Sexta, 05 Junho 2020 16:22

 

****

Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

 

 

 Por Fernando Nogueira de Lima*

 

Estão enganados os que afirmam ou acham que o mundo já está no avesso. Basta um olhar em retrospectiva, aqui e alhures, para constatar que ele está girando como sempre girou e continua sendo movido pelos mesmos interesses e forças propulsoras de sempre. Nele, a humanidade caminha como sempre caminhou, ou seja, o mundo nunca este no avesso. E quanto a isso, seja lá por qual motivo for, somos testemunhas, quando não, réus confessos.

 

Ao exercitar dia a dia o egoísmo existencial estamos ficando, uns menos e outros mais, insensíveis à dor dos que são injustiçados diante dos nossos olhos, ao vivo e em cores. Por isso, mesmo diante de tantos absurdos praticados o nosso protestar, assim como o nosso prantear tem local e hora para ocorrer e terminar. E assim, temos nos acostumado a viver e a conviver com a crueldade do ser humano revelada em inúmeras práticas abomináveis.

 

Ao que parece, a fúria e a maldade são características congênitas da espécie humana. Nascemos com elas, seguimos vivendo e até mesmo morrendo sob a égide e por causa delas. Somente assim, para explicar as atrocidades perpetradas pelo homem contra o homem, desde os primórdios da humanidade, denunciando a dificuldade que tem para abrir mão da liberdade, aqui abarcada como a coisa mais importante no estado de selvageria.

 

Diante de tantas barbaridades, aqui e mundo afora, busco e abraço o saber e a sabedoria, a arte e a cultura, a tolerância e a paciência, a retidão e a paz de consciência, o silêncio e a introspecção, para enclausurar a ira e a perversidade que habita em mim, evitando que eu me situe no lugar comum onde, para uns, a vida de muitos outros não tem valor algum.

 

Erguer bandeiras brancas ou coloridas, caminhar em silêncio ou bradando palavras de ordem, empunhar cartazes ou faixas com frases de efeito, levantar #hashtags ou viralizar blackout no instagram, não tem sido suficiente para que sejamos ouvidos e atendidos. Em síntese: agindo por ingenuidade, comodismo, oportunismo, omissão ou por meio de estratégias equivocadas nos tornamos, inevitavelmente, cúmplices e, portanto, culpados.

 

Não meu amigo. Não é por medo que ficamos imóveis ou nos mexemos na direção errada. É pela indiferença e ausência de compromisso social mesmo. É por descaso em relação ao sofrimento alheio. É por ser conivente com a injustiça e com a iniqüidade. É pela busca do poder pelo poder. É por hipocrisia e incapacidade de se indignar. É por outras razões desprezíveis, como a dita supremacia branca. Enfim é por não dar valor à vida de outrem.

 

Esta é a realidade que estamos lidando e não se trata de fatos isolados. Há, sim, motivos para justificar a revolta das pessoas que instigadas pela impunidade estão frustradas, com raiva e com sede de justiça, clamando com palavras e com ações violentas para que se dê um BASTA! a esta afronta cotidiana ao direito à vida. De todas as vidas, indistintamente.

  

Pairam sobre nós, de há muito, nuvens sombrias devido à ausência de justiça. Urge, portanto, que se faça justiça. Não para os mortos, pois para eles a justiça já não se presta. Justiça destinada aos vivos para que uns fiquem em paz e outros sejam punidos exemplarmente, e sempre. Não há dúvidas: somente a justiça poderá nos salvar da selvageria, mormente porque a transitoriedade é uma das características de seus agentes.

 

No mais, estou cansado deste isolamento social. De não poder abraçar quem eu quero abraçar. De não poder ir e vir livremente. De ter que ouvir repetidamente números absolutos de mortos e de acometidos. De presenciar o debate democrático se restringir a quem apóia ou é contra determinado governante. De ouvir tanta verborragia, bravatas, idiotices e insultos descabidos. Estou cansado de quem diz ser de esquerda ou de direita, sem saber do que está falando nem das atrocidades já cometidas por causa desta ou daquela ideologia.

 

Por fim, na ausência de palavras mais apropriadas para concluir estas linhas, eu recorro aos versos da canção que inspirou o título deste texto, para dizer: E eu quero é que esse canto torto feito faca, corte a carne de vocês.

