Terça, 17 Setembro 2019 10:06

 


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O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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JUACY DA SILVA* 

 

Durante a realização da 72a. Assembleia Geral da Organização Mundial da Saúde, mais precisamente no dia 24 de maio último (2019) foi aprovado pela totalidade dos representantes dos 192 países participantes da OMS, a resolução instituindo o DIA MUNDIAL DA SEGURANÇA DO OU DOS PACIENTES, a ser observado no dia 17 de Setembro de todos os anos a partir de agora.

Todavia, a preocupação da OMS e de inúmeros países e seus serviços públicos e privados de saúde com a questão da segurança dos pacientes, vale dizer, o respeito quanto aos direitos fundamentais e a dignidade dos pacientes vem desde o ano de 2002, quando a referida organização internacional publicou um manual orientando quanto aos cuidados que todos os sistemas de saúde deveriam ter e seguir para que, de fato, o atendimento ás pessoas devem se pautar pela segurança, pelo respeito à dignidade, aos direitos e, enfim, `a vida das pessoas que buscam atendimento médico, hospitalar, enfim, cuidar de sua saúde.

O tema escolhido para despertar a atenção e a consciência de todos quantos estejam envolvidos nos cuidados com a saúde das pessoas, neste primeiro ano devotado a esta questão é: “A segurança, os direitos e a dignidade dos pacientes devem ser a prioridade número um de todos os sistemas de saúde” e isto deve ser observado tanto nos sistemas públicos quanto privados.

O slogan para este alerta, digamos, esta campanha de conscientização tanto dos trabalhadores da saúde quanto dos pacientes e seus familiares enfatiza a necessidade de um engajamento coletivo e diz, textualmente, “Não se cale, defenda os direitos, a segurança e a dignidade dos pacientes”. Só assim, podemos evitar muitos sofrimentos e também muitas mortes que ocorrem devido à falta de cumprimento deste princípio básico nos cuidados com a saúde das pessoas.

A ênfase nesta questão da segurança, do respeito aos direitos e a dignidade dos pacientes, representa a redução de pelo menos 15% dos gastos com saúde nos países desenvolvidos e entre 25% a 30% nos países de média e baixa renda, tornando os sistemas de saúde mais transparentes, mais humanos, mais eficientes e mais eficazes.

Através deste despertar da consciência de todos os envolvidos com os cuidados com a saúde das pessoas, podemos combater a insegurança quanto aos cuidados médicos/hospitalares; os maus tratos, abusos, negligência, descaso, desrespeito e insensibilidade que são aspectos muito presentes nos sistemas de saúde, principalmente, no caso do Brasil, no SUS, um Sistema idealizado para ser universal, de qualidade, humano e eficiente, descentralizado mas que, devido ao sucateamento a que tem sido submetido ao longo de sua história, por parte de governantes que jamais consideram, de fato, a saúde pública como uma prioridade de estado e de governo.

A OMS ao longo dos últimos quase 20 anos tem produzido e divulgado inúmeros documentos com o objetivos de subsidiar os países, seus sistemas de saúde, profissionais e trabalhadores da saúde e a população em geral quanto a importância desses assuntos, bem como orientações para a definição de politicas públicas voltadas à saúde em geral quanto também aos aspectos específicos como a segurança dos pacientes. Lamentavelmente parece que no caso do Brasil esses princípios e orientações não tem sido observados, a considerar a situação precária em que se encontram nossos sistemas e unidades de saúde, principalmente a saúde pública.

A Aliança mundial das organizações de defesa dos pacientes tem enfatizado a seguinte mensagem: “O que você tem feito ou pode fazer para contribuir na melhoria da defesa da segurança, dos direitos e da dignidade dos pacientes?”. Com esta mensagem a referida organização internacional quer deixar claro que a responsabilidade pela defesa da segurança, dos direitos e da dignidade dos pacientes não é apenas uma responsabilidade dos governos que devem definir politicas públicas neste sentido, mas também de organizações de defesa dos consumidores, de defesa dos direitos humanos, de entidades de classe que representam e defendem interesses difusos, como a OAB no Brasil, ONGs voltadas para a saúde e, mais do que isso, os pacientes e seus familiares, além das direções de unidades de saúde e dos próprios profissionais de saúde.

Afinal, defender a segurança, os direitos e a dignidade dos pacientes é sinônimo de SALVAR VIDAS, evitando mortes e sofrimento desnecessários, pois anualmente, no mundo, nada menos do que 134 milhões de pessoas que buscam atendimento medico/hospitalar, enfim, buscam cuidados para sua saúde, não tem seus direitos,  sua segurança e sua dignidade respeitados e, destas, 2,6 milhões de pacientes morrem, fruto do descaso, da negligência,  da incúria, de maus tratos, da indiferença e insensibilidade  por parte de quem deveria tratar os pacientes como seres humanos.

O custo disto tudo só nos países do primeiro mundo ultrapassam mais de US$42 bilhões de dolares por ano, afora o ônus das companhias de seguro que acabam arcando com este custo da negligencia e nos países de baixa e média renda, incluindo os emergentes,  supera o total de US$250,0 bilhões de dolares anualmente.

No Brasil, com frequência a imprensa veicula reportagens destacando erros médicos que tem provocado a morte ou tem deixado pacientes deformados para o resto da vida, além da prática irregular da medicina ou outras atividades relacionados com a saúde. Lamentavelmente, boa parte dessas formas negligentes e inseguras de tratar pacientes, principalmente no SUS acabam ficando impunes, diferentes do que acontece em outros países onde a negligência, os maus tratos e  erros médicos ou de outros profissionais de saúde geram multas milionárias e até a prisao de profissionais.

No Sistema público de saúde, seja na rede pública ou em estabelecimentos conveniados ou credenciados, o descaso, a negligência, os maus tratos, o desrespeito aos direitos, à segurança e à dignidade dos pacientes podem ser constatados na forma de atendimento, pacientes amontoados ou em cadeiras, nos corredores, a falta de equipamentos ou equipamentos estragados, a falta de medicamento ou de itens simples como algodão, esparadrapo, falta de recursos para alimentação dos pacientes e dos trabalhadores da saúde pública. Enfim, a falta de dotações orçamentárias ou recursos financeiros, a falta de pessoal técnico, especializado ou até mesmo de pessoal de apoio, a falta de concursos públicos tem sido agravadas pelos  congelamento dos gastos públicos que impedem qualquer atendimento à altura da dignidade das pessoas, além dos cortes constantes dos recursos que deveriam possibilitar melhor desempenho de uma área que é considerado prioridade por todos os governantes, mas cuja prioridade é apenas em belos discursos e nada mais.

Essas são apenas algumas questões, alguns aspectos que deveríamos estar discutindo neste DIA MUNDIAL DA SEGURANÇA DOS PACIENTES, como corolários de um dos direitos mais sagrados que existem, que é o DIREITO À VIDA e à SAÚDE.

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela ONU e homologados por todos os países, inclusive o Brasil, estabelecem que até o ano de 2030, que esses 17 objetivos e suas 167 metas devem ser cumpridos e mencionam direta ou indiretamente a questão da saúde e a defesa da vida.

