A VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS IDOSAS 2023 - Juacy da Silva
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Espaço Aberto é um canal disponibilizado pelo sindicato
para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
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Juacy da Silva*
“Nenhum idoso/idosa será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos,por ação ou omissão, será punido, na forma da Lei”. Artigo 4º, Estatuto do Idoso.
“Todo cidadão tem o dever de comunicar `a autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento” Artigo 6º, Estatuto do Idoso. O canal para denunciar qualquer tipo de violência contra as pessoas idosas é o DISQUE 100, gratuito e que funciona 24 horas por dia.
De acordo com notícia da Agência Brasil, de 02 deste mes de junho de 2023, só nos primeiros cinco meses de 2023, o Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), recebeu mais de 47 mil denúncias de violência cometida contra pessoas idosas, que apontam para cerca de 282 mil violações de direitos como violência física, psicológica, negligência e exploração financeira ou material. Cada denúncia pode ter mais de um tipo de violação de direitos. Erro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.
O número de violações de direitos humanos é 87% maior em relação ao mesmo período de 2022. De janeiro a maio de 2022, mais de 150 mil violações foram anotadas, a partir de mais de 30 mil denúncias. Os números são da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
O mes de Junho além de ser considerado o Junho Verde, voltado para `as reflexões em relação `as questões e desafios sócioambientais; é também considerado o Junho Violeta, ou seja, um mes que tem como objetivo central despertar a população em geral e, principalmente, os governantes, as instituições públicas e também as instituições não governamentais, inclusive religiosas, para esta questão séria e também gravíssima que é a violência contra as pessoas idosas, que são e estão quase sempre extremamente fragilizadas física, mental, material e emocionalmente.
Assim é que 15 de Junho é considerado o DIA MUNDIAL DE CONSCIENTIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA, um momento para pararmos um pouco e reflitirmos sobre a realidade que nos cerca, na família, na comunidade, nas igrejas, nas escolas, nos locais de trabalho, no transporte público e analisemos como estamos tratando nossos idosos e idosas, com a dignidade e os direitos que tem e merecem?
Para melhor entendermos esta realidade cruel marcada pela solidão, abandono, maus tratos,negligência, as vezes cárcere privado e todas as formas de violência que afetam esta enorme camada populacional, principalmente, o contingente que envelhece na pobreza, na miséria e no abandono, precisamos colocar a questão da violência contra as pessoas idosos em um contexto sócio-econômico, politico, institucional, referência básica para que sejam definidas e implementadas as diversas políticas públicas voltadas para, não apenas combatermos esta forma cruel e desumana em que vivem dezenas ou centenas de milhões de pessoas em sua fase final da existência, mas também para resgatarmos a dignidade e qualidade de vida que merecem.
A história mundial tem passado por grandes revoluções nas últimas sete dédacas. Revoluções científicas e tecnológicas, revoluções nos costumes, revoluções culturais, revoluções políticas e institucionais, revoluções na medicina, na indústria farmacêutica, revolução nos sistemas produtivos, principalmente na agricultura, na pecuária, nos transportes e na logística, e, uma revolução quase inpercepível, a não ser para quem se debruça para entender melhor como a população cresce e envelhece, se dispersa ou concentra nos territórios.
Esta última revolução, em um determinado momento tem o nome de transição demogtráfica, de “bonus” demográfico, mas que é na verdade a maior revolução, cujos impactos podem ser sentidos em todas as demais dimensões da vida humana.
Até meados do século passado, o crescimento demográfico decorria de altas taxas de fertilidade e fecundidade e também altíssimas taxas de mortalidade, principalmente de mortalidade infantil.
A expectativa de vida ao nascer no mundo, por volta dde 1900 era de apenas de 32 anos e no Brasil de apenas 30 anos de idade, a mesma dos tempos em que Jesus nasceu, ou seja, durante quase dois milênios a dinâmica demográfica permaneceu praticamente estável e o crescimento demográfico ocorria de uma forma bastante lenta.
