Quinta, 03 Março 2016 09:29

 

 

 

Roberto Boaventura da Silva Sá

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

 

No artigo anterior, falei do preço que pagamos por conta de nossas escolhas políticas. Para isso, tratei de um bate-boca em que Chico Buarque se viu envolvido por defender o PT, aliás, direito que ninguém pode lhe tirar; no máximo, discordar, que também tem preço. 

 

Hoje, com preocupação, trato de decisões que vêm sendo aprovadas pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), um dos poucos sindicatos que não se permitiram cooptar (por dinheiro ou cargos) pelo Partido da ordem e congêneres.

 

Mas se o ANDES não se coopta pelas vias explícitas, por que esse sindicato tão relevante tem produzido deliberações que já lhe custam caro?

 

Porque ele tem sido espelho do que é produzido academicamente pela maioria dos docentes. Se o ANDES, em tempos sombrios, opôs-se à ditadura, lutou pela nossa redemocratização e, até quando tinha quadros para isso, enfrentou a abrangência do neoliberalismo que nos vem sendo imposto desde o final dos anos 80, hoje, esse sindicato – que ainda significa resistência – tem feito um dos maiores favores ao governo federal e contemplado alguns interesses do capital. Paradoxos da pós-modernidade!

 

Explico: alguns militantes, de diferentes matizes teóricas e dispostos em quadros de partidos ditos de esquerda, vão “refotografando” a cara do ANDES. Nesse processo, a despeito da manutenção dos discursos em seus materiais, o ANDES tem se afastado de um de seus princípios: ser sindicato classista; logo, tem se tornado um sindicato dividido em grupos sociais: de feministas, negros, LGBTT et alii.

 

O ANDES, hoje, com alguma maquiagem, absorvendo a lógica neoliberal das políticas de inclusão, já é a cara da opção predominante de estudos da maior parte dos acadêmicos. Nunca a Universidade estudou tanto os grupos sociais, fazendo disso, muitas vezes, bandeiras políticas de diferentes segmentos. Assim, a maioria dos docentes militantes tem buscado – antes de identificações de classe social, ou mesmo de categoria profissional – suas identidades de grupos. A unidade de classe só cabe no discurso.  

 

E essa nova face do ANDES me inquieta exatamente porque sou favorável à inclusão de todos – que de fato privilegiam os estudos – nas universidades. Contudo, minha aposta na inclusão não se dá pelo viés das cotas, que são acomodações sociais que o capital impôs às agendas de países “neoliberalizados”. Nada melhor para o sistema do que as cotas. Com elas, consolida-se a desobrigação de se mudar a estrutura social, historicamente excludente.

 

Mas ser contra as cotas tem preço no interior do meu próprio sindicato, afinal, seus defensores acreditam que a simples oposição a isso já é uma das novas formas de racismo. E como racista fui visto pela maioria dos presentes no último Congresso do ANDES.

 

À frente de quase 500 participantes, opus-me às cotas para o ingresso em mestrados e doutorados. Pensei que um cotista da graduação já reunisse condições de disputas igualitárias. Fiz mais: perguntei se o ANDES faria moção de apoio ao governo, que já impôs cotas para o ingresso no serviço público, inclusive em nossa carreira.

 

Minhas provocações custaram-me assédio moral. Ficou difícil até caminhar entre muitos dos intolerantes “companheiros”; eles, sim, racistas.

 

E assim, nós, trabalhadores, vamos nos fragmentando por nossas cores, orientações sexuais, gêneros... Logo, cada vez mais distantes daquele histórico e eloquente “trabalhadores, uni-vos”, vamos nos dispersando, vamos perdendo a verdadeira identidade que deveria nos unir. 

 

Quinta, 04 Fevereiro 2016 21:06

 

 

Quando o professor do departamento de Letras da UFMT, Antônio Rodrigues Pimentel, escreveu, em 1986, o poema “Velhos Tachos”, inspirado pelos objetos que decoravam o saguão do teatro da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), provavelmente não imaginava que, anos mais tarde, eles ainda estariam lá, compondo o cenário preparado para uma emocionante homenagem a ele. É... talvez, pela perspicácia e inteligência, qualidades ressaltadas por todos aqueles que tiveram o privilégio da convivência com Pe. Pimentel, ele imaginasse, sim, que isso pudesse acontecer um dia.

