representa uma pressão crescente sobre o meio ambiente, comprometendo as futuras gerações.

Uma questão que também tem chamado a atenção mundial é o uso de plásticos, criando o que podemos denominar de sociedade do descartável, contribuindo para o aumento deste tipo de lixo tão pernicioso para o planeta, para a poluição dos oceanos, rios, lagos, lagoas, córregos, aumentando a quantidade de lixo produzido pelos diversos países.

Além da produção de lixo em proporções alarmantes, bilhões e bilhões de toneladas a cada ano, a falta de consciência quanto ao consumismo, o desperdício e o geração de lixo, o que agrava ainda mais a situação é que a grande maioria dos países praticamente não recicla este lixo, contribuindo para mais uma forma de desperdício. Bilhões de dólares estão sendo “queimados”, enterrados ou simplesmente permanecem a céu aberto, prejudicando a qualidade do ar, os cursos d’água, afetando de forma direta a qualidade de vida e os níveis da saúde da população.

No mundo, por ano, são produzidas mais de 2 bilhões de toneladas de resíduos/lixo e deste total nos países subdesenvolvidos e emergentes, onde o Brasil está incluído, apenas 2% são reciclados, este percentual chega a uma média de 15% nos países desenvolvidos, com destaque para a Alemanha onde 48% do lixo gerado é reciclado.

Analisando e observando a realidade ambiental que nos cerca, desde cada comunidade/bairro, município/condado, estados/províncias, países e regiões, percebemos que poucos países, e o Brasil não esta incluindo nesta lista, possuem planos detalhados, com objetivos, metas, prazos, recursos e ações articuladas para enfrentar os desafios ambientais. A questão ambiental, por mais que diversos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, direta ou indiretamente, nos remeta a esta questão, não fazem parte das politicas, estratégias e planos dos diversos níveis de governo e nem fazem parte das prioridades de governantes, nem de empresários e lideranças politicas e da sociedade em geral, isto, com raríssimas exceções.

No Brasil, por exemplo, mesmo ante o aumento do desmatamento e das queimadas, não apenas na Amazônia, mas também no Cerrado, no Pantanal e em todos os demais biomas, basta ouvirmos, lermos ou assistirmos as declarações de nossos governantes federais, estaduais e municipais , nas três esferas de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário ou mesmo de organismos de controle como Ministérios Públicos Federal e Estaduais, pouca coisa vamos encontrar em termos de ação efetiva. Por exemplo, os níveis de emissão de gases tóxicos na atmosfera no caso do Brasil nos últimos 3 anos teve um aumento de 8%, conforme o relatório recente da organização Transparência Climática.

Muitos de nossos governantes e lideranças empresariais e politicas resistem `a ideia e ao fato de que estamos diante de uma EMERGÊNCIA CLIMÁTICA, que as mudanças climáticas não são meras invenções ideológicas de alguns setores e países, que querem atrapalhar o desenvolvimento de outros e, como consequência não as consideram como prioridades quando das decisões politicas ou empresariais e destinação dos recursos orçamentários correspondentes.

Por exemplo, no atual governo federal e diversos governos estaduais e municipais, a questão ambiental passa ao largo das suas preocupações, variando entre a omissão, conivência até a distorção dos fatos, como vemos com frequência nas narrativas e pronunciamentos oficiais.

Os organismos ambientais no Brasil tanto em relação ao Governo Federal quanto estaduais e municipais encontram-se totalmente sucateados, com quadros técnicos muito aquém desses desafios e das ações que dos mesmos são esperadas, seja no que tange `a prevenção, educação ambiental ou fiscalização e controle.

Basta vermos a quantas andam os investimentos em saneamento básico no Brasil, uma vergonha nacional, pois em torno de 100 milhões de habitantes não tem sequer coleta de esgotos, obrigando que toda forma de dejetos sejam lançados nas ruas, valas, valões, córregos e outros cursos d’água, como acontece em Cuiabá e Várzea Grande, o maior aglomerado urbano de Mato Grosso, com mais de um milhão de habitantes, cujos córregos de há muito foram transformados em esgotos a céu aberto, contribuindo para a progressiva morte do Rio Cuiabá e do Pantanal, como aconteceu com os Rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros em São Paulo, a Baixada Santista, a Baia da Guanabara e outras localidades mais.

Apesar de constar no Orçamento Geral da União em 2017 o compromisso de investimento na ordem de R$20 bilhões de reais em saneamento básico, apenas R$9 bilhões foram gastos. Tomando-se a média dos investimentos neste setor nos últimos dez anos, pode-se concluir que serão necessários mais de 80 anos para que ocorra a universalização de esgotos tratados no Brasil. Diante do corte dos gastos públicos em geral, sob a ótica exclusiva do equilíbrio das contas públicas, com certeza, isto só vai ser realizado dentro de mais de cem anos.

Na Região Norte apenas 10,24% da população tem acesso a esgotamento sanitário, no Nordeste chega a 26,87%, no Sul 43,93%; no Centro Oeste 53,88% e no Sudeste a 78,56%. Há mais de três décadas um estudo sobre a realidade do saneamento básico no Brasil demonstrava que para universalizar este serviço essencial para a saúde publica e para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira, principalmente das camadas excluídas, que representam mais de 80% da população que não tem saneamento básico, seriam necessários mais de R$580 bilhões de reais em um prazo de dez anos, ou seja, quase R$60 bilhões de reais por ano, incluindo dotações orçamentárias dos governos federal, estaduais e municipais.
 
Conforme pesquisa realizada pelo Instituto Trata Brasil e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), num ranking de 200 países, realizado em 2011, o Brasil se encontra na 112ª posição, atrás de nações do norte da África, do Oriente Médio e de alguns países da América do Sul. Passados quase dez anos deste relatório, esta situação praticamente é a mesma, o que não deixa de ser uma VERGONHA NACIONAL.

Em 2017, de acordo com dados do Instituto Trata Brasil, o volume de esgoto não tratado lançado na natureza, vale dizer, ruas, avenidas, córregos, valas, valões, rios, manguezais, pantanal, lagos, lagoas e no oceano foi de 14,06 bilhões de litros de dejetos, pela falta de coleta e tratamento de esgotos.

Tendo em vista que nossos governantes, nossos empresários, nossos políticos, enfim, os marajás da República e donos do poder não vivem em favelas, áreas de invasão ou de loteamentos clandestinos, enfim, nas regiões periféricas das cidades, a eles pouco importa se milhões de famílias, inclusive crianças, convivem com o lixo , o esgoto e todos os tipos de dejetos e animais peçonhentos.

Existe uma máxima que diz “politico não investe em esgoto porque tal obra fica debaixo da terra e ninguém vê”, pois na verdade políticos gostam mesmo é de colocar placas anunciando obras, muitas das quais faraônicas, dezenas de milhares super faturadas e inacabadas, paralisadas como as do VLT ou do Hospital Universitário, em Cuiabá e em muitas outras cidades e estados. Afora a corrupção em torno das quais muito dinheiro público, bilhões de reais que poderiam resolver ou minimizar a degradação ambiental foram surrupiados dos cofres públicos ou utilizados de forma pouco eficiência, eficaz e transparente.