Entre 1900 e 1950, ou seja, em apenas meio século, a expectativa de vida ao nascer no mundo, para ambos os sexos passou a ser 45,7 anos e no Brasil atingiu 48,1 anos, deu um salto de 42,8% no mundo e de 60,3% Brasil; contribuindo para o que muitos observadores e estudiosos da demografia ficassem estupefatos diante do que imaginavam e ainda alguns imaginam, estejamos vivendo uma verdadeira explosão demográfica.
A expectativa de vida ao nascer no mundo passa de 45,7 anos em 1950, atingindo 73,4 em 2023, apesar do impacto que a mortalidade por covid-19 provocou em alguns países e deve atingir 80,5 anos em 2050. No Brasil a tendência tem sido a mesma e, em certos aspectos, este processo tem sido mais acelerado do que a média mundial; passando de 48,1 anos em 1950, para 76,2 anos em 2023; para 82,0 anos em 2050. A expectativa de vida ao nascer é diferente entre sexos, as idades aqui referidas referem-se a ambos os sexos.
Mas esta revolução demográfica ou populacional não para por ai, há quem diga que 1950 seja apenas um ponto de referência significativo, não apenas pelo crescimento vegetativo da população, mas principalmente pela concentração da mesma cada vez mais nas cidades, ou seja, a urbanização, seguida da industrialização, do aumento da renda média per capita, apesar dos ainda altos ínidices de pobreza e miséria que marcam esses dois processos.
Todavia, além desses aspectos significativos da revolução demográfica que vem ocorrendo, duas outras dimensões não menos revolucionárias também marcam o perfil populacional da atualidade e suas projeções futuras reforçam muitas precoupações tanto de estudiosos quanto de governantes e instituições públicas.
Referimo-nos ao rápido processo de envelhecimento populacional no mundo todo, principamente na Europa, na América do Norte, em alguns países asiáticos, cujo peso populacional é imenso, como a China, a Índia, o Japão, no Oriente Médio, na Rússia e no Brasil. As excessões ficam concentradas nos países africanos e em alguns outros nos demais continentes.
Na atualidade alguns países como o Japão, a Itália, Portugal e alguns outros países da Europa ou da Ásia, já tem quase um terço da população constituida por idosas/idosas com 60 anos e mais, o que e considerado a “feminilização” no processo de envelhecimento, quando a partir de cada faixa etária a proporção de mulheres em relação aos homens se destaca. Por exemplo, as mulheres representam quase o dobro das pessoas idosas, em relação aos homens, entre pessoas com 90, 95 anos ou mais.
Além deste aspecto da “feminilização” no envelhecimento outro fator que se destaca é que em países subdesenvolvidos ou pobres, mais de 60% ou até 70% da população idosa vive na pobreza ou na pobreza extrema, o que é também uma forma de violência contra as pessoas idosas.
Vamos refletir sobre o aumento da população idosa com 60 anos e mais em relação `a população total e também em relação `a faixa etária de 0 a 9 anos no mundo e no Brasil, entre 1950 e 2023 e entre o momento atual e o ano de 2050.
Em 1950 a população com até 09 anos de idade representava 24,4% da população mundial, ou seja, 610 milhões de crianças, enquanto a população com 60 anos e mais representava apenas 8,1% da população total, ou seja, apenas 202,5 milhões de idosos.
No Brasil em 1950 a pirâmide demográfia indicava que a faixa etária de zero a 09 anos representava 30,8% da população total e a população idosa representava apenas 3,9% da população total; respectivamente, 17,1 milhões de crianças e apenas 2,2 milhões de pessoas idosas.
Atualmente, em 2023, a pirâmide etária da população mundial tem a seguinte configuração: crianças de zero a 09 anos representam 16,7% da população total e as pessoas idosas são 14,2% do total; respectivamente; 1,34 bilhões e 1,14 bilhões de pessoas.
No Brasil temos a seguinte configuração demográfica em 2023: população com até 9 anos, 15,9% do total e população idosa 13.1%; respectivamente, 34,4 milhões e 28,3 milhões de pessoas, ou seja, ambas as faixas etárias estão bem próximas.