De fato, nessa quarta-feira, 03/01, o Foyer do teatro da UFMT, onde estão alguns dos tachos contemplados por Pimentel, fizeram parte de uma bela cerimônia, que trouxe à tona uma importante parte da sua história como professor, padre e poeta, e também parte das histórias da UFMT, do estado e do país.

Os tachos que ainda decoram o teatro da UFMT decoram, igualmente, a capa do livro do professor Roberto Boaventura da Silva Sá, que tem o título “Abrangência dos vôos poéticos de Avoante do Cariri”. “Aqueles tachos, mais do que decorar espaços, dialogam com profundas e doloridas passagens da nossa história”, pontuou Boaventura. Fizeram parte da vida nos engenhos durante o período colonial brasileiro.

É justamente porque o contexto social está muito presente nas linhas escritas pelo Pe. Pimentel - ou Avoante do Cariri, como também ficou conhecido - que Boaventura dedicou-se a analisar o conjunto da sua obra, deixado pelo próprio autor na mesa de Boaventura apenas dois dias antes da sua (estranha) morte, em 2007. Certamente uma relíquia inestimável! Mas naquele dia, 05/02/2007, duas questões que jamais seriam respondidas se colocaram: por que as obras foram entregues, e por que todos os livros tinham, escrito à mão, exatamente a mesma dedicatória: “Ao professor Roberto, expoente da Adufmat”. Diante da rápida e inesperada partida que impossibilitou agradecê-lo, Boaventura decidiu, então, homenageá-lo.     

Relatos de amigos, colegas, alunos e admiradores retrataram uma relação entre Avoante e a universidade que, aos novatos, é difícil reconhecer. Professor interessado no contato com a população, de olhar atento aos menos favorecidos e às questões sociais, Pe. Pimentel estava sempre disposto a brincar com o conhecimento e apresentar ou descobrir o novo. Certamente, ficaria entristecido se presenciasse as políticas de privatização que avançam sobre sua querida “universidade da selva”, dentre elas, a PEC 395/2014, que autoriza a cobrança de projetos de extensão, um dos tripés da universidade que Pimentel valorizava, pela possibilidade de aproximação entre a comunidade acadêmica e a população local.

Poliglota, escrevia sem nenhuma dificuldade textos em idiomas como latim e francês. Numa perspectiva sempre crítica, registrou sua posição contrária ao regime militar e questionou duramente o sistema capitalista. “Ele não era atrevido, como eu, ou polemista, como alguém me chamou. Ele tinha um jeito especial de fazer a crítica, pela poesia, que às vezes, acredito, fala mais alto do que os textos que eu costumo escrever”, disse Boaventura.

Os ex-reitores da UFMT, professores Benedito Pedro Dorileo e Fernando Nogueira de Lima, também ressaltaram o compromisso social de Pe. Pimentel. “Ele prezava pelo contato com a população menos favorecida. Ele tinha essa compreensão de que é preciso ampliar o contato da universidade com a sociedade, com a comunidade toda, com a periferia. É preciso tirar os doutores do ar condicionado e levar para as ruas”, afirmou Dorileo.   

O professor Fernando Nogueira destacou que aprendeu, com o Pe. Pimentel, que o trabalho intelectual, em especial na universidade, exige que as pessoas tomem posições, e foi assim que entendeu a importância de escrever e emitir opinião. “Também tenho aprendido com você, nessa sua caminhada, com seus textos, Roberto”, acrescentou Nogueira.   

Um outro objetivo do autor de “Abrangência dos voos poéticos”, além de homenagear o professor Pimentel, foi abordado pelo ex-reitor Pedro Dorileo: “esse é um momento muito importante para reviver a história dele [Avoante], até para cobrar pesquisas da UFMT acerca do seu trabalho”, observou.

A atual reitora, professora Maria Lúcia Cavalli Neder, contou algumas histórias da sua relação com o mestre e amigo pessoal, que chegou a dedicar a ela um de seus poemas, intitulado “Bodocó”. O nome é de um município do interior do Pernambuco, onde nasceu a mãe da professora, sobre a qual conversavam bastante. “Quem quiser saber quem era Maria Lúcia aos 22 anos, pode ler o poema”, brincou a reitora.