Por exemplo, apenas nas obras inacabadas do VLT entre Cuiabá e Várzea Grande, no elefante branco denominado Arena Pantanal e que antes era um estádio de futebol que se chamava José Fragelli, foram gastos mais de R$1,5 bilhões de reais, importância esta que se não universalizasse a coleta e tratamento de esgotos em Cuiabá e Várzea Grande, representaria um avanço considerável neste setor.

Assim, sem sombra de dúvida, faltam tanto à nossa população, mas principalmente aos nossos governantes, nossos empresários e demais lideranças politicas e sociais (do terceiro setor) o despertar da consciência quanto `a gravidade da degradação ambiental, principalmente das mudanças climáticas, não apenas o despertar da consciência, mas acima de tudo a falta de responsabilidade para darmos um salto qualitativo, que represente uma mudança radical de paradigma na forma como a questão ambiental deva ser tratada, antes que o desastre seja maior , com graves consequências para o país, não apenas afetando seriamente as atuais gerações, mas principalmente as gerações futuras que irão pagar a conta por esta omissão, irresponsabilidade e obscurantismo quando questões graves são negligenciadas.

Dentro de um ano serão realizadas eleições municipais, quando mais de 5 mil prefeitos  e mais de 65 mil vereadores serão escolhidos, dentre mais de três ou quatro centenas de milhares de candidatos, para darem um novo rumo na definição e implementação de politicas públicas.  Creio que estamos exatamente no momento em que essas questões devam fazer parte não apenas dos famosos “planos de governo”, mas também da agenda das discussões públicas, a partir de agora.

A questão ambiental, em todas as suas variantes, como saneamento básico, desmatamento, queimadas, poluição do ar, poluição urbana e rural,  degradação dos solos, reflorestamento/florestas plantadas, desperdício, segurança alimentar, geração , cuidados e destinação de todos os tipos de lixos, reciclagem, economia circular, agroecologia, agricultura urbana e periurbana, uso de energias alternativas, com destaque para o aumento de geração e uso de energia solar, eólica e biomassa.

Enfim, é fundamental que a questão ambiental seja, de fato, uma prioridade nessas eleições municipais. Se isto não acontecer, se questões de fundo, importantes forem substituídas por acirramento ideológico, intolerância e outras narrativas que atendem aos que pretendem apenas disseminar ódio, intolerância, fanatismo e violência, estaremos perdendo  novamente o “bonde da história” e isto vai se refletir nas eleições gerais de 2020, quando o desastre e retrocesso politico, social e ambiental poderão ser maiores e estaremos cada vez mais longe da sustentabilidade, tão preconizada na Agenda 2030.

Apenas para reforçar o argumento e a importância para que a questão ambiental seja encarada de frente pelos atuais e futuros governantes municipais, estaduais e federais, dados do IBGE, do Instituto Trata Brasil e da Associação das Empresas que atuam no setor demonstram que esta realidade é vergonhosa.

Vejamos o que consta do documento que embasou a definição do marco regulatório desta área: “A tramitação do texto levantou uma discussão sobre as deficiências do Brasil na área: o país tem 57 milhões de residências sem acesso à rede de esgoto, 24 milhões sem água encanada e 15 milhões sem coleta de lixo, de acordo com os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2018, do IBGE. Estudos mostram que essa insuficiência de saneamento pode ter impactos na saúde, na educação e no mercado de trabalho”. Com certeza nesses números não estão incluídos os donos do poder, esta é a realidade de milhões de pobres e excluídos do Brasil.

Não podemos deixar que a incompetência, o descaso, a insensibilidade, a falta de consciência e de responsabilidade de nossos governantes e empresários sejam os pilares da gestão pública e da economia, principalmente quando se tratar da degradação ambiental, das mudanças climáticas e dos desafios que daí surgem.

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação.Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy Blog www.professorjuacy.blogspot.com

 

Sexta, 22 Novembro 2019 12:42

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por Roberto de Barros Freire*
 

Confesso que sinto vergonha das nossas autoridades políticas, jurídicas e governamentais. Todos bem pouco republicanos; se são, não parecem honestos. Dá vergonha assistir aos votos duvidosos dos ministros do STF, seja monocromático, seja colegiado: é difícil saber o que é pior. Dá ânsia ver determinados procedimentos presidenciais rústicos e mal-educados. É triste ver o congresso deliberando, principalmente a seu favor ou a favor dos políticos. É vergonhoso ver os presidentes desses poderes viajando pelo mundo às nossas custas e no interesse pessoal deles próprios, não da república ou da população.


Juízes que deveriam ser discretos, são tagarelas, e não resistem a uma câmera de televisão. Os políticos, mais preocupados com seus interesses próprios do que com os interesses nacionais, que por sinal poucos deles conhecem, usam das verbas públicas para interesses privados, e faz da política um empreendimento econômico. Obrigam a sociedade civil financiar suas atividades privadas partidárias. Como igreja e time de futebol, devem buscar seus financiadores entre seus adeptos e seguidores. Assim como não pode o Estado financiar clubes esportivos ou igrejas, também não pode, nem deve, financiar a política, que deve se autofinanciar, como igrejas e clubes esportivos. Como eles, são associações livres e voluntárias de cidadãos que comungam do mesmo interesse comum, mas não podem obrigar o resto da sociedade a financiar as atividades políticas partidárias.


É vergonhoso termos vários ex-governadores presos, um ex-presidente ex-presidiário, vários políticos presos ou processados. É vergonhoso ter tantos maus exemplos nas nossas autoridades, e poucos bons exemplos a serem imitados. Aliás, bons exemplos são raros no Brasil, e mesmo esses ocorrem ou nas artes ou no esporte. Na política e na cidadania são desconhecidos. Se buscarmos heróis, veremos que nossa galeria além de pequena, é também duvidosa. Não ponho a mão no fogo por nenhum.


Há heróis anônimos, aqueles que sobrevivem apesar dos pesares nacionais, apesar dos políticos e dos governantes, buscando sua felicidade. Aquele honesto que sem ressentimento vai levando sua vida própria, sem esperar nada de bom, belo ou justo das autoridades. Há a grande maioria de nós que sobrevive graças aos seus elos pessoais, que garante a sobrevivência com o mínimo de ajuda mútua. Mas, esses nem são vistos ou notados, nem serão glorificados como grandes no mundo efêmero e ruidoso da internet.


O fato é que temos que contar com a sorte, pois não há competência, civilidade, republicanismo ou honestidade nas autoridades. Nossas instituições são de pouco serventia pois que falta bons cidadãos para ocupar os grandes cargos, distribuídos por critérios politiqueiros, miúdos e mesquinhos, onde a grande maioria de nós não interfere. De fato, até mesmo a nossa sociedade civil é motivo de vergonha, pois não fica indignada por sermos uma das últimas nações do mundo em nível educacional, mas fica por não ser a campeã no futebol.


