Quarta, 07 Outubro 2020 09:58

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Althen Teixeira Filho e José Domingues de Godoi Filho*

           

            Em 1992, aproximadamente 1700 cientistas(1), muitos ganhadores de prêmio Nobel em ciências, alertavam num “primeiro aviso” que a humanidade estava em colisão com o mundo natural, por causar danos irreversíveis ao meio ambiente e a recursos críticos (água, solo, ar), levando a uma situação de impossibilitar o sustento da vida.
            Em 2017, 15 mil cientistas (2) de 184 países publicaram um “segundo aviso”, advertindo a humanidade sobre o destino “irremediavelmente mutilado” do nosso planeta. Notificavam que, passados 25 anos desde aquela primeira nota, ocorrera uma diminuição de 25% de água potável por pessoa; aumento do número de “áreas mortas” por poluição nos oceanos em 75%; aumento do desmatamento em mais de 120 milhões de hectares de florestas; decrescimento do número de mamíferos, répteis, anfíbios, pássaros e peixes em 29%.
            Ainda em 2017, a revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences” (3) publicou artigo informando que o mundo já vivia uma "aniquilação biológica" de suas espécies animais, fato considerado uma sexta extinção em massa. Cita o artigo: "Nas últimas décadas, a perda de habitat, a superexploração de recursos, os organismos invasivos, a poluição, o uso de toxinas e, mais recentemente, as mudanças climáticas, bem como as interações entre esses fatores, levaram ao declínio catastrófico nos números e nos tamanhos das populações de espécies de vertebrados tanto comuns como raros".
               Em 8 de agosto passado, alcançamos o “Dia de sobrecarga da Terra”, ou seja, de 1º de janeiro até esse dia, já havíamos consumido tudo o que seria permitido para o presente ano. Depois disso, ou seja, até 31 de dezembro, desfrutamos de bens que “pertenceriam” aos nossos filhos, aos nossos netos.
            Em 13 de agosto, a revista “Nature (4) publicou artigo informando que, devido ao intenso derretimento provocado pelo aquecimento global, a camada de gelo da Groenlândia muito possivelmente não poderá ser mais recuperada, provocando uma elevação dos mares em seis metros ao longo desse século.
            Em 10 de setembro, a “BBC” (5) repassou informe de cientistas que, devido a atividade humana, ocorreu um “declínio catastrófico” da população de vida silvestre em aproximadamente dois terços nos últimos 50 anos. O Dr. Andrew Terry, da “Zoological Society of London”, afirmou: “se nada mudar, a população inquestionavelmente continuará a diminuir, levando a vida silvestre à extinção e ameaçando a integridade dos sistemas dos quais dependemos”!
            A própria pandemia vivida é uma lembrança potente, diária e com um custo de vidas altíssimo de como a natureza e a espécie humana são interdependentes!
            A péssima utilização dos solos; destruição e queimadas de florestas; uso de venenos agrícolas associados com transgenia; minerações; consumismo; opções alimentares que geram obesidades; destruição de nichos ecológicos; plantios de lavouras de árvores e de grãos para alimentação de animais; contaminação e destruição de fontes hídricas; produção e destinação desastrosa de lixo, principalmente o plástico; planejamento familiar, são assuntos de debate de primeira ordem, visando a sobrevivência da humanidade.
            Na contramão de soluções tem-se políticos incompetentes, néscios e corruptos que desconsideram e fragilizam legislações ambientais; o discurso fácil e mentiroso da geração de emprego, renda e “progresso”; o silêncio de instituições científicas e falta de cultura de muitos cientistas; o medo e a insegurança sobre o hoje que temos e o que o amanhã nos reserva!
            Todos esses impactos estão presentes e afetam, em maior ou menor grau, todo e qualquer país, todas as cidades e todos os cidadãos em qualquer região do planeta. Contudo, não é só a integridade do planeta que corre riscos, mas sim o que estamos fazendo com a vida.
Ao tratar da questão ambiental é importante ter claro que não é só o planeta que tem que ser salvo. Por conta do vandalismo que provocamos na sua integridade, há muito tempo ficou óbvio e comprovado que a própria vida biológica está intensamente compromissada na sua sobrevivência.
O tempo de “validade” para a existência da espécie humana dependerá de como vamos cuidar das condições de vida no planeta.
Referências:

  1. World Scientists’ Warning to Humanity (1992) – Disponível em:  https://www.ucsusa.org/resources/1992-world-scientists-warning-humanity - Acesso em 01/10/20.
  2. Mundo vive sexta extinção em massa – e é pior do que parece. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/mundo-vive-sexta-extincao-em-massa-e-e-pior-do-que-parece.ghtml – Acesso em 01/10/2020.
  3. Ceballos,G, G, G, G., Erlich, P.R. and Dirzo, R. Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled by vertebrate population losses and declines. Disponível em: https://doi.org/10.1073/pnas.1704949114 – Acesso em: 01/10/2020.
  4. King, M.D., Howat, I.M., Candela, S.G. et al. Dynamic ice loss from the Greenland Ice Sheet driven by sustained glacier retreta. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s43247-020-0001-2 - Acesso em: 01/10/2020.
  5. WWF (2020) – Living Planet Report 2020 - Bending the curve of biodiversity loss. Almond, R.E.A., Grooten M. and Petersen, T. (Eds). WWF, Gland, Switzerland

 
*Althen Teixeira Filho—Professor da Universidade Federal de Pelotas/Instituto Biologia – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.  
  José Domingues de Godoi Filho—Professor da Universidade Federal de Mato Grosso/ Faculdade de Geociências – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.


Sexta, 25 Setembro 2020 12:06

 

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José Domingues de Godoi Filho

Universidade Federal de Mato Grosso/Faculdade de Geociências
 

O planeta Terra possui idade aproximada de 4,5 bilhões de anos, período no qual foram formados os diversos mosaicos, que geraram um complexo arranjo natural das paisagens com uma enorme biodiversidade. Somos descendentes do Homo Sapiens, surgido, há 200 mil anos. Se considerarmos um período de 24 horas para condensarmos a história da Terra, caberia à espécie humana meros 3 segundos, surgiu às 23h59m57s; o que implica dizer que os espaços terrestres que ocupamos já estavam prontos e disponíveis. A espécie humana, parte integrante de tais espaços, necessita, para sua sobrevivência, se apropriar de recursos naturais que gerem alimentos, vestuário e habitação.

No processo de ocupação dos espaços, a apropriação humana dos recursos naturais estabeleceu relações conflitivas de produção para assegurarem, desenvolverem e ampliarem esse processo.

Os conflitos socioambientais gerados representam o resultado do cruzamento do arranjo natural das paisagens, com o arranjo produzido pela ocupação humana sobre as paisagens.

Ao tratar da questão ambiental é importante ter claro que não é o planeta que tem que ser salvo. Sua integridade não corre risco, mas sim o que está ocorrendo com a vida.