A presidente da Academia Mato-grossense de Letras e professora da UFMT, Marília Beatriz, enviou uma carta de apresentação do livro, que faria pessoalmente, não fosse o ataque de um mosquito transmissor do zika vírus. “Roberto constrói uma leitura precisa e preciosa da obra do Avoante, desmistificando, inclusive, algumas interpretações errôneas”, escreveu no documento, cuja leitura foi feita pelo professor Elias Andrade.

O professor Abel Santos iniciou sua homenagem com um canto gregoriano, e também relembrou dos bons momentos de convívio com o Pe. Pimentel. Sua mania de brincar com as línguas proporcionou, ao final do evento, uma dinâmica: o professor Germano Aleixo Filho lia as cantigas brasileiras traduzidas pelo Avoante para o latim, e a plateia tentava adivinhar quais eram.

A professora e uma das fundadora da UFMT, Therezinha Arruda, prestigiou o lançamento, e foi fortemente aplaudida ao receber as honras de sua presença, com palavras do professor Roberto Boaventura.     

Um dos momentos de maior emoção foi a leitura de “Velhos Tachos”, feita pela ex-aluna de Pimentel, Claudete Rachid Jaudy. O poema segue transcrito abaixo, acompanhado de um link que remete a análise feita pelo professor Roberto Boaventura.

 

Velhos Tachos

Avoante do Cariri

Desovas em Trovas III, 1986 

 

“Aposentados vos contemplo, ó tachos,

Relíquias eloquentes de um passado!

Recendeis a heroísmo embalsamado,

Acrisolado em mil e um despachos.

Centrastes atenção e sapateado,

Escanchados sobre ígneos capachos,

Enquanto ao vosso bojo, erguia-se em cachos

A escuma pardacenta do melado.

Testemunhas da história urdidura

Que as lágrimas transmuta na fartura,

Luzis no báratro de um céu bem atro.

E, ao refogar doçura em dissabores,

Me segredais, de em meio aos bastidores,

Que a vida nada é mais do que um teatro.” 

Clique aqui para ler a análise do professor Roberto Boaventura do poema acima.  

 

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

 

 

 

Quinta, 04 Fevereiro 2016 20:39

 

Quando o professor do departamento de Letras da UFMT, Antônio Rodrigues Pimentel, escreveu, em 1986, o poema “Velhos Tachos”, inspirado pelos objetos que decoravam o saguão do teatro da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), provavelmente não imaginava que, anos mais tarde, eles ainda estariam lá, compondo o cenário preparado para uma emocionante homenagem a ele. É... talvez, pela perspicácia e inteligência, qualidades ressaltadas por todos aqueles que tiveram o privilégio da convivência com Pe. Pimentel, ele imaginasse, sim, que isso pudesse acontecer um dia.

De fato, nessa quarta-feira, 03/01, o Foyer do teatro da UFMT, onde estão alguns dos tachos contemplados por Pimentel, fizeram parte de uma bela cerimônia, que trouxe à tona uma importante parte da sua história como professor, padre e poeta, e também parte das histórias da UFMT, do estado e do país.

Os tachos que ainda decoram o teatro da UFMT decoram, igualmente, a capa do livro do professor Roberto Boaventura da Silva Sá, que tem o título “Abrangência dos vôos poéticos de Avoante do Cariri”. “Aqueles tachos, mais do que decorar espaços, dialogam com profundas e doloridas passagens da nossa história”, pontuou Boaventura. Fizeram parte da vida nos engenhos durante o período colonial brasileiro. 

É justamente porque o contexto social está muito presente nas linhas escritas pelo Pe. Pimentel - ou Avoante do Cariri, como também ficou conhecido - que Boaventura dedicou-se a analisar o conjunto da sua obra, deixado pelo próprio autor na mesa de Boaventura apenas dois dias antes da sua (estranha) morte, em 2007. Certamente uma relíquia inestimável! Mas naquele dia, 05/02/2007, duas questões que jamais seriam respondidas se colocaram: por que as obras foram entregues, e por que todos os livros tinham, escrito à mão, exatamente a mesma dedicatória: “Ao professor Roberto, expoente da Adufmat”. Diante da rápida e inesperada partida que impossibilitou agradecê-lo, Boaventura decidiu, então, homenageá-lo.     

