Sexta, 26 Agosto 2022 13:33

 

 

A Adufmat-Ssind receberá o sociólogo e professor da Unicamp, Ricardo Antunes, nesta terça-feira, 30/08, para o lançamento do seu último livro, Capitalismo Pandêmico, e um debate acerca do tema "Universidade e os riscos da uberização". 

O evento será realizado no auditório da Adufmat-Ssind, e tem como objetivo mobilizar as reflexões sobre a universidade neste início de semestre, não só entre os docentes, mas entre toda a comunidade acadêmica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), incluindo os estudantes veteranos e calouros.

Ricardo Antunes é referência internacional quando o assunto é Sociologia do Trabalho. Professor titular no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp), já lançou dezenas de livros, entre eles “Adeus ao Trabalho?” (1995), “Os sentidos do Trabalho” (1999), e o “O privilégio da Servidão” (2018), reeditado em 2021. Suas obras são traduzidas em diversos idiomas e publicadas em países como Argentina, Itália, Portugal, Índia, Estados Unidos da América, entre outros.

O debate também será transmitido pelo canal oficial da Adufmat-Ssind no Youtube (clique aqui).

 

Confira a programação: 

17h - Café da tarde

18h - Lançamento do Livro "Capitalismo Pandêmico"

19h - Debate "Universidade e os riscos da uberização"

 

 

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Terça, 23 Agosto 2022 17:43

 

 

O sociólogo Ricardo Antunes estará no auditório da Adufmat-Ssind na próxima terça-feira, 30/08, a partir das 17h. Docente da Unicamp, Antunes foi convidado pelo sindicato para realizar uma atividade de recepção à comunidade acadêmica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que iniciou o semestre letivo este mês.

 

O tema do debate, que terá início às 19h, será “Universidade e riscos da uberização”, mas o convidado também lançará seu último livro, “Capitalismo pandêmico”, durante um café da tarde a partir das 17h, no mesmo local.

 

Ricardo Antunes é referência internacional quando o assunto é Sociologia do Trabalho. Professor titular no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp), já lançou dezenas de livros, entre eles “Adeus ao Trabalho?” (1995), “Os sentidos do Trabalho” (1999), e o “O privilégio da Servidão” (2018), reeditado em 2021. Suas obras são traduzidas em diversos idiomas e publicadas em países como Argentina, Itália, Portugal, Índia, Estados Unidos da América, entre outros.

 

O professor esteve na Adufmat-Ssind em 2016, quando falou sobre a importância das reflexões acadêmicas junto aos movimentos sociais, além do processo de contrarrevolução no Brasil e no mundo, também marcado, naquele momento, pelo processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

 

Confira aqui a entrevista realizada pela Adufmat-Ssind em 2016.

 

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind.

 

        

Terça, 09 Outubro 2018 09:33

 

Em entrevista ao ANDES-SN, o sociólogo e professor da Unicamp, Ricardo Antunes, fala de algumas das questões abordadas em sua última obra "O privilégio da servidão", que traz um retrato detalhado da classe trabalhadora hoje, com suas principais tendências e as mudanças na configuração trabalhistas.

Entre várias reflexões sobre os ataques aos trabalhadores, Antunes faz um alerta. “Estamos na iminência de termos um ultra neoliberalismo, com fascismo, comandado por uma figura farsesca que usa farda. Talvez a gente viva agora o pior momento das universidades públicas se essa tragédia se consubstanciar. Espero que isso não venha a ocorrer, se não entraremos em uma fase mais difícil que na ditadura militar, mais difícil que o neoliberalismo dos anos 90 pra cá. Porque agora seria uma combinação nefasta de ultra neoliberalismo com uma ditadura militar sem limites e com respaldo eleitoral”. Confira a íntegra* abaixo:

Recentemente, você comparou a terceirização à escravidão por aluguel. Poderia explicar essa analogia?

Ricardo Antunes: É uma analogia, quase uma metáfora, mas é importante que isso seja dito. Como é que funcionava o trabalho escravo? Na escravidão havia a compra de uma “coisa”, essa “coisa” era o homem negro ou a mulher negra que, a partir de adquiridos, eram convertidos em propriedade dos senhores de terra, de engenhos, que faziam com que o uso dessa coisa dessa força de trabalho, como quisessem. O que ocorre com a terceirização? A terceirização é de certo modo é uma burla do assalariamento capitalista. Por si só, o assalariamento já é uma troca entre desigualdades, o trabalhador e a trabalhadora vendem um tempo de trabalho, são remunerados por parte desse tempo de trabalho e veem o seu sobretrabalho, ou seja, o tempo adicional apropriado privadamente pela empresa capitalista. Isso significa que existe uma aparente liberdade entre as partes, sempre aparente porque são forças desiguais. É curioso que o liberalismo econômico que deu fundamento ao capitalismo sempre disse que o trabalhador e a trabalhadora podem recusar o trabalho, daí a ideia de liberdade, mas isso é falso. Se eles recusarem a venda da força de trabalho, eles morrem de fome.

O que ocorre com a terceirização? É um processo ainda mais nefasto, porque a empresa que precisa de trabalhadores aluga, junto a outra empresa que fornece terceirizados, uma força de trabalho que vai ser paga pela empresa que contrata o terceirizado no seu espaço, mas aluga a força de trabalho para a empresa que está contratando, e esta então se utiliza dessa força de trabalho e paga um valor em relação ao conjunto da força de trabalho contratada.

Então veja: a analogia é que na escravidão o escravo é comprado pelo proprietário. Na terceirização, o trabalhador e a trabalhadora terceirizados são alugados pela empresa de terceirização ao qual ele e ela estão vinculados e essa empresa de terceirização aluga um plantel de trabalhadores, um, dois, cinco, 10, 500, mil, para uma empresa que as contrata sob a forma de locação. Ou seja, é uma regressão em relação ao assalariamento cuja liberdade já era aparente.  Agora, nem essa liberdade aparente existe mais, porque o trabalhador terceirizado e a trabalhadora terceirizada não têm condições de dizer aceito ou não aceito, negocio o meu salário ou não negocio, quero direitos ou não quero.