O primeiro objetivo estabelece o compromisso dos países com a erradicação da pobreza; o segundo acabar com a fome no mundo, ou fome zero; o terceiro enfatiza a necessidade de universalização da boa saúde e o bem estar, para todos, independente da situação econômica, financeira e social das pessoas; ou seja, a saúde deve ser um direito de todos e dever dos estados/nações, ninguém deve morrer pela falta de atendimento; o sexto objetivo se refere a importância do acesso, também universal , à água potável e de qualidade e o acesso ao saneamento básico, incluindo esgotamento sanitário, coleta de lixo, limpeza pública como condições fundamentais para que a saúde de qualidade seja atingida e o décimo objetivo é um grito de alerta quanto `a imperiosa necessidade da redução das desigualdades sociais, econômicas, regionais e setoriais, desigualdades essas que provocam danos à saúde e o descaso como as pessoas, as camadas excluídas e pobres são tratadas quando necessitam de atendimento para a saúde.

Em artigo escrito há algum tempo eu considero que no Brasil existem diferentes sistemas de saúde, diretamente relacionados ao poder aquisitivo e à distribuição de renda pela população. O SUS, cada vez mais sucateado, que está voltado para a saúde dos pobres, miseráveis e excluídos; os planos e seguros privados de saúde que atendem uma parcela considerada como classes média baixa e média; a medicina totalmente privada que atende às camadas de renda média alta e alta da sociedade, os governantes, os marajás da República, que usam recursos públicos para manterem seus privilégios enquanto estamentos sociais.

Quando mais pobre e mais excluídos social e economicamente, maiores são os desrespeitos, os maus tratos, a negligência, o descaso e a falta de segurança desses pacientes. Aí residem as maiores taxas de mortalidade relacionados à falta de segurança dos pacientes.

Como vemos, existem muitas mazelas a serem combatidas e denunciadas em relação à saúde em nosso país, o que exige também um grande esforço por parte da população na defesa da saúde pública de qualidade e universalizada com um dos direitos humanos mais fundamentais.

E você, caro leitor, eleitor e contribuinte, já parou um minuto para refletir sobre esta realidade e o que você, enfim, nós podemos fazer para mudar este quadro deplorável em que está a saúde em geral e, principalmente a saúde pública e o atendimento dos pacientes em nosso país?

 

*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.comTwitter@profjuacy

Segunda, 16 Setembro 2019 10:11

 

 

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JUACY DA SILVA* 

Até há poucas semanas ou no máximo há um mês tanto os veículos de comunicação do Brasil quanto praticamente da maior ou a quase totalidade dos países estampavam manchetes com imagens aterradoras do desmatamento legal e ilegal e das queimadas na Amazônia.

Enquanto isso, nossas autoridades procuravam minimizar os fatos, ora demitindo servidores por terem divulgado alertas quanto ao que estava por vir em relação à degradação e crimes ambientais ou tentando desacreditar de dados estatísticos e científicos.

A postura relativista do Governo Federal, de seus ministros e de vários governadores e outras autoridades que tentavam justificar o aumento exagerado tanto do desmatamento quanto das queimadas, quando comparadas com igual período de anos anteriores ou até mesmo criticando outros países, dizendo que deveriam cuidar de problemas deles.

Em certos momentos até mesmo teorias da conspiração foram mencionadas como quando o Presidente da República disse, sem apresentar provas, de que eram ONGs ambientalistas, que teriam perdido a “boquinha” de recursos públicos é que estavam colocando fogo nas florestas, o que acabou não sendo comprovado ou clamando para um já surrado slogan da ambição internacional em relação à Amazônia, que poderia afrontar a soberania nacional sobre esta parte do território brasileiro.

Diversos estudiosos e instituições de renome tem alertado que o Brasil não tem uma politica voltada para a proteção do meio ambiente e da biodiversidade ou, inversamente, que a omissão do Governo, principalmente quando menciona que a fiscalização ambiental é muito “xiita” ou que o ministro do meio ambiente deveria passar a foice e “degolar’ tais xiitas no IBAMA, que estaria aparelhado pela esquerda, ou seja, que esta omissão e até certa conivência com crimes ambientais e práticas que estão destruindo o meio ambiente são os grandes responsáveis por tudo o que esta acontecendo. Quando se diz governo, isto significa atual e anteriores, em todos os níveis e regiões.

De forma semelhante, para justificar sua escolha do quem deverá ser o futuro Procurador Geral da República, em um evento com empresários do agronegócio,  o Presidente da República disse que o mesmo foi escolhido por alinhar-se `a sua forma de pensar sobre questões ambientais, demarcação de terras indígenas e outras pautas de cunho ideológico, muito caras aos ruralistas , afirmando ainda que o futuro Procurador Geral da República será um grande parceiro do agronegócio, quando o mais importante na escolha do mesmo deveria ser seu compromisso integral com a defesa da Constituição Federal e do ordenamento jurídico do país, afinal, o mesmo é denominado de “fiscal da Lei” e jamais parceiro de quem quer que seja, muito menos por razões de cunho ideológico ou religioso.

Precisou que esta catástrofe ambiental praticamente tivesse fugido ao controle dos organismos públicos e passasse a afetar tanto a saúde da população quanto a economia e os negócios privados para que o Presidente da República decretasse a chamada GLO – Garantia da Lei e da Ordem ambiental, bem tardiamente, pois isto deveria ter sido feito quando as imagens de satélite, usadas pelo INPE e as imagens de satélite da NASA há vários meses haviam demonstrado que o ritmo do desmatamento era intenso não apenas na Amazônia, mas também no Cerrado e demais biomas brasileiros. Todavia, nada foi feito e os madeireiros, mineradoras, garimpeiros e grileiros de terras públicas e particulares, invasores de terras indígenas agissem impunemente, causando crimes ambientais e suas consequências que nos dias atuais estamos sofrendo.

Mato Grosso, por exemplo, que tem em seu território parte de três biomas importantes, está literalmente em chamas tanto na parte da Amazônia Legal, quanto da parte que é coberto pelo cerrado e agora também o Pantanal está pegando fogo.

Todas as capitais, tanto dos estados amazônicos quanto do Centro Oeste estão sob uma imensa nuvem de fumaça, os postos de saúde estão abarrotados de pessoas, a grande maioria gente humilde, que não tem condições de procurar cuidados médicos e hospitalares fora da rede do SUS que, como o IBAMA, universidades federais, institutos federais de educação e tantos outros organismos públicos federais, estaduais e municipais estão totalmente sucateados e sem condições mínimas de atuação.

Dentro de poucos dias ou semanas ou quem sabe mais um ou dois meses as chuvas, que a cada ano estão ficando mais escassas devido às mudanças climáticas, devem contribuir para apagar este fogaréu que esta destruindo não apenas nosso meio ambiente mas também a credibilidade e a capacidade de planejamento e ação eficiente de organismos públicos, seus gestores e , principalmente, de nossos governantes que pouco ou quase nada fazem para evitar desastres e crimes ambientais, como os casos de Mariana, Brumadinho, Barcarena, a destruição de imensas áreas pelo desmatamento e, agora, essas queimadas, cujas imagens continuam sendo estampadas mundo afora.

Estamos às vésperas do inicio de mais uma Assembleia Geral da ONU , quando um dos temas em discussão deverá ser a questão do desmatamento e queimadas na Amazônia, que também devem ser ampliadas par outras questões correlatas.