Relatos de amigos, colegas, alunos e admiradores retrataram uma relação entre Avoante e a universidade que, aos novatos, é difícil reconhecer. Professor interessado no contato com a população, de olhar atento aos menos favorecidos e às questões sociais, Pe. Pimentel estava sempre disposto a brincar com o conhecimento e apresentar ou descobrir o novo. Certamente, ficaria entristecido se presenciasse as políticas de privatização que avançam sobre sua querida “universidade da selva”, dentre elas, a PEC 395/2014, que autoriza a cobrança de projetos de extensão, um dos tripés da universidade que Pimentel valorizava, pela possibilidade de aproximação entre a comunidade acadêmica e a população local.

Poliglota, escrevia sem nenhuma dificuldade textos em idiomas como latim e francês. Numa perspectiva sempre crítica, registrou sua posição contrária ao regime militar e questionou duramente o sistema capitalista. “Ele não era atrevido, como eu, ou polemista, como alguém me chamou. Ele tinha um jeito especial de fazer a crítica, pela poesia, que às vezes, acredito, fala mais alto do que os textos que eu costumo escrever”, disse Boaventura.

Os ex-reitores da UFMT, professores Benedito Pedro Dorileo e Fernando Nogueira de Lima, também ressaltaram o compromisso social de Pe. Pimentel. “Ele prezava pelo contato com a população menos favorecida. Ele tinha essa compreensão de que é preciso ampliar o contato da universidade com a sociedade, com a comunidade toda, com a periferia. É preciso tirar os doutores do ar condicionado e levar para as ruas”, afirmou Dorileo.   

O professor Fernando Nogueira destacou que aprendeu, com o Pe. Pimentel, que o trabalho intelectual, em especial na universidade, exige que as pessoas tomem posições, e foi assim que entendeu a importância de escrever e emitir opinião. “Também tenho aprendido com você, nessa sua caminhada, com seus textos, Roberto”, acrescentou Nogueira.   

Um outro objetivo do autor de “Abrangência dos voos poéticos”, além de homenagear o professor Pimentel, foi abordado pelo ex-reitor Pedro Dorileo: “esse é um momento muito importante para reviver a história dele [Avoante], até para cobrar pesquisas da UFMT acerca do seu trabalho”, observou.

A atual reitora, professora Maria Lúcia Cavalli Neder, contou algumas histórias da sua relação com o mestre e amigo pessoal, que chegou a dedicar a ela um de seus poemas, intitulado “Bodocó”. O nome é de um município do interior do Pernambuco, onde nasceu a mãe da professora, sobre a qual conversavam bastante. “Quem quiser saber quem era Maria Lúcia aos 22 anos, pode ler o poema”, brincou a reitora.

A presidente da Academia Mato-grossense de Letras e professora da UFMT, Marília Beatriz, enviou uma carta de apresentação do livro, que faria pessoalmente, não fosse o ataque de um mosquito transmissor do zika vírus. “Roberto constrói uma leitura precisa e preciosa da obra do Avoante, desmistificando, inclusive, algumas interpretações errôneas”, escreveu no documento, cuja leitura foi feita pelo professor Elias Andrade.

O professor Abel Santos iniciou sua homenagem com um canto gregoriano, e também relembrou dos bons momentos de convívio com o Pe. Pimentel. Sua mania de brincar com as línguas proporcionou, ao final do evento, uma dinâmica: o professor Germano Aleixo Filho lia as cantigas brasileiras traduzidas pelo Avoante para o latim, e a plateia tentava adivinhar quais eram.

A professora e uma das fundadora da UFMT, Therezinha Arruda, prestigiou o lançamento, e foi fortemente aplaudida ao receber as honras de sua presença, com palavras do professor Roberto Boaventura.     

Um dos momentos de maior emoção foi a leitura de “Velhos Tachos”, feita pela ex-aluna de Pimentel, Claudete Rachid Jaudy. O poema segue transcrito abaixo, acompanhado de um link que remete a análise feita pelo professor Roberto Boaventura.

Velhos Tachos

Avoante do Cariri

Desovas em Trovas III, 1986 

 

“Aposentados vos contemplo, ó tachos,

Relíquias eloquentes de um passado!