É uma forma híbrida que significa uma regressão que nos aproxima do passado escravocrata. Óbvio que todos nós sabemos a diferença entre o trabalho escravo no sentido literal, seja o greco-romano, seja o escravismo colonial - que é parte da chaga brasileira, latino-americana e também norte americana se pensarmos o sul dos Estados Unidos -, e das formas precarizadas de trabalho atuais como as formas s terceirizadas regulamentadas, não regulamentadas, o trabalho intermitente, temporário. Nós sabemos essa diferença. Mas essa força de trabalho é alugada, sem que ela negocie o seu valor. Porque isso é uma negociação entre empresas: a empresa A, que está contratando 100 ou 200 trabalhadores, junto à empresa B. Como se você alugasse 100 carros para colocar a serviço da sua empresa, só que agora você está contratando 100 trabalhadores, ou trabalhadoras. Essa é a alusão a uma nova forma de escravidão, uma escravidão que se acentua na era da escravidão digital. Aliás, esse é o tema do meu livro novo, o privilégio da servidão, entre outros pontos, o novo proletariado da era digital, publicado pela Editora Boitempo.

Já existe no Brasil a terceirização de atividades-meio, mas o grosso da produção ainda não era terceirizado. Já existe em nível mundial a venda de serviços por meio digital, como Uber ou plataformas de trabalho freelancer. Com a nova legislação você acha que esse uso do meio digital para venda de trabalho pode aumentar? Como você vê o avanço da precarização do trabalho de setores com maior escolaridade?

Ricardo Antunes: Primeiro é preciso dizer que a atual regulamentação que trata da terceirização é resultado de uma contrarrevolução preventiva que deslancha com intensidade no governo Temer e tem dois momentos. O primeiro foi a aprovação, no início do governo Temer, que permitia a terceirização. Dizia que a terceirização não é mais restrita às atividades-meio e passa a ser feita também nas atividades-fim. Com isso, se provocava uma medida anterior do TST que fazia distinção entre atividade-meio e atividade-fim, permitindo a terceirização nas atividades-meio, as atividades de alimentação, segurança, os que não são vitais para as empresas, mas que são imprescindíveis para que o vital seja produzido. Nesse período, certamente, chegamos a 12 ou 13 milhões de trabalhadores terceirizados nas atividades-meio, ou mais. Mas os capitais exigiam mais. E como a medida do Temer ampliou a terceirização, ela também criou um embate jurídico – decidido há poucas semanas pelo STF. Foi um ato inaceitável do Supremo na medida em que ele vai além do que foi decidido no decreto de Temer, permitindo a terceirização total. No meu livro há um capítulo da “Sociedade da Terceirização Total”. O que significa isso? Não só a terceirização das atividades digitais, que são quase todas hoje. O debate sobre o capitalismo 4.0 é digitalizar tudo. Ou seja, o mundo do trabalho hoje é uma combinação complexa de atividades digitalizadas e manualizadas, em uma relação muito profunda. Não é uma versus a outra. Basta dizer que, para que um celular seja feito, uma “obra do mundo digital”, é preciso que haja extração do trabalho mineral – que é uma das mais brutais atividades laborativas manuais. Na China, nos países asiáticos, na África, na América Latina. Nos países pobres, do Sul do mundo, nas periferias. 

O STF estendeu a terceirização para todas as atividades. E, em uma afrontosa confrontação com a realidade, dizendo que a terceirização não precariza. Então, vou fazer uma provocação: se a terceirização não precariza, eu sugiro que todos os ministros do Supremo, que votaram pela terceirização, terceirizem seus trabalhos! Seria uma maravilha ver os sete que votaram a favor da terceirização virarem ministros terceirizados. Aí eles vão perceber a diferença da atividade terceirizada, na qual a burla da legislação protetora do trabalho é mais frequente, as jornadas são mais intensas, os assédios mais violentos, a divisão sexual do trabalho faz com que as mulheres trabalhem ainda mais do que os homens, as negras mais que as brancas, as mulheres indígenas mais que as mulheres brancas, em uma cadeia da precarização. 

Isso afeta também as atividades que o Bordieu chamava de atividades que dispõem de mais capital cultural. Você pode terceirizar agora a ponta, a atividade-fim da empresa. Em um hospital você pode terceirizar o médico. Em uma universidade, pública ou privada, você pode terceirizar todas as atividades docentes. Em uma empresa de transporte aéreo você pode terceirizar os pilotos. E assim sucessivamente. Um ministro do TST usou uma frase em um debate que participamos juntos meses atrás: a porteira está aberta. E nesse caso, a porteira aberta é do inferno. Nós estamos regredindo a formas da escravidão do trabalho, inclusive escravidão do trabalho digital. Porque agora eu posso te acordar de noite para que você vá trabalhar. Eu posso, por exemplo, ir para uma indústria de fast food. Chego lá às onze para atender o horário de almoço, mas se o trabalho não for necessário eu não sou chamado, fico lá esperando até de noite. O restaurante sem movimento, eu não recebo nada e volto pra casa. Isso é uma forma de escravidão digital. Basta um celular para eu ser chamado. Como serei pago se não trabalho? E é tão lesivo isso que eu sou considerado empregado, mas não tenho emprego. Isto é muito importante: passa a ser possível e já está sendo feito nessas atividades dotadas de formação específica. Não há mais barreiras claras entre o que pode e o que não pode, uma vez que tudo pode. No limite, o judiciário pode ser terceirizado. E a questão não é jurídica, é social e política. 

São essas questões que movem e empurram as decisões jurídicas. O judiciário não tem autonomia nenhuma, ele é a expressão da vida real. E a vida real hoje, no mundo do capitalismo destrutivo, introduz o contrato de ‘zero hora’. Te chamo, você vem, trabalha e ganha pela hora que trabalhou. Se eu não tenho trabalho, não te chamo, você fica esperando e não recebe nada. Na Itália, há salário pago em voucher. Você recebe um voucher pelas horas que trabalhou. Até o salário por voucher é burlado, porque o empresário diz não poder pagar por voucher (esse sistema vigorou por pouco tempo porque o sindicalismo italiano o combateu e conseguiu travá-lo no ano passado). Além do precarizado legal, que é acintoso porque é a superexploração do trabalho, há o precarizado ilegal. Em Portugal, isso se chama ‘recibos verdes’. O exemplo mais espetacularmente visível disso hoje é o Uber. O trabalhador que tem seu carro não é dono dos meios de produção, ele tem o instrumento de trabalho, há uma brutal diferença. Ele paga pelo seguro do carro, paga pela manutenção, pela limpeza, paga se o carro quebra, não tem seguro-desemprego. O Uber diz que não é uma relação de trabalho. Todas essas empresas, citamos o Uber porque há uma massa enorme de trabalhadores no Brasil e no mundo. Se o trabalhador está desempregado hoje, a única alternativa que ele tem de emprego imediato é tendo um carro e se filiar ao Uber. Muitos se endividam para alugar ou comprar um carro e trabalhar como loucos para pagar isso e ganhar alguns poucos reais líquidos. Esta tragédia não tem mais limitação de onde pode chegar. O mínimo que se pode esperar em um processo eleitoral de candidaturas que tenham um mínimo de relação com a classe trabalhadora é que essa legislação deve ser revogada. Aliás, alguns candidatos têm dito isso abertamente. Na esquerda e na centro-esquerda. É selvagem essa legislação. E o empresariado não quer nem ouvir falar de qualquer tipo de mudança, eles querem é mais. 