Logo a seguir será a vez do SÍNODO DOS BISPOS DA PAN AMAZÔNIA, convocado pelo Papa Francisco, quando também temas considerados “delicados” pelo Governo Bolsonaro estarão sendo discutidos como as questões fundiária, indígena, a violência, principalmente contra povos primitivos,  posseiros, pequenos agricultores, defensores dos direitos humanos, ambientalistas e religiosos comprometidos com a defesa dos mais humildes e mais pobres, para que a Igreja tenha de fato, uma outra cara, como disse recentemente o Papa Francisco, que tanto tem condenado governantes corruptos quanto autoritários e seus apoiadores em politicas que conduzem a mais exclusão, miséria e discriminação, além da degradação ambiental.

O fato concreto é que a soma das áreas desmatadas e queimadas, essas últimas maiores do que as primeiras, em todos os biomas brasileiros, devem ultrapassar a casa dos milhões de hectares (ha). As queimadas estão presentes em todos os Estados da Amazônia, no Pantanal, nos estados que tem parte de seus territórios cobertos pelo cerrado, como a região do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) área de recente e devastadora expansão da fronteira agrícola.

Existem também muitas queimadas em outros estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e até em Florianópolis. Toda esta destruição refletida em queimadas e nuvens gigantescas de fumaça podem ser vistas por satélites e não deixam dúvida de que um GRANDE DESASTRE AMBIENTAL está em curso no Brasil, por mais que nossos governantes tentem minimizar esta destruição. As consequências deste desastre ambiental devem ser sentidas por vários anos ou até mesmo décadas, causando um enorme prejuízo para as pessoas e para o Brasil.

Urge que os Governos Federal, estaduais e municipais coloquem na ordem do dia ou na pauta das discussões politicas e públicas a necessidade de serem formuladas as politicas Nacional, estaduais e municipais para o meio ambiente e, como corolário, os correspondentes planos nacional, estaduais e municipais do meio ambiente, em articulação com a sociedade civil organizado e os conselhos nacional, estaduais e municipais de meio ambiente.

Não se pode conceber em pleno século 21 que governos nacionais, regionais ou locais se deem ao luxo de agirem ou pautarem suas ações pela improvisação, sem planejamento, sem planos claros, dos quais a sociedade não tenha participado em sua elaboração.

Governar sem planejamento é uma forma irracional, perdulária e até criminosa de gastar o suado dinheiro do contribuinte. A população espera que organismos públicos e governantes falem menos e façam mais. Discursos demagógicos, guerra ideológica, xenofobismo, obscurantismo não resolvem problemas econômicos, sociais, políticos ou ambientais, essas formas distorcidas de governar devem ser substituídas por mais racionalidade, mais democracia, maior participação popular, mais transparência, ações integradas e articuladas entre governo e sociedade, em todos os níveis de poder.

A questão ambiental, a posse e uso do solo e demais recursos naturais, o saneamento básico, as mudanças climáticas, o aquecimento global, a poluição do ar e das águas, são grandes desafios tanto da sociedade brasileira,  incluindo ONGs ambientalistas, setor empresarial, igrejas, clubes de serviços quanto para o Governo Federal e demais níveis de poder, que teimam em reduzir os espaços democráticos de participação popular como tem feito o Governo Bolsonaro em relação a todos os Conselhos Nacionais, inclusive o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, totalmente castrado na atual gestão.

Enquanto isto não acontece, com certeza vamos continuar assistindo, nos próximos anos, mais e maiores desmatamentos e queimadas e o Brasil estará todos os anos sendo notícia internacional, com imagem negativa, envolvido e destruído pelas chamas, enquanto o obscurantismo ambiental persistir

*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, colaborador de alguns veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy Blogwww.professorjuacy.blogspot.com

Sexta, 01 Fevereiro 2019 14:40

 

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Por Roberto de Barros Freire*
 
Novamente vemos um “acidente” decorrente da negligência humana, do pouco caso com a vida e com a natureza. Brumadinho repete Mariana, o mesmo tipo de represa, o mesmo trabalho precário com os rejeitos, a mesma incapacidade de prever o colapso das estruturas que constrói; a mesma empresa! Enfim, nada se aprendeu com o erro anterior e o mesmo erro repete-se agora. E é provável que não pare nesse caso, pois que há inúmeras represas como essa espalhada por Minas Gerais e por outras partes do país: a gente não deve discutir se terá outros rompimentos, mas quando irão acontecer. O pior é que a barragem que se rompeu em Brumadinho estava paralisada há cerca de três anos, tinha um laudo atestando sua “estabilidade”, o que gera ainda mais preocupação em relação às demais estruturas que estão em operação ou que estão desativadas, afinal de contas, nossos atestados parecem não atestar nada.

 

Nem se aprende com os erros, nem se prende os culpados por essas mortes humanas e do ecossistema, com suas inúmeras perdas de vegetais e animais. A empresa responsável nem indeniza as vítimas, nem indeniza a cidade, o Estado e a nação, pois que o país sai perdendo, com sua imagem ruim ainda piorada. Um país que não cuida nem do seu meio ambiente, muito menos cuida do seu povo, sujeito a sofrer catástrofes e sem proteção governamental, governo que vive mais em função dos interesses da mineradora do que dos seus cidadãos. E não é nem uma questão de ter aprendido ou não. A Vale escolheu de forma consciente não fazer o que tem que ser feito, sendo mais uma empresa que mente, deturpa as informações.


O rompimento da barragem de Brumadinho deve ser investigado como um crime. A Vale já estava sendo processada na Justiça Federal desde 2016, ao lado da Samarco e da BHP, em uma ação em que todas essas empresas são acusadas por homicídios e crimes ambientais. Até o final de 2018, essa ação seguia na comarca de Ponte Nova, na Zona da Mata, sem que ainda os réus tivessem sido julgados. Desde novembro de 2015, a empresa foi multada 56 vezes pelo Ibama e pela Semad (Secretaria de Meio Ambiente de MG) e pagou apenas parte de uma única multa —5,6% do valor total devido.


Pouco ou quase nada se fez desde então. A não ser, por óbvio, as suspeitas medidas usuais: instalaram-se comissões para tratar do assunto. Resultado? Nenhum. Inventar comissões e endurecer a legislação não necessariamente resolverá o problema se a deficiência se concentrar no cumprimento das normas, e não na sua criação ou reformulação. As autoridades brasileiras deveriam ter aumentado o controle ambiental, mas foram "completamente pelo contrário", ignorando alertas da ONU e desrespeitaram os direitos humanos dos trabalhadores e moradores da comunidade local, diminuindo a fiscalização e os fiscais. A visão de mundo do setor mineral impediu que os alertas da academia e do Ministério Público fossem levados a sério, sempre tentando deslegitimar os defensores ambientais como sendo uma suposta ameaça econômica, ou uma conspiração estrangeira.


Os conselhos que fazem licenciamento também têm ocupação estratégica. Os assentos das empresas são controlados pelo setor mineral, o governo normalmente é pró-mineração e os assentos de ONGs são ocupados por aquelas com projetos financiados por mineradoras. Não é por acaso que o licenciamento feito em dezembro na região de Brumadinho só teve um voto contrário. No dia 11 de dezembro de 2018, Maria Teresa Corujo foi a única integrante do CMI (Câmara de Atividades Minerárias) do Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental) de Minas Gerais a votar contra a ampliação das atividades na região do rio Paraopeba, que inclui a mina Córrego do Feijão, operada pela Vale e que rompeu no dia 25/01/2019. Não deveriam ser penalizados os demais conselheiros e a Maria Teresa premiada?