 

*Fernando Nogueira de Lima é Engenheiro Eletricista e foi reitor da UFMT

 

Segunda, 11 Maio 2020 13:09

 

****

Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

 

 
 Por Fernando Nogueira de Lima*

 

Certa vez, em um dos meus textos, motivado pelo sentimento de perda, utilizei a frase: “ninguém verdadeiramente morre enquanto for lembrado”. Alguns dias atrás, um amigo meu, ao se manifestar sobre a morte de um colega, disse: “O nosso céu é do tamanho das lembranças dos que vão depois”. No meu entender são frases que se complementam e que, juntas, revelam um dos propósitos – talvez o mais importante desta vida: o bem viver.

Não raro, na lida desta vida árdua, nos esquecemos de enaltecer as virtudes alheias, de aprisionar nossos vícios e de combater o bom combate. Além disso, duvidamos da nossa capacidade de cultivar boas amizades, de estreitar laços familiares, de agradecer bênçãos recebidas e de recordar com gratidão dos que já encerraram o ciclo natural da vida.

Não bastasse isso, ignorando o livre arbítrio que temos para escolher, optamos pelo egoísmo material, pela insensatez no agir, pelo desamor e pela ausência de fé. E quando surpreendidos pelo imprevisto que nos impõe a todos limites na vida, ficamos estacionados e impotentes sem superar a incapacidade latente de modificar nosso proceder, na vida.

Tanto assim que, ao contrário de exercitar a tolerância e a harmonia, seguimos dando vazão à discórdia e à violência. Em vez de cultivar bons hábitos e boas recordações continuamos alimentando vícios e culpas. Deste modo, vamos desperdiçando esta oportunidade, e mesmo diante do descaso, da dor e do sofrimento que campeia mundo afora, nada aprendemos.

Por conta da verdade difusa nas ruas sem nada de novo, da fome insaciável do poder que se apossa da dignidade alheia, da ignorância que prevalece impedindo o porvir, meu coração se enche de revolta e minha alma em pé clama por justiça e equidade. Por causa das vidas ceifadas, da miséria, da falta de alteridade, de tanto sofrimento existencial, não poderia ser diferente, meu coração se entristece e minha alma se comove e de joelhos chora.

E por causa das lágrimas de “Marias e Clarisses” viajo rumo ao passado, para um tempo em que as letras das músicas importavam. Tempos idos em que a inteligência abraçava a criatividade e as palavras se uniam e juntas denunciavam mazelas deste viver. Palavras que como cuícas haverão de roncar nas lembranças de muitos que irão depois. Valeu Aldir!



*Fernando Nogueira de Lima é engenheiro eletricista e foi reitor da UFMT.

 

Terça, 05 Maio 2020 14:21

 

****

Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
****

 
 


Por Fernando Nogueira de Lima*
 

Por aqui, o dia amanheceu ensolarado e agradável, propício para se dedicar às amenidades da vida. Já nos noticiários, ao contrário, o clima está ruim por conta da intempérie que caiu no tabuleiro da política nacional, prenunciando que muita água ainda irá rolar e cabeças também. Minha expectativa é que a correnteza arraste máscaras e desnude a face oculta da verdade sobre tantas inverdades, maquiadas de dissimulações e de falsos discursos.

Devido à excessiva repetição, desviei, por um instante, a atenção das informações e comentários sobre o atual cenário político, lá no planalto central do país. De repente, me veio à mente a letra da cantiga infantil “Pomar” do grupo Palavra Cantada, composta com o propósito de ensinar à criançada a origem das frutas, cujos versos eu transcrevo a seguir:

“Banana, bananeira/ goiaba, goiabeira/ laranja, laranjeira/ maçã, macieira/ mamão, mamoeiro/ abacate, abacateiro/ limão, limoeiro/ tomate, tomateiro/ caju, cajueiro/ umbu, umbuzeiro/ manga, mangueira/ pêra, pereira/ amora, amoreira/ pitanga, pitangueira/ figo, figueira/ mexerica, mexeriqueira/ açaí, açaizeiro/ sapoti, sapotizeiro/ mangaba, mangabeira/ uva, parreira/ coco, coqueiro/ ingá, ingazeiro/ jambo, jambeiro/ jabuticaba, jabuticabeira”.