Em relação ao Uber, qual o papel ideológico que cumpre o conceito empreendedorismo?

Ricardo Antunes: Eu também exploro isso no meu livro e é muito importante. Nós estamos em um cenário global, no qual o desemprego é regra e o emprego é exceção. A precarização, flexibilização, desregulamentação, trabalho intermitente, trabalho temporário tendem a ser cada vez mais a regra, especialmente nos serviços que diferem de uma fábrica, porque ela precisa de um trabalho sistemático. A indústria de serviços é diferente da indústria de transformação. Nesse contexto, como o desemprego se amplia enormemente e a legislação protetora do trabalho está sendo toda destruída, é necessário haver uma saída ideológica e política para a massa de trabalhadores desempregados. E o empreendedorismo é essa palavra mágica. Vasta, falaciosa, mentirosa. De cem empreendedores, quantos são bem sucedidos? As pesquisas precisam começar a mostrar isso. Quando a Globo, a Bandeirantes, colocam na televisão os maravilhosos exemplos de empreendedorismo colocam o que foi bem sucedido. Mas os milhares que pegaram seu fundo de garantia e investiram em um pequeno empreendimento comercial e fracassaram – por dívidas bancárias, pela regressão do mercado, pela crise econômica – não aparecem. Como a ideologia do empreendedor existe a nível mundial ela é muito poderosa. Ela dá a ideia do proprietário de si mesmo, mas omite a que é a do proletário de si mesmo. Porque o empreendedor tem essa face duplicada: é proprietário de si mesmo e proletário de si mesmo. Muitas vezes, ele proletariza a família. Ele enseja em si mesmo essa contradição de ser proletário e proprietário. Ela é poderosa enquanto ideologia e mentirosa e falaciosa enquanto concretude. Muitos perdem e por isso há aumento do suicídio. O empreendedorismo tem a aparência da vitória e a concretude da derrota. O fundamento do neoliberalismo em sua versão mais destrutiva (estamos vivendo uma terceira onda, mais devastadora, do neoliberalismo) é o individualismo possessivo entre os despossuídos. Ou seja, você é responsável pelo seu avanço. Se você fracassar é porque não tem ‘empregabilidade’, você não se preparou para preservar seu emprego. O que é uma mentira. Uma corporação quando decide fechar uma unidade produtiva no Brasil para levá-la para a China o desemprego que disso decorre não é motivado pela incompetência, despreparo ou falta de qualificação do trabalhador. 

Na Europa, há uma massa imensa de jovens ultra qualificados sem trabalho. Eles vão trabalhar em que? Engenheiros, economistas, sociólogos, etc. Vão trabalhar em hotéis, restaurantes, áreas de serviço de baixíssima remuneração, para as quais não seria imprescindível a formação. Na Universidade de Veneza, onde leciono há quase uma década como professor convidado, muitos de nossos alunos vão trabalhar abrindo e fechando portas dos 'vaporetos' - o transporte aquático. O máximo que se pede de qualificação é que se saiba falar inglês. Ganham 500 a 600 euros por mês, trabalham seis dias por semana e têm contrato de cinco ou seis meses que frequentemente não são renovados. São engenheiros, administradores, advogados. Outros estão em hotéis, supermercados, nessa massa de serviços que criou um imenso proletariado. Esta é a tendência do capital em escala global, das corporações ‘autossustentáveis’ - cômico se não fosse trágico. 

As grandes corporações da educação – a maior do mundo atua no Brasil – fragmentam o trabalho. Uma pessoa é responsável pela escolha do livro que será comprado pela universidade junto à editora e passará a ter o selo da universidade. Outra pessoa vai dar aulas sobre o livro que não foi ele que escolheu. Outra vai preparar a prova sobre o livro tratado em uma aula que ele não participou. E outra vai corrigir a prova de uma aula dada por uma, cujas questões foram preparadas por outra e cujo livro foi escolhido por outra. Você acrescenta, a isso, a educação à distância e tem empresas de educação com mais de um milhão de estudantes. Isso é muito mais lucrativo do que a indústria automobilística. Por isso que existe hoje uma voracidade pela privatização da escola pública. No caso brasileiro, a educação pública, que é a menina dos olhos do capital corporativo global, é formada pelo conjunto de universidades e escolas públicas que eles querem privatizar. E onde há luta, resistência, combate, isso não viceja tão fortemente, como a greve de trabalhadores de fast food dos EUA, a greve dos trabalhadores da limpeza da Justiça de Londres, greve de professores públicos em vários países do mundo. Onde o sindicato está despreparado ou cooptado, isso passa mais facilmente. Se o mundo corporativo puder, ele elimina os sindicatos. 

Aliás, Hayek já dizia, décadas atrás, algo como “os sindicatos são as corporações do trabalho, e essas corporações são nefastas para o capitalismo”. E é por isso que o neoliberalismo, forma do capitalismo do nosso tempo - uma fusão de ultraneoliberalismo com a destrutividade do capital financeiro - faz com que os sindicatos que interessem sejam apenas os com visão patronal, de colaboração e conciliação. Os sindicatos de confrontação não interessam ao capital. Não é por acaso que as universidades argentinas foram destruídas pelo neoliberalismo sob a ditadura militar. Se nós vamos para o Chile, em cada esquina há uma faculdade privada, porque o ensino público excelente que o Chile tinha até [o governo de Salvador] Allende foi destruído pelo neoliberalismo da ditadura militar de Pinochet. Atenção: estamos na iminência de termos um ultra neoliberalismo, com fascismo, comandado por uma figura farsesca que usa farda. Uma espécie de fascismo de farda. Talvez a gente viva agora o pior momento das universidades públicas se essa tragédia se consubstanciar. Espero que isso não venha a ocorrer. Senão, entraremos em uma fase mais difícil que na ditadura militar, mais difícil que o neoliberalismo dos anos 90 pra cá. Porque agora seria uma combinação nefasta de ultra neoliberalismo, com uma ditadura militar sem limites, e com respaldo eleitoral. Você é capaz de adivinhar o tamanho da confusão.  

E quais os efeitos para a educação pública?