Em tempo de pandemia e incêndios criminosos ou não, o debate colocado sobre qual é a melhor opção – economia ou vida, não faz sentido; além de esconder a discussão fundamental sobre o que fazer e como ultrapassar as agruras do presente. Não há dúvidas que o avanço do neoliberalismo, a mercantilização da vida, a destruição dos ecossistemas causada pelo modelo extrativista (agronegócios, mineração, exploração dos combustíveis fósseis), a extinção de espécies, as mudanças climáticas e a urbano-globalização são questões fundamentais para entender as causas da deterioração da saúde humana e a própria pandemia. Precisamos nos reconhecer obrigatoriamente como parte de um todo vivo e dinâmico; e, que o tempo de validade para a existência da espécie humana será função direta dos cuidados com que tratarmos a vida. O conhecimento acumulado pela espécie humana tornou possível ocupar quase todos os cantos do planeta; mas, também, tornou a espécie humana como a única com capacidade de autodestruição.

A pandemia impõe o desafio de tratar as questões do ambiente como integrante da “Ciência do Sistema Terra”, que preconiza uma visão transdisciplinar do planeta, da vida, da natureza humana e da civilização. Como assinala Prigogine (apud. Casanova(1) ) a reconceitualização das ciências leva a um novo diálogo do homem com o homem e do homem com a natureza, cujo objetivo supremo consistirá em tornar mais transparente o complexo de mecanismos de decisão que assegurem a sobrevivência da natureza e da humanidade, na crise iminente, com caminhos que se bifurcam e em pelo menos um se abre. “A ciência pode e deve ir além de uma perspectiva conservadora”.

A Revolução Científica representa uma grande alteração na divisão e articulação do trabalho intelectual das humanidades, das ciências, das técnicas e das artes e: - “obriga a redeterminar, neste início do século XXI, uma nova cultura geral e novas formas de cultura especializadas com intersecções e campos limitados, que rompem as fronteiras tradicionais do sistema educativo e da pesquisa científica e humanística, assim como na arte do pensar e do fazer na arte e na política”. (1)

A pandemia atual vem sendo abordada de forma “reducionista” em relação ao papel do conhecimento científico (2), isto é, restrita aos “especialistas” que estão informando os governos e a mídia. Como consequência, as análises são limitadas e feitas, de um modo geral, apenas por epidemiologistas, médicos e virologistas. Outras especialidades importantes da ciência que possibilitariam uma visão mais completa de suas causas, são deixadas de fora. Faltam, por exemplo, filósofos, sociólogos, geocientistas, psicólogos, antropólogos, dentre outros.

O momento é extremamente grave e, se olharmos a história humana, não será difícil verificar que desastres da magnitude da atual pandemia provocaram rebeliões, aumentaram a desigualdade, levaram a fome, derrubaram impérios. Certamente a situação atual não será diferente como já vem sendo avaliado por instituições como a ONU, o BIRD, o FMI, a OMC, a OECD.

O cenário exige democratização do conhecimento científico-tecnológico e uma diversidade maior de participantes de diferentes formações, para melhor definir as limitações, as necessidades de novos conhecimentos e a participação dos atores sociais envolvidos com os problemas.

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(1)CASANOVA, P.G. As novas ciências e as humanidades: da academia à política. São Paulo: Boitempo, 2006.
(2)ARANDA, D. La pandemia del pensamento único? Reflexiones más acá del cientificismo. Lavaca, Buenos Aires, 2020.Disponível em: https://www.lavaca.org/notas/la-pandemia-del-pensamiento-unico-reflexiones-sobre-el-discurso-cientifico/ - Acessado em 07 de junho de 2020.
 

Sexta, 21 Agosto 2020 19:14

 

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Publicamos o artigo de autoria de M. Francelina Ibrahim Drummond*  a pedido do Prof. José Domingues de Godoi Filho.

  

A morte de D. Pedro Casaldáliga e o incêndio no Pantanal causaram em mim uma espécie de devastação interior no território das lembranças e me trouxeram, de repente, a reposição da vida na época em que vivia em Mato Grosso. Na forma de texto, eis o que lembrei.
 