Está na hora da sociedade civil tomar a direção do seu destino nas mãos e cobrar das autoridades que haja como autoridades republicanas e não como autoritários monárquicos que criam privilégios de nobreza para os políticos e juízes. Se a sociedade civil não quiser continuar a ficar se envergonhando das nossas autoridades, é preciso colocá-la sobre atenta observação e controle da população.
 
*Roberto de Barros Freire

Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Quinta, 21 Novembro 2019 12:52

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Durante as comemorações da proclamação da República (15/11), duas matérias da mídia se destacaram, pelo para mim. Em uma, estava a voz desatinada do ministro da Educação; na outra, a voz desafinada da estrela mor do PT, agora livre. Sem pretender, ambos nos incitaram a pensar, embora eles próprios estejam dando férias a seus cérebros.

Para Weintraub, consoante seu Twitter, a “Proclamação da República” não passou de “infâmia” contra D. Pedro II. Embora dissesse não defender a volta da monarquia, o ministro sugeriu que não havia o que comemorar naquele feriado; assim, a melhor forma de comemorar o “primeiro golpe do Brasil” seria trabalhando. Mais: que o golpe republicano derrubou "um patriota, honesto, iluminado, considerado um dos melhores gestores e governantes da História".

Não sem lamentar, o saudosismo de Weintraub é um desapreço ao estado republicano; encontra-se sob o mesmo guarda-chuva da ameaça que Eduardo Bolsonaro fez quando falou da possível volta do AI-5.

Na condição de ministro – e da Educação! –, caber-lhe-ia reflexões que apontassem para a superação de problemas na/da República, jamais o desdém, pois, de desdém a desdém, golpes verdadeiros podem ganhar forma; e não ganhariam pelas mãos de engomados monarquistas, mas pelas mãos de outros tipos já acostumados a golpear democracias.

Mas falar o que nada acrescenta neste momento não é “privilégio” de agentes bolsonaristas, politicamente, criaturas anacrônicas de nascimento e formação. Na verborragia, Lula – sempre dono de suas verdades, mesmo as criadas sob o manto de engodos – é imbatível.

No rol de seus delírios, em evento do PT, ocorrido há poucos dias em Salvador, Lula afirmou: “o PT não tem que fazer autocrítica”.

Não?

Até aqui, pensava que Lula pudesse ter alguma sensibilidade; que o tempo no cárcere tivesse lhe proporcionado momentos de reflexão em prol da coletividade. Engano. Esqueci que ele não é um Graciliano Ramos, um nordestino e comunista que soube usar o tempo no cárcere para pensar. Esqueci que, para Lula, só o poder interessa; e para obtê-lo, se veste, como ninguém, do populismo mais vil possível.

Com essa arrogante postura, Lula não unificará os progressistas do país; ele só aglutinará os de sempre: CUT, MST e UNE, que, durante o corrupto tempo do governo PT, viram (e não se opuseram) suas lideranças cooptadas.

Ao PT, não fazer autocrítica é continuar apostando na sorte, como foi feito na derrota a esse grupo abjeto que desgoverna o País.

 Mas por que Lula foge da autocrítica?

Por muitos e desconfortáveis motivos. De cara, ele seria identificado como o articulador da última derrota do PT. Naquele momento, a saída política não era Haddad; era Ciro, Marina ou outro qualquer. Todavia, para aprofundar a polarização existente, Lula usou Gleisi e Haddad como serviçais de seus desejos e apostas. Aquele fracasso está sendo e ainda será pago por todos, inclusive por eleitores de Bolsonaro.

Mais: em uma autocrítica séria, Lula teria de ver rebatido seu enunciado de que, “na dúvida, a gente defende o nosso companheiro...”.

Sem pudor, isso foi verbalizado por Lula, mesmo tendo visto seu partido atolado nos escândalos do Mensalão e do Petrolão. Assim fica difícil qualquer reaproximação, até porque crime é crime, independentemente de quem o cometa.

 Resumo da ópera: com Lula, agora livre, a “esquerda” está mais presa aos interesses particulares de um velhaco de nossa política; logo, a desprezível direita nacional ainda poderá nadar muito de braçada.

Tempos difíceis!

 

Segunda, 18 Novembro 2019 11:24

 

 

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Juacy da Silva* 

 
Fanatismo e terrorismo religioso
 

A relação entre religião e violência vem desde tempos imemoriais e tem acarretado milhões de vítimas ao redor do mundo. As maiores religiões, em termos de número de fiéis ou adeptos, cada uma com mais de um bilhão de seguidores são o cristianismo, o budismo, o hinduísmo, o xintoísmo e o islamismo.

Faz parte da dinâmica e da organização de todas as religiões considerarem-se, cada uma de per si, como a única, a verdadeira e, para tanto, tem no proselitismo e nas conversões `as suas doutrinas e seus dogmas como princípios fundamentais e imutáveis, ou seja, verdades absolutas.

O campo de batalha entre essas religiões pode ser representado tanto pela mente das pessoas que devem ser “convertidas” quanto na conquista do poder político, econômico e militar, a partir de onde uma verdadeira Guerra passa a ser travada, usando inclusive de todas as formas de violência, física, simbólica e psicológica.

Costuma-se dizer que as piores ditaduras são as teocracias, onde as Leis religiosas e os livros sagrados com suas normas e códigos estão acima da Lei temporal. Nesses países não existe separação entre Estado e Religião e, geralmente, apenas uma religião, a dominante e oficial, pode existir, as demais religiões passam a ser proibidas e perseguidas, tanto pelo Estado quanto pela hierarquia religiosa que manda no país.
O fanatismo e o fundamentalismo são as características dominantes nessas sociedades, ninguém está a salvo das penalidades constantes das leis religiosas, que podem incluir mutilações, apedrejamentos, açoites e até a morte, por enforcamento, decapitação ou na atualidade por fuzilamento. Quem não professa a religião oficial é considerado herege, infiel e, em consequência, inimigo do Estado e da religião e deve ser tratado como tal, dentro dos rigores das leis religiosas.

Em pleno século XXI, quando imaginávamos que a humanidade estivesse mais evoluída em termos de direitos e garantias individuais, consagrados a partir da revolução francesa, com a queda da Bastilha, ocorrida em 14 de julho de 1789 e a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de Agosto do mesmo ano pela Assembleia Nacional Constituinte da França Revolucionária, onde foram abolidas a monarquia, a aristocracia e a Igreja, estabelecendo um Estado Laico, o mundo acaba de assistir a mais um ato terrorista praticado por integrantes da Al Qaeda, a partir do Iêmen.

O fundamentalismo e fanatismo de grupos radicais islâmicos como a Al Qaeda, o Estado Islâmico, o Boko Haram, os Jihadistas e outros mais, imaginam que tem o direito de levar o terror a todas as partes do mundo, sempre e onde os princípios de sua religião e a figura do Profeta Maomé forem atacados, desrespeitando o ordenamento jurídico de cada país.
Em nome de uma fé cega e totalitária o Estado Islâmico, que pretende estabelecer um califado em parte dos territórios da Síria e do Iraque, não titubeia em decapitar e fuzilar infiéis e prisioneiros.