É particularmente preocupante que especialistas ambientais e membros da comunidade local tenham expressado preocupação sobre o potencial de rompimento da barragem de rejeitos e que o Brasil tenha ignorado esses alertas. É preocupante a situação enfrentada por defensores do meio ambiente, trabalhadores e comunidades que tentam defender seus direitos frente à indústria da mineração, e são menosprezados e relativizados pelo poder econômico, político e governamental.


O setor de mineração tem uma longa história de abusos dos direitos humanos a partir dos riscos e conflitos inerentes que cria. O legado tóxico dos projetos de mineração em todo o mundo – incluindo o catastrófico colapso de barragens de rejeitos – impacta os direitos humanos à vida, à saúde, ao trabalho seguro, à água potável, aos alimentos, e a um ambiente saudável. Não há garantias de integridade para barragens. Mineração sempre foi e continuará sendo fonte potencial de grandes desastres. No mundo todo.


Crimes ambientais e genocídios de trabalhadores, bem como de comunidades inteiras devem estar previstos na agenda de risco corriqueiro dessas empresas, pois os lucros, os impostos e os benefícios obtidos com tudo isso valem muito mais a pena do que a preservação do Meio Ambiente e das vidas dos brasileiros pobres e indefesos. Um crime de Lesa-pátria que jamais será esquecido pela História deste país e que jamais poderá ser calculado em dinheiro.


Relaxar e simplificar o licenciamento ambiental, como parece ser a intenção do presidente Jair Bolsonaro (PSL), revela-se uma péssima ideia, especialmente em casos de alto dano potencial como ocorre com a mineração. Está certo que Jair Bolsonaro, do PSL, e Romeu Zema, do Novo, tomaram posse há 29 dias e não têm culpa pelo que aconteceu em Brumadinho. Mas o presidente e o governador de Minas são expoentes de uma corrente —apoiada por parte da sociedade— segundo a qual o errado não é o madeireiro que desmata ilegalmente, o empresário que burla normas sanitárias ou mantém trabalhadores em condições sub-humanas, mas sim o fiscalzinho de colete e seu maldito bloquinho de multas. Bolsonaro e ministros não se cansam de vociferar contra a “indústria das multas”, o excesso de fiscalização, de regulamentação. Jair Bolsonaro (PSL) sempre deixou claro sua posição em flexibilizar a atuação dos órgãos de controle do Meio Ambiente, bem como as leis federais. “Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]. Essa festa vai acabar”. O presidente se notabilizou por denunciar, durante a campanha, uma suposta indústria da multa no órgão federal. Em janeiro de 2012, Bolsonaro foi multado em R$ 10 mil pelo Ibama por pesca ilegal.


Ora, se com esse “rigor” (nas leis, mas não no judiciário ou na atividade de fiscalização), ocorrem todo tipo de tragédia em solo nacional, já imaginaram o que ocorrerá se liberar geral? O fato é que governo e políticos agem em comum acordo perdoando as dívidas e multas de mineradoras e agronegócios, os grandes burladores das leis ambientais, logo, sentem que estão autorizados a fazer e desfazer do meio ambiente como bem quiserem, a favor dos seus lucros e contra todos nós, não acionistas das mineradoras e das agroindústrias.


O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo em que o poder público concede a autorização para alguém explorar um bem que é de todos. Agora é preciso também estabelecer distâncias mínimas, como 10 km, entre barragens e comunidades. E impor limite ou proibir barragens construídas com a técnica à montante, o tipo mais comum, mais barato e o menos seguro, usado em Mariana e em Brumadinho.


Com os novos critérios de risco, mais flexíveis, propostos pelo governo as licenças serão concedidas com simplificação e agilidade, com omissão proposital da classe política dependente desse setor econômico no país, apresentando propostas absurdas como automonitoramento ou autolicenciamento, ou mesmo a autodeclaração, que são coisas perigosas em solo nacional. Fossemos uma Suíça, Finlândia, Noruega, vá lá, mas num país de pouco honestidade e as leis não conseguem punir os culpados pelos desastres cometidos pelos empresários, é algo temerário; mesmo com fiscalização e atestados, as obras empresariais são pouco confiáveis.


Devemos pensar na possibilidade de denunciar esse caso a uma corte internacional por crimes contra a humanidade porque isso não pode continuar acontecendo. Não é possível que a ausência de punição no caso de Mariana se repita agora, é preciso que pessoas sejam responsabilizadas e punidas, que vítimas sejam indenizadas e que muitas multas sejam lavradas e devidamente pagas pela Vale.
 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Quinta, 31 Janeiro 2019 11:19

 

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Por Fernando Nogueira de Lima* 

Onde estávamos nós, quando o futuro incerto, caracterizado pela união da juventude, assustada e revoltada por causa dessas encruzilhadas da vida em que a imbecilidade se encontra com a insanidade, em que a disponibilidade se encontra com a facilidade de se obter, e dão-se as mãos - que cheiram a sangue - para dar passagem à barbárie, ceifando, nas escolas, vidas inocentes e indefesas com tanto ainda por sonhar e viver, quanto amar e ser amado.

O que fazíamos nós quando nessas encruzilhadas da vida em que a covardia se encontra com a impunidade, em que os interesses escusos se encontram com a desvalorização da vida, e num maldito abraço - com cheiro de morte - ceifam vidas de inocentes indefesos e de policiais desapoiados e mal remunerados, nas calçadas e nas escadarias, nos colégios e nos lares, nos morros e fora deles, no cotidiano deste nosso miserável existir.

O quanto estamos nós, indignados com essas encruzilhadas da vida em que a ganância torna-se irmã siamesa da insensatez, em que a ação potencialmente assassina se encontra com atitudes formais porém imorais,  e chafurdando no lodaçal da maldade humana – na busca de moedas de sangue - ignoram a tragédia anunciada, fazendo jorrar uma torrente de rejeitos de minério de ferro que se move com fúria arrastando tudo que encontra, levando consigo inúmeras vidas e deixando um rastro de desolação, dor e tristeza, além de muita revolta e razões para acreditar que mais tragédias como essa ainda estão por vir.

O que achamos nós dessas encruzilhadas da vida em que a encenação se encontra com a hipocrisia, em que a necessidade de audiência se encontra com a certeza da incapacidade de se saber parte da massa de manobra, e de mãos dadas diante da violência - cientes do malefício para a sociedade - optam por priorizar o emocional coletivo em vez das reais causas que ensejam este genocídio que assola o país, dificultando a compreensão dos porquês da inércia vigente, contribuindo para transformar a vida em trágica e lamentável estatística.

O que pode justificar o nosso conformismo diante das encruzilhadas da nossa vida em que, pela ausência das perguntas certas e de reflexões pertinentes, a mediocridade se encontra com a mesmice, em que o egocentrismo se encontra com a cobiça, e de braços dados - quase que espontaneamente com nossa ignorância - alagam nossos dias de inutilidades, de insatisfações, de desavenças e da incapacidade de desejar e promover mudanças ainda que pequenas, óbvias e necessárias, em nossas vidas e na vida de tantos quantos nos querem bem.

O que falta acontecer para entendermos que apesar das encruzilhadas que há na vida, é possível vislumbrar oportunidades para espalhar o bem viver e fazer com que  nossas vidas, em retrospectiva, deixem de ser, aos nossos olhos, uma imagem desfigurada de nós mesmos ou reflexos momentâneos e a mercê da ocasião e de hábitos, desejos e dissimulações alheias, impedindo-nos de perceber que não há como colher as dádivas do futuro se insistirmos em cultivar do passado só um punhado de lembranças de tempos mal vividos e não superados, que tolhem o porvir - cotidianamente e repetidamente - fazendo-nos reféns da síndrome de Carolina, tão bem cantada nos versos da canção popular de outrora.