As projeções demográficas apontam que em 2050 o mundo terá uma configuração populacional completamente diferente da realidade dos anos de 1950, o mesmo deverá acontecer com o Brasil, quando tanto a população de idosos no mundo quanto no Brasil terá suplantado a população infantil de até 9 anos, como já acontece em alguns países mencionados anteriormente.
Em nível mundial a população infantil de até 9 anos, em 2050, representará apenas 13,8% do total enquanto a população idosa representará 22,1% do total; respectivamente, 1,34 bilhões de crianças e 2,14 bilhões de pessoas idosas, ou seja, as pessoas idosas serão quase o dobro das crianças com até 9 anos.
Como o tamanho médio das famílias tem sido reduzido drasticamente, o “ônus” dos cuidados com a população idosa deverá, como já acontece na atualidade, deslocar-se da família para as instituições públicas e privadas, as chamadas instituições de longa permanência e de cuidados paliativos, tendo em vista que diversas doenças crônicas e ou degenerativas, como diversos tipos de câncer, demências, deficiência física, mental etc, e afetam drásticamente a população idosa, principalmente quem atinge ou supera a faixa etária de 85, 90 ou 100 anos, contingentes esses que tem aumentado e continuam aumentando significativamente no mundo todo, inclusive no Brasil.
No Brasil as projeções indicam que em 2050 as crianças com até 9 anos representarão apenas 13,1% da população total enquanto a população idosa atingirá 29,3% do total; respectivamente, 30,2 milhões e 67,7 milhões de pessoas idosas.
É neste quadro demográfico que precisamos entender a realidade da violência contra a pessoa idosa, tanto no mundo quanto no Brasil, identificar os diferentes tipos de violência e o que pode ou deve ser feito para o enfrentamento desta realidade deseumana.
Existem diversos tipos de violência contra a pessoa idosa, incluindo a violência física, os maus tratos, a psicológica, a financeira e ou patrimonial, a social e outras formas dissimuladas como o abandono, a negligência em relação a este contingente populacional extremamente fragilizado.
O abandono, a discriminação, a negligência, o preconceito, a drisciminação de qualquer origem e forma, enfim, negar ou deixar de garantir todos os direitos e garantias individuais que tanto os tratados internacionais quanto as legislações nacionais estabelecem em relação aos idosos.
Em 16 de dezembro de 1991, através da Resolução 46/91 a Assembléia Geral da ONU aprovou os princípios básicos e fundamentais que deveriam ou devem ser seguidos para que sejam definidas as legislações e as políticas públicas nacionais, das quais o Brasil é signatário, aprovando os termos da resolução 37/51, de 03 de dezembro de 1982, que instituiu o Plano de Ação sobre o envelhecimento.
Nas referidas resoluções e plano de ação a ONU recomenda aos governos nacionais que sigam os seguintes princípios em relação `a população idosa: a) garantir a independência e autonomia dos mesmos; b) garantir o acesso aos bens e serviços públicos que garantam a vida, o bem estar e a segurança das pessoas idosas; c) mecanismos que garantam a participação da população idosa na formulação, implementação e fiscalização das políticas públicas voltadas pare este segmeno populacional; d) garantir de forma preferencial a vida, a saúde e a integridade física dos idosos; e) garantir a auto-realização da população idosa através do acesso, preferencial, aos serviços educacionais; culturais, recreacionais e espirituais, enfim, garantir a dignidade deste contingente populacional que a cada dia aumenta no mundo todo.
No Brasil estatísticas oficiais registraram, em 2021, em média 200 denuncias de alguma forma de violência contra a população idosa, que totalizou mais de 73 mil registros. Todavia esses registros representam apenas uma parcela diminuta do nível de violência contra pessoas idosas, que na realidade pode ser pelo menos tres vezes mais, ou seja, mais de 200 mil casos de violência.
No mundo as estimativas indicam que pelo menos 15% da população idosa sofre algum tipo de violência, ou seja, um universo de aproximadamente 171 milhões de idosos/idosas sofrerão violência nesta ano de 2023.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em diversos de seus artigos garante uma série de direitos e garantias `a população idosa, com destaque para o artigo 230 que estabelece “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhe o direito `a vida”.