Da mesma forma que o Boko Haram imagina que esteja defendendo o islã ao sequestrar meninas e adolescentes indefesas na Nigéria e transformá-las em agentes do terror ou escravas sexuais, como aconteceu um dia depois do ataque ao jornal chargista Charlie Hebdo, quando uma menina de dez anos explodiu uma bomba atada ao corpo em uma cidade da Nigéria matando mais de 20 pessoas e ferindo mais de uma centena de vítimas inocentes.

Em relação ao ato terrorista que matou quase toda a equipe do Charlie Hebdo, em Paris, o resultado, em termos de opinião pública, tanto na França quanto em outros países europeus e em vários outros continentes foi o despertar da solidariedade e da defesa da Liberdade de expressão como um dos direitos consagrados na França há 215 anos, contados a partir da Revolução Francesa e também consagrados em praticamente todos os demais países, inclusive no Brasil.

Como resposta imediata e de alto simbolismo podemos destacar a grande marcha em Paris, com participação de mais três milhões de pessoas, com participação de líderes de vários países, inclusive líderes muçulmanos, além de uma condenação formal por parte da quase totalidade dos países árabes, onde o Islamismo é a religião dominante.

Mesmo que o número de vítimas decorrentes dessas ações terroristas e atos abomináveis sejam quase insignificantes quando comparados com o número de assassinatos que ocorrem no mundo todo, que em 2012 atingiram a cifra de 437 mil, dos quais só no Brasil foram mais 55 mil e nos últimos 20 anos em nosso país ocorreram mais de um milhão, o pavor que o terrorismo infunde na população passa a alimentar uma verdadeira Guerra psicológica, que é, na verdade, a grande estratégia desses grupos fanáticos e fundamentalistas, disseminar o medo generalizado.

A grande esperança é que esse medo seja vencido por ações mais efetivas por parte da comunidade internacional através de um combate mais efetivo para impedir que esses grupos tenham acesso a armas, insumos, territórios, campos de treinamento e, dentro de todos os países, impedir o recrutamento e lavagem cerebral de futuros terroristas, geralmente jovens que são seduzidos por ideias religiosas distorcidas e que levam o ódio a todas as pessoas que não professam da mesma fé, um verdadeiro atentado contra a Liberdade de pensamento e de crença, minando a democracia.

Obs. Este artigo foi publicado no Jornal A Gazeta (gazetadigital) de Cuiabá, em Sex16 de Janeiro de 2015, onde mantive uma coluna semanal, às sextas feiras por mais de 22 anos.

Retomo agora, passados quase cinco anos, à mesma temática, ante o clima de intolerância politica, permeado por demonstrações de fanatismo politico, ideológico, de fundo moralista e religioso que, a continuar nesta escalada poderá levar o Brasil para situações de graves conflitos não apenas ideológicos e políticos, mas também abrindo as portas para violência física, como tem ocorrido em diversos países mundo afora, com milhares de mortes e vandalismo sem limites.

A separação entre a Igreja e o Estado pode ser considerado como uma das maiores conquistas surgidas com o advento do Estado Moderno, reafirmada através das revoluções francesa e norte-americana, bem como com o surgimento das Nações Unidas e a evolução do direito e das liberdades civis.

Antes desta separação ou mesmo ainda hoje em alguns países com o predomínio da religião sobre a politica, como em Israel e nos diversos países mulçumanos ou dominados por outras religiões, como exemplo do Irã, o poder de fato esta calcado na religião. As normas religiosas se sobrepõem às normas seculares e legais, os livros sagrados estão acima das leis ordinárias e até mesmo das Constituições.

Mesmo no Brasil, em que a  a “união’ entre a Igreja e o Estado vigorou durante  os períodos colonial e Império, ainda hoje notamos uma grande influência religiosa na dinâmica politica,  como quando o catolicismo era a religião oficial e a única permitida no país.

Para entender o que acontece atualmente em nosso país, quando os partidos políticos tem pouca representatividade e os políticos não guardam fidelidade nem aos partidos e nem `as suas ideologias e doutrinas, levando ao adágio popular que diz “politico troca de partido como as pessoas trocam de camisa”, (o Presidente Bolsonaro é uma das provas deste adágio, pois o mesmo acaba de anunciar seu desligamento do PSL, que vigorou como um partido de  aluguel para que pudesse disputar as eleições presidenciais, sendo este o sétimo ou oitavo partido a que esteve filiado e informa ao país que irá fundar um novo partido), é bom ficarmos atentos ao que as bancadas temáticas, que as vezes se sobrepõem aos partidos, defendem.

Existem diversas dessas bancadas, como da bala, da bola, do boi (ruralista) o que levou ao surgimento da sigla BBB para definir esses três grupos de interesses de bases conservadoras e de direita.

Existe também a bancada evangélica, que alguns pretendem trocar de nome para bancada da bíblia, facilitando assim a inclusão de um grupo expressivo de parlamentares católicos fundamentalistas que estão mais próximos do pentecostalismo do que da autoridade do Papa Francisco. Esta seria a quarta bancada com “B”; bala, boi, bola e bíblia!

Gostaria de dizer que nada tenho contra em relação às pessoas evangélicas ou católicas que tem na bíblia a “única regra de fé”, mas defendo que a separação entre Igreja e Estado deve ser mantida como garantia para outras pessoas que professam outras religiões ou até mesmo pessoas que não professam qualquer religião possam viver com tranquilidade, respeito `as diferenças e liberdade em nosso país.

Na arena politica, devemos primar pelo respeito ao ordenamento jurídico que garante que o Estado seja laico e jamais subordinado a esta ou aquela religião, a esta ou aquela seita.

Essas quatro bancadas, espalhadas por diversos partidos de direita, centro direita e centro, tendem a defender pautas extremamente conservadoras em todas as áreas e, além disso, seus integrantes demonstram um alto grau de fanatismo, intolerância e até mesmo ódio a quem pensa, sente e age de forma diferente, com grande intransigência em termos políticos e ideológicos.

Em um estado democrático de direito, a Lei máxima que na verdade deve estar acima de tudo e de todos é a Constituição. Por mais importante que seja a bíblia, esta jamais deve se sobrepor às normas do ordenamento jurídico nacional, sob pena de o obscurantismo passar a ser o ordenamento para a ação das pessoas e do Estado.

O Estado Moderno e o Estado pós moderno, por natureza é um estado laico, que normatiza as relações plurais que devem ser garantidas a todos, inclusive às minorias que não sejam cristãs e não reconheçam a bíblia como seu livro sagrado, como os mulçumanos, os ateus, os espíritas, os agnósticos ou fiéis de quaisquer outras religiões de matrizes afro, nativas ou primitivas.