Ricardo Antunes: A criança de 5 anos vai ser educada a poupar, fazer contas e aplicar no mercado. O ensino da filosofia, da sociologia, a história do país, uma ciência da saúde comprometida com as necessidades da população: tudo isso vai deixar de existir. Teremos faculdades privadas, ensino médio privado, ensino de base privado, e o mercado imporá quais são as questões vitais. E as questões vitais para o mercado são as mais destrutivas para a humanidade. E as questões vitais para a humanidade não interessam para o mercado. A dilemática do momento que entramos é: queremos uma educação para a humanidade ou uma educação destrutiva que favoreça a valorização e os lucros do mercado? Essa é a questão crucial de nosso tempo.

*Uma versão editada da entrevista foi publicada no InformANDES de Setembro. Clique aqui para ler o jornal.

 

Fonte: ANDES-SN

Imagem: Antonio Perri

 

Segunda, 28 Novembro 2016 09:25

 

Por Luana Soutos

 

A Adufmat - Seção Sindical do ANDES ficou pequena para todos os interessados em ouvir o cientista político Ricardo Antunes durante o debate “A crise, desafios e perspectivas para as lutas sociais e sindicais”, realizado em 23/06/2016.

 

Dentro de uma instituição movida por trabalhadores para formar trabalhadores, não poderia ser diferente o interesse por uma das maiores referências nos estudos sobre o Mundo do Trabalho.

 

Muito articulado e bem humorado, Antunes falou com a seriedade e humanidade necessárias sobre a conjuntura política do país e do mundo, a crise econômica, e as consequências de tudo isso para todos nós.

 

Pouco antes de iniciar o diálogo com as mais de 300 pessoas que prestigiaram o evento, o docente da Unicamp falou exclusivamente com a Adufmat-Ssind sobre as universidades públicas nesse cenário. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.    

 

 

Adufmat-Ssind: A intenção dessa entrevista é focar na precarização das universidades. Por esse motivo, gostaria de começar perguntando qual a sua definição de precarização.

 

Ricardo Antunes: Precarização é um processo. Não é uma coisa estanque, não existe uma precarização. Existem modos distintos de ser da precarização. Ela ocorre quando as condições de trabalho são aviltantes, quer no que concerne a intensidade do trabalho, como jornadas extenuantes; quer no que concerne a burla em relação a legislação protetora do trabalho, ou a legislação social de determinado país que explicite o que seja um trabalho considerado normal. Quando você burla essa normalidade, não numa jornada excepcional, a hora extra em um dado momento, mas quando essa hora de trabalho é frequentemente burlada, você tem um processo onde a precarização se efetiva. E a precarização ocorre, fundamentalmente, quando o trabalho se encontra próximo da informalidade – o que é muito frequente nos processos de terceirização, onde a precarização se intensifica. Mas a precarização não ocorre apenas no trabalho terceirizado. Ela ocorre toda vez que há desrespeito a legislação protetora do trabalho. Nós estamos vivendo um processo global de precarização do trabalho. É um fenômeno mundial. E no Brasil nós estamos na iminência de nos defrontarmos com o desmonte da legislação social protetora do trabalho, que foi conquistada por muita luta da classe trabalhadora brasileira.             

 

AD: De que maneira esse processo de precarização atinge e educação, a universidade?

 

RA: Atinge de maneira muito ampla e diversa. Inicialmente, esse processo de precarização incidiu no mundo privado. Desde 1973, o capitalismo vem substituindo o padrão taylorista e fordista de trabalho, que também precarizava enormemente, mas era um padrão que, devido as lutas operária e da classe trabalhadora, comportou os direitos do trabalho. A classe trabalhadora vem lutando desde a segunda revolução industrial inglesa. Tivemos movimentos como o Ludismo, depois o Trade-unionismo, as greves, o Movimento Cartista, lutas que se esparramaram para o mundo ocidental, para os partidos socialistas, os partidos comunistas e sociais democratas. Todo esse processo consolidou uma legislação social protetora do trabalho. Mais avançada nos países capitalistas centrais, e mais burlada nos países do sul do mundo, da chamada periferia. Essa precarização no mundo privado vai aos poucos sendo impulsionada para dentro do Estado, especialmente durante o advento do projeto neoliberal. O neoliberalismo tem, fundamentalmente, a concepção de que o Estado não é fraco. O neoliberalismo não quer um Estado fraco. O neoliberalismo quer um Estado forte, mas estritamente para garantir os interesses das grandes corporações, porque o mundo em que nós vivemos tem hegemonia do sistema financeiro, do capitalismo financeiro, e da burguesia financeira, que é uma fusão da burguesia industrial com a burguesia bancária. E essa imposição financeira, típica do neoliberalismo, fez com que o Estado todo fosse privatizado. Todas as atividades do Estado que podem dar lucro devem ser privatizadas. Até o cárcere. Nos Estados Unidos, também no Brasil, em Minas Gerais, no governo Aécio Neves, eles criaram cárceres privados. O neoliberalismo é um modelo que vislumbra a exploração privativa até mesmo de atividades que, em princípio, não foram concebidas para serem privadas. Isso mostra que o Estado passou a ser todo fatiado: você tem trabalhadores e trabalhadoras estatutárias, com estabilidade; aí você passa a ter trabalhadores terceirizados dentro do Estado; depois você passa a ter trabalhadores contratados pela CLT; depois trabalhadores substitutos. Em algumas universidades públicas, sejam estaduais ou federais, a quantidade de professor  substituto hoje já é maior do que de professor efetivo. Esse é um caminho para que, aos poucos, desefetivem o professor, retirem aquela ideia da carreira, do direito, da estabilidade, da ascensão na carreira acadêmica, com uma modalidade flexível de trabalho contratado por hora. Muitas das faculdades privadas já nem fazem mais contrato de trabalho. Elas contratam um professor e o vinculam a uma cooperativa, que é das próprias empresas. Então, é uma falsa cooperativa. A cooperativa faz com que você se converta num cooperado, num PJ (Pessoa Jurídica), e você dá aula e recebe; se não dá aula, não recebe. Se adoece, é problema seu. Você volta a trabalhar quando você sarar. Se você tem seguridade, previdência, você consegue se suportar fora; se você não tem, vai passar a vivenciar as agruras de um trabalhador desempregado. A precarização atinge o setor público, e em particular a universidade, por uma imposição da lógica da racionalidade privada. É a tragédia mais grave. E é o que esse governo ilegítimo e golpista também está tentando impor. Durante o governo Dilma, também houve precarização do trabalho docente em grande intensidade. Houve a concessão a valores privatistas. Mas é evidente que o caráter do governo atual é impor essa lógica. Se esse governo puder, vai privatizar todas as universidade e todas as demais atividades que forem possíveis. Com isso, nós caminhamos para uma situação onde o trabalhador e a trabalhadora do espaço público terão uma lógica destrutiva semelhante ao trabalhador e a trabalhadora do espaço privado. 