Posteriormente, a Lei 10.741 de 01 de Outubro de 2003, mais conhecida como o Estatuto do Idoso, detalhe em profusão todos os direitos e garantias para que a população idosa possa viver esta ultima etapa da vida, com dignidade, respeito e solidariedade.
Todavia, como tantos outros direitos e garantias que constam de nossa Constituição, de Estatutos e Leis especiais, acabam ficando apenas no papel ou o que constuma-se dizer “para inglês ver”.
Assim, neste Dia Mundial da Conscientização da violência contra a pessoa idosa e do Junho Violeta, precisamos ir além deste simples despertar de nossas consciências individuais, precisamos, de fato, lutar individual e coletivamente para que tais dispositivos, direitos e garantias individuais e coletivos voltados `a proteção das pessoas idosas sejam plenamente respeitados, cumpridos integralmente e não apenas objeto de estudos, seminários, discursos, orações e boas intenções.
*Juacy da Silva, 81 anos, professor univeristário aposentado, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy
AS PERIFERIAS EXISTENCIAIS - Juacy da Silva
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JUACY DA SILVA*
Existem diferentes tipos de periferia, incluindo a econômica, financeira, cultural, social e espiritual. Mas o Papa Francisco vem nos exortando em relação a uma periferia que as vezes nós não percebemos ou em nossa hipocrisia de um falso cristianismo ou de uma religiosidade alienada, teimamos em fechar os olhos.
Esta é a periferia existencial, que conecta a realidade material da vida, marcada pela exclusão, a pobreza, a miséria, pela fome, pela discriminacao, pela violência em todas as suas formas que continuam fazendo vitimas inocentes, com a periferia existencial, esta é a conecção entre o mundo material e a dimensao transcendental da vida humana.
O Papa Francisco recebeu no final de agosto de 2021 um grupo de membros da Associação Francesa Lázaro, dedicada às pessoas vulneráveis. Na ocasião, Francisco reforçou o seu apelo em favor do que chama de “periferias existenciais”. Ele declarou: “Num ambiente cheio de indiferença, individualismo e egoísmo, vocês nos fazem entender que os valores da vida autêntica se encontram em acolher as diferenças, respeitar a dignidade humana, escutar, cuidar e servir aos mais humildes”.
O Papa também destacou a respeito das periferias existenciais: “Elas estão frequentemente cheias de solidão, tristeza, feridas interiores e perda do gosto pela vida. Na sociedade vocês podem se sentir isolados, rejeitados e sofrer exclusão, mas não desistam, não se desanimem. Sigam em frente, cultivando no coração a esperança da alegria contagiante”.
Com frequência costumamos esquecer a mensagem de Jesus quando falou “eu vim para que tenham vida e vida em ambundância”, isto singnfica que todas as pessoas tem o direito, como seres humanos, a uma vida digna em sua plenitude, jamais viverem como “lixo humano”, seja na dimensão material ou existencial.
Tradicionalmente, o termo periferia era aplicado apenas para identificar grupos populacionais e assentamentos humanos que viviam fora dos limites das cidades, sem a proteção e a qualidade de vida que a população urbana desfrutava.
Vale a pena recordar que ao longo da história as cidades eram cercadas por muros e outros sistemas de proteção aos “donos do poder” e seus vassalos, contra conquistadores que os ameaçavam sempre. Quem visita a Europa ainda pode ver resquícios dessas muralhas e castelos, mas jamais podemos imaginar o sofrimento de quem vivia nas periferias existenciais desde milênios da história humana.
Posteriormente, o conceito também passou a ser aplicado a quem vive `a margem da sociedade, os pobres, miseráveis, famintos, os sem teto, sem trabalho, sem direitos, sem acesso `a saúde fisica e mental, sem cidadania, `a população de rua, aos migrantes e refugiados que são forçados a sairem de suas terras, de seus países pelas mais variadas razões/causas, principalmente pelos horrores dos conflitos armados, das guerras e das crises climáticas.