Todos, independente de religião, credo ou doutrina devem ter os mesmos direitos, já que também tem os mesmos deveres perante a sociedade e o estado, a começar pelo pagamento de impostos, voto e serviço militar obrigatórios, por isso são  ou devem ser garantidas as  liberdades de crença, de manifestação do pensamento e de organização, politica, social, cultural e econômica como cláusulas pétreas.

No Brasil, a separação entre a Igreja e o Estado foi efetivada logo depois da Proclamação da República, em 7 de janeiro de 1.890, pelo Decreto nº 119-A, e constitucionalmente consagrada desde a Constituição de 1.891.

Até 1.890, o catolicismo era a religião oficial do Estado brasileiro e as demais religiões eram proibidas, em decorrência da norma do art. 5o da Constituição de 1.824. O catolicismo era subvencionado pelo Estado e gozava de enormes privilégios.

A atual Constituição brasileira, de 1.988, proíbe, em seu art. 19, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento, ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."

Além disso, a nossa Carta Magna, já muito emendada e remendada, ainda garante conquistas estabelecidas no decorrer da Assembleia Nacional Constituinte, como as que constam do Artigo quinto e seus incisos, ao estabelecer que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza ..” e, estabelece, também em seu inciso IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato e em outros incisos deste artigo também está bem clara a ideia de que vivemos em uma sociedade plural quando a Constituição de 1988 assim definiu…VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

Diante da decisão recente do STF Supremo Tribunal Federal considerando o inicio do cumprimento de pena a partir de decisão em segunda instância, uma afronta aos preceitos constitucionais e legais vigentes, uma verdadeira onda de críticas ou o que é denominado de emparedamento ideológico do Poder Judiciário, com difamação e calúnias e ameaças aos ministros, acusando-os de serem corruptos, protetores de bandidos, estarem de costas para os anseios populares, na verdade o que está em jogo é a tentativa de controle dos organismos do Estado, principalmente dos aparelhos repressivos, incluindo as forças armadas, policiais e de segurança e os Sistemas judiciário e prisional, este último na verdade controlado pelas facções do crime organizado, ao qual, neste particular o Estado brasileiro já capitulou há muito tempo.

Com a chegada de Bolsonaro e de seus seguidores ao poder máximo (presidência da República), a extrema direita tenta a todo custo desmantelar o Estado laico e em seu lugar construir um estado religioso, tamanhas são as demonstrações através de discursos do Presidente e seus ministros, vários dos quais evangélicos ou católicos conservadores e fundamentalistas e também através de politicas públicas que tentam alijar grupos culturais e de outras confissões religiosas do financiamento de politicas de governo quanto também das relações entre o Estado e organismos religiosos e suas empresas de comunicação e de ensino, por exemplo.

Dois exemplos comprovam esta assertiva. A destinação dos gastos com publicidade do Governo e das empresas estatais favorecendo redes de comunicação de algumas igrejas e, o que consta de um dos últimos pacotes de Bolsonaro e Paulo Guedes onde a ênfase é no sentido do Estado não mais construir escolas públicas, favorecendo os grupos privados que comercializam o ensino, inclusive grupos religiosos, que acabam sendo subvencionados pelo Governo, segundo critérios nada republicanos.

Outro exemplo, é a narrativa do Presidente Bolsonaro e suas ameaças em “cortar” recursos públicos tendo como critério básico não a ética, a eficiência, eficácia, efetividade e transparência na aplicação desses recursos, mas sim, a adesão aos princípios ideológicos e religiosos de Bolsonaro e seus gurus.

Está incluída nesta narrativa e forma velada de ameaça quando o mesmo disse e volta e meia reconfirma que as próximas duas vagas de Ministro do STF, que deverão ocorrer ao longo de seu mandato, deverão ser preenchidas por alguém “terrivelmente evangélico”.

É o caso de ser-lhe perguntado, por que não alguém “terrivelmente’ católico, espírita, ateu, agnóstico, desde que essas pessoas tenham uma grande formação e larga experiencia jurídica, principalmente no direito constitucional e de respeito aos direitos humanos/civis?

Essas formas de pensar, sentir e agir associadas, por exemplo, com a difusão de noticias falsas (“fake news”), de intransigência, fanatismo, racismo, preconceitos, intolerância podem e levarão com certeza a uma onda de violência em nossa sociedade, como as que já são notadas na violência nos estádios, por parte de torcidas organizadas, que, ao assim agirem, mais se parecem  com bandos criminosos do que torcedores esportivos. Sem falar na violência do crime organizado e da violência policial.

O Brasil, entre meados do século 19 e até meados do século 20, quando as igrejas evangélicas surgiram no país, com a Igreja Presbiteriana em 1.859 ou a Asssembleia de Deus em 1910, foi palco de muitas ações violentas contra pessoas que eram/foram convertidas a tais religiões.

Ainda hoje existe um grande preconceito contra pessoas que professam religiões e crenças calcadas em religiões de matrizes africanas, que chegaram em nosso país com milhões de escravos, que eram tratados de forma pior do que animais.

Enfim, precisamos continuar alertas e atentos para que o fanatismo, a intransigência e o ódio, fermentados pela intolerância e messianismo religioso não venham a distorcer completamente a prática politica, a gestão pública e o funcionamento das Instituições em nosso país.

O lema em um estado democrático de direito deve ser apenas um: A Constituição acima de tudo e acima de todos, resumindo, fora do ordenamento constitucional e legal e da garantia dos direitos fundamentais das pessoas, inclusive dos direitos humanos em seu sentido amplo e não apenas de bandidos como alguns teimam em dizer, não existe saída para a grave crise pela qual o Brasil tem passado  e continua passando atualmente.

Quem viver verá!

*JUACY DA SILVA, professor universitário, fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy Blog http://www.professorjuacy.blogspot.com

 

Quinta, 14 Novembro 2019 14:28

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Na condição de amante da MPB, e como o momento pede, começo este artigo com os versos de “Sangue Latino”, de João Ricardo e Paulinho Mendonça, vocalizada em 1973 por Ney Matogrosso, do antigo Secos e Molhados:

Jurei mentiras/ E sigo sozinho/ Assumo os pecados Uh! Uh!/ Os ventos do norte/ Não movem moinhos/ E o que me resta/ É só um gemido/ Minha vida, meus mortos/ Meus caminhos tortos/ Meu Sangue Latino/ Uh! Uh! Minh'alma cativa/ Rompi tratados/ Traí os ritos/ Quebrei a lança/ Lancei no espaço/ Um grito, um desabafo/ E o que me importa/ É não estar vencido/ Minha vida, meus mortos/ Meus caminhos tortos/ Meu Sangue Latino/ Minh'alma cativa”.

Em plena vigência da ditadura militar no Brasil, além de rupturas estéticas, a canção acima trata da subalterna condição latino-americana em relação ao poderio estadunidense naquele período; de forma subjacente, refere-se às adversidades dos povos deste continente, bem como da sua capacidade de resistência.