O que pode ser feito para, afinal, constatarmos que na construção de um futuro menos incerto, no trilhar pelas encruzilhadas da vida, devemos ser capazes de dizer sim à autoestima e à clemência, e de dizer não ao egoísmo, ao querer ter desmedido e aos preconceitos - do alheio e de nós mesmos - pois, assim, enxergando o outro e a si mesmo é que despertaremos a capacidade de dizer sim ao amanhã desejado que, embora possível nunca vem e a coragem de gritar não ao amanhã que nunca virá, das vidas covarde e irremediavelmente interrompidas, que não podem ter sido em vão, tampouco devem ficar impunes vida a fora. 

*Fernando Nogueira de Lima é doutor em engenharia elétrica e foi reitor da UFMT.

Quarta, 30 Janeiro 2019 17:33

 

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NOVOS CABRESTOS AO ENEM

Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo pela USP/Professor da UFMT
 

E o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) continuará no cabresto...

As considerações na posse de Marcus Vinícius Rodrigues – mestre em Administração e doutor em Engenharia de Produção – não podem ser ignoradas. Desde 24/01, ele é o novo presidente do Instituto Anísio Teixeira, responsável pela realização do ENEM.

Isso posto, vejamos o que nos espera no tocante ao ENEM. De chofre, afirmo: as declarações de Rodrigues foram bem mais complexas do que o escorregão no plural da palavra “cidadão”.

Na essência, Rodrigues, à lá papagaio de Pirata, apenas detalhou o que Jair Bolsonaro já dissera. Mas o fato de nada ser novidade não pode deixar de nos incomodar.

Dos incômodos, destaco dois tópicos listados por Rodrigues: a) haverá uma revisão na prova do ENEM; b) combaterá a ideologia embutida nas questões.

Rodrigues não descarta ver as provas antes. “Ver”, no caso, significa consentir ou não com as questões apresentadas pelos elaboradores, que perderão a autonomia acadêmica. Mais: ele ainda tentará medida judicial para o próprio Jair dar uma espiada nas provas.

No tocante ao segundo tópico, Rodrigues disse que combaterá a ideologização no ENEM, visando a “Uma nova escola que tenha resistência a crenças inadequadas ou inconsequentes”.

Cabrestos no ar.

Para além das questões de um Exame Nacional, a verdade é que nossas atividades acadêmicas estarão sob a mira de governistas e de seus adeptos, que tentarão desconsiderar a decisão do STF (31/10/19), que reafirma a liberdade de expressão, o direito à cátedra e a autonomia universitária.

Ainda sobre a “ideologização”, Rodrigues disse que evitará questões “com origens em interpretações superficiais, de pseudointelectuais ou de um oportunismo político-partidário...”.

Sem ignorar os dias cruéis que estão por vir, mantenho a minha coerência percorrida até aqui; por isso, sou obrigado a lembrar que, por diversas vezes, junto com outras vozes (poucas, é verdade) chamei a atenção para isso que Rodrigues escancara agora: o uso de questões do ENEM por parte do PT. Não há como negar. Isso ocorreu de fato.

Em rápida busca em meus arquivos, encontrei o artigo “Questões sobre o ENEM” (Diário de Cuiabá: 31/10/2013). Transcrevo uma parte:

O ENEM já foi longe demais... o ‘z’, de ‘gasolina’, numa charge da prova de Ciências Humanas, era de importância menor diante da sagacidade do conteúdo.

Explico: há elaboradores de questões fazendo propaganda (do tipo subliminar) para o PT. Isso já foi denunciado antes e voltou a ocorrer na charge em pauta. Veja o diálogo:

‘JK – Você agora tem automóvel brasileiro, para correr em estradas pavimentadas com asfalto brasileiro, com gazolina (sic.) brasileira. Que mais quer?

JECA – Um prato de feijão brasileiro, seu doutô”.

À época, expus que o caráter eleitoreiro daquela charge se explicitava à medida que se pretendia mostrar uma “suposta superioridade do PT em relação à própria política desenvolvimentista de Kubitschek. Para isso, vale (valia, no caso) lembrar da proposta das três refeições por dia para tirar o país da miséria”.

Enfim, já tocamos o chão do pior dos cenários. E só chegamos a essa situação porque o PT pavimentou e potencializou a vitória de Jair; e o fez deixando o novo governo com dispositivos perigosos à mão, como, p. ex., a lista tríplice para a eleições dos reitores das federais e o próprio ENEM, equivocado por natureza.

Não fosse a ganância petista pelo poder, Bolsonaro seria, hoje, o que sempre foi: político do baixo clero do Congresso. Agora, não mais. O jogo mudou. Simples assim.

Sexta, 21 Dezembro 2018 10:53

 

 

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JUACY DA SILVA* 

Estamos há poucos dias para terminar o ano de 2018 e iniciar um novo ano, com importantes fatos que poderão determinar se o país e a vida da população vão passar por mudanças, positivas ou negativas. Dentro de pouco mais de uma semana tomarão posse o novo presidente da República, governadores, deputados estaduais, federais, senadores, ministros do governo federal e secretários estaduais. Enfim, toda a cúpula governamental federal e estadual vai iniciar um novo período.


Serão mais quatro anos de muitos discursos e propostas de como bem gerir o suado dinheiro que o fisco retira do bolso da população para custear a máquina pública, manter ou aumentar os privilégios dos marajás da República, os donos do poder, como o famigerado “auxílio moradia” a integrantes dos três poderes, do MPF/MPE, Defensorias publicas, Tribunais de Contas e, uma parte mínima politicas publicas ou para investimentos voltados à solução dos problemas que tanto angustiam o povo brasileiro, sem falar na parcela dos recursos que são surrupiados dos cofres públicos pela corrupção, pelas renúncias fiscais, pelos subsídios e pela sonegação consentida.


É neste contexto, incluindo a desorganização fiscal/orçamentária, os déficits públicos que só no Governo Federal deve ultrapassar aos R$140 bilhões de reais, além de aproximadamente mais R$70 bilhões de déficit público de estados e municípios, que já estão, vários deles, praticamente falidos, não conseguindo pagar fornecedores , salários, aposentadorias e pensões.


Só para se ter uma ideia, mais de 45% dos recursos do OGU – Orçamento Geral da União, ao longo de mais de 20 anos, tem sido destinados para o pagamento de juros, encargos e “rolagem” da dívida publica do Governo Federal, afora as dividas publicas de Estados e Municípios. O Brasil vive , em termos comparativos, nas mãos da agiotagem nacional e internacional cujos maiores beneficiários são os sistemas financeiros/bancário nacional e internacional. Ao longo dos últimos 20 anos esses gastos com a dívida pública já ultrapassaram a casa dos 12 trilhões de reais e, mesmo assim, a dívida pública bruta já se aproxima de 85% do PIB brasileiro e continua aumentando em uma velocidade voraz, alimentada pelos constantes e crescentes dèficits públicos.


Para tentar resolver todos esses problemas e, ao mesmo tempo, “devolver” parte do que o povo paga na forma de impostos, taxas e contribuições é que existem, ou deveriam existir e são definidas, formuladas e implementadas as politicas públicas em todos os campos/setores e níveis de atividades públicas, governamentais.