Embora o acompanhasse na imprensa ao longo de anos, tive com D. Pedro apenas um encontro ao vivo e foi na circunstância especial dos funerais de padre Burnier que havia sido assassinado em Cascalheira, MT, por policiais que estavam torturando duas mulheres. Ele se impôs àquela covardia juntamente com Pedro e levou os tiros que o mataram. A camisa estava exposta na igreja na missa de corpo presente. Outubro de 1976. Foi minha estreia na realidade bruta de Mato Grosso. D. Pedro na celebração lembrou que os tiros teriam sido para ele; era o mais visado, mas provavelmente os policiais não os distinguiam, e lá se foi o padre Burnier, jesuíta que teve passagem na Igreja mais conservadora, e estava então na via da conversão pelos pobres, trabalhando em missão junto a posseiros e índios na diocese de Diamantino. Fazia muito calor, o cortejo foi longo. Eu e Arnaldo éramos muito jovens de idade e casamento. Talvez fôssemos, e certamente éramos, bonitos e tínhamos esperança, apesar do impacto. E o impacto foi marcante para mim. Quando soube há dias que d. Pedro havia morrido aos 92 anos, me veio à lembrança a figura frágil do pregador dos funerais do padre assassinado, erguendo os braços finos e as mãos abertas como em oração inconformada e clemente. O contraste o marcava, ou pelo menos marcou para mim: na fala traduzia sua força de catalão místico e inconformado. Deu a vida por Mato Grosso, e agora Mato Grosso em um de seus paraísos que nessa época eu imaginava inexpugnável, o Pantanal, está ardendo em fogo que não se apaga e consegue destruir árvores e animais, pássaros e jacarés, pastagens e caminhos, transformando tudo em devastação e cinza. Lugar dos rios amplos e de lagoas imensas, não consegui ver, nas imagens da televisão, nem um só corixo, ou laguinho, invulnerável. Está tudo se convertendo em pó. E ao pó voltou o bispo-poeta, ou um dos nossos Y-Juca Pirama, aquele que deve morrer. Quantas vezes d. Pedro foi ameaçado de morte, de censura, de expulsão. E quantas resistiu, continuou entregando sua vida à crença! E como ele, voltam ao meu convívio pela lembrança (que dói) muitos outros com quem convivemos em Cuiabá, e muitos, quase todos, também estão dormindo profundamente. O convite para o enterro naquele dia remoto de 1976 partiu de João Vieira, Arnaldo me lembrou esse pormenor que também tem um significado. Ele nos chamou para presenciar o acontecimento e certamente sentir o peso da realidade tão perto de nós. A camisa perfurada a bala e manchada de sangue volta a me acenar como um sudário, nunca a esqueci. Tinha sinal de traição, de emboscada e de uma tristeza profunda que outras vezes ouvi descrita ou presenciei em Cuiabá. De sangue a sangue, me lembro um dia quando na porta do cineasta Arne, ele todo emocionado, mostrava os pingos de sangue de um pobre-coitado ferido por um gato à saída da porta de uma pensão, no bairro do Porto. Arne morreu sem ver resolvido o roubo de uma grande área de terra próxima do Xingu, onde pretendia fazer uma reserva. O procurador geral da Funai, um Fulano de Tal Conceição parece que estava envolvido na tramoia. Não sei se esse homem ferido escapou, e ele forma outra corrente com o Antônio. Padre Eduardo o encontrou também ferido e queimado no Hospital Geral e levou-o sorrateiramente para o esconder dos capangas da fazenda no sótão da igreja. As donas da Cruzinha o trataram, e um dia ele desapareceu. A missão de Eduardo foi também de entrega à crença de que os que têm fome e sede de justiça serão fartos. A última vez que o vimos, na Irlanda, cantou uma velha canção irlandesa e tocou acordeon. Queria voltar para o Brasil. Entre as donas da Cruzinha, já não vemos mais dona Heloísa, frágil e fina como dom Pedro, semelhante a ele arrastando termos espanholados, erguendo os braços. A fala a tornava imensa, forte, poderosa; convencia do nada e ia construindo uma rede de ideias, de alusões e amarramentos e chegava a conclusões como grandes oradores. Um encanto! Morreu também embalada nas bem-aventuranças, pensando certamente que os que choram serão consolados. Neca, ou Oswaldina, de vida prática, ativa, direta, franca como andamos precisando de gente. Formavam, para mim, como que anel e dedo: dona Heloísa clamava justiça, Neca nos apoiava como mãe, apenas. E tantas outras, a dona Benedita. Pequena e forte, saída desses índios da Baixada Cuiabana. Com sua benzeção, arca caída ia embora. As da Guarita, dona Venina Paula, que sabia tudo!, Sô Aleixo cuja fala alargava, a meus olhos, aquele território da beira-rio e tornava a baixada maior que o mundo; dona Íris que também benzia e tantas outras que conheciam os matos, os bichos, a vida. Oralice que trançava rede na conversa comprida na beira do rio, no Bonsucesso. E Xá Nega e sô Joaquim, que benzia, o melhor benzedor daqueles lados. Quantas vezes quis ter meu filho lá, acreditando que estaria sempre seguro de mau-olhado, sob a bênção dessas doninhas que faziam mágicas gratuitamente. E todos se ajuntam aos que buscavam a saúde da cultura, sem ferir a alma original xavante, nambikuara, pareci, munki, bororo e tantas outras. Uns jesuítas, outros salesianos. Adalberto, Tomás; outros leigos, como Ariovaldo de riso farto que viveu com os nambikuara. E outros como Günter Krommer, na defesa da luta pela terra em Porto dos Gaúchos, depois roído de malárias entre os índios, na diocese de Lábrea, no Amazonas, onde tudo, como a dor, é imenso. E como é sonho essa lembrança que a morte de dom Pedro e o incêndio no Pantanal desencadearam, vêm todos na corrente da vida. João Vieira acaba de partir, soubemos um ano depois, de quem Arnaldo tem saudade, por suas mãos então estreei a realidade dura de Mato Grosso, no funeral de Burnier. Eudson em defesa dos posseiros, da luta pela terra entre tantas outras lutas e solidário conosco, sem restrição. Dineva, que de freira convencional nada tinha, mas um brilho barulhento, rouco, engraçado e tão firme, tão amorosa, um rastro de luz. Carlos Rosa e Neusa, dos meus conhecimentos mais antigos em Cuiabá, ela já ausente, ele padecendo. Muitos que passaram, muitos que dispersaram a vida como estilhaços na terra cuiabana. E eu hoje como estou entregue à lembrança, deslanchada numa pequena “visão” desses dois fatossínteses - morte do bispo e morte no Pantanal, deixo de ver os que estão aí, vivos, pensando, recolhidos em casa por causa da pandemia, o novo medo da vida e da morte. Mas não os deixo, ou esqueço, porque quero a lembrança com vitalidade concreta, clara. Lá estão poucos, Waldir cujo sorriso desfaz ameaça, mal-entendido, tristeza. Integrado na luta dos negros, é muito mais índio, muito mais bugre de corpo e alma. Não conte com ele no horário certo; goste dele na conversa solta, na recordação, na panfletagem. E Felinto lembra o velho timoneiro que, entra noite, sai dia, continua firme no sonho de ajudar as comunidades quilombolas, os agentes de saúde comunitária, a ideia utópica de pegar mochila e bater para a Latino América e falar um espanhol mesclado, mas com um sorriso sempre e um gesto de mesa delicado ao se alimentar, prova de que teve uma educação fina, como era fina sua mãe dona Dora, de quem, palavra puxa palavra, ideia puxa ideia, me lembro agora, e me lembro também de dona Vita, mãe de Thienes, cuiabana que casou com Rogério catarinense, amigos-irmãos que hoje vivem em São Paulo. Dona Vita e dona Dora também já passaram. Como passou o grande guia que tivemos no Pantanal, o homem que conhecia tudo e sabia o nome do menor passarinho e da planta mais humilde daquele imenso alagado: Sô Milu. Carmelindo. Crente, magro, risonho e muito humilde. Nas horas vagas, barbeiro e cabelereiro que repetia o gesto muito antigo no interior do Brasil: o daqueles que cortam barba e cabelo em domicílio, no terreiro à frente das casas, que os fregueses são pobres, ou doentes, e tudo é feito como caridade. Há muita lembrança, lembrança sem fim. E este texto, que não se destina a coisa alguma senão passar para o papel um pouco de sentimento, é também um texto sem fim. (16/8/2020)
 
M. Francelina Ibrahim Drummond – Foi professora do Curso de Letras/UFMT; UFOP e UFU – Acompanhou a fundação da ADUFMAT.

 

Segunda, 10 Agosto 2020 13:06

 

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José Domingues de Godoi Filho*
 

“Pai não deixou dinheiro de herança, deixou liberdade, amor pela terra, floresta e sertão... Índio aceita terras dos brancos e as fronteiras, mas quer ser respeitado nas suas”. (AnicetoTsudzawere – Cacique Xavante).

 

A Constituição de 1988 incluiu um capítulo para tratar dos povos indígenas, reconhecendo “a sua organização social, os costumes, as crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens". Com isso, se contrapôs a posições do tipo “o povo-índios e não índios – perderá seus últimos redutores. Os valores culturais serão tomados pela religião do minério”. No entanto, desde a sua promulgação, aumentaram as agressões aos povos indígenas, as invasões de suas terras e não foi cumprido o prazo de cinco anos para a demarcação de suas terras.
 
O Deputado Jair Bolsonaro, em 1998, declarou ao jornal Correio Brasiliense – “pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios”. Em campanha para a Presidência da República, fez afirmações do tipo “essa política unilateral de demarcar a terra indígena por parte do Executivo vai deixar de existir, a reserva que eu puder diminuir o tamanho dela eu farei isso aí’; e, reiterou, por várias vezes,  “se eu assumir (a Presidência do Brasil) não terá mais um centímetro para a terra indígena”. E, deixou claro que “se eleito eu vou dar uma foiçada na FUNAI, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho. Não serve mais.”  Bem ao gosto do chefe do Gabinete de Segurança Institucional, se manifestou dizendo que “... vamos desmarcar (a reserva indígena) Raposa Serra do Sol. Vamos dar fuzil e armas a todos os fazendeiros”.
 
Os povos indígenas, convocados pelo Cacique Raoni, em janeiro-2020, se reuniram na Terra Indígena Capoto Jarina (MT) e, denunciaram algo que já estava claro: - "As ameaças e falas de ódio do atual governo estão promovendo a violência contra povos indígenas, o assassinato de nossas lideranças e a invasão das nossas terras”.
 