Dos versos da canção, enfatizo o que registra a traição aos ritos, que, originariamente, são modos de se pôr em ação os mitos na vida humana.

Por conta de espaço, não aprofundarei nesses conceitos. Por isso, saio do campo da mitologia propriamente dita e, deixando de fora mitos de outros países, vou direto à presença de dois mortais elevados à condição de “mitos brasileiros”, ambos envoltos a ritos de nossa miserável e complexa vida política: Jair Bolsonaro e Lula.

Verdade seja dita, Bolsonaro, sempre coadjuvante por onde transitou, só está onde está porque Lula o precedeu; porque Lula insistiu, com seu grupo político, num embate eleitoral anunciadamente perdido; e perdeu por conta de seus desmandos, que remontam do Mensalão à importante operação Lava-Jato, mas recheada de canalhices.

Após a saída de Lula da prisão, mas não ainda livre dos crimes aos quais já responde, a tensão à qual Eduardo Bolsonaro, absurdamente, ameaçara responder com a volta do AI-R, parece ter tido seu primeiro capítulo: Lula saiu da prisão fazendo discursos.

Conforme Ciro Gomes, Lula voltou como “encantador de serpentes”. Normal. Faz parte do jogo. Em seus pronunciamentos, disse não ter ódio no coração, mas só verbalizou o contrário; portanto, agora, temos dois “mitos” do ódio, em cena, a um só povo, absolutamente dividido.

Diante dessa divisão, que começa com esgarçamentos nos núcleos familiares e de amigos, e que, definitivamente, não eleva o país a patamares de uma verdadeira politização, só me resta juntar à voz de outro compositor da MPB, Jorge Benjor, quando, na canção “Eu vou torcer”, diz que vai torcer “...pela paz, pela alegria, pelo amor... Pelas coisas bonitas... pelo sorriso/ Pela primavera, pela namorada/ Pelo verão...Pelo outono, pela dignidade.../ Pelas coisas úteis/ Que você pode comprar/ Com dez reais/ Pelo bem-estar/ Pela compreensão/ Pela agricultura celeste/ Pelo meu irmão/ Pelo jardim da cidade/ Pela sugestão/ Pelo amigo que sofre do coração... pela dignidade/ Pela tolerância, pela natureza/ Pelos meninos, pelas meninas/ Por mim, por você/ Eu vou torcer! Eu vou torcer!".

Próximo dos anseios do eu-poético do Benjor, eu trocaria “torcer” por “lutar”. Ainda que “torcer” seja mais concreto do que simplesmente “rezar”, o que não seria impensável aos que são frutos de uma sociedade originária e, por isso, forçosamente cristã, o fato é que este momento pelo qual passando pede mais do que mera torcida por um estágio das relações humanas melhor e mais elevado; pede empenho; clama por luta.

Quarta, 13 Novembro 2019 16:37

 

 

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JUACY DA SILVA*

Parece que a história do Brasil, nosso passado, nosso presente e nosso futuro giram apenas e tão somente em torno do “LULA LIVRE”, da decisão recente do STF- Supremo Tribunal Federal e das tentativas de inúmeros deputados federais e senadores em promoverem uma mudança casuística seja na Constituição Federal, que já está por demais emendada e remendada, desfigurada quando comparada com o texto original aprovado pelos Constituintes em 1988, ou no Código de processo penal (CPP), possibilitando que pessoas condenadas em segunda instância possam ser presas e iniciarem o cumprimento de uma pena passível ainda de revisão em instâncias superiores, a despeito de que após a decisão final da última instância (o tão decantado trânsito em julgado) essas pessoas possam ser consideradas inocentes.

Quem assim pensa e se expressa invoca a morosidade da justiça e as diversas instâncias recursais,  que acabam provocando a prescrição das penas definidas em instâncias inferiores. Ora, ao invés de promoverem uma reforma profunda para acabar com a morosidade da justiça e sua imensa burocracia, esses áulicos do punitivismo promovem na verdade mais injustiça, principalmente `as camadas mais pobres da população que não dispõem de recursos para custearem advogados de renome e com larga experiência em tribunais superiores.

Na verdade todas essas reações da extrema direita, chegando até mesmo `as raias do absurdo, como a manifestação de um deputado federal do PSL dizendo que gostaria de ver Lula morto, demonstram o nível de ódio e preconceito em que a politica brasileira está envolta ou de uma senadora de MT que de forma gratuita tentou denegrir a imagem da atual namorada de Lula, uma socióloga, chamando-a de cadeira, sem nunca a referida mulher ter sequer mantido contato ou ofendido a referida senadora.

Para esses "obnubilados", endemoniar Lula e o PT é a única saída para os problemas brasileiros, a eles parece que encarcerar ou até matar Lula e destruir o PT, os socialistas e comunistas seria a única forma de possibilitar que o nosso país resolva os problemas da corrupção que vem desde o Brasil colônia, com o caos e sucateamento dos serviços públicos, com a miséria, a fome, a pobreza, as desigualdades sociais, as queimadas na Amazônia, as rachadinhas, os laranjais do PSL, os privilégios das elites e marajás da República e outros mais que podem ter três, quatro, cinco aposentadorias as custas dos cofres públicos e obrigam os trabalhadores a chegarem ao final da vida vivendo com um ou menos do que um salario mínimo, como acontece no Chile, modelo ideal para Paulo Guedes e Bolsonaro, onde o índice de suicídios de aposentados tem aumentado a cada ano.

Se a terceira e quarta instâncias não precisam ser ouvidas para finalizar um julgamento e se as pessoas, mesmo quando considerando inocentes, a chamada presunção de Inocência, devam ir para a cadeia e começarem a cumprir pena, mesmo que no futuro, após essas instâncias decidam que a pessoa é inocente, não seria o caso de acabar com essas duas instâncias superiores do sistema judiciário?

Pois bem, esta decisão do STF não foi tomada apenas para beneficiar LULA, como a turma da direitona está tentando “vender’ e aterrorizar a sociedade, nem  irá beneficiar centenas de milhares de assassinos, estupradores, ladrões, assaltantes, sequestradores, feminicidas, parricidas, enfim, pessoas que cometeram crimes hediondos ou até mesmo corruptos que já foram condenados a mais de cem anos como os ex governadores do Rio Sérgio Cabral e Pezão, do  MDB/PMDB, apesar de que os bolsonarianos e seus simpatizantes imaginam que só a turma do PT e Lula sejam corruptos.

Longe disso, esta decisão do STF só irá beneficiar menos cinco mil presos já condenados em segunda instância, (0,6%) dos mais de 800 mil presos nas masmorras (prisões) do Brasil, das quais em torno de 357 mil presos (45% do total da população encarcerada no Brasil) que jamais foram condenadas sequer em primeira instância, nunca foram julgadas e condenadas por um juiz.