Para muitas dessas pessoas , em caráter emergencial, o que pode mitigar sua fome e outras necessidades materiais, não são apenas palavras de conforto mas sim, alimentos/comida, roupas e outros bens que lhes agasalhem ante as intempéries e sofrimento que estão experimentando.
Todavia, tanto entre bilhões de excluidos mundo afora, cujas imagens `as vezes transmitidas pelos meios de comunicação nos chocam, como crianças, idosos e outros grupos de pessoas esquálidas, praticamente cadáveres que perambulam sem rumo, sem destino e sem esperança e milhões que meramente sobrevivem diariamente em cada país, inclusive no Brasil; quanto em tantos outros grupos abastados, que vivem na opulência, desfrutando de uma vida marcada pelo consumismo, pelas pompas , pelo desperdício, pela ganância que busca apenas a acumulação de bens materiais, também encontramos enormes contingentes que vivem no que são denominadas de periferias existenciais.
Diante desta complexidade da vida humana em que as necessidades materiais se entrelaçam com as necessidades emocionais e espirituais, precisamos compatibilizar as formas de enfrentarmos esses desafios, tanto no plano individual quanto organizacional, principalmente em relação `a definição e implementação de políticas públicas voltadas a esses grupos populacionais.
Neste contexto, muitas vezes não basta “dar o pão e o agasalho” ou medidas de protenção física, mas também identificar os liames da vida humana e também reconhecermos que não bastam palavras de apoio, de solidariedade tentando imaginar que um aconselhamento resolve tudo. Sempre é bom lembrarmos que existem diferentes tipos de fome: fome de pão/alimento, fome de justiça e fome de apoio emocional e espiritual e, principalmente, fome de esperança e dignidade!
Para aprofundarmos nosso entendimento das diferentes periferias que nos cercam, precisamos compreender que existem no mundo, por exemplo, mais de 310 milhões de pessoas que sofrem (2023) com depressão e que esta é uma das causas que levam mais de 710 mil pessoas a cometerem suicídio a cada ano.
Essas pessoas vivem seus dramas, que para muita gente é “frescura”, coisa sem importância, mas que para quem é acometido por esta doença éextremamente grave, pois vivem em um labirinto difícil de encontrar a saída e como um ato extremo colocam fim `a própria vida, imaginando que a morte, a auto-destruição seja na verdade uma libertação do sofrimento.
Estima-se, por exemplo, que no Brasil existem mais de 11,5 milhões de pessoas que sofrem de depressão e ou outros distúrbios mentais, enquanto o caos na saúde pública em geral e na saúde mental é a marca registrada da política de saúde em nosso país.
Estima-se que bilhões de pessoas, em diferentes faixas etárias, mas principalmente pessoas idosas que vivem na solidão, no abandono e muitas vezes sofrendo todos os tipos de violência.
A propósito, estamos em pleno JUNHO VIOLETA e dentro de poucos dias será o Dia Mundial de Conscientização da violência contra a pessoa idosa.
Outro tipo de periferia existencial é a situação em que vivem quase 12 milhões de pessoas que estão privadas de liberdade, encarceradas, cuja realidade é extremamente degradante, que para muita gente pode ser caracterizada como a “ante sala” do inferno.
Outro grupo que também vive na periferia existencial é representado por mais de 258 milhões de viuvas e viuvos, 10% das/dos quais vivem na extrema pobreza, isolados, abandonados sofrendo não apenas as carências materiais, mas também e principalmente as carências afetivas, grande parte sem qualquer perspectiva de uma vida futura com dignidade, diante do envelhecimento e de violência física, psicológica, patrimonial, financeira e emocional a que as vezes são submetidas/submetidos.
Neste quadro das periferias existencias também precisamos incluir bilhões de pessoas que estão internadas em hospitais, casas de atendimento paliativo, milhões em estado terminal, acometidos por doenças degenerativas, incuráveis, sem condições `as vezes sequer de adquirem medicamentos ou de receberem atendimento que minorem seus sofrimentos.
É preciso também referirmos `a questão da mortalidade em geral e da mortalidade por grupos demográficos e sociais específicos, que em 2022 foi de aproximadamente 59 milhões de pessoas.