Neste sentido, políticas públicas são ações desenvolvidas/realizadas pelo Estado/ente público e não apenas no sentido de unidades da federação, através dos governos federal, estaduais e municipais, pela administração direta ou indireta ou em parceria com entidades não governamentais, para garantir os direitos individuais e coletivos, econômicos, sociais, ambientais e culturais, contidos nas Constituições federal, estaduais e leis orgânicas dos municípios e demais leis e estatutos existentes e em vigor no país, visando, em última instância,  o bem estar, uma melhor qualidade de vida das pessoas, dentro dos parâmetros da justiça, da justiça social, da equidade, da sustentabilidade, da democracia, da transparência, da participação popular, da autonomia e da paz social.


As politicas públicas devem ou deveriam ser definidas, estabelecidas e implementadas, não através de casuísmos, do voluntarismo de um ou outro governante, da articulação de interesses privados ou de grupos que teimam em continuar mamando nas tetas do governo, mas sim, através de um sistema de planejamento, com visão estratégica de longo prazo, articulado entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e dos três níveis de governo (União, Estados federados, Distrito Federal e Municípios), tendo como parâmetros a transparência, a participação popular, sistemas de acompanhamento, avaliação e controle, visando, em última instância, a melhoria da qualidade de vida da população, principalmente das camadas excluídas da sociedade.


As políticas públicas devem constar das chamadas “peças” orçamentárias, incluindo o PPA – Plano Plurianual de investimentos, a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias e a LOA – Lei Orçamentária Anual, onde estejam definidas as politicas, os programas, os projetos e ações a serem executadas pelos diversos entes públicos, observadas a legislação em vigor, como as que definem as compras e contratos governamentais, os tetos dos gastos, por exemplo com pessoal, ou os requisitos mínimos legais estabelecidos para cada área como educação, saúde e outros mais.


Em 2019, além do início de um novo período governamental nos estados e no plano federal, estarão sendo realizados também alguns eventos que deverão contar com ampla participação popular, onde políticas públicas deverão estar sendo debatidas e propostas de origem popular, fruto dessas discussões, deverão  ser apresentadas aos governantes para definirem ou redefinirem diversas políticas públicas nos estados e no Brasil como um todo.


Dentre esses eventos, podemos destacar a Campanha da Fraternidade (CF 2019) terá como tema “Fraternidade e politicas publicas”;  a 5a. Conferência dos direitos da pessoa idosa terá como tema “Os desafios de envelhecimento no século XXI e o papel das politicas publicas”; a 16a. Conferência Nacional da Saúde terá como tema “Democracia e saúde, como direito, consolidação e financiamento do SUS”; a 6a. Conferência Nacional de saúde indígena; a XI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do adolescente, tendo como tema central “ Proteção integral, diversidade e enfrentamento aa violências” e como o primeiro eixo “garantias dos direitos e politicas publicas integradas e de inclusão social”.


Mesmo que o Governo Bolsonaro tenha extinto o Ministério das Cidades, em 2019 também deverá ser realizada mais uma Conferência nacional das cidades, quando temas importantes como habitação, saneamento, mobilidade urbana, transporte público e coletivo e outros correlatos  que são ou deveriam ser objetos de políticas públicas estarão sendo discutidos pela população.


Como podemos perceber, a resolução dos graves problemas que afetam a população brasileira, não serão resolvidos com o paradigma de “menos governo”, mas sim, com uma atuação racional, transparente, com eficiência, eficácia e efetividade por parte dos organismos públicos. Afinal, a população  brasileira paga através de uma das maiores cargas tributárias do planeta, importância superior a 38% do PIB e é justo que receba bens e serviços governamentais `a altura do que também ocorre em países desenvolvidos.


Vamos pensar e agir de forma mais efetiva para que o controle popular e institucional sobre os governos federal, estaduais e municipais seja um fato e não mera letra morta em nosso ordenamento jurídico.


*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de diversos veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Twitter@profjuacy Blogwww.professorjuacy.blogspot.com

Quinta, 20 Dezembro 2018 20:45

 

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Por Roberto de Barros Freire*
  

Os juízes do STF se caracterizam pelo ego forte e a vontade de obrigar aos demais juízes da corte suas resoluções. Querem que suas posições pessoais prevaleçam sobre as demais, desfazem o que os outros estabeleceram, se contrapõem à decisão da maioria, deliberam segundo seus interesses pessoais que disfarçam nas interpretações tendenciosas de nossas leis. Leis, diga-se de passagem, mal feitas, que cabem inúmeras interpretações, e que esses juízes, cada um a sua forma, dão o tom, o timbre e o sabor que lhe convier, dependendo dos envolvidos.


Gostam de aparecer na televisão e assim deliberam para chamar a atenção de todos, obrigando os jornais a fazerem plantão nos seus corredores, para noticiar mais alguma deliberação tresloucada, entre tantas que dão, algo que vá contra a vontade geral e ao senso comum. Enquanto juízes deveriam manter a magnanimidade e não ficar dando opinião para os jornais, não deixarem as TVS entrarem nos tribunais, transformando-o num lugar de encenações retóricas, onde prevalece o impacto do que se diz, muito mais do que a verdade, o certo ou o justo. Aliás, sempre nos parece que o que menos importa é a verdade, mas se havendo provas, se possam levar elas a cabo, pois dependendo do advogado e do juiz, tudo se torna duvidoso, a começar pelo justo, certo ou verdadeiro.


Ora, o que estamos assistindo, um juiz delibera sobre a prisão, o outro solta, usando até de desculpas esfarrapadas como caso de saúde, o que só vale para prisioneiros ricos: preso pobre só vê médico na cadeia, se ver! O conjunto dos juízes, em sua maioria, deliberaram pela prisão após julgamento em segunda instância, um juiz – Marco Aurélio, contrário a essa tese – manda soltar todos que estavam detidos por essa posição, em deslavada contraposição e desrespeito à deliberação da maioria do STF. Outro solta todos os presos ricos e importantes, mesmo que criminosos afamados, e que constantemente frequentam as páginas policiais e políticas, o que é muito comum nesse país, basta ver o assessor do filho do presidente, os empregados que ninguém sabe o que faz e para que serve: onde está o Moro que não investiga ou manda investigar?


E isso tudo mostra quão pouco confiáveis são nossos juízes, mudando de posição, ou tentando forçar o tribunal a se submeter às suas teses, enfim, julgando as mesmas coisas de forma diferente, em outro momento e com outros agentes, visto que ricos e poderosos tem sempre suas penas abrandadas e diminuídas, enquanto os pobres estão presos sem julgamentos, e quando ocorre o julgamento do mesmo, é capaz de ter ficado mais tempo preso do que deveria pela pena merecida.


Quem não vê que a justiça serve melhor os ricos, os que têm advogados que circulam e convivem pelas esferas dos juízes, que desfrutam de suas intimidades, aqueles que podem pagar para advogados que podem apelar para esferas superiores? Quem acredita que nossa justiça é imparcial, ou sequer justa? Quem acredita que esses juízes são justos e bons? Quem acredita que são honestos? De fato, os juízes estão mais preocupados em manter ou mesmo aumentar suas mordomias, seus privilégios, seu poder, do que buscar o justo; se preocupassem com isso, jamais promoveriam tal aumento que se deram, muito menos garantiriam a bolsa moradia: que eu saiba, só os privilegiados, os que podem legislar em causa própria ou forçar os legisladores a lhes favorecerem, desfrutam dessa regalia injusta e imoral.