Até prova em contrário essas pessoas devem ser consideradas  inocentes, mas já estão trancafiadas pelo arbítrio do Estado e seus agentes de repressão, ante o olhar omisso tanto da defensoria pública quanto do ministério público e do próprio judiciário. Existem pessoas que ficam presas injusta e ilegalmente por anos a fio, sem culpa formada e isto é um atentado não apenas contra tais pessoas mas também contra o tão decantado e propalado estado democrático de direito, que, neste particular é apenas uma balela.

O Brasil, como já exposto em artigo recente de minha autoria, tem uma das maiores taxas de encarceramento do mundo, quase três vezes a média mundial e muito acima de todas as grandes regiões do planeta: África, Ásia, Oceania, América do Sul, América Latina, América do Norte e Europa e, mesmo assim, parlamentares conservadores e de extrema direita, em sua sanha penalista e punitiva, querem “endurecer” as leis, alguns até defendendo a pena de morte (que já existe no Brasil e  é praticada por bandidos e por agentes do Estado que primeiro atiram e depois vão verificar do que se tratava) e a prisão perpétua, sem se dar ao trabalho de ir mais a fundo e descobrir, entender as causas que levam/empurram adolescentes, jovens, a grande maioria negros e afrodescendentes, pobres e excluídos para a vereda do crime, da delinquência e do submundo da sociedade.

Voltando ao tema deste artigo. Lula livre, e agora? Pois bem, depois de 580 dias preso em uma sala “especial” da policia federal em Curitiba, por decisão tanto do ex-juiz e atualmente ministro Sérgio Moro e pela segunda instância, mesmo afirmando e reafirmando sua inocência, Lula vai acirrar a polarização político-partidária e ideológica por um bom tempo em nosso país, mesmo que em alguns momentos tenha falado em “paz e amor”.

Toda polarização precisa para existir de dois polos e no caso, um dos polos, o da direita e extrema direita já vinha sendo acirrado desde antes da chegada de Bolsonaro ao poder, mais precisamente no período que antecedeu a derrubada de Dilma, pouco importa se foi impeachment ou golpe, o nome do fato é o de menos, o que importa é que a presidente foi reeleita dentro das regras do jogo e como os perdedores não aceitaram a derrota, no tapetão, acabaram por abreviar seu mandato popular.

A partir dai, o governo Temer/ MDB, que também andou e continua com problemas na justiça, acusado de corrupção, passou a ser considerado um governo de transição, da esquerda da qual o então PMDB fazia parte para um governo de extrema direita, com o bolsonarismo em plena expansão e Guerra ideológica, do qual o agora MDB, como também a grande maioria dos partidos que integraram e mamaram nos governos petistas fazem parte.

Lula Livre, até quando só a justiça com sua morosidade vai determinar, já que a tal emenda da segunda instância não terá poder para atingir processos já julgados pela referida segunda instância, seguindo o espirito da Lei que diz na Constituição  artigo 5 inciso XXXVI  quando afirma que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, uma nova Lei não pode retroagir, a não ser para beneficiar o réu.

Desta forma, para aqueles que imaginam que se o Congresso emendar/remendar a Constituição Federal ou qualquer outra Lei ordinária, o Estado brasileiro poderá enviar novamente Lula para a cadeia, retirando-o da vida pública/politica estão totalmente equivocados. Lula poderá voltar para a cadeia caso o processo pelo qual foi condenado (triplex do Guarujá) ou outros em que esteja sendo investigado, caso venha ser condenado em última instância (STF), o que, pela morosidade da justiça pode demorar um bom tempo.

Lula livre tem vários desafios pela frente. O primeiro, é conseguir decisão favorável junto ao STF que venha anular todo o processo a que foi condenado pelo ex-Juiz Sérgio Moro e pela segunda instância em Porto Alegre, pelo que seu advogado argui como erros/falhas de origem, falta de provas cabais etc. Se isto acontecer, haverá uma grande consequência que será a anulação da decisão do TSE que considerou Lula inelegível por ter sido condenado em segunda instância e, assim, se carimbado como “ficha suja”, tendo sido impedido de ser candidato nas últimas eleições presidenciais, quando todas as pesquisas indicavam que ele seria eleito novamente Presidente da República.

Esta é a razão pelas enormes e as vezes indecentes pressões a que o STF e seus ministros vem sofrendo por parte de pessoas, partidos, parlamentares, enfim, parte da elite do poder, contra suas decisões. Isto é o que podemos denominar de emparedamento do poder judiciário, retirando-lhe a autonomia e independência ao seu ofício de julgar com imparcialidade e sem amarras ideológicas. Isto é próprio de regimes autoritários, civis, religiosos ou militares, onde o poder judiciário é apenas um puxadinho do poder executivo, da mesma forma que o poder legislativo que só sabem dizer amem `as vontades dos donos do poder e seus aliados.

Se tudo isso acontecer, ou seja, se os processos em que Lula figura como réu forem anulados, como de fato imaginam os petistas e os lulistas, estará sendo dado a largada  para as eleições presidenciais de 2022, com a polarização que foi frustrada pela condenação de Lula em 2018, entre Lula e Bolsonaro, com uma vitória quase certa para Lula.

Mas além de dirimir este nó górdio jurídico/judicial, Lula também  tem pela frente alguns outros desafios. O maior desafios de Lula será unificar as chamadas esquerdas e conseguir o apoio de alguns partidos e grupos de centro, que tanto em 2002, quanto 2006, 2010 e 2014 votaram em Lula e Dilma e passaram a fazer parte dos governos petistas, com destaque para partidos tradicionais como MDB, PTB, DEM e outros mais que no momento, pelo oportunismo e fisiologismo que marcam a politica brasileira, estão com Bolsonaro, mas que não vão titubear em abandonar o capitão, ao perceberem que os ventos democráticos sopram mais fortes do que as tempestades totalitárias/ autoritárias que são formadas entre bolsonaristas e outras forças de direita.

Quanto `a esquerda, Lula precisa vencer dois outros desafios, quais sejam: primeiro, conseguir acalmar o destempero verbal de Ciro Gomes, que também se julga “o único ungido”, talvez por deuses, como Bolsonaro, e não silencia sua metralhadora verbal contra Lula e sempre que pode boicota o PT, como fez nas últimas eleições, impossibilitando a vitória de Haddad e permitindo a eleição de Bolsonaro. Basta ler ou ouvir seu discursos contra Lula, inclusive no último após Lula ser solto, a quem chamou de “encantador de serpentes”, não demonstrando nenhuma solidariedade a quem passou 580 dias na prisão.

Além de Ciro Gomes, Lula também terá que conter os radicais do PT e de outros partidos que desejam um acirramento ideológico e tem se posicionado contra alianças com partidos do centrão, empurrando LULA e o PT para um esquerdismo que, no pensamento de Lenin , era a “doença infantil do comunismo”.

Neste contexto, só existem duas alternativas, a construção de uma frente ampla que contemple tanto partidos tradicionais de esquerda incluindo PT, PCdoB, PPS, PSTU, PCO, PDT e outros e também partidos de centro/centrão, que contribuirão para uma grande aliança não de cunho exclusivo socialista/comunista, mas também com nuances de social democratas, progressistas, nacionalistas, bem como  de diversos movimentos sociais.