A chegada da pandemia de COVID-19 foi uma pérola para o Governo Bolsonaro, que apoiado por uma política econômica ultraliberal, a mesma adotada pela ditadura Pinochet e que está falindo o Chile, intensificou sua política genocida contra os povos indígenas, comunidades quilombolas e outras comunidades tradicionais
 
Frente ao descompromisso calculado do Governo Federal, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei 1142/2020, que previa a obrigatoriedade da elaboração e execução de um “Plano Emergencial de Enfrentamento à COVID-19 nos Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas, Pescadores Artesanais e Povos e Comunidades Tradicionais”. O Presidente Bolsonaro, ouvidos os Ministérios da Saúde, da Justiça e Segurança Pública, da Economia e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, vetou vários artigos alegando ausência de demonstrativo do impacto orçamentário e financeiro. Os vetos atingiram a exigência do direito de fornecimento de acesso a água potável e distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção para as aldeias indígenas. Vetou ainda a obrigatoriedade de liberar verba emergencial para a saúde indígena e distribuição de cestas básicas. Nem pensar a obrigação de executar ações, para garantir a essas comunidades a instalação emergencial de leitos hospitalares e de terapia intensiva.
 
Enquanto isso, de março a junho, a OXFAM divulgou que os 42 maiores bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em US$ 34 bilhões, atingindo US$ 157,1 bilhões; as principais  entidades indígenas, em 07/08/2020, registraram 23339 indígenas afetados e 651 indígenas mortos pela COVID-19, atingindo 148 povos e, culminando com a morte de uma das maiores e respeitadas lideranças indígenas brasileiras - o Cacique Aritana Yawalapiti. Tudo diferente do que defendia e fazia um outro militar o Marechal Candido Rondon. Esse pesadelo precisa ter um fim.

 
*José Domingues de Godoi Filho – Professor da UFMT/Faculdade de Geociências.
Quarta, 22 Julho 2020 14:08

 

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José Domingues de Godoi Filho*

EPPUR SI MUOVE
(Galileu Galilei)
 
 
Na primeira metade do século XVII, Galileu Galilei, um dos principais formuladores do método científico, foi condenado pelo Tribunal da Inquisição pela acusação de defender que a Terra girava em torno do Sol. O Vaticano reconheceu, três séculos depois, que a condenação foi um erro; no entanto, há ainda quem acredite que a terra é plana, que as mudanças climáticas não estão ocorrendo e que faça campanha contra as vacinas.

A ciência, um dos saberes construídos pela espécie humana, não se pauta pela verdade revelada, mas sim pela compreensão de como a natureza está organizada; pela busca dos recursos necessários para a sobrevivência; por amplificar a capacidade de percepção dos sentidos; por buscar explicações para entender a transcendência humana e ampliar os horizontes de liberdade. Obviamente, a utilização, sem criticidade, da metodologia científica, de suas premissas e limitações pode gerar conclusões que refletem ou levem a imposições de interesses nada defensáveis.

Vivemos num tempo em que a racionalidade está sendo atropelada e ameaçada pela emoção e, a ciência é olhada com desconfiança e desprezo. Contudo, nos dias de hoje, diante das dificuldades para mentir, são utilizadas com insistência, como fez o Governador de Mato Grosso, afirmações falsas e tentativas de desqualificação de quem se contrapõe aos seus interesses, com  o “objetivo de convencer pessoas para quem a distinção entre fato e ficção, verdade ou mentira, já não existe mais”, como ensina Hannah Arendt

Em momentos de instabilidade social, como a situação inusitada que a humanidade está enfrentando, é comum a postura negacionista desse tipo de dirigente, que não cumpre com as exigências do cargo e procura justificativa em discursos conspiratórios insustentáveis. O negacionismo científico se torna perigosíssimo quando a saúde pública está em questão e a atitude dos dirigentes são muito mais políticas e incapazes de encontrar soluções.

Os ataques, a deslegitimação e o desmonte das instituições de ensino superior públicas é a estratégia utilizada para que a sociedade passe a duvidar da produção científica e do trabalho de formação de profissionais nesses lugares. É a era da pós-verdade, “quando os apelos à emoção, a crenças e a ideologias têm mais influência em moldar a opinião pública que os fatos objetivos”

O estudo Evolução da Covid-19 em Mato Grosso: panorama atual e projeções para as regiões de saúde”, realizado por docentes da UFMT, está baseado cientificamente e utiliza métodos e modelos reconhecidos e adotados por outros pesquisadores no Brasil e no exterior. Ao perguntar “qual é a base científica desse estudo” e responder afirmando “não tem nenhuma”, o Governador demonstra que, ou não leu o relatório, ou não sabe o que é o método científico. Em ambos os casos, está procurando, irresponsavelmente, diminuir consensos científicos, agindo por impulso para esconder o não cumprimento efetivo de suas obrigações e ofendendo trabalhadores docentes de uma universidade pública.

A posição do Governador muito bem se enquadra dentro do que afirma Brotherton (1)“Nossas crenças vêm em primeiro lugar. Nós inventamos razões para elas. Sermos mais inteligentes ou termos acesso a mais informações não necessariamente nos deixa menos suscetíveis a crenças deficientes”.

(1) Brotherton, Rob – Suspicious Minds: Why We Believe Conspiracy Theories.Bloomsbury Sigma, 2016.
 
 
 
*José Domingues de Godoi Filho - Professor da UFMT/Faculdade de Geociências.
 
Sexta, 17 Julho 2020 14:33

 

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Por José Domingues de Godoi Filho *

 
A despeito dos esforços hercúleos e práticas abomináveis de reitores, capachos do MEC, para impor práticas de “flexibilização das aulas presenciais”, houve rejeição   pela ampla maioria das Instituições Federais de Ensino Superior. Para os argumentos muito utilizados do tipo - “ o bom senso precisa prevalecer porque  as TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) são realidade palpável e um centro formador que se considera excelência não pode prescindir desta ferramenta de ensino e aprendizagem, que está anos-luz à frente do giz, mas que pode perfeitamente com ele coexistir”, é importante,  que fique bem claro, que ninguém, que se posicionou contrário ao MEC, propôs resgatar as práticas do ludismo, na Inglaterra do século XVIII.
 

Com a enorme rejeição, em 16 de junho de 2020, o MEC emitiu uma nova Portaria (nº 544), dispondo sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia do nova corona vírus - Covid-19. Revogou portarias anteriores e estendeu o período de autorização até 31de dezembro de 2020.

 

Em 15/07/2020, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), do Ministério da Educação (MEC) informou “ que em parceria com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), está conduzindo uma pesquisa para monitoramento das portarias publicadas este ano, para regulamentar a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia de Covid-19.”

 

Com o apoio e colaboração de seus lacaios, a parceria SERES-CGEE está “convidando” estudantes e professores a se cadastrarem na plataforma de pesquisa e preencher o questionário. Isso depois de prorrogarem o prazo vencido em 11/07 e, desistirem do pedido que haviam feito para que as instituições informassem os dados de seus professores e alunos. Os links foram disponibilizados nessa quarta-feira (15/7).