 

AD: Como ficam as relações nesse processo, tanto do trabalhador com a universidade, quanto entre os colegas de trabalho?

 

RA: As relações, no setor público, perdem o caráter de uma atividade dotada de sentido. Vejamos um exemplo: você percebe muitos professores que já teriam idade para se aposentar e não se aposentaram. Eu mesmo poderia me aposentar com o salário que eu ganho, ficaria em casa lendo, estudando, escrevendo ou passeando, sem precisar desenvolver atividades acadêmicas. Eu não me aposento porque eu vejo a atividade docente como dotada de sentido. É um valor. Não é maravilhoso poder, como um cientista social, pedagogo, químico, matemático, físico, ou historiador, discutir, pensar, no âmbito da sua atividade central, os desafios principais do país e do mundo, e poder contribuir com isso? Poder lutar pela preservação da universidade pública, pelo ensino público? É vital! E, por isso, muitos professores que já poderiam de aposentar, não se aposentam. Porque acham que têm condições de continuar. Ou porque começaram a trabalhar muito cedo, e crêem que têm condições de continuar numa fase de maturidade intelectual como pesquisador e cientista. Esta é uma relação fundada num ato volitivo autêntico, um ato de vontade, porque o trabalho é dotado de sentido. Quando você passa a ter uma lógica privatista, o produtivismo não mensura a qualidade docente. Por exemplo, é uma aberração que, nas Ciências Sociais, um livro não tenha o valor que ele realmente tem, e nós sejamos obrigados a produzir uma infinidade de artigos, muito frequentemente de qualidade duvidosa, numa avaliação séria. Porque é o fazer pela necessidade de fazer. O ato científico, o labor que leva a preparação, à escritura de um livro, não pode ter o tempo do mercado, como se eu estivesse vendendo abacaxis ou hambúrgueres. Ele não pode ter essa lógica produtivista. E o principal elemento que corrói as relações de trabalho é a ausência de sentido, quando o trabalho se torna uma imposição, algo que tem de se fazer pra sobreviver. Um autor que foi muito feliz nessa discussão, num livro chamado “A corrosão do caráter”, foi o Richard Sennett. Ele diz que, no trabalho no mundo privado, as pessoas são tão voltadas a eliminar o outro na concorrência, sobreviver com a eliminação do outro, que os valores são dilapidados.  Nesse contexto, surge uma sociedade com terreno propício para o desenvolvimento da corrosão do caráter, e isso reflete nas relações. E é o que nós estamos percebendo no mundo atual. Quantos gestores do Capital, ou funcionários do Capital, ou assalariados do Capital, para poderem garantir o seu espaço, não fazem aquilo que o ideário empresarial nos impõe? Eu publiquei, numa coleção pela editora Boitempo, o livro de uma colega francesa, Daniele Linhart, chamado “A desmedida empresarial”.  Ela afirma que o empresariado tem uma desmedida: extrair mais valor, mais lucro e mais riqueza do trabalho, seja material, imaterial, manual, ou intelectual. E é evidente que isso corrói as relações que devem fundar o trabalho dotado de sentido. Por isso o meu livro chama-se “Os sentidos do trabalho”, também publicado pela editora Boitempo. O trabalho não tem apenas um sentido. Se o trabalho é voltado para a humanidade, ele tem um sentido de criação. Se o trabalho é para a criação de valor de troca e de riqueza de outrem, ele tem um sentido de obrigação. Por isso eu usei uma vez uma metáfora: o pêndulo do trabalho. O trabalho oscila, sendo um elemento vital da humanidade e ao mesmo tempo o Capital procura torná-lo o mais supérfluo possível. A tragédia dos capitais é que eles não podem se reproduzir, se ampliar, sem o trabalho vivo. Por isso eles depauperam, corroem e dilapidam o trabalho. Podem reduzi-lo ao máximo, desempregar ao máximo, precarizar ao máximo, mas não podem eliminar. Porque se os capitais eliminam o trabalho vivo, eles morrem. Essa é a tragédia do Capital. O Marx percebeu isso na sua obre genial, de combate, que foi o Manifesto Comunista. Ele dizia isso, o Capital cria o seu próprio coveiro. O Capital não pode se expandir sem impulsionar o crescimento do trabalho. É claro que, do século XIX para cá, muita água rolou, e isso eu tenho procurado trabalhar nos meus textos; no “Os Sentidos do Trabalho”, no “Adeus ao Trabalho”, que foi publicado há 12 anos. No ano passado, saiu uma edição linda da Editora Cortez em homenagem ao livro. De certo modo, uma edição especial de 20 anos. Esse tem sido os temas dos meus livros posteriores também.

 

AD: E quanto ao trabalhador docente, o que você tem observado?

 

RA: Adoecimentos. Suicídios. Estresse. Competitividade acirrada entre eles. A vontade de aposentar-se o mais cedo possível, que é o contrário que eu falei da minha geração. Eu me lembro do Otávio Ianni, querido mestre e amigo. Quando ele fez 70 anos, foi um momento de grande tristeza para ele, porque a compulsória o expulsou da universidade. Quando ele parecia um menino, um jovem trabalhando na Unicamp. O Otávio dando aula com 70 anos tinha mais vontade de trabalhar do que um professor de 25 anos. Quando ele recebeu um bilhete burocrático da universidade, de alguma máquina burocrática infernal que disse “a partir de hoje o senhor limpe as suas gavetas”, ele ficou enfurecido, porque algum burocrata deu um comando e “pumba, cai fora da universidade, por lei”. É nesse sentido que a gente tem de entender a condição docente. Nós estamos cada vez mais vulneráveis. Somos cada vez mais impulsionados a uma produtividade sem sentido, cada vez mais competitivos entre nós. Se nós não formos capazes de resistir a essa impulsão privatista, com a nossa solidariedade, com as nossas associações sindicais, a universidade pública vai desaparecer. Eu tenho confiança na força docente, dos estudantes e dos trabalhadores técnico administrativos. Nós já resistimos à ditadura militar, resistimos à primeira fase dura do neoliberalismo, com Collor e Fernando Henrique, resistimos à segunda fase do social liberalismo com Lula e Dilma - que tem diferenças, é preciso dizer, no que diz respeito à universidade pública. O governo Lula, e um pouquinho do governo Dilma, expandiram muitas universidades, mas em condições de precariedade. Ao mesmo tempo em que, criminosamente, isentou a tributação de grandes empresas de ensino superior de tal modo que, hoje, o mais importante grupo privado econômico do mundo, que atua no ensino superior, está no Brasil. Se os governos de Lula e Dilma não fossem tão pró privatistas, não teriam destinado uma soma vultuosa de recursos que deveriam ser canalizados estritamente para o ensino de primeiro grau, segundo grau e ensino superior para programas como Prouni e Fies, incentivando escolas privadas, com o pretexto de que os pobres podem ir para a escola privada com bolsa. Mas por que os pobres devem ir para as escolas privadas quando a classe média e os ricos sabem que a escola pública de ensino superior é melhor? Nós já sabemos. A ditadura militar destruiu os ensinos de primeiro e segundo grau públicos, durante os anos em que dominou, entre 1964 e 1985. Mas ela não conseguiu destruir a universidade. Quem quer destruir a universidade agora é o neoliberalismo, nas suas variantes pura ou branda.