 
*Roberto de Barros Freire
Professor do Departamento de Filosofia/UFMT
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Quarta, 19 Dezembro 2018 11:55

 

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Por Aldi Nestor de Souza*



Depois de servir de embalagem para um fogão a gás, de andar quase o país inteiro e de passar pelas mãos de dezenas de trabalhadores, um modesto pedaço de papelão, de bordas imprecisas, ganhou estampa de letras, escritas à mão “livre”, num português retumbante e virou um cartaz que é parte da luta e da esperança de Carmem, mulher negra que o ergue na beira de um sinal de trânsito e orna uma avenida larga da capital, de domingo a domingo.


No cartaz está escrito: “sou venezuelana, peço um trabalho ou ajuda para criar minha filha. Deus te bendiga.”

A filha de Carmem, Juanita, ainda muito pequena, a acompanha na empreitada e fica a poucos metros dela, sentada na calçada, embaixo de uma marquise e, entretida com uma boneca de plástico e com uma casinha improvisada com o resto do papelão do cartaz, parece reunir forças para ignorar a gravidade da situação. Sorrir pros brinquedos e sequer levanta a vista para testemunhar e defender, a mãe, dos motoristas que, alheios ao papelão latino e a mulher, insistem em investidas violentas e a encaram como um simples, e mais um, objeto disponível.

O papelão foi achado num entulho. Com caneta bic, usada, e a ajuda de uma brasileira, Carmem teceu as letras que resignificaram sua própria vida e também a da antiga caixa de fogão, que de símbolo do desenvolvimento e da produtividade da indústria, passou a suporte pra denunciar o modo de produção e de organização social que não prescinde da pobreza extrema, da exclusão, do desemprego e da concentração de renda.

Eram 11 horas da manhã do último domingo. O sol estava em apuros. Carmem protegia a cabeça com um lenço, estampado com motivos indígenas, e o busto com o cartaz que se erguia até a altura do nariz. Usava uma calça jeans e blusa de malha caribenha, que lhe conferia uma certa autenticidade latina. Não olhava nos olhos dos motoristas, nem de ninguém. Mantinha-se ereta e apenas exibia ferozmente o conteúdo do papelão. Seus olhos, azuis, firmes e distantes, fitavam os confins do continente, tão escandalosamente espoliado, massacrado e subjugado.

Carmem entrou no Brasil por Roraima, fugindo da crise que assola seu país, que é o dono de uma das maiores reservas de petróleo do planeta. Mas ela não quer saber de nada disso.  Não quer falar sobre seu país, nem sobre as origens da crise.  Quer apenas se manter viva e criar a pequena Juanita. Ela estava no conflito em Pacaraima,  fronteira do Brasil com a Venezuela, num barraco feito de papelão, no dia em que um grupo de brasileiros ateou fogo nos pertences dos venezuelanos. Nesse mesmo dia, de carona, saiu de lá e veio parar em Cuiabá.

A situação de Carmem é a mesma da de milhares de outros latinos, exilados no próprio continente. Continente que resiste e luta para superar a condição vã de mero fornecedor de braços e de matérias primas para nações distantes e mais “desenvolvidas”. Continente que ainda exibe no corpo as marcas da colonização violenta, da escravidão vergonhosa, das ditaduras sanguinárias e da espoliação intermitente, fruto da lei óbvia de exploração do capital, dos mais fortes sobre os mais fracos.

O cartaz de Carmem e a boneca de Juanita foram o domingo de cada uma delas. A esperança e a denúncia do cartaz, frente a frente com a meninice de Juanita e a ludicidade da boneca, ali no meio da avenida, fizeram da rua um palco a céu aberto  onde muitas contradições do modo de produção capitalista se exibiam livremente, impunemente, descaradamente, pedagogicamente. 

Aproximava-se do meio dia quando Carmem, sem nada conseguir, dobrou o papelão, pôs embaixo do braço e, segurando na mão de Juanita, deixou o sinaleiro. Seguiram por uma rua estreita. Dobraram no primeiro quarteirão. Sumiram.

Nesta segunda feira, pela manhã, lá estavam as duas, no mesmo sinaleiro, exibindo o mesmo papelão latino. Ressuscitando. Lembrei da canção Como la cigarra, de Mercedes Sosa. 

“Tantas veces me mataron,

Tantas veces me morí,

Sin embargo estoy aquí

Resucitando.

Gracias doy a la desgracia

Y a la mano con puñal,

Porque me mató tan mal,

Y seguí cantando.”
 

*Aldi Nestor de Souza
Professor do departamento de matemática - UFMT/Cuiabá
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Quarta, 19 Dezembro 2018 11:53

 

 

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Roberto Boaventura da Silva Sá

Prof. de Literatura/UFMT; Dr. em Jornalismo/USP

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Como estamos em clima de mais um final de ano (e que ano!), aproveito para declarar que adoro minha família, mesmo reconhecendo que, pontualmente, alguns problemas de comunicação ocorrem entre nosotros. 

Outra declaração: parafraseando Belchior, minha família é apenas um grupo de seres latino-americanos, “sem dinheiro no banco e sem parentes importantes”. E mais: ainda vive no interior. 

Mas nem toda família tem essa felicidade toda, o tempo todo. Algumas, quase que do nada, da noite para o dia, entram para o seleto rol das famílias bem-sucedidas. Como emergentes, passam a compor o restrito grupo da elite nacional. 

Todavia, nessa nova condição socialmente adquirida, nem tudo são flores para todas as famílias. Seja como for, dentre outras, cito apenas duas; quiçá, das últimas décadas, as mais emblemáticas dentre os novos ricos deste empobrecido país: a família Silva, do Sr. Lula, hoje, preso por corrupção, e a família Bolsonaro, que já parece poder ter algo em comum com a família Silva. 

Resguardando diferenças de origem no plano baixo de nossa pirâmide social, ambas as famílias são originárias das brenhas: a primeira, da caatinga do Nordeste; a outra, das campinas paulistas. 

Ah! Vale reforçar que estou falando das famílias emergentes das últimas décadas; por isso, não citei pérolas de família quase centenárias, como a Sarney, a Collor, a Neves... e, penso que acima de todas, a Vieira Lima, aquela família de políticos baianos que tem, na mãe, o espelho da aberração comportamental em sociedades capitalistas. 

Isso dito, volto às duas famílias que são o prato principal da ceia deste artigo. Na verdade, vou desprezar a primeira delas, por ora, apeada do poder. A centralidade fica com a família Bolsonaro. 

Antes, outra lembrança: o sr. Jair – militar da reserva, católico, apostólico, romano e... palmeirense – mostrou sua família, durante a campanha eleitoral, como o espaço da perfeição, da harmonia. 

Mas harmonia familiar forjada não dura muito tempo. Assim, a cada dia, surge um susto vindo de algum integrante da nova família presidencial. Quando não vem direto do pai, vem de um dos filhos. Há três! Um deles já terá de explicar, e quiçá pagar caro, por corrupção que ocorria em baixo de seu nariz. 

Ah! Sim. Ia me esquecendo da menina, que parece mesmo não contar muito, pelo menos por ora. E tem ainda a companheira conjugal, que teria dito que retiraria todas as imagens sacras do Palácio da Alvorada. A notícia foi desmentida por Jair. 