Bem sabemos o impacto que a morte traz para familiares, muitas vezes deixam não apenas um drama existencial, mas também diversas carências materiais para as famílias, principalmente quando esta perda recai sobre crianças e adolescentes.
Basta lembrarmos do drama recente da pandemia da COVID-19 que atingiu mais de 500 milhões de pessoas mundo afora e ceifou mais de seis milhões de vida, com destaque para o que aconteceu no Brasil. Quanto sofrimento cujas consequências ainda estão presentes e atingem enormes contingentes populacionais, que sofrem com as sequelas da covid-19, cujos dramas jamais são conhecidos plenamente.
Além da precariedade no atendimento, falta de vacinas e o negacionismo dos governantes de plantão durante a pandemia em vários países, inclusive no Brasil, a COVID -19 representou e impôs um sofrimento humano muito grande, uma humilhação que afetou profundamente a dignidade humana.
Nesta reflexão sobre as periferiais existenciais não podemos deixar também de mencionar a situação de 55 milhões de pessoas que vivem (2023) com algum tipo de demência, principalmente, com Alzheimer’s, o mais prevalente, cujas projeções indicam que este contingente deve chetar a 78 milhões em 20230 e em torno de 140 milhões em 2050.
Só quem acompanha de perto a evolução da demência, principalmente, em um ente querido sabe o quão profundo é este sofrimento, não apenas para a pessoa diagnosticada com esta doença neurológica (como tantas outras) progressiva e incurável. Aos poucos isto afeta dramaticamente a família toda e deixa marcas profundas em termos psicológicos e emocionais.
Finalmente, nesta caracterização dos contingentes humanos que vivem nas periferias existenciais, onde as necessidades físicas, materiais se entrelaçam com as necessidades de apoio psicológico, psiquiátrico, emocional e espiritual, é importante chamar a atenção para o drama humano de mais de 100 milhões de migrantes que, em decorrência dos horrores dos conflitos armados e das guerras, são obrigados a deixaram suas casas, seus estados e até seus países para buscarem asilo em países distantes.
Neste processo de migração forçada, famílias são abandonadas, desestruturadas, separadas. O Alto Comissariado da ONU para refugiados tem estudos demonstrando que 50% desses mais de 100 milhões de refugiados são constituidos de mulheres e crianças e no caso da Guerra na Ucrania (devido `a invasão Russa) este contingente chega a 90%.
Diante deste drama existencial humano é que o Papa Francisco nos exorta e nos interpela ao dizer recentemente que “as periferias existenciais estão repletas de solidão”, ao que podemos acrescentar, de ansiedade, tristeza, injusticas, discriminação, opressão, violência e a falta de esperança na caminhada.
So assim,podemos avancar como nos exorta o Papa Francisco para uma Igreja Sinodal, onde , como irmãos devemos caminhar juntos; mas também uma Igreja verdadeiramente samaritana, amorosa, profética, que denuncia as injustiças e vai `as raizes das periferias materiais e existenciais e que também anuncia a boa nova do Evangelho, uma boa nova que seja capaz de revolucionar a nossa forma de pensar, sentir e agir e construirmos ou reconstruirmos "um novo ceu", mas também uma NOVA TERRA, onde não exista exploração, usura, desrespeito aos direitos dos trabalhadores e trabalhadores, onde a natureza, a Casa Comum seja plenamente respeitada; sejam reconhecidos os Direitos Humanos e a dignidade de todas as pessoas; e também que reconheçamos o direito das próximas gerações viverem em um mundo onde todos tenham, de fato, igualdade de oportunidades e nao caminhem sem esperança.
Vale a pena refletir também sobre esta outra exortacao do Papa Francisco “Na realidade, de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo. Isto implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista, vê aspetos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes” Fratelli Tutti, 215."
Essas são algumas dimensões quando nos debruçamos sobre a realidade humana que nos interpela e nos fustiga para sairmos de nossa “zona de conforte” e nosso mundo individual, familiar ou mesmo paroquial!
*Juacy da Silva, professor universitário aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Instagram @profjuacy