 

AD: Dentro dessa lógica capitalista imposta aos serviços públicos, o que dizer sobre a mercantilização da educação?

 

RA: É mais ainda do que a mercantilização. É a mercadorização da educação. É uma distinção sutil, mas importante. Se você analisar os documentos do Banco Mundial de décadas anteriores, eles já sinalizam esse processo há muito tempo, pelo menos duas décadas. Nosso amigo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Leher, estudou isso com muita competência, e por isso tornou-se reitor da UFRJ. Ele estudou o sentido perverso do neoliberalismo na educação superior. Nós sabemos que o Banco Mundial e todas essas agências de fomento internacional já redefiniram a educação, que passou a ser tratada como negócio, como serviço. E se a educação é um negócio, um serviço, ela não é diferente de um supermercado, de uma empresa de celulares, que também oferecem serviços e negócios. E na medida em que a educação pública é empurrada para o mundo da mercadoria, das commodities, a educação deve criar valor e riqueza para os interesses privados. É uma lógica onde a educação é concebida para o mercado. Esse governo ilegítimo e golpista está propondo que a nossa universidade siga os imperativos do mercado, mas o mercado é muito destrutivo. Então, a mercantilização ou a mercadorização da universidade quebram o que é vital na universidade pública, que é o seu sentido de rigor científico, e independência reflexiva. Se eu sou pago por um banco, como é que eu posso ter independência para denunciar a tragédia do mundo financeiro? Nesse espaço de tempo em que nós estamos conversando, vinte, trinta minutos, é incalculável o quanto os bancos ganharam, só no Brasil. As empresas são tão nefastas que, quando elas não conseguem quebrar a universidade pública, elas criam a universidade corporativa, que é um verdadeiro inferno. Porque o boneco que é formado nessa universidade corporativa não é um ser humano societal, livre de espírito. Lembro do Otávio de novo aqui. Ele disse uma vez: “universidade não rima com mercado. Universidade rima com universalidade.” E a mercantilização, ou mercadorização, das universidades é um elemento vital que nós temos de impedir que seja vitorioso. Eu tenho confiança na luta dos estudantes. Por isso as ocupações. O que o governo Alckmin está fazendo em São Paulo? Ele propôs, no ano passado, reduzir escolas para melhorar a educação pública. Alguém acredita que isso vai melhorar o ensino público? É, na verdade, um projeto racionalista, privatista e destrutivo. Porque se você destrói a educação pública, você está favorecendo a educação privada, mesmo que isso não apareça de cara. É por isso que o ensino superior no Brasil tem mais de 80% das matrículas no setor privado. É uma tragédia que isso ocorra. Nós estamos tendo uma diminuição do espaço público, porque quanto menos recurso você tem para o espaço público, mais você abre o bolo, o butim, para ser saqueado pelas escolas privadas de ensino superior, que não têm outro objetivo se não fazer com que a escola seja uma máquina de lucro.

 

AD: E a qualidade do ensino?

 

RA: A consequência de tudo isso é que a qualidade da universidade pública é depauperada. E nem existe universidade privada no Brasil, existem faculdades, existem institutos de ensino superior. Com exceção das PUC’s, que não são privadas, propriamente. Vêm se tornando privadas, privatistas na sua orientação, mas são escolas de origem confessional. Com exceção de uma ou outra escola que nasceu com valor diferenciado, as faculdades superiores privadas são o exemplo mais cabal do embrutecimento do ensino reflexivo e crítico, da pesquisa de ponta. É impossível um professor fazer pesquisa de ponta se ele dá vinte, trinta, quarenta horas de aula por semana. Para você fazer pesquisa de ponta, poder debater as suas produções no cenário nacional, internacional,  você precisa ter tempo de pesquisa e de reflexão. Essas escolas privadas superiores, ou as escolas superiores públicas que sofrem constrangimentos para serem privatizadas, depauperam a qualidade. A discussão de fundo disso é que existe uma nova divisão internacional do trabalho, onde a produção científica e de qualidade é para o norte do mundo e a produção pobre, o lixo produtivo, vem para o sul do mundo. As indústrias mais poluentes, mais destrutivas. O país das commodities. Nós produzíamos minério, vimos a tragédia de Mariana. A tragédia de uma morte anunciada. Teremos outras. O etanol que destruiu inúmeros espaços de agricultura familiar e que cria um proletariado rural que vive o vilipendio mais intenso. Lá na Unicamp, nós temos uma publicação em série chamada “A riqueza e a miséria do trabalho”. Já publicamos três livros, também pela editora Boitempo, e estamos agora preparando o quarto e o quinto números. Em São Paulo, a produção média de um trabalhador ou de uma trabalhadora no corte da cana de açúcar é de dez a doze toneladas por dia - que cada trabalhador corta. Depois de alguns anos você pode imaginar o corpo destroçado e a sua dimensão psíquica completamente vilipendiada. Depois de anos, muitos deles fabricam a destruição do próprio corpo produtivo, do próprio corpo reflexivo, da sua dimensão material e simbólica, da sua dimensão manual e espiritual, trabalhando por produção para melhora um pouquinho o salário, ao mesmo tempo em que produzem a riqueza para o agronegócio.

 

AD: Movimento Escola Sem Partido. O que ele representa?