 

Para participar, é necessário que o estudante tenha estado matriculado no primeiro semestre de 2020, e que o professor tenha atuado em instituições de ensino superior também no primeiro semestre de 2020.Contudo, o acesso ao formulário e seu conteúdo só se dará se for efetuado o cadastro. Uma estranha e capciosa maneira de fichar os envolvidos, com objetivos amplamente conhecidos de governos como o atual, que persegue as universidades; é negacionista e terraplanista; promove redução do orçamento para educação, ciência e tecnologia; intervém na escolha de dirigentes e ataca à liberdade de cátedra.
 

As antigas Assessorias de Segurança Interna (das quais sou testemunha e prejudicado por uma delas) existentes nas universidades públicas, no tempo da ditadura, se apresenta agora de diferentes formas, uma das quais a parceria MEC(SERES)-MCTI (CGEE) parece ser um exemplo a ser vencido.
 

O MEC e seus lacaios ocupantes (ou pretensos) de cargos nas universidades, ao invés de aproveitar a suspensão das aulas para uma reflexão da educação superior e debater rigorosamente os currículos e a formação profissional nos diferentes cursos oferecidos pelas universidades, tendo como referência a evolução das atuais profissões e da criação de outras, em função da evolução tecnológica e das demandas da sociedade para os próximos anos, insiste em piorar as condições de formação de pessoal com a “flexibilização das aulas presenciais”, priorizando a formação de “gorilas amestrados” e profissionais apertadores de botões, alienados e coisificados.

 

Da mesma maneira, o MCTI deveria, dentre outros, explicar o acordo que fez com a empresa norte-americana CISCO System para “acelerar a transformação digital brasileira”, sem licitação, sem chamamento público, sem audiência pública e sem transparência; e, não fazer parcerias para resgatar, de forma capciosa, a provável elaboração de uma nova “lista de subversivos”. Quanto aos lacaios ocupantes de cargos nas universidades, cabe à comunidade universitária denunciá-los e enfrentá-los.

 

*Professor da Universidade Federal de Mato Grosso – Faculdade de Geociências

Terça, 09 Junho 2020 12:37

 

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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Por José Domingues de Godoi Filho
Professor da UFMT/Faculdade de Geociências

 

As degradações e ameaças ambientais geradas ou agravadas pela espécie humana estão crescendo em frequência e intensidade; sendo a atual pandemia um exemplo cabal do resultado que chegamos com o desenvolvimento desembestado e o desrespeito às mais comezinhas normas de preservação ambiental. Um desrespeito claramente intencional das normas ambientais, para que a “boiada passe”, via precarização ou omissão na fiscalização e aplicação das penalidades previstas em lei.

Com exceção de alguns estranhos seres humanos terraplanistas e negacionistas, a comunidade internacional tem claro que as ameaças ambientais, que também estão contribuindo com as mudanças climáticas, mudarão o futuro da sociedade e do planeta, tal como conhecemos nos dias de hoje. As expectativas são de profundas modificações no mundo do trabalho e com graves implicações nas relações sociais e no aumento da atual escandalosa desigualdade de concentração de riqueza.

Segundo a OIT, um em cada três empregos assalariados nos países do G20 dependem diretamente de uma “gestão eficaz e da sustentabilidade de um ambiente saudável” e que 35% dos empregos da OCDE se encontram diretamente relacionados com a “saúde dos ecossistemas”. Estima-se, por exemplo, que o aumento da temperatura e o stress gerado pelo calor, reduzirão o número de horas de trabalho em 2,2% em todo o mundo, destruindo 80 milhões de empregos.

Para enfrentar o problema, haverá a necessidade de políticas públicas que dependerão da rapidez e determinação em sua abordagem e busca de alternativas. O que nos impõe comprometermos com a manutenção dos ecossistemas; algo que o atual governo brasileiro e o seu ministro do Meio Ambiente não assumiram, de fato, como compromisso. Muito menos reconhecem o que ficou claro desde a I Conferência Mundial de Meio Ambiente – Estocolmo 1972, isto é, os recursos naturais são finitos; contudo, a exploração e consumos continuam desenfreados e sem limites. E mais, sobre o atual ministro de Estado do Meio Ambiente pesam ainda, dentre outros, as seguintes denúncias:

a) O ministro do Meio Ambiente foi condenado por improbidade administrativa pela justiça de São Paulo.

b) O presidente da comissão do Meio Ambiente do Senado protocolou uma denúncia por crime de responsabilidade, contra o ministro do Meio Ambiente, fazendo pedido de impeachment deste ao STF.

c) O aumento do desmatamento, desde 2019, é um fato insofismável e comprovado por instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais.

d) O ministro do Meio Ambiente tem promovido um desmonte da estrutura do ministério, impedindo o funcionamento dos órgãos de fiscalização e controle, como o Ibama.

e) O descumprimento do dever funcional relativo à Política Nacional do Meio Ambiente e à garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225).

f) Atos incompatíveis com o decoro, honra e dignidade da função ao perseguir agentes públicos em razão do mero cumprimento da função.

g) Expedir ordens de forma contrária à Constituição Federal ao promover alterações da estrutura do CONAMA.

Ante o exposto, rever a Política Nacional de Meio Ambiente do atual governo e apurar rigorosamente os atos e manifestações do ministro do Meio Ambiente é o mínimo que a sociedade brasileira deve exigir para impedir que a “boiada continue passando”.
 
Sexta, 05 Junho 2020 16:49

 

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José Domingues de Godoi Filho*

Embora a ampla maioria das Instituições Federais de Ensino Superior tenham rejeitado a possibilidade de utilizar práticas pedagógicas remotas, algumas continuam tentando empurrar, como fato consumado, o que denominaram de “flexibilização das aulas presenciais” para se esconderem e não enfrentarem as polêmicas, o mercantilismo, os interesses escusos e os desgastes das metodologias da Educação à Distância (EaD); com o agravante de que os cursos afetados não foram pensados, nem planejados para serem ministrados à distância.

Como bem ressalta a nota divulgada pelo ANDES-SN , “a modalidade de ensino a distância não se configura em uma simples gravação em vídeo ou conversão em texto daquilo que seria trabalhado presencialmente, de modo que, sem a capacitação específica do(a) docente, é possível que a simples determinação de conversão em ensino a distância seja danosa ao ambiente de aprendizado. Ainda nesse ponto, merece destaque as possibilidades de controle de conteúdo e cerceamento da liberdade de ensinar docente, mediante o uso indevido dos vídeos-aulas. Se em sala de aula o(a)s docentes já estão subordinados a um conjunto de ações do(a)s apoiadore(a)s dos projetos Escola sem Partido, imaginem o que pode ser feito com aulas gravadas e que vão cair no domínio público?”