Pois é, minha mente tem disso. Como se tivesse vontade própria me mostra, vez por outra, como entender melhor o que meus olhos e ouvidos estão a ver e a ouvir. Desta feita, a mensagem esclarece que não há porque eu ficar surpreso com esse temporal aí, pois ele era previsível. E cá pra nós, a forma que ele desabou e suas especificidades também estão dentro do espectro da previsibilidade. A equação não é complicada, pois, também na natureza humana “laranja, laranjeira/ limão, limoeiro/ mexerica, mexeriqueira...  

Nessa linha de raciocínio, acrescento uma frase que também reflete o óbvio: “ninguém dá o que não tem”. Por isso, conforme disse Abraham Lincoln: “você pode enganar uma pessoa por muito tempo; algumas por algum tempo; mas não consegue enganar todas por todo o tempo”. Porém, nada mudará se a sociedade continuar aceitando ser enganada: inconscientemente - por ignorância ou ingenuidade; conscientemente - por comodidade ou escassez de indignação; deliberadamente - por conveniências pessoais ou coletivas.

O que pensar de uma república em que a carta magna pode sofrer - no âmbito de poderes constituídos, investidas com o fito de desrespeitá-la ou de desfigurá-la. E o que aguardar de uma sociedade em que a pretexto de defender o regime democrático, clama-se - à luz do dia e no breu de interesses nada republicanos-, por medidas que contraditoriamente negam a democracia e que, não importando a forma ou os argumentos postos, rasgam a Constituição. 

O que dizer de uma coletividade que submete o seu futuro a inútil disputa em que sairá vencedor os responsáveis pelo panelaço que fizer mais barulho ou que seja mais divulgado na mídia. E, nesse agir, aceita invadir ruas e avenidas, em dias e horários pré-definidos, e amplamente divulgados, empunhando bandeiras de causas que contemplam os mais diversos propósitos, nem todos democráticos. Para, depois, uns comemorarem a tática levada a efeito e outros ficarem pensando que contribuíram para salvaguardar a liberdade.

O que esperar de um povo que vive à mercê de heróis, forjados em períodos de calamidades, em momentos de descontentamento coletivo, em tempos de total perda de credibilidade na classe política e em temporadas de muitos escândalos, vindo à tona. A narrativa tem sido trivial: basta dar conta da sua ocupação, causar polêmica e ter holofotes à sua disposição, que pronto! Eis o nosso herói, desta sexta feira, deste mês de primavera sem cheiro de alecrim para anunciar que, em breve, nada será como antes tem sido, ou já foi. 

E assim, vamos produzindo heróis de araque e tendo fé neles como se fossem mortais divinizados, semideuses, mas, que não resistem a uma chuva com trovoada. Além disso, insistimos em negligenciar o significado da palavra herói e continuamos desconhecendo pessoas notáveis da nossa história real, imersos que estamos neste cotidiano em que o número de indivíduos crentes de que a realidade acontece nas redes sociais, só aumenta.

Nesta conjuntura, no exercício da cidadania, mesmo descrente, é imperativo ter atitudes que contribuam para a construção de um país próspero e de uma sociedade livre, justa e solidária. Até lá, além do isolamento responsável e do uso obrigatório de máscaras é preciso se vacinar contra a mesmice, a ignorância, os falsos profetas e a má política. E mais, é inadiável se deixar contaminar pela curiosidade, pela leitura, pelos fatos e pela boa política.


*Fernando Nogueira de Lima é engenheiro eletricista e foi reitor da UFMT.

Sexta, 10 Janeiro 2020 12:32

 


****


Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
**** 

Fernando Nogueira de Lima*

 

Dia desses, andava eu à toa num shopping quando me vi diante do José Saramago. E, então, para não perder a oportunidade de conversar com o Nobel de literatura me dirigi até ele e manifestei esse meu desejo. Pois bem, minutos depois, confortavelmente sentado em um dos bancos espalhados naquele espaço comercial, iniciei uma agradável e instigadora conversa com o escritor português sobre o pedido de perdão da Igreja Anglicana a Charles Darwin, que se deu por ocasião da comemoração dos duzentos anos do seu nascimento.