 

RA: É a expressão da direita, da contrarrevolução em curso no Brasil e em vários outros países do mundo. Nós estamos vivendo um estado onde houve um golpe, com o processo de deposição da Dilma, e iniciou-se um processo de um golpe parlamentar com certas ressonâncias judiciais, que configuram um estado de exceção. Eu não faço a mais remota defesa do governo Dilma. Não é que ela era um ótimo governo popular e caiu por isso. Longe disso. A Dilma foi parte de um governo, como o de Lula, que serviu às classes dominantes. Usaram e abusaram dele até a hora que ele se mostrou inútil. Agora eles querem um governo terceirizado à la Temer. É um governo terceirizado. Eles põem lá uma marionete que faz o que comanda o capital financeiro. Não é por acaso que o Meireles foi chamado para ser o homem da economia. E, pasme, o mesmo Meireles que foi chamado para ser o homem central da economia no governo temer, era o homem da economia central do governo Lula, porque era o presidente do Banco Central. O que mostra que há continuidades entre eles. Nós temos no plano ideológico, uma luta contra o direito da mulher definir o aborto, uma luta contra aqueles que não praticam relações afetivas nos moldes do padrão patriarcal. Então eles são brutalmente vilipendiados. Lembre-se que recentemente houve um massacre nos Estados Unidos, para não falar dos nossos aqui. Do estupro à jovem, no Rio de Janeiro. São vilipêndios de vários tipos, e um desses vilipêndios mais brutais é querer que o professor seja um boneco neoliberal pago pelo capital financeiro como um palhaço, para usar o grande escritor inglês, Charles Dickens, no seu livro Tempos Difíceis, são os “economistas utilitaristas”. Aqueles palhaços que são pagos pelo capital financeiro neoliberal para dizer o que o estudante tem que estudar. A bíblia número um desses palhaços do mercado financeiro é ensinar a criança a ser, desde cedo, poupadora, enriquecedora, que combata o outro, competitiva, egoísta. E a Escola Sem Partido é uma aberração levada ao seu plano mais abjeto, como o PL 4330 da Câmara, hoje PLC 30/15, que propõe a terceirização total. Nós estamos numa era ofensiva do Capital no Brasil e em várias partes do mundo. É vital. As lutas sociais, das trabalhadoras e dos trabalhadores, dos movimentos sociais, dos sindicatos, dos poucos partidos de esquerda que não se curvam a esse pântano, das periferias, da juventude que está ocupando as escolas, dos movimentos dos sem teto, dos sem terra, contra as barragens, pelo passe livre, é dessa amalgama das lutas sociais, populares e sindicais que nós haveremos de resistir a essa onda regressiva, conservadora, autocrática, neoliberal. As universidades públicas têm um papel muito importante nisso, porque é o intelectual público que pode, junto com as lutas sociais, refletir sobre que país queremos. E não o intelectual privado, que não é intelectual. É um fantoche privado que repete uma lógica onde o enriquecimento é para 1%. Nós temos uma dilemática mundial, que o occupy wall street nos indicou, que os levantes e rebeliões do oriente médio e a luta do povo grego, espanhol, italiano, francês mostraram. Hoje há uma rebelião na França contra um governo “socialista”. Meu amigo Michel Levy diz “é um governo de extremo centro.” É ótimo [risos]! É um governo fantoche de extremo centro. A classe trabalhadora francesa e a juventude realizam uma greve de grande proporção contra uma legislação social precarizadora do trabalho. Nós haveremos de ter uma resistência forte na luta contra a terceirização e uma das primeiras medidas que o governo Temer quer fazer, uma verdadeira temeridade, é nos impor a terceirização. Essa Escola Sem Partido é um vilipêndio contra a escola republicana e pública. É a escola do privatismo neopentecostal da bíblia lida pela sua vertente mais nefasta. É a aparência da neutralidade para se consolidar um dogma onde a mulher não pode decidir o aborto, um homem não pode amar outro homem, uma mulher não pode amar outra mulher, porque foge o padrão “tradicional de homem e mulher”, e a escola deve ser um puro canal mercantilizado e mercadorizado reprodutor de um país do sul do mundo, cujo lixo produtivo é o seu destino. Nós temos que nos rebelar.

 

AD: Acho que você já respondeu minha última pergunta, que era sobre as perspectivas de resistência...

 

RA: Nós temos uma miríade de lutas sociais, sindicais e partidárias. Os movimentos sociais resistem como podem, contra as barragens, as comunidades indígenas, os operários contra a terceirização e a queda dos seus salários, em defesa dos direitos; as mulheres contra o vilipêndio do sexismo; os movimentos ambientalistas são vitais. Ninguém tem, como as comunidades indígenas, um modo de viver tão em harmonia com a natureza, porque os índios sabem muito melhor do que nós, do mundo urbano, como preservar a natureza. Camponeses, operários industriais, assalariados das universidades, os bancários, trabalhadores do setor de serviços, essa nova morfologia do trabalho que vai desenvolver uma nova morfologia das lutas sociais, com novas e velhas lutas, e dessa nova morfologia das lutas sociais nós haveremos de redesenhar uma nova sociedade, com um novo modo de vida, onde o valor humano societal e socialista possa ser recolocado como um valor humano, e não um valor destrutivo, como querem nos impor. A chave é: se eu tenho um partido, ou um movimento social ou sindicato, e quero controlar a esquerda, esse projeto está aniquilado. A esquerda social, política, tem de encontrar quais são as questões vitais da vida cotidiana e fazê-las sobreviver contra a sociedade destrutiva do capital. Tem que haver uma generosidade e o ponto de partida é quais são as questões vitais: a terra, o trabalho, a igualdade de gênero, o respeito às dimensões éticas diferenciadas. Se cada um de nós quiser impor o nosso projeto para que os outros nos sigam, nós começamos errado. E a esquerda tem errado muito. Pra fechar, com um exemplo: não será participando de eleições que nós vamos conseguir. A rebelião de junho nos mostrou, em 2013, que o povo, a população em geral, repudia a institucionalidade brasileira. Nunca o parlamento foi tão degradado no Brasil como agora. Não adianta ficar pensando qual é o nosso próximo deputado. Não é isso que a população quer. Quais são as questões vitais da vida cotidiana? A lógica contra uma sociedade produtora de valores de troca, mercantil, mercantilista, mercadorizada e capitalista e destruidora, nós temos de pensar! E as esquerdas de todo o tipo devem olhar e tomar como ponto de partida as questões vitais do mundo cotidiano. Se fizermos isso, saberemos avançar.                 

           

 

 

Terça, 28 Junho 2016 17:53

 

 

O auditório da Adufmat-Seção Sindical do ANDES-SN não foi suficiente para acomodar todos os interessados no debate sobre “A crise, desafios e perspectivas para as lutas sociais e sindicais”, provocado pelo cientista social Ricardo Antunes, na última quinta-feira, 23/06. Uma das grandes referências nacionais e reconhecimento internacional na área das ciências sociais, Antunes falou sobre as mudanças nos padrões de produção e o aprofundamento da precarização das relações de trabalho, entre outros temas evidentes no cenário nacional.

 

A atividade, organizada pelo Grupo de Trabalho de Política e Formação Sindical (GTPFS) da Adufmat-Ssind, reuniu docentes, estudantes e servidores de vários departamentos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), além de jornalistas e integrantes de movimentos sociais que atuam fora da Instituição.