Como já explicitei em artigo anterior “os riscos envolvidos não são poucos e, as possíveis consequências para a educação pública enormes em todos os aspectos, sejam didáticos, pedagógicos, econômicos, institucionais e profissionais. O lucro ficará com os de sempre.” Por esse motivo, no final de março, capitaneados pela UNESCO (3), foi lançada a Coalizão Global de Educação com “os objetivos de propulsionar, no curto prazo, a utilização de tecnologias de aprendizagem remota ( para esconder a EaD) e, no longo prazo, consolidar o uso de tecnologias de educação nos sistemas regulares de ensino”. A coalizão envolve além da UNESCO, o Banco Mundial, OCDE,ONU,OMS,UNICEF,OIT, grupos empresariais (Microsoft, Google, Facebook, Zoom, Moodle, Huawei, Tony Blair Institute for Global Change, Fundação Telefônica, GSMA, Weidong, KPMG, dentre outros) e organizações filantrópicas, sem fins lucrativos, como Khan Academy, Dubai Cares, Profuturo e Sesame Street.

Nesse cenário de selvageria capitalista global, no meio de uma grave pandemia, mais um sanguessuga divulgado pelo Sindct-Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial. O Sindct publicou uma grave denúncia feita, no final de maio de 2020, pela Associação Brasileira de Profissionais Autônomos de Startups e de Desenvolvimento de Tecnologias – ABStartups. A denúncia é gravíssima e afeta a educação, a ciência e a tecnologia brasileira.

Diz a nota da ABStartups:

“Neste 27 de maio de 2020, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) anunciou conjuntamente com a empresa norte-americana CISCO, sem licitação, sem chamamento público, sem audiência pública e sem transparência, um acordo entre as duas partes, para que a empresa CISCO "acelere a transformação digital brasileira".

O evento de lançamento contaria com a presença do presidente da República, que desistiu de participar na última hora, e contou com a presença do ministro do MCTIC, astronauta Marcos Pontes.

O presidente da CISCO, durante sua apresentação do acordo, pedia em inglês que as lâminas de power point fossem sendo trocadas, numa clara demonstração de que a apresentação era coordenada dos Estados Unidos.

Em seguida, o presidente da CISCO deu uma coletiva de imprensa fechada, quando deu detalhes do acordo e onde se recusou a detalhar investimentos que poderiam incriminar o acordo.

Muito embora se tenha solicitado os termos desse acordo, até o momento o MCTIC e a CISCO não os apresentaram, num total falta de transparência sobre um ato que afetará a soberania nacional.

Até a RNP (rede utilizada pelas universidades) faz parte de referido acordo. (grifo meu)

O presidente da CISCO disse que "em troca" dos "excelentes" investimentos que farão, o MCTIC cederá funcionários, cederá informações e concordará com os termos da CISCO.

Ou seja, o nosso setor público se coloca de joelhos perante uma empresa privada norte-americana, que coordenará TODOS os dados e informações de nossa sociedade.

Isso é gravíssimo! Estão aproveitando a pandemia para "passar a boiada", cuja tentativa vem sendo feita há alguns anos e recusada por todos os ex ministros, tendo em vista o escárnio que é.

Uma ação sem precedentes na história, cujos efeitos serão sentidos pela nação no futuro próximo.

Se a CISCO tem a prerrogativa de, sem licitação, utilizar-se de nossos dados e informações para implantar em todo o Brasil suas tecnologias, inclusive o 5G, ela será soberana no controle de nossa sociedade.

O ridículo chegou ao ponto de o presidente da CISCO entregar um chip 5G para o ministro, dizendo que aquele chip representava a porta de entrada da CISCO no 5G brasileiro, algo que nem regulamentado ainda foi.

Um escândalo sem precedentes!

Pedimos ao Congresso Nacional, ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério Público Federal que ajam imediatamente, freando esta loucura e nos ajudem a responder as seguintes perguntas:

a) Quais os termos desse acordo?

b) Outras empresas internacionais e nacionais foram chamadas para também apresentarem suas propostas?

c) Que tipos de dados e informações da nação brasileira serão disponibilizados para a CISCO?

d) O Governo Brasileiro terá também acesso a esses dados? De que forma?

e) Os sistemas que a CISCO implantará serão abertos e interoperáveis, permitindo que a indústria brasileira desenvolva soluções tecnológicas e elas possam ser aplicadas em todo o País?

f) Quando algum brasileiro desenvolver uma solução, ele terá que submeter a aprovação para CISCO para que tais soluções desenvolvidas "conversem/se conectem" com as soluções CISCO?

g) Como fica a participação de outras empresas de tecnologia da informação e comunicação que investem no Brasil, como as Europeias e Asiáticas?

h) Como será a participação de empresas nacionais que desenvolveram tecnologias abertas e querem participar do mercado Brasileiro e que não seguem o padrão da plataforma da CISCO?

i) Quantos e quais funcionários públicos o ministério vai disponibilizar, às custas dos impostos brasileiros, para a CISCO?

j) As Universidades brasileiras foram informadas desse acordo? Estão de acordo com ele? (grifo meu)

São perguntas que o Governo Brasileiro e a CISCO precisam responder imediatamente.

De outra forma, em breve teremos os sistemas da CISCO implantados em todo o País, obrigando os prefeitos e governadores a comprar soluções CISCO, a preços aviltantes, bem como teremos todo o nosso ambiente de startups brasileiras indo à bancarrota.

É preciso que os órgãos de controle atuem imediatamente, sem pestanejar, garantindo a aplicação da Lei e da Soberania Nacional!”

A denúncia já produziu pelo menos duas reações oficiais, uma do Senador Randolph Rodrigues (Rede/AP), que, em 29/05/2020, protocolou um requerimento junto ao Ministério Público Federal para tomada de providências cabíveis para a defesa dos interesses da sociedade brasileira.

E outra, em 01/06/2020 (REQUERIMENTO DE INFORMAÇÃO N° 556/2020), encabeçada pela Deputada Federal Margarida Salomão (ex-reitora da UFJF), onde requer informações aos Ministros do MCTI e das Relações Exteriores, a respeito do acordo de colaboração assinado em 27 de maio de 2020, entre o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e a empresa Cisco Systems, Inc., sediada nos EUA.

Como tem sido amplamente comentado e divulgado a quase totalidade das universidades públicas não tem acúmulo de discussões sobre a questão porque, salvo raríssimas exceções, os cursos não foram planejados e organizados para serem ministrados na modalidade remoto, nem possuem infraestrutura para tal, especialmente no que se refere aos meios de comunicação e capacitação dos envolvidos.

No meio de uma dramática pandemia aproveitar para “passar a boiada” é uma atitude irresponsável e totalmente desrespeitosa com os interesses da ampla maioria da sociedade brasileira. É colaborar e se comportar como capacho dos descompromissos do Estado com a educação e a ciência desenvolvida nas universidades públicas brasileiras.

Com a devida licença do grande poeta das montanhas de Minas, há uma pedreira nesse caminho, que nesse caso escabroso atravessa a autonomia da educação, da ciência e da tecnologia do país: - no caminho da flexibilização das aulas tem um(a) CISCO; tem um(a) CISCO no caminho da flexibilização das aulas.

Para aqueles que insistem em “passar a boiada”  com o discurso de estarem “preocupados” com a sociedade fica a sugestão de repetirem a iniciativa da UFBA, isto é, realizar um Congresso Universitário com participação aberta de toda a comunidade universitária, dos movimentos sociais e de todos os interessados na defesa e construção de uma ciência pública e de uma universidade pública, autônoma, laica, democrática e gratuita.