De saída, colocando em dúvida a existência deles, afirmou que para os leitores ingênuos isso é uma boa notícia. Esclareceu que nada tem contra pedidos de perdão que, segundo ele, ocorrem quase todos os dias por uma ou outra razão. Todavia, apressou-se a colocar em dúvida sua utilidade, pontuando que mesmo se o Darwin fosse vivo e aceitasse o pedido não apagaria uma única das injustiças sofridas. Assim, o único beneficiado é mesmo a Igreja Anglicana que, sem despesas, veria aumentado seu capital de boa consciência, disse ele.

Não parou aí e lançando mão da ironia como figura de linguagem, recurso linguístico cada vez menos utilizado entre nós e quando empregado cada vez menos compreendido, disse que deveríamos agradecer o arrependimento, ainda que tardio, pois talvez estimulasse o Papa Bento XVI a também pedir perdão a Galileu Galilei e Giordano Bruno, destacando que este cristão foi caridosamente torturado até a fogueira em que foi queimado.

Distanciei-me dos seus argumentos e fiz considerações sobre o perdão na perspectiva de quem perdoa que, a meu sentir, nada tem a ver com esquecer o que se deu, e sim com deixar de sofrer ao se lembrar do ocorrido. Afirmei que perdoar alguém pós-morte ou a quem pede perdão movido pelo arrependimento, ao assumir os erros do seu proceder reconhecendo a injustiça cometida e os males dela advindos é opção para deixar a vida seguir em frente, virando páginas de um passado ruim do livro da vida, que insiste em se fazer presente.

Destaquei, também, que guardo comigo boa dose de desconfiança quanto às verdadeiras motivações para o remorso transformado, tardiamente, em ação. Pois, mesmo diante da hipótese de benefícios para a história, para a ciência, para descendentes ou para a popularização da prática do perdão, aqui e alhures, nada mais é do que uma súplica inútil. É um grito solto aos quatro ventos, porém, sem eco advindo de quem não pode mais perdoar.

Por conta de compromissos outros tivemos de suspender a conversa, convencidos de que iríamos nos encontrar outras vezes - não mais ali, para dialogarmos sobre este e outros assuntos do cotidiano da vida e sobre alguns personagens da história contemporânea. Então, antes de nos despedirmos, conclui meu raciocínio anterior dizendo que em relação a quem não tem consciência do erro cometido ou a quem não carrega culpa pela atitude perpetrada não há que se falar em perdão, e que, nesses casos, resta apenas o diálogo ou a indiferença.

Creio que você deve estar se questionando: o José Saramago? Dias desses? Como assim? Apresso-me a explicar: na verdade, estava eu no tal shopping quando vi um Sebo Cultural para onde me dirigi de imediato, e lá o olhar se direcionou para um dos livros que estavam à mostra na vitrine principal, qual seja o Caderno de José Saramago que contém os textos escritos para o seu blog, durante setembro 2008 a março de 2009. Após comprá-lo, sentei-me no banco mais próximo e vivenciei momentos de excelente leitura e de boas reflexões.

A propósito do tema daquela conversa fictícia, para os que falam que é fácil dizer que temos de perdoar, difícil é fazê-lo, eu respondo que na vida as coisas são simples, nós é que as complicamos em demasia. Parafraseando Ataulfo Alves e Mário Lago, no samba “perdão foi feito pra gente pedir”, assevero: perdão, por ser uma atitude que pressupõe uma via de mão dupla foi feito pra gente acolher e assegurar a plenitude dos benefícios atinentes, dentre eles o de viver sem mágoas e sem ressentimentos.  Em paz com os outros e consigo mesmo.

Por fim, atenho-me a reminiscências de um filme que assisti há muito tempo. Dele, recordo-me do final em que os protagonistas que vivenciavam uma separação litigiosa se encontram, por acaso, quando vinham em direções opostas pela mesma calçada. Diante um do outro, se entreolharam, e em seguida, ele ou ela – não lembro mais quem, disse: perdoe-me. Nada mais foi dito, apenas abraçaram-se carinhosamente e depois, braços dados, seguiram juntos e em paz na mesma direção. Assim terminou o filme e assim termino este texto. 

Que o Ano Novo seja tempo para viver em paz com os outros e consigo mesmo. E, quiçá, também seja tempo para declínio do antagonismo estéril e avanço do pensamento crítico, em prol do bem comum.  