 

Articulando teoria e prática, Ricardo Antunes demonstrou como as relações de trabalho têm sido devastadas em todo o mundo. Um processo que avança sobremaneira na retirada dos direitos dos trabalhadores, principalmente durante as crises históricas do Capital, como a que vivemos atualmente. “O Capital Financeiro não pode acabar de vez com o trabalho. Mas, junto às demandas de exploração do neoliberalismo, o Mercado Financeiro tem provocado mudanças na morfologia do trabalho de forma absurdamente destrutiva”, afirmou o palestrante.

 

O aprofundamento das terceirizações, quarteirizações e outras formas precarizadas de contrato são exemplos desse processo destrutivo. “Na Europa, hoje, há um tipo de prestação de serviço conhecido como contrato de “zero hora”. A pessoa fica em alerta o tempo todo, porque a empresa pode chamá-la a qualquer momento. Então, quando a empresa precisa, a pessoa vai até o local e realiza seu trabalho em uma ou duas horas. Depois volta para casa e continua à disposição, aguardando novo chamado. Só que ela vai receber, apenas, pelo trabalho realizado nesse curto período de uma ou duas horas que levou para resolver o problema da empresa, sem nenhum vínculo ou segurança nessa relação”, explicou o pesquisador.

 

Da China, país que conheceu recentemente, o docente utilizou inúmeros exemplos de precarização. A (alta) produção a preços módicos, garantidos à custa da mão de obra barata e da total falta de garantias aos trabalhadores, é responsável pela situação de extrema miséria de milhões de pessoas naquele país.  

 

No Brasil, vários projetos de lei ameaçam fragilizar ainda mais as relações trabalhistas. Um deles é o PLC 30/2015, que amplia as possibilidades de terceirização. Para enfrentar a resistência dos trabalhadores, os proponentes de projetos como esse afirmam que a terceirização é o caminho para resolver o alto índice de desemprego. Um engodo para Ricardo Antunes. “A terceirização não emprega. Muito pelo contrário. Se ela emprega 12 milhões de pessoas, é porque, antes, desempregou 16 milhões”, afirmou. Outro projeto de lei que mereceu destaque foi aquele que propõe a prevalência do negociado sobre o legislado nos acordos trabalhistas, o que diminui o poder do trabalhador frente ao patrão.

 

O sociólogo afirmou que há um aprofundamento da divisão internacional do trabalho, que concentra nos países do norte o que é produzido com a melhor qualidade, enquanto os países do sul recebem o “lixo” dessa produção: poluição, desrespeito ao meio ambiente e às pessoas, entre outros.

 

Impeachment

 

Ricardo Antunes deixou muito claro que não defende o governo do PT, nem do PMDB, “ambos parceiros do Capital”. No entanto, observou que houve uma manobra política para demover Dilma Rousseff do seu mandato; um golpe. Para ele, o mais indicado nesse momento seria a presidente reassumir o seu posto e consultar a população sobre a necessidade de convocar eleições antecipadas para a Presidência. Mas isso não alteraria a conjuntura em favor dos trabalhadores.   

 

O plano apresentado pelo PMDB para superar a crise, denominado “uma ponte para o futuro”, está mais para “ponte para o abismo”, segundo Antunes. O professor chegou a destacar trechos do documento apontando os malefícios à população, como a profunda redução dos investimentos nos serviços públicos e, em contrapartida, a abertura ainda maior para o mercado.   

           

Desafios e alternativas

 

Para Antunes, o grande desafio para a classe trabalhadora é transformar-se social e politicamente. “Os movimentos sociais organizados e os partidos de esquerda precisam reinventar um novo modo de pensar as políticas sociais. Alguns são prisioneiros da burocracia, dos processos eleitorais, e essa não é a saída. São as situações da vida cotidiana que vão indicar as alternativas para a construção de uma sociedade melhor, uma sociedade que nós ainda não conhecemos. Isso vai passar pelas reflexões sobre o sentido do trabalho e das lutas sociais”, disse o docente.   

 

O vídeo da palestra com o professor Ricardo Antunes estará disponível em breve no canal da Adufmat-Ssind no youtube.

 

GALERIA DE IMAGENS

 

 

Luana Soutos

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

 

          

 

Quarta, 22 Junho 2016 16:51

 

 

A Adufmat – Seção Sindical do ANDES-SN recebe, nessa quinta-feira, 23/06, às 19h, uma das maiores referências das Ciências Sociais para debater a “Crise, desafios e alternativas para as lutas sociais e sindicais” no Brasil. Ricardo Antunes é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e, atualmente, livre docente da Universidade de Campinas (Unicamp).  

 

Conhecido mundialmente pelas obras ”Adeus ao trabalho” e “Os sentidos do trabalho”, dentre outras, o professor ministrou cursos e publicou artigos científicos em países como França, Inglaterra, Estados Unidos da América, Itália, Portugal, Espanha, Suíça, Alemanha, Índia, Canadá, Argentina, Colômbia, e Equador. Suas principais áreas de interesse são: sociologia do trabalho, teoria social, ontologia do ser social, nova morfologia do trabalho, trabalho e centralidade, classe trabalhadora, ação e consciência, sindicalismo e movimento operário.

 

O evento, organizado pelo Grupo de Trabalho de Política e Formação Sindical (GTPFS) da Adiufmat-Ssind, é gratuito e aberto a todos os interessados. Haverá certificado aos participantes.

 

 

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind

Quarta, 22 Junho 2016 16:42

 

A Adufmat – Seção Sindical do ANDES-SN recebe, nessa quinta-feira, 23/06, às 19h, uma das maiores referências das Ciências Sociais para debater a “Crise, desafios e alternativas para as lutas sociais e sindicais” no Brasil. Ricardo Antunes é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e, atualmente, livre docente da Universidade de Campinas (Unicamp).  

 

Conhecido mundialmente pelas obras ”Adeus ao trabalho” e “Os sentidos do trabalho”, dentre outras, o professor ministrou cursos e publicou artigos científicos em países como França, Inglaterra, Estados Unidos da América, Itália, Portugal, Espanha, Suíça, Alemanha, Índia, Canadá, Argentina, Colômbia, e Equador. Suas principais áreas de interesse são: sociologia do trabalho, teoria social, ontologia do ser social, nova morfologia do trabalho, trabalho e centralidade, classe trabalhadora, ação e consciência, sindicalismo e movimento operário.

 

O evento, organizado pelo Grupo de Trabalho de Política e Formação Sindical (GTPFS) da Adufmat-Ssind, é gratuito e aberto a todos os interessados. Haverá certificado aos participantes.

 

 

Assessoria de Imprensa da Adufmat-Ssind