Assim, os Bolsonaro têm oferecido ao país um bom exemplo de família desencontrada, pelo menos no plano dos discursos. De manhã, um diz algo; à tarde, o outro desautoriza o dito, que fica pelo não-dito. E assim caminha essa “grande família”, mas sem a graça daquela conhecida do humor brasileiro. 

Mas qual é o problema dos desencontros dessa família, se todas têm dificuldades comunicacionais? 

Por que essa família, assim como a sagrada da Bíblia, subjetivamente, colocou-se para ser exemplo a ser seguido. 

Parece que não, mas isso é problema. Se a cada momento vier uma denúncia, principalmente contra membros e/ou próximos dos Bolsonaro, o Brasil poderá assistir a algo estranho; algo parecido com 64, se é que me entendem... 

Os militares de Bolsonaro não assistirão quietos a uma sangria incontida. O freio virá. Se vier, democraticamente, os “reis barbudos”, lembrando J. J. Veiga, chegarão ao cume da montanha de forma bem asséptica. 

Portanto, neste natal, peçamos a Papai Noel o equilíbrio dos Bolsonaro. 

Se já restou, agora, não resta mais outra alternativa.

Terça, 18 Dezembro 2018 14:27

 


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Artigo enviado pelo Prof. Bruno Pinheiro Rodrigues* 

 

Duas das principais condições para que um regime democrático possa existir são a liberdade de opinião e o respeito à pluralidade política. A democracia moderna é inconcebível sem essas e vice-versa. Uma famosa frase atribuída ao filósofo iluminista Voltaire sintetiza esse pensamento: “Não concordo com uma palavra que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-la”. 

Em que pese a importância dessas considerações iniciais para própria possibilidade da existência em sociedade, é preciso confessar que ultimamente tem sido penosa a tarefa de presenciar o show de horrores nas casas representativas do poder público. Quando as manchetes jornalísticas não anunciam parlamentares descobertos em esquemas de lavagem de dinheiro, desvios, nepotismos ou patrimonialismos, nos informam ideias e fatos, no mínimo, espantosos. 

A bola da vez no Mato Grosso é o projeto de lei 310/2018, protocolado em nome das “lideranças partidárias”, mas segundo a imprensa local, capitaneado pelo deputado estadual Dilmar Dal Bosco. A proposta pretende modificar a lei estadual 7.819/2002, que institui o 20 de novembro como feriado estadual. De acordo com o projeto, “(...) o feriado influência na rotina econômica das cidades afetando diversos setores com o fechamento dos comércios e de prestadores de serviços, causando prejuízos econômicos e impedindo a comercialização dos produtos e a realização do serviço nos feriados”. 

Primeiro, causa perplexidade a ausência de dados para fundamentar a iniciativa. Acredite, o projeto é apresentado essencialmente com este argumento, desacompanhado de estudos econômicos, análises comparativas com outros feriados etc. Um projeto de lei fundamentado no famoso “achismo”. 

Segundo, o calendário anual é repleto de feriados, a maior parte vinculado a eventos do segmento religioso católico. Se realmente o 20 de novembro prejudicasse a economia local, “impedindo a comercialização de produtos e realização de serviços”, por que os outros feriados não comportariam os mesmos efeitos? A preferência de um em detrimento dos outros, provoca a sensação de que esse grupo de parlamentares, no frigir dos ovos, discorda das razões que levam dezenas de municípios e alguns Estados a declararem feriado – nesse caso, seria muito mais digno e honroso se tivessem assumido essa posição. 

Em terceiro lugar, não é preciso ser especialista em economia para entender que se uma parte do comércio fecha, a outra se beneficia com a circulação e consumo; se o fluxo do varejo diminui, na outra ponta aumenta o movimento vinculado ao circuito do turismo, que abarca agências turísticas, empresas aéreas e rodoviárias, restaurantes etc. Em 2017, segundo levantamentos da Fundação Getúlio Vargas e Ministério do Turismo, somente os chamados “feriados prolongados” foram responsáveis pela injeção na economia nacional de 21 bilhões. 

Para além de todas essas questões expostas, é preocupante o nível de desconhecimento histórico e insensibilidade. Uma data como o 20 de novembro possui uma larga trajetória até obter a condição de feriado. Escolhida nacionalmente para relembrar a data da morte de Zumbi dos Palmares, é igualmente o momento onde diversas organizações da sociedade civil, universidades, escolas refletem a memória e atual condição do povo afrodescendente no país. 

A escravidão negra no Brasil atravessou quase 4 séculos. Nos campos ou cidades, homens e mulheres de origem afrodescendente sentiram o peso e a crueldade por terem sido tomados ou nascidos em um sistema socioeconômico que os concebiam como “objeto”, desprovido de humanidade.  Embora seja difícil afirmar com exatidão, iniciativas como a do Slave Voyages – projeto multinacional que conta com pesquisadores de todos os continentes -, estimam que para as Américas foram levados 12 milhões de africanos. Desse valor total, ao menos metade foi introduzida no território luso-brasileiro.



Legenda: “Castigo de escravo”, por Jean-Baptiste Debret

Mato Grosso, como não poderia deixar de ser, também é um estado profundamente marcado por toda essa história.  Desde as primeiras expedições ao oeste brasileiro constam registros da presença negra. A população afrodescendente trazida a essa região não somente foi distribuída nos mais diferentes setores da economia colonial – mineração, agricultura, serviços domésticos e até militares -, mas legou fortes contribuições à identidade mato-grossense, fartamente visível em festas populares, nomes de escolas, praças ou parques. As grandiosas festividades de São Benedito (Cuiabá-MT), a Congada de Vila Bela de Santíssima Trindade e o Parque Mãe Bonifácia, atestam esse passado e presente.


Legenda: Lavagem das escadarias da Igreja de São Benedito, Cuiabá-MT (2017)
 

Não restam dúvidas que essa proposta de alteração do 20 de novembro ignora toda essa história e, especialmente, deixa clara a posição do Estado brasileiro para com a população afrodescendente do país, que é a da negligência. Por que esse grupo de parlamentares, no lugar de propor o retrocesso, não apresenta um projeto de lei para o combate do racismo crescente no Estado? De acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública, somente nos primeiros 4 meses do ano de 2018, 35 casos de racismo foram denunciados à polícia em municípios do Estado. Por que não apresentam alguma proposta para o combate ao desemprego que ainda atinge em cheio a população afro-brasileira? Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2017, dos 13 milhões de desempregados, 8,3 milhões eram pretos ou pardos; em Mato Grosso, mais de 55% dos 160 mil desempregados são autodeclarados pretos ou pardos. Essa mesma pesquisa, realizada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) e divulgada pelo IBGE – aponta outro dado preocupante: entre pretos ou pardos empregados, apenas 67% ganha o mesmo salário que um branco, exercendo as mesmas atribuições. 

Das duas, uma:  ou esse grupo de parlamentares não está devidamente informado sobre todos os aspectos que envolvem o 20 de novembro, ou decididamente resolveu se valer do velho cinismo do Estado brasileiro para com as condições singulares que se encontram a população afrodescendente no país, historicamente explorada, esquecida e desprezada. É preciso mudar essa realidade urgentemente e valorizar cada passo que reconhece esse esforço. A manutenção do status de feriado à Consciência Negra é um deles. Precisamos valorizá-lo e avançar rumo a um país mais humano e justo. 

 

*Bruno Pinheiro Rodrigues é doutor em História, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso e autor do livro “Paixão da Alma: o suicídio de cativos em Cuiabá (1854-1888)”.