Recendeis a heroísmo embalsamado,

Acrisolado em mil e um despachos.

Centrastes atenção e sapateado,

Escanchados sobre ígneos capachos,

Enquanto ao vosso bojo, erguia-se em cachos

A escuma pardacenta do melado.

Testemunhas da história urdidura

Que as lágrimas transmuta na fartura,

Luzis no báratro de um céu bem atro.

E, ao refogar doçura em dissabores,

Me segredais, de em meio aos bastidores,

Que a vida nada é mais do que um teatro.” 

Clique aqui para ler a análise do professor Roberto Boaventura do poema acima.  

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Quinta, 08 Outubro 2015 10:48

 

Por Roberto Boaventura

Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT 

Hoje falo da expressão “gatos pingados”, que, geralmente, vem acompanhada de outra expressão: “meia dúzia”. Juntas, tem-se a duplicidade de uma carga semântica que aponta para um grau fabuloso da depreciação de um grupo de pessoas. Quando se quer desqualificar o trabalho coletivo exercido por poucos cidadãos, basta afirmar tratar-se de algo feito por “meia dúzia de gatos pingados”. Paradoxalmente, na história do Brasil, a força dos gatos pingados é constante, é vibrante.

Os estudiosos de nossa cultura não têm acordo sobre as origens da expressão. Por si, o termo “gato” traz uma gama de informações, dais quais destaco alguns tópicos. De chofre, lembro da suposta dificuldade que se diz ter para matar gatos, prática cruel entre diversos povos. Disso decorre a fama de que esses felinos têm sete vidas; logo, por natureza, são resistentes.

Resistente também é o couro de seus corpos. Daí que do couro dos gatos, faziam-se os tamborins e as cuícas que, juntos, na passagem do século XIX para o XX, ajudavam a dar os melhores sons de percussão entre os escravos recém libertos.

Já uma das acepções do verbo “pingar”, de onde vem o complemento da expressão, refere-se aos suplícios que pingos de líquidos ferventes, como a água e o óleo, causavam nos seres em que eram “pingados”. No Brasil, pingavam-se os escravos, os gatos e outros animais, a depender do sadismo do algoz.

Há algumas décadas, Henfil criou a personagem “Gato Pingado” para representar os pouquíssimos torcedores do América Futebol Clube.

Em agosto deste ano, um vereador de Jacarezinho-PR depreciou um grupo de moradores da cidade – chamando-os de “gatos pingados” – que se revoltaram com as mordomias dos políticos locais. Os gatos pingados procriaram-se e algumas das mordomias foram cortadas.

Mas por que estou falando disso?

Porque ajudo na construção de uma greve – que agora já se aproxima do término – de resistência contra a destruição das federais. E nossa greve tem sido conduzida por “meia dúzia de gatos pingados”, como dizem alguns colegas que sempre se opõem às lutas; por isso, nunca resistem a nada.

Mas como é possível um professor universitário se opor a uma greve necessária, num panorama de humilhação a uma das profissões mais importantes a uma nação?

Por vários motivos. Com a imersão do programa neoliberal nas universidades, elas vêm sendo privatizadas aos poucos. Esse processo só ganha espaço porque muitos docentes parecem ter mentes colonizadas. Com a abundância desse tipo de mentalidade, tem sido fácil aos governos imporem a lógica do mercado entre nós.

Logo, por bem pouco e sempre com algo circunstancial (bolsas de projetos de pesquisa, participação em cargos administrações etc), muita gente tem esquecido de olhar para o futuro.  

Aliás, o olhar de muitos é turvo, politicamente falando. Há pouco dias, uma colega dizia sobre seu horror de estar em uma greve, coordenada por meia dúzia de gatos pingados, por mais de 120 dias.

De fato, uma greve longa é um horror, pois demonstra a falta de disposição do governo ao diálogo; no mais, os prejuízos são enormes, principalmente aos estudantes. Todavia, horror bem maior do que isso foi o anúncio do pacote de ajuste do governo, lançado no dia 14/09.

Portanto, é desse pacote, que corta orçamento para todas as políticas públicas, incluindo as verbas para as universidades, que todos os cidadãos deveriam ter horror. Perante os “ajustes fiscais”, tudo é fichinha em termos de tragédia coletiva, inclusive uma greve de resistência como a que estamos vivendo.