*Professor da Universidade Federal de Mato Grosso/Faculdade de Geociências.

 

Quinta, 07 Maio 2020 12:36

 

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Por José Domingues de Godoi Filho*
 
 

Nos últimos quarenta anos, para defender uma universidade pública, autônoma, gratuita, laica e democrática, foram realizadas mais de uma dezena de paralisações, por docentes, discentes e técnicos-administrativos. Paralisações que chegaram a atingir mais de quatro meses. Todas repostas integralmente, sem nenhuma balbúrdia ou plantação de papoulas, cogumelos ou canabis.

Então, por que de tanto apressamento para o que estão denominando de “flexibilização, em caráter excepcional e temporário, do desenvolvimento de estratégias de ensino-aprendizagem por meio de Tecnologias da Informação e Comunicação em substituição às estratégias presenciais para o Ensino de Graduação”?

A minuta da proposta que será submetida ao CONSEPE- Conselho de Ensino e Pesquisa é tão pornográfica que faria o cartunista Carlos Zéfiro (aquele dos gibis de “catecismo sexual”, dos anos 60) e a escritora Adelaide Carraro ficarem ruborizados.

Com as polêmicas, mercantilismo, interesses escusos e desgastes da EaD, a referida minuta se esconde por detrás do termo “flexibilização” das aulas presenciais para o ensino de graduação. Sem falar, que “...em caráter excepcional e temporário...” também remete aos gibis de “catecismo” de Carlos Zéfiro, que, com estratégia semelhante, indicava como utilizar três grandes mentiras( por motivos óbvios, não dá para serem contadas nesse espaço) para convencer a namorada e, assim, chegar aos objetivos buscados.

Com tal ressignificação, tenta esconder a ameaça que ronda o ensino superior público e o trabalho docente; o que já vem ocorrendo e sendo minado desde muito tempo antes da pandemia, para atender os interesses de grandes grupos educacionais mercantis com foco exclusivamente empresarial e no lucro. A educação se tornando “commodity”.  A pandemia apenas está permitindo e facilitando a realização de experimentos em todo o espectro educacional, do ensino superior ao básico. Com tal ressignificação, a flexibilidade será aplicada crescentemente na estrutura física da universidade (por que cidades universitárias?), na exploração do trabalho docente e nos currículos, que em muitos casos já estão defasados e distantes do que se espera de um profissional para os próximos anos. Uma discussão que não tem merecido discussão alguma por parte do CONSEPE e demais instâncias. Afinal, a preocupação do MEC e do capital é que sejam formados profissionais acríticos e adaptáveis aos seus interesses.

A insuspeita The Economist (1), em seu editorial dessa semana, defendendo os interesses do cassino global e dos empresários, conclama a volta as aulas com “cuidado”, colocando a ciência contra os cuidados com a saúde. Nem o Covid-19, quase levando a óbito o primeiro ministro britânico, serviu para sensibilizar.

O mesmo caminho foi o escolhido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em 28/04/2020, quando, praticamente, desconsiderou, em suas indicações, as consequências nefastas da pandemia e a falta de recursos financeiros para educação, em todos os níveis. Sem falar no congelamento de reajustes salariais por mais dois anos e nos R$ 1,2 trilhões doados aos bancos. E a pandemia? Só um detalhe para ornamentar o texto.

Na contramão, o The Wall Street Journal(2) noticiou, em 29/04, que Washington,D.C., assim como partes da Georgia, Texas, dentre outras regiões,  após tentarem a “flexibilização” das aulas presenciais, interromperam as atividades e anteciparam o fim do período acadêmico, após verificarem que havia muita desigualdade social e muitos estudantes estavam ficando para trás – nem todos os estudantes possuem acesso à internet. Também o Le monde (3) divulgou a posição que o Ministro da Educação da França Édouard Philippe apresentou à Assembleia Nacional, onde reconheceu que a flexibilização, também na França, deixou muitos estudantes pelo caminho em função das desigualdades. E, deixou em aberto, para os parlamentares, algumas questões, tais como: - “Quem voltará às aulas? Para fazer o que? Por quanto tempo? E em quantos estabelecimentos?”

O que dizer, então, que ocorrerá no Brasil com suas enormes desigualdades socioeconômicas, se adotada a flexibilização? E nas universidades federais, onde a pesquisa da ANDIFES-2019 apontou que “70,2% dos estudantes das federais brasileiras são de baixa renda, com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo por mês”. E, no outro extremo, “estudantes com rendimento maior que dez salários mínimos, não chega a somar 1% do total”.

Os riscos envolvidos não são poucos e, as possíveis consequências para a educação pública enormes em todos os aspectos, sejam didáticos, pedagógicos, econômicos, institucionais e profissionais. O lucro ficará, como sempre, com os mesmos. Para isso, no final de março, capitaneada pela UNESCO (4), foi lançada a Coalizão Global de Educação com “os objetivos de propulsionar, no curto prazo, a utilização de tecnologias de aprendizagem remota e, no longo prazo, consolidar o uso de tecnologias de educação nos sistemas regulares de ensino”. A coalizão envolve além da UNESCO, o Banco Mundial, OCDE,ONU,OMS,UNICEF,OIT, grupos empresariais (Microsoft, Google, Facebook, Zoom, Moodle, Huawei, Tony Blair Institute for Global Change, Fundação Telefônica, GSMA, Weidong, KPMG, dentre outros) e organizações filantrópicas, sem fins lucrativos, como Khan Academy, Dubai Cares, Profuturo e Sesame Street,

A OCDE(5), membro da coalizão, identificou em 98 países o óbvio, que os recursos mais usados durante a pandemia são, entre outros: Google, Google Classroom, Google Suite, Google Hangout, Google Meet, Facebook, Microsoft one note, Microsoft, Google Drive/Microsoft Teams, Moodle, Zoom, Youtube. 

A partir de suas pesquisas, a OCDE, membro da Coalizão Global de Educação, recomendou a criação de comitês locais ou força tarefa, que fique responsável por coordenar a implementação das estratégias em resposta à pandemia. O trabalho deste comitê deverá ser organizado prevendo duas etapas. A primeira objetivando completar o ano acadêmico e concedendo ênfase a “competências socioemocionais como resiliência e auto eficácia”. A segunda considerando o próximo ano acadêmico, principalmente, se ainda não houver uma vacina contra o Covid-19 e o afastamento social continue necessário.

E no Brasil, não aconteceu nada? Como não podia deixar de ser, na semana seguinte, os sanguessugas, comandados pela “ONG” oficial de empresários da educação intitulada,  Todos Pela Educação – TPE,   coordenou, uma  reunião com a participação do Conselho Nacional de Educação, Undime, Consed e representantes do Banco Mundial, para atenderem o indicado pela OCDE e outros organismos internacionais. Como justificativa,  a necessidade de se discutir pontos centrais da Medida Provisória nº 934, de 01/04/2020, que estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, isto é, da “flexibilização” das aulas presenciais.