 

*Fernando Nogueira de Lima é engenheiro eletricista e foi reitor da UFMT

Quinta, 31 Janeiro 2019 11:19

 

****
O Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
**** 

 

Por Fernando Nogueira de Lima* 

Onde estávamos nós, quando o futuro incerto, caracterizado pela união da juventude, assustada e revoltada por causa dessas encruzilhadas da vida em que a imbecilidade se encontra com a insanidade, em que a disponibilidade se encontra com a facilidade de se obter, e dão-se as mãos - que cheiram a sangue - para dar passagem à barbárie, ceifando, nas escolas, vidas inocentes e indefesas com tanto ainda por sonhar e viver, quanto amar e ser amado.

O que fazíamos nós quando nessas encruzilhadas da vida em que a covardia se encontra com a impunidade, em que os interesses escusos se encontram com a desvalorização da vida, e num maldito abraço - com cheiro de morte - ceifam vidas de inocentes indefesos e de policiais desapoiados e mal remunerados, nas calçadas e nas escadarias, nos colégios e nos lares, nos morros e fora deles, no cotidiano deste nosso miserável existir.

O quanto estamos nós, indignados com essas encruzilhadas da vida em que a ganância torna-se irmã siamesa da insensatez, em que a ação potencialmente assassina se encontra com atitudes formais porém imorais,  e chafurdando no lodaçal da maldade humana – na busca de moedas de sangue - ignoram a tragédia anunciada, fazendo jorrar uma torrente de rejeitos de minério de ferro que se move com fúria arrastando tudo que encontra, levando consigo inúmeras vidas e deixando um rastro de desolação, dor e tristeza, além de muita revolta e razões para acreditar que mais tragédias como essa ainda estão por vir.

O que achamos nós dessas encruzilhadas da vida em que a encenação se encontra com a hipocrisia, em que a necessidade de audiência se encontra com a certeza da incapacidade de se saber parte da massa de manobra, e de mãos dadas diante da violência - cientes do malefício para a sociedade - optam por priorizar o emocional coletivo em vez das reais causas que ensejam este genocídio que assola o país, dificultando a compreensão dos porquês da inércia vigente, contribuindo para transformar a vida em trágica e lamentável estatística.

O que pode justificar o nosso conformismo diante das encruzilhadas da nossa vida em que, pela ausência das perguntas certas e de reflexões pertinentes, a mediocridade se encontra com a mesmice, em que o egocentrismo se encontra com a cobiça, e de braços dados - quase que espontaneamente com nossa ignorância - alagam nossos dias de inutilidades, de insatisfações, de desavenças e da incapacidade de desejar e promover mudanças ainda que pequenas, óbvias e necessárias, em nossas vidas e na vida de tantos quantos nos querem bem.

O que falta acontecer para entendermos que apesar das encruzilhadas que há na vida, é possível vislumbrar oportunidades para espalhar o bem viver e fazer com que  nossas vidas, em retrospectiva, deixem de ser, aos nossos olhos, uma imagem desfigurada de nós mesmos ou reflexos momentâneos e a mercê da ocasião e de hábitos, desejos e dissimulações alheias, impedindo-nos de perceber que não há como colher as dádivas do futuro se insistirmos em cultivar do passado só um punhado de lembranças de tempos mal vividos e não superados, que tolhem o porvir - cotidianamente e repetidamente - fazendo-nos reféns da síndrome de Carolina, tão bem cantada nos versos da canção popular de outrora.

O que pode ser feito para, afinal, constatarmos que na construção de um futuro menos incerto, no trilhar pelas encruzilhadas da vida, devemos ser capazes de dizer sim à autoestima e à clemência, e de dizer não ao egoísmo, ao querer ter desmedido e aos preconceitos - do alheio e de nós mesmos - pois, assim, enxergando o outro e a si mesmo é que despertaremos a capacidade de dizer sim ao amanhã desejado que, embora possível nunca vem e a coragem de gritar não ao amanhã que nunca virá, das vidas covarde e irremediavelmente interrompidas, que não podem ter sido em vão, tampouco devem ficar impunes vida a fora. 

*Fernando Nogueira de Lima é doutor em engenharia elétrica e foi reitor da UFMT.