Se esta frente ampla  não se concretizar e as esquerdas se fragmentarem, com certeza haverá um segundo turno nas próximas eleições presidenciais, se antes disso um golpe não colocar tudo por terra, como foi em 1964, entre algum candidato de esquerda, que pode ser Lula, Haddad ou até mesmo Ciro Gomes x um candidato de direita, que também deverá chegar às eleições bastante fragmentada, que pode ser Bolsonaro, dependendo do desempenho econômico  e de politicas sociais de seu governo ou outro a quem a direitona abraçar.

Lula disse e com certeza enquanto estiver livre o fará, que vai percorrer o Brasil, em caravana, levando uma mensagem de amor e esperança e, ao mesmo tempo, tentando “desmascarar” as politicas neoliberais e conservadoras do governo Bolsonaro e seus aliados.

Para contentar seus seguidores mais radicais Lula está diante de um dilema, sabe que se exagerar na dose das críticas será alvo de ataques, pressões e até mesmo ações judiciais como já ameaçaram Bolsonaro ,líderes do PSL tanto na Câmara como no senado, enfim, parlamentares que, `a semelhança do Deputado Eduardo Bolsonaro, PSL/SP, que ameaçou as esquerdas com uma reedição de um instrumento autoritário como o AI-5; ou como fez o senador Major Olímpio e o próprio presidente Bolsonaro, que ante alguma radicalização pode invocar a Lei de Segurança Nacional, outro instrumento draconiano, de origem dos governos militares que sempre era invocado para justificar atos arbitrários, como cassação de mandatos e direitos políticos de opositores ou até mesmo para o fechamento do Congresso.

Todos sabemos que, pela Constituição, greves, manifestações e protestos, desde que pacíficos, fazem parte dos direitos fundamentais do povo, mas tudo depende de como tais manifestações sejam interpretadas pelos atuais donos do poder, incluindo o membros dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Sempre é bom lembrar que a maior parte dos donos do poder, principalmente na atualidade brasileira, pertencem ao espectro ideológico conservador e tendem a propor medidas repressivas ante quaisquer manifestações e movimentos reivindicatórios, por mais que o ordenamento jurídico e a própria Constituição Federal “garantam”, na maior parte das vezes apenas no papel, inúmeros direitos civis, sociais/coletivos, como saúde, educação, segurança pública, meio ambiente saudável, trabalho, salario digno etc. etc.

O retorno da caravana de Lula, desde que realmente traga alento e esperança para o povo e apresente propostas de como construir um país com desenvolvimento sustentável, justo, fraterno e reais oportunidades para todos, fortalecerá também as articulações para as eleições municipais de 2020, principalmente nas capitais, regiões metropolitanas e cidades grandes ou de porte médio, onde se concentram mais de 70% do eleitorado brasileiro.

Este será um momento em que o Governo Bolsonaro e seus aliados na extrema direita e no centrão irão testar se o “fenômeno” que aconteceu nas últimas eleições presidenciais (eleição de Bolsonaro) foi um movimento de mudança do espectro ideológico, ante a vitória de inúmeros parlamentares de direita tanto no Congresso Nacional quanto nas Assembleias Legislativas ou apenas uma brisa temporária que já se arrefeceu e tende a retornar ao seu leito natural com pouca expressividade em termos de conquista e manutenção do poder.

Na construção deste cenário podemos observar duas tendências, pelo menos em relação ao que está acontecendo na América do Sul. De um lado os resultados das eleições na Argentina, onde, democraticamente, a população e os movimentos sociais e de massa, derrotaram de forma fragorosa o governo e modelo neoliberal de Macri, por quem Bolsonaro torcia abertamente e também as ondas de protestos, até mesmo violentos, no Chile em que o mesmo modelo neoliberal, boa parte ainda oriundo do governo Pinochet estão sendo confrontados nas ruas, exigindo que o Governo Piñera ceda a tais pressões, demitindo ministros e até mesmo convocando uma Assembleia Nacional Constituinte, quando, com certeza todo o arcabouço do modelo neoliberal será revisto, ante o aumento da miséria e penúria da população, frutos deste modelo injusto e desumano que e o neoliberalismo, que Bolsonaro e Paulo Guedes tentam implantar a toque de caixa, a ferro e fogo no Brasil.

No outro espectro, temos também a recente crise na Bolívia, que apesar de indicadores econômicos e sociais considerados excelentes até mesmo pelo FMI e Banco Mundial, chegando até a se falar em “milagre boliviano”, expresso em altas taxas de crescimento do PIB e redução significativa da pobreza, da fome e da miséria, mas que “pecou” pela ânsia de Evo Morales e seus seguidores em se perpeturem no poder. Daí a expressao bíblica “nem só de pão vive o homem”. Além de pão e circo, a população, enfim, as massas também precisam de esperança, transparência, ética e renovação politica, aspectos que, mesmo com situação econômica favorável, foram sabiamente exploradas e catalizadas pelas forças que se opunham e se opõem a Morales e seu partido, pela direita e também por setores da esaquerda, haja vista que o segundo colocado nas eleições anuladas se diz também canditado de esquerda ou até mesmo revolucionário.

Um outro exemplo e situação em curso é a realização do segundo turno das eleições no Uruguai, onde o candidato de esquerda, da frente ampla, o atual governo, que ficou em primeiro lugar no primeiro turno, mas que poderá ter grandes dificuldades de vencer o segundo turno, tendo em vista que o segundo, terceiro e quarto colocados pertencem aos quadros da direita.

Além dessas situações, as caravanas de Lula pelo Brasil afora ainda podem ser influenciadas pelo que está ocorrendo na Venezuela já há alguns anos, no Peru, no Equador, em alguns países Centro-Americanos e no México e até mesmo em países europeus, como na Espanha, onde os socialistas “ganharam” as eleições, mas não conseguem formar um novo governo, ante também o crescimento da bancada da extrema direita.

Enfim, a dinâmica politica, social, econômica e ambiental brasileira não depende apenas da correlação das forças internas em sua escalada ideológica, mas também da polarização ideológica internacional, da reeleição ou derrota de Trump nos EUA e dos indicadores sociais e econômicos do Brasil entre o momento atual e as eleições municipais daqui há um ano, situação esta que servirá de base ou pano de fundo para as eleições presidenciais e gerais de 2022.

Uma última observação diz respeito às eleições americanas em novembro de 2020. Dependendo dos resultados, como por exemplo a reeleição de Trump fortalecerá a direita mundial, inclusive no Brasil, ao passo que a eleição de um candidato do Partido Democrata, poderá alterar substancialmente a politica externa dos EUA e enfraquecerá, com certeza, as forças de direita, inclusive no Brasil, particularmente Bolsonaro e seus seguidores, que tem em Trump seu ideal de ação politica.

Enfim, quem viver verá!

*Juacy da Silva, professor universitário, fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy  Blog www.professorjuacy.blogspot.com