Não há, na UFMT, acúmulo de discussões sobre a questão e não será até o dia 06/05, que teremos uma posição aprofundada e madura sobre a questão, sem contar as limitações das reuniões à distância. Se não bastasse, a voracidade em atender os interesses de entidades mercantis da educação e se curvar frente aos desmandos do atual ministro, até os atos produzidos pelo MEC foram anexados ao processo em papel timbrado da ABMES. Importante salientar que a ABMES – Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, fundada em 1982,”é a entidade que representa o ensino superior particular e atua junto ao governo e Congresso Nacional pelos interesses legítimos das instituições educacionais, mantendo seus associados sempre informados, em primeira mão, sobre as principais diretrizes e conquistas para o setor”.

E, mais grave ainda, o processo com os documentos anexados pelos interessados, mostra uma estranha articulação materializada, por alguns, nos dias 29 e 30 de abril para tentar aprovar, de afogadilho, uma decisão extremamente grave para o futuro da universidade.

A pandemia não pode, em hipótese alguma, ser utilizada para descompromissar ainda mais as obrigações do Estado com a educação, em especial com o ensino superior brasileiro, que vem sofrendo enormes ataques. Muito menos servir de trampolim para o que quer que seja e para quem quer que seja.

O mínimo que o CONSEPE deve decidir, já que há um “processo” para ser apreciado, é aprovar: - a discussão da reorganização do calendário 2020 em conjunto com o 2021, após o retorno seguro e liberado pelo comitê de saúde, sem qualquer substituição de atividades desenvolvidas por EaD, flexibilização de aulas presenciais ou ensino remoto para integralização da carga horária dos diversos níveis e modalidades;  debater rigorosa e aprofundadamente os currículos e a formação profissional, nos diferentes cursos oferecidos pela universidade, tendo em vista a evolução das profissões e suas atribuições frente às demandas da sociedade para os próximos pelo menos quinze anos.

Não podemos permitir mais esse golpe contra a universidade e a educação pública no Brasil. Mais do que em outros momentos nos últimos quarenta anos, temos que lutar pelo sonho que nos trouxe até aqui, isto é, a defesa de uma universidade pública, autônoma, gratuita, laica, democrática e socialmente referenciada.

 

*José Domingues de Godoi Filho – Professor da Universidade Federal de Mato Grosso/Faculdade de Geociências

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(1) The Economist. Covid-19 and the Classroom. Open School First. May 02, 2020.

(2) Tawnell D. Hobbs. Some School Districts Plan to End the Year Early, Call Remote Learning too Tough. April 29,2020. The Wall Street Journal - https://www.wsj.com/articles/some-school-districts-plan-to-end-the-year-early-call-remote-learning-too-tough-11588084673
 
(3) Mattea Battaglia. Un retour à l’école progressif et incertain après la fin du confinement lié au coronavirus. Le Monde, 29 avril 2020. https://www.lemonde.fr/education/article/2020/04/29/un-retour-a-l-ecole-progressif-et-incertain-apres-la-fin-du-confinement-liee-au-coronavirus_6038105_1473685.html
 
(4) UNESCO. Global Education Coalition for COVID-19 Response.
https://en.unesco.org/covid19/educationresponse/globalcoalition
 
(5) OCDE. A FRAMEWORK TO GUIDE AN EDUCATION RESPONSE TO THE COVID19 PANDEMIC OF 2020.
https://www.hm.ee/sites/default/files/framework_guide_v1_002_harward.pdf
 
 

 

Quarta, 06 Maio 2020 17:16

 

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Por Althen Teixeira Filho e José Domingues de Godoi Filho*

 

Frente a atual pandemia, a iniciativa do secretário geral da ONU de propor um cessar-fogo de conflitos bélicos no planeta é imprescindível para milhões de necessitados e demonstra um mínimo de senso humanitário.

Guerras são travadas por egoísmos, arrogâncias ou, pela falta de princípios éticos e morais que, há muito, deveriam ser a referência principal nas relações da espécie humana.

Entretanto, bem ao contrário, vive-se outra “guerra”, tão ou mais desumana das que roubam vidas no trovão de um míssil, no sibilo de um projetil ou na agonia de armas químicas.

Essa “guerra” não mata num súbito, mas amargura povos, tortura pela fome, aflige na incerteza do amanhã. Seus “generais”, longe dos campos de batalhas, refestelam-se em caros festins e em luxuosos escritórios urbanos de instituições financeiras. As táticas não visam a morte, mas calculam o domínio subliminar e como converter a energia do trabalho alheio em dividendos pessoais. Nela, botões são gatilhos que digitam cálculos bizarros, transmutando dívidas em repastos de insaciável ganância monetária. O aniquilamento não se faz sobre prédios, mas na desolação da cultura, na ausência do ensino e em profundas trincheiras de obscurantismo. As ordens do dia desvirtuam processos civilizatórios, impedem o progresso, propalam o engodo de promessas jamais cumpridas, jurando um futuro que jamais virá. Os espólios provêm desde vidas intrauterinas, mas também de crianças que choram medo, desesperançadas e degradadas em vidas sem rumo.  A estratégia não usa o impacto do balaço, mas a sutileza de dependência monetária infinda, a artimanha da interferência indevida, a política enquanto arma de corrupção. Essa “guerra” algema em grilhões de falsa moral, exigindo pagamentos não mais devidos, retirando o que não mais se pode cumprir, arrancando o que os povos não mais têm condições de oferecer.

A exploração da força de trabalho e dos recursos naturais pelo “capital” atingiu níveis impensáveis que geraram por questões do tipo, levantadas nos anos 90: - “É preciso merecer viver para ter esse direito? Será útil viver quando não se é lucrativo ao lucro?”

A riqueza mundial produzida é desfrute de ínfimo número de poderosos, nada restando para imensa parcela de miseráveis. Crescem mais o acúmulo das riquezas do que os salários, provocando um sem número de desvalidos. Surgem, sempre exponenciais, o lucro de empresas (bancos, indústria armamentista, de agrotóxicos, farmacêutica, outras), enquanto proventos rareiam ao ponto de não permitir o saciar da fome. Geram-se guetos, favelas, marginalidades sem água, sem esgoto, sem qualidade de vida (se é que podem ser nominadas “vidas”)!

A humanidade está obcecada no egoísmo do acúmulo de bens, na exploração insana da natureza, na financeirização de tudo e de todos.

A pandemia que ora vivemos fere de morte um sistema de especulações, de rendimentos em bolsas de valores, de juros obscenos, de agiotagem, de consumismo desenfreado, de ímpios cálculos que precificam vidas, da primazia de capitais sobre interesses da humanidade.

Então, assim como exigir o fim dos conflitos bélicos, deve-se imediatamente libertar, de uma vez por todas e para sempre, os países dos tentáculos de “dívidas” que sugam energias financeiras, as quais seriam empregadas para o progresso e proteção de cidadãos. A proposta apresentada de simples “suspensão” da dívida por seis meses é grotesca e só atesta falta de dignidade e excelência.

Esta “alforria” seria um marco civilizatório regido por lucidez, bom senso, humanidade, benevolência, amparo, caridade...

Nosso planeta precisa e merece ser, minimamente, mais humano!
 

*Althen Teixeira Filho – Professor da Universidade Federal de Pelotas/Instituto de Biologia – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
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